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segunda-feira, junho 25, 2018

Histórias do Futebol em Portugal (21)... Memórias de uma primeira vez na alta roda do futebol internacional (3.ª parte)

Jorge Vieira e o capitão jugoslavo
antes do pontapé de saída
Com João dos Santos no lugar do castigado – pela dureza chilena – Armando Martins, Portugal voltaria a entrar em campo apenas dois dias depois do jogo de estreia. Os oponentes eram agora os jugoslavos. Equipa, cujo onze se apresentava fisicamente superior ao dos lusos, e além disso estava mais fresco, pois iria entrar em campo no torneio pela primeira vez, contrariamente aos pupilos de Cândido de Oliveira, que haviam gasto energias na pré-eliminatória ante o Chile.
No entanto, Portugal voltou a estar em grande nível, alcançando uma nova e épica vitória, tendo no plano individual o destaque ido para Augusto Silva, cuja estupenda exibição, coroada com um golo – o da vitória por 2-1 – apontado em cima dos 90 minutos lhe valeu o “título” de herói da tarde, tendo, no final, sido transportado em ombros pelos seus colegas de equipa.

Portugal ataca a baliza da Jugoslávia
Tal como ante o Chile, também Portugal esteve a perder, mas a veia goleadora de Vítor Silva esteve deste feita em evidência, com o avançado do Benfica a não se apresentar tão perdulário como no primeiro encontro e a restabelecer a igualdade ainda no decorrer da primeira parte. Pepe, Carlos Alves e Roquete foram igualmente endeusados pela imprensa portuguesa no final do embate com os jugoslavos, graças às suas brilhantes performances. Carlos Alves, o luvas pretas (avó de João Alves), esteve sempre muito seguro na defesa, afastando com classe por diversas vezes o perigo da sua área; enquanto que Pepe esteve em todo o lado, à direita, na esquerda, sempre farejando a bola na tentativa de causar pânico na baliza de Siflis (considerado então um dos melhores guarda-redes da Europa); ao passo que Roquete voltou a ser decisivo em inúmeras ocasiões a negar o golo aos possantes avançados dos balcãs. O aspeto negativo desta partida residiu na expulsão de Valdemar Mota, na sequência de uma carga sobre o guardião contrário quando este já estava no chão com a bola em seu poder. O juíz alemão Birlem não teve complacência e ordenou que o jogador do FC Porto abandonasse o terreno. Mas o mais importante de tudo é que Portugal já ia segunda vitória e os quartos-de-final eram agora uma realidade. Nada mau mesmo para uma estreia deste gabarito internacional.

Quartos-de-final onde figuravam os grandes favoritas à conquista do ouro olímpico, ou o mesmo será dizer, do título de campeão mundial. Argentina, Uruguai, Espanha, Itália e Bélgica (campeã olímpica em 1920) estavam todos na luta. Quis, no entanto, a sorte – ou o azar como mais tarde se viria a revelar – que o adversário dos portugueses no caminho para chegar às meias-finais fosse o aparentemente desconhecido Egito. O nosso país estava num estado de euforia total, e ninguém esperava que depois de eliminar os bravos e agressivos chilenos, e os técnica e fisicamente apurados jugoslavos, o Egito pudesse pôr cobro a esta aventura olímpica. De tal maneira que muita gente já pensava no confronto com a poderosa Argentina do temível avançado Tarasconi (que viria a sagrar-se o melhor marcador deste torneio olímpico), que com um poker (quatro golos) havia contribuído – e muito – para afastar a Bélgica nestes quartos-de-final.

Sfilis, o poderoso guardião dos balcãs
No dia 4 de junho, cerca de 3,500 espetadores assistem no Olímpico de Amesterdão ao último duelo desta ronda eliminar, entre portugueses e egípcios. Roquete, Carlos Alves, Jorge Vieira (capitão), Raul Tamanqueiro, Augusto Silva, César de Matos, Valdemar Mota, Pepe, Vítor Silva, Armando Martins e José Manuel Martins, constituem o “onze” que exibiu orgulhosamente a camisola vermelha da seleção nacional (o resto da indumentária era constituída por calções azuis e meias brancas com nuances de verde e vermelho).
Extremamente velozes e perigosos no ataque, os egípcios criaram dificuldades aos lusos que apesar de tudo exerceram o domínio em vários períodos do jogo. Durante o primeiro tempo, os avançados de Portugal deram que fazer ao último reduto dos africanos, com remates de todas as formas e feitios que obrigavam o guardião Handi e a sua defesa a trabalhos redobrados. Uma bola perdida por parte de Carlos Alves esteve na origem do primeiro golo do encontro, aos 15 minutos, tendo Mokhtar batido o desamparado Roquete.

Posto isto, o equilíbrio imperou até final do primeiro tempo, sem que tenham surgido grandes ocasiões de golos para qualquer das partes. Porém, logo a abrir a segunda parte, Portugal sofre um novo golpe. Augusto Silva é driblado por um egípcio (Riad, no caso) no meio campo, o qual, depois desta maldade ao médio do Belenenses, sai disparado em direção à baliza de Roquete, apanhando desprevenida a retaguarda composta por Carlos Alves e Jorge Vieira, e quando chega próximo do guarda-redes do Casa Pia mais não faz do que um brilhante chapéu que aninhou a bola nas redes lusas. 2-0.

Os lusos esmoreceram um pouco após este novo golpe, mas até final chamaram a si o domínio dos acontecimentos, rematando vezes sem conta à baliza africana na tentativa de minorar os estragos e reentrar na luta pelo resultado. Até que numa dessas incursões, Valdemar Mota – que apesar de expulso na partida anterior pôde estar em campo nesta nova batalha – cruza a bola para Vítor Silva, que a atira para a baliza. Sobre a linha de golo o guardião Handi tenta a defesa, sacudindo a bola já para lá da linha fatal, mas... o árbitro italiano Mauro faz vista grossa e não valida o tento a Portugal, de nada valendo os assobios do público holandês que se mostrava afeto à nossa seleção. Curioso, é que o fiscal de linha – também ele holandês – afirmou ter sido golo, mas Mouro mostrou quem mandava, e categoricamente respondeu aos vivos protestos portugueses com um: não! Não foi golo!

Lance da final Olímpica de 1928
Abalados por esta decisão, os portugueses continuaram, no entanto, a carregar e quando faltavam 14 minutos para o fim Vítor Silva reduziu a desvantagem. Até ao fim, Roquete foi um mero espetador a ver jogar os seus companheiros da frente, os quais lutaram até à exaustão pelo golo que valesse o empate e quiçá levar o tira-teimas para um novo jogo (na época não havia prolongamento, muito menos o desempate por grandes penalidades). A cinco minutos dos 90, Valdemar Mota inicia mais um ataque à baliza africana, fez um centro perfeito para a área, mas não havia ninguém para dar o melhor seguimento ao esférico. E assim se gastava o último cartucho luso no jogo. O sonho chegava ao fim. Portugal estava ingloriamente fora do torneio que haveria de ser (re)conquistado pelos magos do Uruguai numa frenética finalíssima diante dos vizinhos e velhos inimigos do outro lado do Rio da Prata – a Argentina. A Federação Portuguesa de Futebol ainda protestou o jogo, pelo erro do italiano Mauro, que anulou um golo limpo aos nossos rapazes, mas em vão, o Egito seguia em frente.

Apesar de tudo, a imprensa mundial rendeu-se aos portugueses no cair do pano do torneio olímpico de 1928. O jornal parisiense L' Auto escrevia que «Os chilenos chegaram a Amesterdão com a esperança de fazer tanto quanto tinham feito os uruguaios há quatro anos em Paris. Infelizmente para eles, a sorte opôs-lhes, logo no primeiro dia, uma das melhores equipas da Europa». O mesmo jornal escrevia após o desaire da seleção nacional perante o Egito o seguinte: «O onze português é sem dúvida o melhor dos todos os grupos apresentados pelos latinos da Europa».
Augusto Silva, Valdemar Mota e Raul “Tamanqueiro” Figueiredo foram escolhidos pelos jornalistas presentes como dos melhores jogadores revelação do torneio, a par de Monti (Argentina), Rivolta (Itália), Gestido (Uruguai), ou Evaristo (Argentina).
O jornal Echo des Sports, também de Paris, escrevia que «a equipa portuguesa foi uma das mais completas do torneio. Pela sua partida contra o Egito, Portugal merecia não só figurar na meia-final como também na final».

No futebol não existem vitórias morais, é certo, mas não é menos certo que estas são palavras que encheram de orgulho a nação lusa nesta sua primeira aventura (oficial) internacional, como ficou comprovado na receção apoteótica que a comitiva portuguesa teve no Rossio, quando do regresso a casa.
Estava dado o primeiro passo da caminhada que conduziu Portugal à glória e fama internacional dos dias de hoje.

terça-feira, junho 19, 2018

Histórias do Futebol em Portugal (20)... Memórias de uma primeira vez na alta roda do futebol internacional (2.ª parte)


Cândido de Oliveira,
o Timoneiro
Esperança, vontade de aprender e orgulho em servir a pátria no palco mais importante do futebol mundial “invadia” o grupo português que partiu para Amesterdão no dia 22 de maio de 1928. Holanda, França, Luxemburgo, Argentina, Estónia, Egito, Bélgica, Turquia, Estados Unidos da América, Espanha, Uruguai, Alemanha, Chile, Suíça, México, Jugoslávia e Portugal, eis os integrantes do cartaz do torneio olímpico de 1928. Uns mais favoritos do que outros, naturalmente. Jornalistas de todo o Mundo rumaram a Amesterdão para acompanhar os JO, sendo que grande parte deles o fez pelo futebol, a modalidade que movia uma crescente massa adepta no globo terrestre. Alemanha apresentava o maior número de jornalistas presentes nos Jogos, com 54, ao passo que Portugal enviava somente oito, entre outros António Ferro (Diário de Notícias), Adelino Mendes (O Século), Salazar Correia (Ilustração), Ribeiro dos Reis (Os Sports) e Cândido de Oliveira (Diário de Lisboa). Esta última figura viajava para a Holanda com uma dupla função, não só com a responsabilidade de transformar – brilhantemente, como era seu apanágio – em notícia os acontecimentos de Amesterdão, mas sobretudo o de liderar sob o ponto de vista técnico o combinado nacional. Cândido Fernandes Plácido de Oliveira (nasceu a 24 de Setembro de 1896), é uma das figuras mais marcantes da história do futebol em Portugal. Mestre Cândido – como era conhecido – foi o primeiro grande estudioso do futebol em Portugal, responsável maior pelo aparecimento da seleção nacional, trabalhador incansável no sentido de que o futebol português se colocasse ao nível do que acontecia nos outros países da Europa, sobretudo nas suas vertentes organizativas. 

A comitiva nacional antes
partida para Amesterdão
Como já referimos, a comitiva nacional embarcou no Sud Express (comboio) rumo a Amesterdão no dia 22 de maio de 1928. Largas centenas de pessoas foram à gare do Rossio saudar e endereçar votos de “boa sorte” aos “embaixadores” do futebol nacional. A partida foi entusiástica, calorosa e vibrante. Os aplausos da multidão só pararam de se ouvir quando o comboio desapareceu de vista na escuridão do túnel do Rossio. O país – ainda que representado por algumas largas dezenas de entusiastas que marcaram presença no momento do embarque – depositava uma entusiasmante esperança em António Roquete (Casa Pia), Carlos Alves (Carcavelinhos), Jorge Vieira (Sporting), Raul “Tamanqueiro” Figueiredo (Benfica), Augusto Silva (Belenenses), César de Matos (Belenenses), José Manuel Soares “Pepe” (Belenenses), Vítor Silva (Benfica), José Manuel Martins (Sporting), Cipriano dos Santos (Sporting), Jorge Tavares (Benfica), Liberto dos Santos (União de Lisboa), Alfredo Ramos (Belenenses), Armando Martins (Vitória de Setúbal), João dos Santos (Vitória de Setúbal), Aníbal José (Vitória de Setúbal), Óscar de Carvalho (Boavista) e Valdemar Mota (FC Porto). Estes eram os heróis nacionais do povo português, os jogadores que iriam defender a pátria no então palco principal do futebol mundial. Com estes seguiam Salazar Correia, Ribeiros dos Reis e Cândido de Oliveira, que além de jornalistas integravam igualmente os quadros da Federação Portuguesa de Futebol, aos quais se haveria de juntar, em Paris, o tenente-coronel Manuel Latino, membro do Comité Olímpico de Portugal. 

A viagem até Amesterdão durou 40 horas (!), tendo pelo meio a comitiva lusa feito uma escala em Paris, onde pernoitou antes de assentar arraiais na Holanda. Chegados ao país da Tulipas – cerca das 22H00 do dia 24 de maio – ecos de descontentamento desde logo se fizeram ouvir pelos jogadores lusos em consequência da verdadeira espelunca em que foram despejados. As dormidas eram no Holland Hotel, ao passo que as refeições eram servidas no Hotel Suisse. Quartos pequenos e comida má, eram queixas recorrentes dos guerreiros lusos. O primeiro treino da seleção em solo holandês ocorreu – no dia seguinte – no campo do Ajax, clube este cujo massagista foi contratado pela nossa federação para tratar da saúde física dos nossos rapazes. Ainda no dia 24 a FIFA realiza em Amesterdão um congresso, tendo o seu mítico presidente, Jules Rimet, recebido das mãos da rainha Guilhermina (da Holanda) uma condecoração na sequência dos serviços prestados em prol da dinamização do futebol planetário. Rimet agradeceu, cumprimentou todas as delegações presentes e falou na união de todas as nações através do desporto e do futebol em particular. Estavam lançadas as sementes do que viria a ser uma realidade dois anos depois: o nascimento do Campeonato do Mundo da FIFA. O sonho de Jules Rimet estava a caminho. 

Fase do duro
duelo com o Chile
O sorteio do torneio olímpico ditou que o estreante Portugal teria de enfrentar outra seleção nova nestas andanças internacionais: o Chile, numa pré-eliminatória. Feita à adaptação ao “excelente relvado” - segundo nota dos responsáveis técnicos lusos – do Olímpico de Amesterdão, a seleção entrou em ação no dia 27. Sob arbitragem do egípcio Mohamed, Portugal alinhou com: Roquete, Carlos Alves, Jorge Vieira (capitão de equipa), Raul Tamanqueiro, Augusto Silva, César de Matos, Valdemar Mota, Pepe, Vítor Silva, Armando Martins, e José Manuel Martins.
No caminho para o estádio o entusiasmo reinava entre os portugueses. Ainda no hotel, antes da entrada no autocarro que os iria conduzir ao Olímpico de Amesterdão, a comitiva entuou a “Portuguesa”, um ato sentimental e de profunda emoção conforme foi descrito pelos presentes  como um sinal de união e determinação em defender de forma briosa a pátria. O pontapé de saída do encontro ante os chilenos foi dado às 15H00, e desde cedo os sul-americanos atacaram energicamente a baliza de Roquete, sendo que logo ao minuto três abriram o marcador. 

O genial Pepe
Os portugueses pareciam nervosos, cometendo vários erros, e apercebendo-se desse facto aliado à vantagem que tinham no marcador, os chilenos continuariam a carregar no acelerador e aos 14 minutos ampliam a vantagem. Depois disto, abrandaram o ritmo e Portugal acordou! O génio de Pepe começou a aparecer pela ala esquerda. Os lusos começaram a atacar com mais perigo, tendo construído e perdido algumas ocasiões flagrantes de golo. Vítor Silva é um dos perdulários. Os centro campistas chilenos usaram e abusaram da dureza, tendo Armando Martins por duas ocasiões sido vítima da extrema agressividade dos sul-americanos, tendo numa delas tido sido transportado em braços para fora do terreno de jogo. Reduzidos momentaneamente a dez elementos os portugueses não tremem, mas numa perigosa investida chilena valeu a atenção e mestria – na tarefa de bem defender a baliza – de Roquete com um espetacular mergulho a evitar o terceiro. E eis que já com Armando Martins em campo, o até então desinspirado avançado Vítor Silva começa a redimir-se e na sequência de um magistral cruzamento de Pepe reduz, aos 38 minutos, a desvantagem lusitana.
O golo animou as hostes portuguesas e dois minutos volvidos Pepe dá o melhor seguimento a um cruzamento de César de Matos e restabelece a igualdade com que se atingiu o intervalo. 

A segunda parte foi inteiramente dominada pelos portugueses. Na sequência de um canto, a bola é aliviada para longe da zona de perigo, mas José Manuel Martins recupera o esférico a favor dos lusitanos, cruzando em seguida para a cabeça de Pepe endereçar o esférico para o interior da baliza à guarda de Ibacache. 3-2 e pela primeira vez Portugal estava na frente do marcador. O Chile corre então atrás do prejuízo, mas sem sucesso dada muralha que se ergueu no meio campo português. Aos 63 minutos um magnífico passe do belenense Pepe para o portista Valdemar Mota resultou no quarto golo da nossa seleção. Após driblar três chilenos Mota fuzila a baliza contrária. Já sem forças, os sul-americanos ainda esboçam uma ténue intenção de voltar a violar a baliza de Roquete, mas tal intenção não chegou a constituir perigo para o nosso onze, que defendeu com “unhas e dentes” o seu goal . E assim chegava o final, com 4-2 a favor dos nossos rapazes, que desta forma avançavam no torneio, enviando os chilenos para o torneio de consolação (uma espécie de competição destinada às seleções derrotadas na pré-eliminatória e na 1ª eliminatória.  

Mais um lance de perigo no jogo de estreia dos lusos
A imprensa destaca o magnífico António Roquete, que salvou a baliza lusa em várias ocasiões; o formidável Raul Tamanqueiro, cujos dribles diabólicos fizeram as delícias dos cerca de 2,300 espetadores presentes; e o brilhante Pepe, o melhor entre os homens mais avançados da seleção. Na bancada estava presente um dos mais brilhantes pensadores (táticos) do futebol mundial daqueles anos, o austríaco Hugo Meisl, o criador do Wunderteam (equipa maravilha) da Áustria dos anos 20, e que impressionado com a qualidade dos portugueses neste jogo tratou de oficializar um convite para que Portugal visitasse a sua nação logo após o torneio olímpico para um match amigável. Nessa mesma noite o cônsul de Portugal em Amesterdão, Barjona de Freitas, organizava uma pequena festa em honra da equipa nacional, que tão orgulhosa deixara a nação após este épico triunfo. Cá pelo burgo, eram muitos os portugueses que se juntavam junto às redações dos principais jornais (em Lisboa os principais locais de afluência eram o Rossio e a Praça do Comércio) para saber novidades de Amesterdão. Numa época em que as transmissões/relatos de jogos de futebol tanto na televisão como na rádio eram ainda uma miragem, os jornais iam dando as informações – que lhes chegavam por telégrafo – do que ia acontecendo no Estádio Olímpico de Amesterdão através de placards gigantes. E assim que foi dada a informação do resultado final, a multidão explodiu de alegria. Melhor estreia na alta-roda internacional, Portugal não poderia ter tido.
(continua)

terça-feira, dezembro 03, 2013

Histórias do Futebol em Portugal (14)... A revolta dos operários de Alcântara!


A revolta dos operários de Alcântara, bem que podia ser o nome de um filme da autoria do malogrado João César Monteiro, ou o título de uma notícia sensacionalista aludindo ao corte de salários ou a uma ação de despedimento coletivo - situações tão comuns no Portugal dos dias de hoje! - de uma qualquer empresa do popular bairro lisboeta. Mas não, não se trata de qualquer notícia bombástica ou de uma obra de ficção cinematográfica, mas antes de um facto - ainda que metaforizado - que surpreendeu o Portugal futebolístico no ano de 1928, e que ainda hoje é encarada como uma das vitórias mais sensacionais - e sobretudo inesperadas - alcançadas por um modesto emblema na centenária história do desporto rei lusitano. Fazemos alusão ao triunfo do Carcavelinhos Futebol Clube na primeira grande competição de nível nacional - vulgo, o Campeonato de Portugal - na temporada de 1927/28. Fundado em 1912 o Carcavelinhos vivia na sombra dos grandes do futebol lisboeta, o mesmo será dizer, do Sporting, do Benfica, e do Belenenses, sendo apoiado entusiasticamente por um pequeno grupo de operários do emblemático bairro de Alcântara. A popularidade do Carcavelinhos estava porém longe de significar que este pequeno clube pudesse alcançar a glória na exigente prova que era já o Campeonato de Portugal. Mas o que é certo, é que pé ante pé, os operários de Alcântara chegaram ao topo, escrevendo quiçá o capítulo mais entusiasmante da fábula David vence Golias da Grande Enciclopédia do Futebol Português.

Este Campeonato de Portugal fica ainda marcado pelos números expressivos, não só o elevado números de clubes participantes - além dos seus campeões regionais algumas associações, casos de Lisboa e Porto, inscreveram na prova os segundo, terceiro, e quarto classificados dos seus respetivos campeonatos - mas também pelo avolumado número de golos marcados. Uma nota de rodapé também para dizer que à semelhança da temporada transata voltou a instituir-se a Competição de Classificação, uma prova disputada à margem dos campeonatos regionais que servia para apurar mais um leque de clubes para o Campeonato de Portugal.

Vendaval de golos em Lisboa e no Porto

Campeonato de Portugal cuja primeira eliminatória decorreu no dia 4 de março de 1928, e logo com uma série de goleadas que fizeram com que este fosse o certame mais produtivo - no que a golos concerne - da história desta competição que em 1938/39 encerrou portas para dar lugar à atual Taça de Portugal. A maior avalanche de golos ocorreu em Lisboa, no Campo Grande, recinto que acolheu o desnivelado duelo entre o gigante Sporting e o Torres Novas, o respresentante da Associação de Futebol de Santarém saído da Competição de Classificação. Encontro que não teve grande história, ou melhor, a história foi escrita somente em tons de verde e branco, como comprova o pesado resultado de 18-0 (!), a maior goleada de sempre do Campeonato de Portugal. Jurado foi o leão mais feroz apontado à baliza do modesto Torres Novas, já que na sua conta pessoal registou cinco golos, seguido de muito perto por José Manuel Martins e Abrantes Mendes, ambos com quatro tentos.
A norte, no Porto, o emblema mais representativo da cidade, o Futebol Clube do Porto não quis ficar atrás do rival de Lisboa, e na receção - no Campo do Bessa - ao Vila Real alcançou um triunfo por 13-1, com o destaque individual a ir para os hattricks de Freire, Valdemar Mota, e Acácio Mesquita, sendo que este último iria sair deste campeonato consagrado como o melhor marcador dos dragões, com quatro tentos.

Campo do Bessa que nesse dia teve sessão tripla, ou seja, após o vendaval portista seguiu-se um novo vendaval, desta feita protagonizado pelos donos do recinto, o
Boavista, que esmagaram o Lusitano de Vildemoinhos - o representante da Associação de Futebol de Viseu que fazia a estreia na prova - por 8-0, ao passo que para encerrar a maratona futebolística do Bessa o também caloiro Leça Futebol Clube derrotava o experiente - nestas andanças - Sporting de Braga por 2-1, graças à veia goleadora do avançado João da Costa, o autor dos dois tentos leceiros.
Na cidade conhecida como a Princesa do Lima, isto é, Viana do Castelo, o emblema local, o Vianense, caiu aos pés de outra das equipas sensação deste campeonato, o Salgueiros, por 2-1.
Estreia auspiciosa teve também o Fafe - um dos dois representantes da Associação de Futebol de Braga - que em casa, no Campo de S. Jorge, derrotou também por 2-1 a Académica, graças a dois golos de Freitas. Vitória curta seria igualmente alcançada pelo Beira-Mar, de Aveiro, que no seu Campo de S. Domingos bateu os portuenses do Sport Progresso por 3-2. Quanto aos campeões de Portugal em título, o Belenenses, receberam no Campo Grande o Luso Beja, tendo uma tarde inspirada do avançado azul Severo Tiago, autor de três golos, ajudado os pupilos de Artur José Pereira a vencer o combinado alentejano - que até esteve a ganhar - por 7-1.

Também no Campo Grande, que à semelhança do Campo do Bessa foi palco de mais do que um jogo nesse dia, o Casa Pia - cuja estrela-mor era o guarda-redes António Roquete, jogador este que no verão de 1928 defendeu a baliza da seleção nacional portuguesa nos Jogos Olímpicos de Amesterdão - derrotou por 2-1 os setubalenses do Comércio e Indústria. No Barreiro, Bento de Almeida, José Correia, e Agrípio Cardoso, desenharam um triunfo por 3-0 do Barreirense orientado por Augusto Sabbo sobre o União de Lisboa.
Por fim, em Setúbal, o finalista vencido da edição anterior, o Vitória Futebol Clube, não dava hipótese aos representantes do Algarve, o Lusitano de Vila Real de Santo António, que saiu do Campo dos Arcos vergado a uma derrota por 6-1. Vitória de Setúbal que nessa temporada tinha nas suas fileiras um atleta chamado António Palhinhas, que anos mais tarde haveria de se distinguir como...árbitro de futebol, tendo sido ele o juíz da primeira final da Taça de Portugal, disputada em 1939, entre a Académica e o Benfica.

Salgueiristas de alma grande eliminam o poderoso vizinho FC Porto

Quase dois meses depois da realização da ronda inaugural foi dada luz verde para que entrasse em cena a ronda dos oitavos-de-final, e logo com uma enorme supresa a norte. No Campo do Ameal - recinto dos portuenses do Progresso - a balança do favoritismo pendia para o lado do FC Porto na antecâmara do duelo com os vizinhos do Salgueiros. Partida que começou a um ritmo elevado, sendo que logo ao minuto cinco os salgueiristas presentes no Ameal foram ao delírio na sequência de um golpe fatal de Fernando Castro, talentoso extremo-esquerdo de Paranhos que na época posterior a esta histórica campanha da sua equipa iria transferir-se para... o FC Porto, onde jogaria nas oito temporadas seguintes. Festa do Salgueiros que no entanto iria durar apenas um minuto, já que pouco depois da bola ter ido ao centro do terreno Acácio Mesquita restabeleceu o empate. O pequeno - grande - Sport Comércio e Salgueiros não se amedrontou com esta recuperação do gigante da Invicta, e ainda antes do intervalo voltou para a frente do marcador no seguimento de um lance infeliz do portista Augusto Freire, médio que introduziu o esférico na baliza à guarda do seu colega de equipa Mihaly Siska. 2-1 para o Salgueiros, que na etapa complementar segurou heroicamente aquela que seria uma vitória histórica, e para a qual muito contribuiram Soares, Faísca, Sousa, Coentro Faria, Francisco Castro, Evaristo, Ventura, Teixeira, Américo Marques Teixeira, Reis, e Alberto Augusto (este jogador foi, recorde-se, o autor do primeiro golo da história da seleção nacional), os onze magníficos salgueiristas de alma imensa...
Quiçá envergonhados pela derrota ante o modesto vizinho de Paranhos os portistas desafiaram - mês e meio depois - os salgueiristas para um novo duelo - particular, desta feita - para tentar vingar a humilhante derrota, mas aquele não era de facto um bom ano para o FC Porto defrontar o Salgueiros, que na Constituição arrancaria um empate a duas bolas.

Nesta ronda entraria em ação o Benfica - orientado pelo lendário Ribeiro dos Reis, clube cuja estrela principal era Raul Tamanqueiro -, que na deslocação ao terreno do Fafe venceu facilmente a equipa local por 6-1. Fácil também foi o triunfo dos leões - Sporting - sobre os vizinhos do Império, por 4-1. No recém inaugurado Campo do Restelo - propriedade do Belenenses - um bis de José Correia dava a vitória (2-0) do Barreirense sobre os gansos do Casa Pia, enquanto que a norte - no Porto - o Boavista socumbia aos pés do Vitória de Setúbal por 2-4, enquanto que a aventura do Leça terminava diante de um avassalador Belenenses, que no Ameal venceu os leceiros por 8-1. Por fim, em Aveiro, sob a arbitragem do portuense Armando Moura, o futuro campeão de Portugal vencia a equipa da casa, o Beira-Mar, por 3-0, e mal passava pela cabeça dos quase desconhecidos jogadores do emblema de Alcântara que esta seria o início de uma odisseia memorável.

Agressões, insultos, e expulsões na reedição da final de 1927

A 13 de maio deu-se o pontapé de saída nos quartos-de-final da prova, e quis o sorteio que Belenenses e Vitória de Setúbal reeditassem a final da época anterior, que recorde-se havia sorrido aos azuis do Restelo. Só que este foi tudo menos um jogo de futebol, mais se assemelhando a uma batalha campal entre jogadores dos dois lados, travada no Campo das Amoreiras. Pautado por uma constante troca de insultos e agressões que levaram o árbitro do encontro, Armando Moura, a ter de dar ordem de expulsão a alguns atletas, entre outros o internacional belenense César de Matos, que estava já selecionado por Cândido de Oliveira para representar as cores nacionais no Torneio Olímpico de Amesterdão dali a poucas semanas. Pelo facto de ser um lemento fundamental na equipa das quinas a Federação Portuguesa de Futebol perdoou o castigo ao jogador belenense, que assim embarcou na aventura olímpica. Ah, quanto ao resultado desportivo desta final antecipada - assim foi denominado por muitos dos especialistas da bola daquela época - saldou-se numa vitória setubalense por 4-1, com golos de Nazaré (2), Armando Martins, e Luís Xavier, para os rapazes do Sado, enquanto que o lendário Pepe fez o tento de honra dos campeões em título, que assim caiam por terra.

Também nas Amoreiras, mas sem problemas e de forma tranquila, o Sporting batia o Barreirense por 5-0, com tentos de José Manuel Martins, Jurado, João Francisco, Abrantes Mendes, e Agostinho Cervantes.
Épico e emotivo até final foi o Benfica - União da Madeira. Aos 18 minutos os insulares colocaram as Amoreiras em silêncio, na sequência do golo de João Tomás de Sousa. A cinco minutos do descanso Pedro Sousa amplia a vantagem madeirense, e o público da casa teme o pior.
Porém, na etapa complementar apareceu Mário de Carvalho, virtuoso avançado benfiquista, que logo aos dois minutos reduziu para 1-2. O União - que teria nesta a sua única aparição no Campeonato de Portugal - não se acanhou, e três minutos volvidos fez o 3-1, de novo por intermédio de João Tomás de Sousa. A partir daqui Ribeiro dos Reis deu ordem aos seus jogadores para atacarem de todas as formas e feitios a baliza de Manuel de Sousa - de facto esta equipa do União tinha muitos Sousa's! - e ao minuto 63 Jorge Tavares encurta para 2-3 a desvantagem encarnada. O último quarto de hora foi diabólico, muito por culpa de um autêntico diabo à solta no retângulo das Amoreiras, Mário de Caravalho, de seu nome. Com dois golos - aos minutos 75 e 80 - ofereceu ao seu Benfica a passagem à meia-final frente a um União que até final lutou por um resultado positivo.

No Porto, mais precisamente no Campo do Covelo, um confronto de outsiders. Salgueiros e Carcavelinhos, lutavam pela última vaga nas meias-finais. E se contra o FC Porto os salgueiristas haviam sido heróis, ante o conjunto da capital foram uma sombra de si próprios. Os rapazes de Alcântara fizeram o que quiseram dos portuenses, chegando com facilidade à goleada (8-1), com destaque para os três golos de José Domingos e de Carlos Canuto, sendo que este último acumulava as funções de treinador e jogador. Reis foi o autor do tento solitário dos salgueiristas que assim saiam de cena mais cedo do que imaginariam, ainda para mais depois de terem posto fora do comboio um dos favoritos a chegar à estação final.

O sonho começa a transformar-se em realidade

Face ao enquadramento das meias-finais poucos seriam aqueles que não visionavam já um duelo Sporting - Benfica na final do campeonato. Os leões tinham pela frente o Vitória sadino, enquanto que as águias mediam forças com o Carcavelinhos. Favoritos eram pois os grandes de Lisboa. Mas nem sempre a teoria se confirma na prática, pelo menos no caso do Benfica. Nas Amoreiras, a 24 de junho, o Carcavelinhos fez história, Com um futebol dinâmico e artístico o emblema de Alcântara trocou as voltas ao poderoso Benfica, tendo vencido por 3-0 - todos os golos foram apontados na segunda parte. José Domingos, por duas ocasiões, e Carlos Canuto fizeram o gosto ao pé. Acontecesse o que quer que fosse este campeonato já tinha sido marcado pela surpresa chamada Carcavelinhos. Mas a história ainda não estava toda contada.
No outro jogo, também no mítico Campo das Amoreiras, o Sporting derrotava o Vitória de Setúbal por 3-1, com golos de Abrantes Mendes, José Manuel Martins, e Agostinho Cervantes, alcançando assim a desejada final.

Sporting tinha o pensamento no Brasil... e acabou por viver um pesadelo na Palhavã

No dia 30 de junho de 1928 o Campo da Palhavã (Lisboa) era pela primeira vez na sua história palco de uma final do Campeonato de Portugal. Tudo estava preparado para que a festa final fosse pintada em tons de verde e branco, as cores do super-favorito Sporting, que teria como missão provar que o surpreendente trajeto vitorioso do pequeno clube de Alcântara não tinha sido senão um mero golpe de sorte. Como estavam enganados os leões orientados por Filipe dos Santos. Além disso a equipa leonina queria rapidamente decidir aquela final, pois já tinha as malas feitas para no dia seguinte à final fazer uma longa viagem até ao Brasil, país onde iria realizar uma digressão a convite do Fluminense. O passeio até Terras de Vera Cruz terá subido em demasia à cabeça dos jogadores sportinguistas, que não querendo de maneira alguma perder o bilhete de embarque no paquete que os haveria de levar até ao Rio de Janeiro logo trataram de tirar o pé de acelerador na final do campeonato, de modo a evitar lesões que os impedisse de ir passear até ao outro lado do Atlântico. Ousadia que haveria de sair cara ao Sporting.
Até porque do outro lado estava o Carcavelinbos, equipa que para o treinador/jornalista Ribeiro dos Reis, o qual nas meias-finais havia visto o seu Benfica ser eliminado pelo clube de Alcântara, jogava de fato macaco, à operário, pois claro. «Uma equipa que possuí um sistema de ataque verdadeiramente sui generis: eram simulações a passar a bola, simulações a recebê-la, jogadores em corrida para o esférico dando a impressão de o irem dominar mas deixando-o seguir para um companheiro que já previa a manha do movimento, era, enfim, toda uma série de lances em que imaginação se aguçava, rasgava, encantava», escrevia Ribeiro dos Reis na sua análise aos campeões de Portugal de 1928.

Bom, quanto ao jogo propriamente dito - rico ao nível da qualidade técnica, de parte a parte -, o Sporting até entrou melhor, com duas oportunidades flagrantes no primeiro quarto de hora, primeiro por José Manuel Martins, que com um remate forte levou o esférico a sair a escassos centímetros do poste da baliza de Gabriel Santos, e posteriormente por Abrantes Mendes, que isolado perante o guardião de Alcântara permitiu que este num ato de bravura lhe saisse aos pés e ficasse com a posse da bola. Depois disto só deu Carcavelinhos. A magia dos operários de Alcântara entrou em campo, e aos 20 minutos na sequência de uma boa jogada de entendimento José Domingos inaugurou o marcador.
No segundo tempo o Sporting correu atrás do prejuízo, e com apenas sete minutos jogados Abrantes Mendes repõe a igualdade. Pouco depois o árbitro lisboeta Silvestre Rosmaninho é obrigado a interromper o encontro devido aos confrontos físicos que jogadores de ambos os lados da barricada levavam a efeito. Durante alguns minutos a magia do futebol - do Carcavelinhos - deu lugar a tristes cenas de pugilato, na sequência de uma entrada violenta de José Manuel Martins sobre o guarda-redes Gabriel Santos. Serenados os ânimos voltou-se ao futebol, e à magia do Carcavelinhos, traduzida em mais um golo de José Domingos. Depois disto os pupilos de Carlos Canuto tomaram as devidas precauções defensivas, abrandando um pouco o ritmo frenético do seu peculiar estilo de jogar futebol. Mas nem assim o Sporting - com a cabeça no Brasil? Ainda? - aproveitou, muito por culpa da desinspiração do seu setor ofensivo. A machadada final foi dada por Manuel Rodrigues, aos 75 minutos, com o 3-1, e este mesmo jogar ainda viria a desperdiçar uma grande penalidade já perto do final. No cair do pano a festa estalou para os lados de Alcântara, bairro popular que nesse ano viveu uma segunda noite de Santo António, devido à carreira memorável de uma equipa de artistas operários.

A figura: Carlos Alves

Até à conquista do título de campeão de Portugal a maioria dos jogadores do Carcavelinhos era totalmente desconhecida do grande público afeto ao futebol lusitano. A excessão a este quase total anonimato era Carlos Alves, o defesa-direito daquela célebre equipa de operários, e para muitos o melhor jogador português de sempre nesta posição! Carlos Alves nasceu em Lisboa, a 10 de outubro de 1903, e o Carcavelinhos foi o seu primeiro grande amor no futebol. Estreou-se no combinado de Alcântara nessa temporada de 27/28, e logo com o título de campeão de Portugal. As suas soberbas exibições nessa epopeia convenceram o selecionador nacional da altura, Cândido de Oliveira, a convocá-lo para o Torneio Olímpico de Futebol de Amesterdão, na época o maior evento futebolístico a nível global. Era além disso a primeira vez que Portugal surgia na alta roda do futebol internacional. Talvez por isso 1928 tenha sido o ano dourado da carreira de Alves: campeão de Portugal e titular do onze nacional nos Jogos Olímpicos, onde a seleção haveria somente de cair nos quartos-de-final aos pés do Egito. Portugal fez uma campanha memorável, para a qual muito contribuiu o talento de lendas como Pepe, Valdemar Mota, Vítor Silva, Raul Tamanqueiro, Jorge Vieira, Augusto Silva, César de Matos, e claro, Carlos Alves, o luvas pretas! Assim ficou eternizado o defesa direito. A razão desta alcunha? Porque jogava sempre de luvas pretas. Mas porquê? Ao que parece antes da final do Campeonato de Portugal de 1928 uma admiradora dele se abeirou e disse que se as utilizasse seria campeão. Carlos assim o fez, e de facto foi campeão. Dali em diante nunca mais deixou de usar as luvas, fosse em que jogo fosse. Deram sorte. Ainda em relação aos Jogos Olímpicos de 1928 os críticos da altura nomearam Carlos Alves como o melhor defesa-direito do torneio em parceria com o espanhol Jacinto Quincoces. Um luxo, e uma honra. Quem o viu jogar disse que era um jogador diferente, um homem que refinou a posição de defesa-direito, priveligiando a classe no toque de bola em simultâneo com a destreza do desarme, em vez do habitual - até então - estilo duro - e quase violento - dos defesas de roubar a bola ao adversário. Tinha um pé direito fortíssimo, e foi autor de muitos golos ao longo da sua carreira, muitos deles de livre direto, arte da qual era mestre.

Defendeu com brio a camisola do Carcavelinhos até 1933, altura em que viaja para o Porto para defender as cores do Académico Futebol Clube, entre 1934 e 1936. Ao serviço dos academistas participa na primeira edição do Campeonato Nacional da 1ª Divisão (34/35), ganho pelo FC Porto, emblema que em 35/66 contrata o valoroso jogador. De azul e branco vestido o luvas pretas não foi feliz, já que problemas pulmonares o atiraram para um sanatório onde ficou internado durante dois anos, e como consequência colocou um ponto final numa carreira formidável.
Depois, foi para Faro, onde treinou o Farense, criando ai a famosa equipa "o 8º Exército" - assim apelidada pela larga invencibilidade em todo o Algarve -, mas devido ao seu feitio - dizem - conflituoso abriu guerra a muitos jogadores do clube algarvio, o que levou à sua saída.
Veio depois para Albergaria-a-Velha, para treinar o modesto emblema local, o Alba, o clube onde começou a despontar o seu neto, João (Alves), que haveria de abraçar a fama na década de 70 ao serviço de clubes como o Benfica, o Paris Saint-Germain, ou o Salamanca.
Carlos Alves - que foi internacional por Portugal em 18 ocasiões - viria a falecer a 12 de novembro de 1970.

Nomes e números do Campeonato de Portugal de 1928

1ª eliminatória

Vianense - Salgueiros: 1-2

FC Porto - Vila Real: 13-1

Boavista - Lusitano Vildemoinhos: 8-0

Leça - Sp. Braga: 2-1

Fafe - Académica: 2-1

Beira-Mar - Progresso: 3-2

Sporting - Torres Novas: 18-0

Casa Pia - Comércio e Indústria: 2-1

Belenenses - Luso Beja: 7-1

Barreirense - União Lisboa: 3-0

Vitória de Setúbal - Lusitano VRSA: 6-1

Oitavos-de-final

Beira-Mar - Carcavelinhos: 0-3

Leça - Belenenses: 1-8

Sporting - Império: 4-1

Casa Pia - Barreirense: 0-2

Salgueiros - FC Porto: 2-1

Fafe - Benfica: 1-6

Quartos-de-final

Belenenses - Vitória de Setúbal: 1-4

Sporting - Barreirense: 5-0

Salgueiros - Carcavelinhos: 1-8

Benfica - União da Madeira: 4-3

Meias-finais

Benfica - Carcavelinhos: 0-3

Sporting - Vitória de Setúbal: 3-1

Final

Carcavelinhos - Sporting: 3-1

Data: 30 de junho de 1928

Árbitro: Silvestre Rosmaninho (Lisboa)

Estádio: Campo da Palhavã, em Lisboa

Carcavelinhos: Gabriel Santos, Carlos Alves, Abreu, Artur Pereira, Daniel Vicente, Carlos Domingues, Manuel Abrantes, Armando Silva, Carlos Canuto, José Domingos, e Manuel Rodrigues. Treinador: Carlos Canuto.

Sporting: Cipriano Santos, António Penafiel, Jorge Vieira, Martinho de Oliveira, Serra e Moura, Matias Lopes, João Francisco, Abrantes Mendes, João Jurado, Agostinho Cervantes, e José Manuel Martins. Treinador: Filipe dos Santos

Golos: 1-0 (José Domingos, aos 20m), 1-1 (Abrantes Mendes, aos 52m), 2-1 (José Domingos, aos 53m), 3-1 (Manuel Rodrigues, aos 75m)

Legenda das fotografias:
1-O poster do Carcavelinhos, campeão de Portugal em 1928
2-Acácio Mesquita, o melhor marcador do FC Porto nesta edição
3-Belenense Severo Tiago espreita mais uma oportunidade de golo durante o encontro com o Luso Beja
4-O guarda-redes internacional do Casa Pia, António Roquete
5-Fase do emblemático jogo entre FC Porto e Salgueiros
6-A equipa do Benfica
7-Jogadores do Carcavelinhos em ação
8-Mário de carvalho, o herói do Benfica nos quartos-de-final
9-Carlos Canuto, jogador/treinador do Carcavelinhos, e mais tarde árbitro internacional
10-O conjunto do Sporting
11-Carlos Alves disputa um lance na final do campeonato
12-Mais um lance da final do Campo da Palhavã
13-Carlos Alves, com a camisola do Carcavelinhos...
14-... e com a do Académico do Porto