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quinta-feira, maio 16, 2024

Jogos Memoráveis (8)... Sporting - Bolonha (Taça UEFA 1990/91)

A equipa do Sporting que eliminou o Bolonha

Nos anos 80 e 90 do século passado ninguém mais reluzia no mais alto patamar competitivo e mediático do plano internacional do que o campeonato italiano. Os melhores futebolistas do Mundo, e por consequência as melhores equipas do planeta, atuavam na Serie A italiana. Nesse sentido, os emblemas italianos ditavam leis na Europa do futebol, argumento este sustentado com a conquista de 5 Taças dosCampeões Europeus, 8 Taças UEFA e 4 Taças dos Vencedores das Taças. Isto, no período compreendido entre 1980 e 1999. Perante este cenário, para qualquer clube de outro canto qualquer do Velho Continente vencer um clube italiano numa das (então) três provas uefeiras era um feito digno de ser registado e acima de tudo enaltecido.

E na temporada de 1990/91 o Sporting alcançou o feito de eliminar um conjunto italiano da então Taça UEFA, no caso o Bolonha. Esta vitória do conjunto luso abriu-lhe pela terceira vez na sua história as portas das meias-finais de uma prova europeia, igualando, pelo menos, o registo obtido nas temporadas de 1963/64 e de 1973/74, em que chegou às meias-finais da Taça das Taças. Desta forma, o afastamento dos bolonheses garantia aos sportinguistas a primeira presença nas meias-finais da Taça UEFA, hoje denominada Liga Europa. O feito tem ainda contornos de maior glória tendo em conta que os leões de Alvalade passavam por um período de vacas magras a nível interno, isto é, já não venciam o campeonatonacional e a Taça de Portugal há 9 anos, levando neste longo período de jejum para o seu museu apenas uma Supertaça Cândido de Oliveira, arrecadada em 1987. 

O conjunto italiano não viveu bons momentos em 90/91

Não era por falta de qualidade, muito pelo contrário, que os lisboetas andavam arredados dos títulos e das grandes vitórias internacionais. Neste plantel de 90/91 o Sporting tinha nomes sonantes do futebol nacional e internacional, casos de Jorge Cadete, Balakov, Fernando Gomes, Carlos Xavier, Oceano, Luisinho, Douglas, Ivkovic, ou Careca. Deste grupo faziam ainda parte jovens oriundos da Geração de Ouro do futebol português que espreitavam por uma oportunidade no onze orientado pelo brasileiro Marinho Peres, como eram os casos de Luís Figo, Emílio Peixe, Paulo Torres, Filipe, ou Amaral, todos eles campeões do Mundo de sub-20 ao serviço de Portugal.

Quis o destino que o Sporting defrontasse nos quartos-de-final da Taça UEFA de 90/91 o 8.º classificado da Serie A da época transata, o Bolonha, clube para quem 90/91 foi uma temporada negativa a todos os títulos. O conjunto da região de Emília-Romanha obteve em termos internos uma prestação paupérrima, sendo a prova disso o último lugar do campeonato desse ano, que lhe valeria a despromoção à Serie B. Tudo correu mal ao Bolonha em 90/91, pelo que uma possível salvação poderia passar por um bom desempenho na Taça UEFA, embora os próprios meios de comunicação italianos assim que o sorteio ditou o Sporting no caminho dos bolonheses logo atribuíram o favoritismo na eliminatória aos portugueses! E quando os italianos, tão nacionalistas que são, dizem isto… ! 


E a verdade é que os dois jogos da eliminatória lhes dariam razão. A passagem do Sporting começou a ser desenhada na 1.ª mão, em solo transalpino, onde se registou um empate a uma bola. E como altura os golos fora valiam por dois, os portugueses encararam a 2.ª mão ainda com maior otimismo. Mesmo tendo pela frente uma equipa oriunda do todo poderoso campeonato italiano, eram poucos os sportinguistas que não acreditavam na passagem da sua equipa, desde logo o então presidente leonino, o excêntrico Sousa Cintra, que nas vésperas do confronto da noite de 20 de março de 1991 não admitia outro resultado que não a vitória e o regresso às meias-finais de uma competição europeia 17 anos depois. Cientes de que estavam prestes a presenciar mais um grande momento da história do seu clube, 60.000 sportinguistas lotaram o Estádio de Alvalade. E será à boleia do jornal A Bola que nas próximas linhas iremos recordar este jogo memorável que terminou com a vitória leonina por 2-0. 


Numa análise global ao encontro, o jornalista Aurélio Márcio começava por escrever que a terceira meia-final europeia do Sporting «foi muito bem conseguida, numa linda noite, fazendo regressar o futebol europeu, no seu belo esplendor, ao relvado de Alvalade, qualificação feita à custa de uma equipa italiana que sendo embora modesta – penúltima classificado do campeonato de Itália – e desfalcada de cinco ou seis jogadores, entre castigados e magoados, sempre é uma equipa de Itália, representante de um país que está no top do futebol mundial». O jornalista do jornal da Travessa da Queimada escrevia mais adiante que o otimismo exagerado do Sporting e dos seus adeptos acabou por não ter razões de o ser face a um Bolonha que depois de sofrer até ao primeiro golo leonino – à passagem do minuto 19 –, reergueu-se, organizou-se e equilibrou o encontro até aos 74 minutos, altura em que passou a jogar com menos uma unidade em campo e… se entregou ao adversário.


O Sporting entrou em campo balanceado ao ataque, com dois pontas-de-lança, Jorge Cadete e Fernando Gomes, que seriam bem vigiados pela dupla defensiva composta por Rosario Biondo e Paolo Negro. «O Sporting desde o começo, viu-se diante de uma resistência que não contava e procurava demoli-la, sem o conseguir, muito embora, aqui e ali, as situações de perigo fossem aparecendo, mas sem concretização», retratava Aurélio Márcio.

Mesmo desfalcado de muitos dos seus melhores jogadores, entre eles a sua principal estrela de então, o médio húngaro Lajos Détári, o Bolonha «obrigou o Sporting a tomar cuidados que provavelmente não esperavam». Nos primeiros 15 minutos jogava-se «como no ping-pong, os portugueses a atacar, os italianos a defenderem-se e não parecia sair-se disso», dizia a reportagem de A Bola. Até que quando nada o fazia prever, face ao que o jogo mostrava até então, o Sporting marcou. «Um golo lindo de ser ver», «bonito e panorâmico», de Jorge Cadete, corria o minuto 19, e que surgiu na sequência de um cruzamento «longo da direita para a esquerda, com a bola muito por alto, o defesa Biondo ficou-se distraído, e Cadete arrancou, saltou, e com a cabeça, muito no ar, atirou-a para a baliza, fazendo-a cruzar pela frente de Valleriani, que se lançou mal e atrasado», assim foi descrito o golaço do ponta de lança português.  


O golo despertou os portugueses, que começaram a dar mais trabalho à defesa italiana, obrigando-a a correr muito mais, o que originou a abertura de algumas brechas na muralha defensiva bolonhesa. Carlos Xavier enviou ainda uma bola ao poste numa primeira parte onde o azar bateu à porta dos italianos, que aos 30 minutos já tinham esgotado as duas substituições permitidas, por motivos de lesão de De Già e de Schenardi. Para complicar ainda mais a tarefa dos transalpinos, Cadete, moralizado pelo grande golo apontado, era um verdadeiro “diabo à solta”, fazendo diversos sprints que faziam estremecer o Bolonha. Mas todo este entusiasmo leonino foi esmorecendo, e o jogo volta ao ritmo inicial. Os italianos equilibram a balança dos acontecimentos, o que in tranquiliza um Sporting que sabe que um golo do adversário empata a eliminatória e obriga a um prolongamento. O Bolonha percebe a inquietude dos portugueses e vai procurando o tento da igualdade. Porém, esta era uma noite de infortúnio da squadra do norte de Itália. A 15 minutos do final, o influente médio Pietro Mariani sai lesionado após um choque com o defesa Leal, e como a sua equipa já tinha esgotado as substituições, esta fica a jogar com menos uma unidade. Os italianos ainda resistiram durante alguns minutos a mais esta contrariedade, mas a diferença numérica acabaria por fazer mossa, e aos 80 minutos Verga derruba Filipe dentro da área, tendo o árbitro francês Joel Quiniou apontado de pronto para a marca da grande penalidade. Na conversão, Fernando Gomes, o bi-bota de ouro, faria o golo da tranquilidade leonina, o golo que carimbou a histórica passagem às meias-finais da Taça UEFA.

Após o apito final, sorrisos de euforia tomaram conta das bancadas e do relvado do Estádio de Alvalade. O jornalista de A Bola, Vítor Cândido, outro dos profissionais destacados para a cobertura deste encontro, relata que nos balneários há «bolo e champanhe. Comemorava-se a entrada dos “leões” nas meias-finais da Taça UEFA e… o 44.º aniversário do técnico vitorioso Marinho Peres». No sentido de ficar a festejar este duplo motivo, digamos, o treinador brasileiro delegou no seu adjunto, António Dominguez, a tarefa de falar aos jornalistas, que diria que o Sporting fez o jogo possível sem perder a cabeça. «O Sporting controlou o jogo durante os 90 minutos, mas não podíamos entrar em loucuras, não podíamos sair para o ataque de qualquer maneira. Isso podia sair-nos caro. O resultado foi escasso para tantas oportunidades desperdiçadas. Fizemos uma exibição normal, condizente com as nossas pretensões». Quando questionado sobre o adversário preferido para as meias-finais, o treinador-adjunto foi perentório em dizer que técnico e jogadores já tinham falado sobre isso, e… «queremos o Roma. Era bom para a receita, para projeção da nossa equipa e para… vingarmos o Benfica», tendo em conta que a equipa da capital italiana havia afastado da prova os vizinhos da Segunda Circular logo na 1.ª eliminatória.

Do lado do Bolonha havia, naturalmente, um ambiente de tristeza, «os jogadores estavam destroçados. (…) No corredor de acesso aos balneários, todos os responsáveis do clube, incluindo o presidente e muitos dirigentes, olhavam uns para os outros emudecidos», escrevia Vítor Cândido. Por sua vez, o técnico Luigi Radice, um dos três treinadores que nesta temporada negra orientou a turma italiana, diria estar «muito satisfeito com os meus rapazes pela forma como se bateram. O momento difícil que atravessamos não deu para fazer mais. Com esta “squadra” era impossível fazer melhor. Faltam-nos muitos jogadores importantes. Não podíamos ter veleidades. Ainda para mais, a infelicidade não nos deixou de perseguir neste jogo». Questionado sobre as possibilidades do futuro do Sporting na competição, o técnico italiano vaticinou dificuldades aos portugueses. «Penso que a Roma é melhor. Não será impossível, mas parece-me que será muito difícil para o Sporting superar a Roma ou o Inter. Só passou o Bolonha porque estávamos desfalcados. Fomos uma equipa sem soluções para chegar à vitória». E como estava certo Radice, pois nas meias-finais o Inter acabaria com o sonho dos portugueses em chegar à final.

No Estádio de Alvalade, sob arbitragem de Joel Quiniou, as equipas alinharam da seguinte forma: Sporting – Ivkovic, Carlos Xavier, Luisinho, Venâncio, Leal, Litos (Mário Jorge, 85), Oceano, Douglas (Careca, 82), Filipe, Gomes e Cadete. Treinador: Marinho Peres. 

Bolonha – Valleriani, Verga, Biondo, Negro, De Già (Anaclerio, 14), Traversa, Martino, Galvani, Tricella, Mariani, Wass (Turkyilmaz, 30) e Schenardi. Treinador: Luigi Radice.

Vídeo: SPORTING - BOLONHA



quarta-feira, janeiro 24, 2024

Jogos Memoráveis (7)... Salgueiros - Cannes (Taça UEFA 1991/92)


Se há clubes cujo índice de popularidade é elevado, independentemente do escalão competitivo em que se encontrem, um desses emblemas é sem margem para dúvida o Sport Comércio e Salgueiros. Nasceu no meio do povo, e foi no seio desse mesmo povo que cresceu e se tornou num dos clubes mais adorados do panorama desportivo nacional. O Salgueiros nasceu numa época em que a República em Portugal ainda dava os primeiros passos, mais concretamente no ano de 1911. No entanto, seriam precisos 80 anos exatos para que a Alma Salgueirista – um modo de estar, um sentimento, que só os verdadeiros adeptos do clube conhecem – se desse a conhecer à Europa do futebol. 

19 de setembro de 1991 é pois um dia histórico na popular coletividade portuense. Nesse dia, ou melhor, nessa noite, o velho Salgueiral fazia o seu batismo europeu no âmbito da 1.ª eliminatória da Taça UEFA da temporada de 1991/92. A qualificação europeia havia sido alcançada na época anterior na sequência da melhor classificação de sempre do clube na 1.ª Divisão Nacional, o 5.º lugar. E quis o destino que a estreia do Salgueiros nas competições europeias acontecesse diante de outro caloiro nestas andanças, os franceses do Cannes. Do lado da turma oriunda do sul de França pontificavam alguns nomes conhecidos do plano internacional, desde logo o veterano internacional francês Luis Fernández; o internacional camaronês François Omam-Biyik, que um ano antes havia dado nas vistas no Mundial de Itália; e o jugoslavo Aljosa Asanovic, que haveria de ser peça fundamental na futura seleção da Croácia. Na equipa treinada pelo também jugoslavo Boro Primorac pontificava ainda um jovem prodígio gaulês, que no futuro imediato haveria de se tornar numa das maiores lendas da história do Belo Jogo: Zinedine Zidane.

Porém, o Salgueiral também tinha as suas armas, e que armas! Craques como Nikolic, Milovac, Abílio, ou Jorge Plácido, sobressaíam na equipa liderada por Zoran Filipovic, aos quais se juntavam jogadores “operários” como Rui França, Vinha, ou Leão. A nação salgueirista mostrou nessa noite todo o seu orgulho e emoção ao ver o seu clube entrar pela primeira vez em campo para um jogo europeu, facto ocorrido no Estádio do Bessa, casa emprestada pelo vizinho Boavista, tendo em conta que o estádio do Salgueiros não possuía iluminação artificial na altura. À boleia do jornal A Bola vamos recordar este encontro histórico que terminou da melhor maneira para o clube de Paranhos, isto é, com o triunfo. Melhor batismo não poderia ter tido o Salgueiral!

Na crónica final traçada sobre o jogo, o jornalista António de Sousa escreveria que «as duas equipas estão bem uma para a outra! O desfecho da eliminatória é imprevisível, embora os franceses contem com futebolistas mais experientes e recebam os salgueiristas no seu estádio para o jogo decisivo». O jornalista explicaria esta sua visão de forma mais detalhada na crónica do encontro, referindo que apesar de as equipas se equivalerem em termos de qualidade, os franceses teriam a seu favor o facto de reunirem um conjunto de jogadores que pelo seu passado possuíam maior experiência internacional. Contudo, «não pretendemos, sequer, dizer que a formação de Vidal Pinheiro está já derrotada (…) Pelo contrário, a formação de Paranhos, possuindo uma equipa que assenta o seu futebol, sobretudo, na determinação e no empenho, aqui e ali reforçado com a experiência de um ou outro elemento, poderá perfeitamente prosseguir na prova, o que não constituiria surpresa de maior, dado o valor semelhante (pelo menos demonstrado no desafio do Bessa) ao do seu antagonista…».
Mais à frente na sua exposição jornalística, sublinharia que o triunfo por 1-0 do Salgueiros sobre o Cannes nesta 1.ª mão da eliminatória havia sido «justo e merecido, podendo até o resultado ter tido uma expressão ligeiramente mais ampla». Destacou nesse sentido que os jogadores salgueiristas se esforçaram para serem felizes nesta estreia, elegendo entre os mais esforçados Vinha, que «teve muita uva para pouca parra… e pena foi que a colheita não tivesse sido bem maior". Assim
 que a bola foi posta em movimento o nervosismo típico da estreia desapareceu nos salgueiristas, e os pupilos de Filipovic foram tomando conta das operações a partir do quarto de hora inicial. A prova disso foram as três oportunidades criadas pelos portuenses, em contraposto com os franceses, que só por uma vez chegaram com perigo à baliza de Madureira. 

No cômputo geral, António de Sousa escreveu que «não se pode dizer que o desafio tenha sido fértil em oportunidades de golo, Em situações de grande apuro. Não, não foi. Houve uma toada de ataque, mas travada à entrada dos meios-campos ou nas imediações das respetivas grandes áreas».

Numa primeira parte que terminou empatada a zero, a situação mais flagrante de golo aconteceu ao minuto 23, altura em que na sequência de um cruzamento de Álvaro Soares para o interior da área gaulesa o trio composto por Abílio, Vinha e Nikolic falhou o golo à boca da baliza! Isto numa altura em que era notório o crescimento do Salgueiros em campo, uma equipa que mostrava futebol acutilante e determinado, de acordo com a visão do jornalista de A Bola.

Ao minuto 42 o Salgueiros reclamou grande penalidade por uma eventual mão na bola de um defesa francês após uma bela jogada de combinação entre Nikolic e Jorge Plácido. Em cima da jogada o árbitro norte-irlandês Leslie Irvine mandou jogar. «Mas dois minutos depois, o Bessa irrompeu num coro de protestos pela decisão do irlandês Irvine de não validar um golo que o não foi… Expliquemos: Vinha cabeceou a bola e o guardião do Cannes agarrou-a mas caiu para dentro da baliza. A dúvida instalou-se entre os presentes: terá a bola, agarrada por Dussuyer, ultrapassado o risco? Não nos pareceu e por isso afigura-se-nos correta a decisão do árbitro e do fiscal de linha», analisou o jornalista. Só na segunda metade o marcador iria funcionar e a favor dos portugueses. Na sequência de um longo lançamento de linha lateral para o interior da área, Jorge Plácido ensaia um vistoso remate à meia volta e envia o esférico para o fundo da baliza. Estavam decorridos 50 minutos. O cenário do golo foi assim descrito por A Bola: «… O conjunto de Paranhos continuou (no início da segunda parte) no comando do prélio. E de tal modo que quatro minutos após o recomeço a Alma Salgueirista renasceu e com ela as esperanças: Jorge Plácido obtinha o golo. Aquele que viria a ser o único do encontro e na sequência de um dos excelentes e poderosos lançamentos de linha lateral de Nikolic, que fez a bola “pingar” no coração da área, motivando um subtil toque de cabeça de Vinha para trás, propiciando a intervenção vitoriosa de Jorge Plácido»

Após a festa do primeiro - e único até à data – golo europeu da turma de Paranhos, esta continuou a dominar, mas gradualmente as forças e discernimento começaram a não ser as melhores. «O Salgueiros continuou a desenvolver um futebol prático embora sem beleza (era preciso?), mas foi neste período que se tornou claro aos olhos de todos que nem a formação de Paranhos, nem o antagonista, teriam capacidade para grandes desempenhos», disse António de Sousa na sua crónica. E nesse sentido o resultado não mais sofreu alterações.

Era pois de satisfação o ambiente que pairava no balneário do Salgueiros após o apito final de Irvine. Para o treinador Zoran Filipovic tinha-se assistido a um bom jogo de futebol, «no qual deixámos uma boa imagem, perante um adversário aguerrido. Marcámos um golo, tivemos mais oportunidades para aumentar a vantagem, mas foi muito bom não termos sofrido nenhum. Agora, temos mais 90 minutos pela frente onde teremos de jogar com a mesma concentração, muita humildade e agressividade».

Radiante estava também o então presidente do Salgueiros, Carlos Abreu, que à reportagem de A Bola disse que «após um início muito tremido tomámos conta do jogo e conseguimos marcar um golo, que apareceu em boa altura. Depois foi gerir a vantagem e procurar não sofrer golos. O empate também se aceitava, o Cannes jogou bem, teve algumas oportunidades, mas penso que a vitória é o prémio para a nossa agressividade e para a forma como a equipa soube fechar-se no meio campo e na defesa».

Para o capitão Rui França o resultado estava certo. «Foi um jogo difícil, porque o Cannes tem uma grande equipa, recheada de bons jogadores, praticando um bom futebol. Contudo, através do nosso empenho, tentámos contrariar o favoritismo dos franceses e conseguimos um golo. O resultado acabou por ser escasso, mas não devemos esquecer que o adversário também dispôs de algumas oportunidades. Por tudo isto, penso que o resultado acaba por estar certo». Uma das figuras principais do jogo foi Jorge Plácido, autor do golo, ele que no final confessaria que «esforçámo-nos e batemo-nos por conseguir o melhor resultado possível. (…) A minha exibição poderia ter sido melhor, posso render mais, mas decaí fisicamente na segunda parte. Se tivesse um pouco mais de frescura, talvez pudesse ter marcado o segundo golo, o que para nós era o ideal. Em Cannes vai ser mais difícil do que aqui, já que o adversário tem uma equipa muito forte».

E foi na realidade uma viagem difícil aquela que o Salgueiros realizou até ao sul de França na 2.ª mão da eliminatória. A equipa portuguesa perdeu por 1-0 e seria afastada das provas da UEFA no desempate por grandes penalidades. O clube de Paranhos até pode ter perdido a eliminatória no campo, mas saiu desta “aventura” vitorioso, pois ver o velho Salgueiral na Europa do futebol foi um momento histórico.

No Estádio do Bessa sob arbitragem de Leslie Irvine as equipas alinharam da seguinte maneira: Salgueiros – Madureira, Paulo Duarte, Pedro Reis, Abílio, Pedrosa, Rui França, Jovica Nikolic, Stevan Milovac, Vinha, Álvaro Soares (Leão, 68), Jorge Plácido (Rui Alberto, 75). Treinador: Zoran Filipovic.
Cannes - Michel Dussuyer, Jean-Luc Sassus, Ludovic Pollet, Pierre Dréossi, Zinedine Zidane, Luis Fernández, José Bray, Franck Durix, Aljosa Asanovic, François Omam-Biyik, Robby Langers. Treinador: Boro Primorac.
Golo: Jorge Plácido (50).

ENTREVISTA:

PROFESSOR MANUEL GONÇALVES: «O ZORAN FILIPOVIC TROUXE UMA NOVA MENTALIDADE AO CLUBE»

Para recordar não só este momento ímpar na vida desportiva do Salgueiros mas também o ambiente místico de então que se vivia pelos lados de Vidal Pinheiro, nada melhor do que falar com alguém que viveu por dentro este período dourado da história do clube. Nesse sentido trocámos dois dedos de conversa com o professor Manuel Gonçalves, treinador-adjunto de Zoran Filipovic. 

Museu Virtual do Futebol (MVF): O professor Manuel Gonçalves chegou ao Salgueiros no final da década de 80 e acompanhou o clube em todo o trajeto realizado desde a 2.ª Divisão até à chegada às competições europeias. Pergunto-lhe como é que o popular Salgueiral conseguiu no espaço de duas épocas passar do segundo escalão nacional à Europa?

Manuel Gonçalves (MG): Cheguei ao Salgueiros no início da época de 1988/89 com o (treinador) Vieira Nunes. Em outubro houve chicotada psicológica. O senhor José António Linhares e o presidente Carlos Abreu falaram comigo, dizendo-me que gostavam que eu continuasse, uma vez que estavam a pensar contratar um treinador que ia treinar pela primeira vez e não tinha equipa técnica. Disseram-me, na altura, que tinham gostado do meu trabalho ao longo dos primeiros meses em que trabalhei no clube, assim como do que tinham auscultado em conversa com os capitães de equipa. Assim, entra o Zoran Filipovic para treinador principal e eu continuei como treinador-adjunto, isto com o clube a competir na Zona Norte da 2.ª Divisão Nacional.

O primeiro jogo do Zoran Filipovic como treinador principal foi em Amarante, onde o Salgueiros ganhou por 1-0. Foi um campeonato muito difícil, com muitos problemas para se assegurar a manutenção.
Recordo, aliás, um episódio que aconteceu no dia 15 de novembro de 1988, altura em que perdemos em casa com o Varzim por 3-0 e o Filipovic pediu para sair, ao que o presidente Carlos Abreu e o Chefe de Departamento de Futebol, José António Linhares, se opuseram e convocaram uma reunião com o plantel, a equipa técnica e todo o staff que envolvia o futebol do clube. Essa foi uma reunião que ainda hoje guardo como um marco do dirigismo, algo especial, e que me marcou ao longo da minha carreira com mais de 50 anos ligado ao futebol. O presidente Carlos Abreu, nessa reunião, inquiriu os jogadores que estavam há mais tempo no clube, perguntando-lhes precisamente há quantos anos ali estavam, e quantos treinadores haviam tido. Uns respondiam que estavam ali há 5 anos e que tiveram 7 treinadores, outros respondiam que estavam no clube há 8 anos e que tinham tido 10 treinadores, e por aí fora. Depois desta análise concluiu: “então a maioria tem muitos anos de clube e mudámos de treinador várias vezes. Já identifiquei o problema, o qual não está nos treinadores! Agora, não vamos mudar de treinador, e a mudar (algo) mudamos os jogadores”. Dessa forma na época de 1989/90 entre atletas promovidos dos juniores e contratações entraram no plantel do Salgueiros cerca de 16 novos jogadores. Essa temporada de 89/90 foi iniciada com um novo espírito e uma nova mentalidade. 

Filipovic e Manuel Gonçalves

MVF: … O Filipovic ficou, portanto, rompendo assim com a prática de despedir o treinador quando as coisas corriam mal. E como é que foi trabalhar com ele todos aqueles anos em Vidal Pinheiro? Como era Zoran Filipovic como treinador?

MG: O Zoran Filipovic trouxe uma nova mentalidade ao clube, novas metodologias de treino. Neste último aspeto cortou com aquilo o que na altura era a metodologia de treino, baseada nos desportos individuais, onde a dimensão física ditava leis. E mudou para as metodologias que se utilizam hoje em dia, onde os exercícios com bola e exercícios de acordo com o jogo eram a base de trabalho. O microciclo semanal (de trabalhos) passou a ser muito diferente do que até então era habitual, o que gerou alguma polémica na altura, com a folga semana, por exemplo, a ser à quinta-feira, dia habitual do chamado treino de conjunto. Lembro-me perfeitamente que à segunda-feira havia treino de recuperação para os jogadores utilizados no jogo do domingo anterior, enquanto os menos utilizados faziam treino normal; à terça-feira havia treino da parte da manhã e da parte da tarde; à quarta-feira de manhã havia treino específico, dividido em dois grupos, em que se iniciava com os jogadores de características defensivas e depois treinava-se com os de características ofensivas, ao passo que da parte da tarde treinava todo o grupo. À quinta-feira era a folga; e à sexta-feira e ao sábado havia treino da parte da manhã. Ao longo da semana de trabalho os treinos tinham a duração máxima de 90 minutos, e as metodologias utilizadas eram muito bem aceites pelos jogadores, dado que a bola estava sempre presente em todos os exercícios de treino, o que era motivante para o trabalho.

MVF: Como é que o popular Salgueiros viveu em termos emocionais essa chegada à Europa? Falo não só do clube em si, mas também daquilo o que viu nos fiéis e apaixonados adeptos deste emblema?

MG: 1991/92 foi uma época de grande afirmação do clube e que muito estimulou os seus adeptos, que viveram esse período com grande entusiasmo, e ainda hoje os adeptos mais velhos recordam isso com saudade.

Filipovic com Manuel Gonçalves ao lado numa palestra em Vidal Pinheiro

MVF: Consumada a chegada à Europa quis o sorteio que a estreia fosse diante do Cannes. Como é que o Zoran Filipovic, em conjunto com o professor Manuel Gonçalves e o Jorginho (treinadores adjuntos), preparou este jogo?

MG: O jogo com o Cannes gerou grande expectativa. Quase todos os jogadores nunca tinham participado numa prova (europeia) desta natureza. Sabíamos que o Cannes tinha grandes jogadores, onde despontava o Zidane, mas também jogadores experientes como o Fernández, o Omam-Biyik, o Asanovic, o Sassus, o Dussuyer, etc…

MVF: … E perante esse conhecimento como era o espírito do grupo antes do jogo? Nervosismo, entusiasmo, ou um misto destes dois sentimentos?

MG: O espírito do grupo era muito bom, pois vínhamos de duas épocas de sucesso, uma em que fomos campeões nacionais da 2.ª Divisão, e a seguinte em que nos apurámos para a Taça UEFA na sequência de um 5.º lugar.

MFV: Na sua visão de treinador o golo de Jorge Plácido que deu a histórica vitória fez justiça ao que se passou em campo ou o empate também se ajustava?

MG: Os dois jogos da eliminatória foram muito equilibrados. No Bessa foi com inteira justiça que o Salgueiros ganhou por 1-0. O jogo da segunda mão ficou marcado pela expulsão do Pedrosa, aos 56 minutos. No final dos 90 minutos o Cannes ganhava por 1-0, ficando a eliminatória empatada, pelo que se jogou um prolongamento de 30 minutos, sem que o resultado se alterasse. Há que referir que o Salgueiros jogou o encontro da segunda mão durante 64 minutos com 10 jogadores! Na decisão das grandes penalidades o Cannes ganhou por 4-2.

MVF: Já agora, do outro lado da barricada estava um jovem chamado Zinedine Zidane. O que é que achou dele naquela noite no Bessa? Adivinhou que ali estaria um dos futuros maiores jogadores da história do futebol ou nem por isso?

MG: Nessa altura o Zidane estava a iniciar-se, era ainda muito jovem, mas já tinha muita qualidade. As grandes estrelas do Cannes eram o Fernández e o Omam-Biyik.

MVF: Olhando para trás, mais de 30 anos depois, o que é que em seu entender significou aquela ida à UEFA por parte de um clube como o Salgueiros?

MG: Depois dos jogos com o Cannes, que foram uma experiência única para a maioria dos elementos do grupo, essa experiência acabou por trazer mais responsabilidade ao clube, pela exposição a que tinha sido submetido com a eliminatória europeia, que ainda hoje é um marco na história do Salgueiros. A ida à Europa para um clube como o Salgueiros foi de facto um ato que perdurará para sempre na história do clube, assim como na memória da massa associativa.

MVF: Para terminar, peço-lhe que classifique os 13 heróis que naquela noite de 19 de setembro no Estádio do Bessa fizeram história com a camisola do Salgueiros. À frente de cada nome diga o que pensa desse jogador, com uma palavra ou um pensamento, em suma, que caraterize individualmente esse atleta. Cá vai:

Madureira: «Um guarda-redes histórico do clube, com muitos anos de Vidal Pinheiro. Esteve ligado a um período de ouro da história do Salgueiros e que sabia transmitir a mística (do clube) ao grupo»

Paulo Duarte: «Um defesa-central prático e regular, com um grande caráter e um excelente ser humano»

Pedro Reis: «Um central que não sabia jogar mal. Eficaz. Era um pêndulo no sistema defensivo de três centrais que o clube utilizava na altura»

Pedrosa: «Lateral-esquerdo que veio da 3.ª Divisão, mas que pela sua qualidade e empenho se impôs com facilidade, acabando por seguir para o Sporting e ter feito uma boa carreira no futebol português»

Rui França: «Era o capitão e um trinco de grande eficácia. Era um operário que não parava durante os 90 minutos. Taticamente era bom, era forte nos duelos, entregava-se ao jogo sempre em alta rotação»

Milovac: «Um central top. Muito forte no jogo aéreo, e difícil de transpor nos duelos com os avançados contrários. Era um pilar do sistema de três centrais que a equipa utilizava»

Nikolic: «Era o estratega. Tinha muita classe e visão de jogo. Foi um jogador que marcou a equipa em muitos jogos pela sua liderança e qualidade técnica acima da média»

Abílio: «O trato de bola, a qualidade técnica e visão de jogo faziam com ele acrescentasse à equipa sempre algo em cada lance do jogo. Jogava com alegria, algo que transmitia aos colegas e que se refletia no rendimento da equipa»

Álvaro Soares: «Jogador pragmático, de grande eficácia, e com processos simples. Era veloz e dos seus pés saíam muitos cruzamentos que proporcionavam golos aos avançados»

Vinha: «Entrou bem no sistema de jogo da equipa. Foi muito útil nesse sistema de jogo utilizado. Com a sua enorme estatura tirava partido dos lances de bola parada»

Jorge Plácido: «Jogador experiente, rápido, e que ficará para sempre ligado à história desta eliminatória pelo golo que deu a vitória na primeira mão»

Leão: «Naquela altura estava em início de carreira, e cumpriu sempre que foi chamado. Confirmou, pela carreira que viria a fazer, a aposta que a equipa técnica fez nele»

Rui Alberto: «Um jogador eficaz. Era um ponta de lança prático, que tinha qualidade e fazia golos com alguma facilidade»

O plantel do Salgueiros que foi à Europa

quinta-feira, junho 10, 2021

Histórias do Futebol em Portugal (32)...Foi há 30 anos que a Geração de Ouro do futebol português viveu o seu segundo capítulo de glória no Planeta da Bola

Neste mês de junho assinala-se o 30.º aniversário de um dos grandes momentos da história do futebol português, um capítulo que volvidas três décadas ainda vive na mente de todos os que amam o futebol. Um momento em que a Geração de Ouro, nascida nas areias do deserto das arábias em 1989, deu mais uma prova do seu valor e levou o país a chorar de alegria na hora de comemorar. E para gáudio de toda a nação lusa este foi um feito alcançado em solo nacional. Fazemos alusão ao título mundial de sub-20 conquistado em 1991, ou melhor, ao bi-campeonato mundial alcançado no dia 30 de junho de 1991, um dia inesquecível para o futebol português.

Orientada por Carlos Queiroz, a equipa das quinas repetiu o triunfo alcançado dois anos antes na Arábia Saudita e nomes como Figo, Rui Costa, Jorge Costa ou Abel Xavier, que na altura pouco ou nada diziam às pessoas, deram nesse ano os seus primeiros passos como grandes jogadores mundiais que viriam a ser no futuro imediato.

Ninguém pode esquecer o derradeiro capítulo desse mítico Mundial de 1991, a final no Estádio da Luz, entre Portugal e o Brasil, em que a velha catedral estava para lá de cheia com 127 mil almas a vibrar com um jogo que terminou ao fim 120 minutos com um nulo no marcador e que viria a confirmar nos penaltis Portugal como bi-campeão do Mundo.

Este título mostrou que Riade não havia sido obra do acaso, um mero golpe de sorte, mas antes a confirmação de que o nosso futebol estava a mudar. E para melhor. Mostrou-nos que tínhamos pela frente um futuro de que nos haveríamos de orgulhar, um futuro que haveria de fazer com que Portugal deixasse de ser o país do triste fado futebolístico para ser a potência que hoje em dia é do Belo Jogo a nível planetário.

A equipa de 1991 foi, digamos, que um prolongamento da Geração de Ouro que nasceu em Riade dois anos antes pela mão do grande revolucionário - no sentido mais positivo da palavra - do futebol nacional, Carlos Queirós. Desta geração de futebolistas portugueses brotaram novos valores que nos afirmaram no futebol mundial, casos dos já referidos Figo, Rui Costa, Jorge Costa, ou João Vieira Pinto. Aliás, do núcleo de 91 emergiu um futuro Bola de Ouro: Luís Figo. Esta vitória, ou melhor, estas vitórias, pois Riade não pode ser deixado de parte desta viagem ao passado, elevou o futebolista português à categoria de diamante raro e apetecível nas décadas que se seguiram. E 1991 confirmou também Portugal como uma nação que gosta de receber de braços abertos quem nos visita, que sabe organizar como poucos competições ou demais eventos com pompa e circunstância, como ficou provado com o facto de no final deste certame a FIFA ter classificado o Mundial de 91 como o melhor até então visto no que se refere ao escalão de sub-20.

Mas voltemos à fornada de 91, aos (bi)campeões do Mundo, uma seleção que anos mais tarde Carlos Queirós rotulou de ser mais virtuosa em comparação com a turma que em 89 conquistou pela primeira vez o Planeta da Bola na Arábia Saudita. Numa longa entrevista ao jornal A Bola, Queirós dizia que «a equipa de 1991 era mais virtuosa, mais atrevida, mais irreverente; às vezes punha a seleção de juvenis, com João Pinto, Figo, Rui Costa, contra a equipa dos mais velhos e quando lhes dava corda os miúdos eram danados; os mais velhos, a equipa do Filipe, do Tozé, do Hélio, aguentavam porque tinham muita disciplina. Mas precisavam de dar umas cacetadas para pôr os mais novos em sentido, enquanto não faziam isso os mais pequenos davam cabo deles. A equipa de 1989 foi construída da estrutura e do trabalho para a fantasia; a de 1991 foi ao contrário, veio da fantasia para a disciplina, teve de ser mais amarrada. A de 1989 era muito sólida, muito adulta, quando entravámos em campo sabíamos que podíamos não ganhar mas também dificilmente perdíamos. A de 1991 era muito mais criativa, era rebelde. Uma equipa que tinha de ser dominada. Mas só foi possível sermos campeões do Mundo não por termos junto uns talentos 10 dias antes do Mundial, mas porque essa equipa tinha cinco anos de trabalho. Talvez fosse até melhor para mim que soubesse apenas que tinha reunido os jogadores e, com um passe de mágica, conseguisse ser campeão do Mundo».

 

O título mundial provocou uma reviravolta no futebol português, e sendo verdade que dois anos antes Portugal se sagrara campeão mundial em Riade, o facto de esta conquista ter sido em Lisboa «obrigou as altas esferas do futebol a olharem-nos de outra maneira. Mostrámos que o futebol de formação e os jogadores portugueses tinham muita qualidade e deveriam ter acesso às equipas seniores», disse Tulipa, um dos 18 campeões do Mundo de 1991 anos depois numa entrevista ao Diário de Notícias (DN). Nessa mesma entrevista ao DN, Rui Bento, outro dos campeões de Lisboa, salienta a união invulgar que existia naquela seleção e que não parece compatível com o futebol moderno. «O grupo formou-se uns quatro/cinco anos antes e como passávamos largas temporadas em estágio, a união fortaleceu-se. Sabíamos as manias e virtudes de cada um e agíamos em conformidade, tendo-se criado laços de amizade eternos», salienta Bento. «O facto de o campeonato de 1991 se realizar em casa ajudou sobremaneira. O chamado 12.º jogador funcionou lindamente. O povo estava todo connosco e apesar de serem miúdos normais, aprenderam a respeitar, a serem rigorosos, disciplinados», contou o fiel adjunto de Queirós, Nelo Vingada, ao DN, acrescentando que «em comparação, a vitória em Lisboa foi muito mais fácil do que na Arábia Saudita, dois anos antes. Aqui estávamos em casa e naquele país árabe só dava para ligar para casa de dois em dois dias, através de uma cabina telefónica».

Os 18 heróis de Lisboa


Para este Mundial Carlos Queirós chamou dois jogadores que em 1989 tinham saboreado a então inédita conquista de Riade, nomeadamente João Vieira Pinto e Brassard. O primeiro havia sido peça preponderante na conquista de 89, sendo o único jogador luso a conquistar por duas vezes o Mundial de sub-20. Após a conquista de 1991 o menino de ouro, como ficou conhecido, disse ao jornal A Bola que «é espetacular o que sinto. Nunca imaginei ser campeão do mundial duas vezes. Vou ter de carregar este fardo durante toda a vida», e assim continua a ser.

Por sua vez, Fernando Brassard havia estado na Arábia Saudita na condição de suplente, sem ter feito um único minuto nessa campanha, sendo que por isso e apesar de ter feito parte do grupo de 89 não foi efetivamente campeão do Mundo, algo que só viria a alcançar dois anos depois em Lisboa quando assumiu a titularidade da baliza nacional.

E para conquistar o campeonato do Mundo de 1991 Carlos Queirós contou com o seguinte elenco (com os respetivos números que usaram nas camisolas durante esse Mundial e os clubes que representavam na altura): 1 - Brassard (Louletano); 2- Gil (Benfica); 3- Figo (Sporting); 4- Peixe (Sporting); 5- Rui Costa (Fafe); 6- Jorge Costa (Penafiel); 7- Abel Xavier (Estrela da Amadora); 8- Paulo Torres (Sporting); 9- Luís Miguel (Rio Ave); 10- Nélson (Salgueiros); 11- Rui Bento (Benfica); 12- Tó Ferreira (Famalicão); 13- Capucho (Gil Vicente); 14- João Vieira Pinto (Boavista); 15- Tulipa (FC Porto); 16- Cau (FC Porto); 17- João Oliveira Pinto (Sporting); 18- Toni (FC Porto).

Do Porto a Lisboa, o trajeto dos campeões

Foram cinco as cidades escolhidas para acolher este Mundial organizado por Portugal, nomeadamente Lisboa, Porto, Braga, Guimarães e Faro. Portugal iniciou a defesa do título conquistado em Riade a 14 de junho, no Estádio das Antas, no Porto, que registou uma lotação de 50.000 pessoas para presenciar o confronto ante a República da Irlanda, o primeiro adversário dos lusos. Irlandeses que não eram estranhos ao combinado luso, já que semanas antes ambos os conjuntos haviam-se defrontado em jogo de preparação para o Mundial, tendo então Portugal vencido por 1-0. Mas neste jogo a doer, só deu mesmo Portugal. Não foi um jogo complicado, muito pelo contrário, mostrou sim que os portugueses eram nitidamente superiores em todos os capítulos, e não foi de estranhar que cedo os lusos se adiantassem no marcador por intermédio de João Vieira Pinto, aos 17 minutos. O golo inaugural deste Mundial de 91 foi construído pelo tridente atacante de Portugal, constituído por João Vieira Pinto, Toni e Gil. Os irlandeses foram sempre presa fácil para os putos de Queirós, e raramente incomodaram o guardião Brassard, que foi quase um mero espectador. Os lusos dilataram o marcador na segunda parte, na sequência de um slalon de Capucho que rompeu desde o meio campo irlandês até à baliza de Connoly, à passagem do minuto 78. Estava consumada a vitória, a qual poderia ter sido ainda mais dilatada não tivesse Figo desperdiçado uma grande penalidade a castigar uma falta sobre Gil. Portugal entrava assim com o pé direito na defesa do ceptro.

Ante a Irlanda a seleção portuguesa jogou com: (1) Brassard; (7) Abel Xavier, (6) Jorge Costa, (11) Rui Bento e (8) Paulo Torres; (4) Peixe, (3) Figo e (5) Rui Costa ((13) Capucho, aos 68m); (2) Gil ((17) João Oliveira Pinto, aos 88m), (14) João Vieira Pinto e (18) Toni.

O duro jogo com a Argentina
Três dias depois, a seleção desceu até à capital, Lisboa, onde no velho Estádio da Luz defrontou o segundo adversário do grupo, a Argentina. Foi um jogo marcado pela positiva e pela negativa. Pela positiva porque assistimos a mais uma bela exibição dos lusos, ao passo que a parte negativa prende-se com a vincada indisciplina dos jovens argentinos a quem só a vitória interessava após uma surpreendente derrota ante a Coreia no primeiro encontro. A figura do jogo acabou mesmo por ser o árbitro, o belga Guy Goethals, obrigado a expulsar três jogadores sul-americanos que usaram e abusaram da indisciplina. Os golos surgiram na segunda parte, o primeiro apontado por Gil, aos 56 minutos, na sequência de uma arrancada desde o meio campo contrário que foi concluído com um potente remate à entrada da área e que ainda embateu no defesa Cocca, acabando por trair o guardião Díaz. No seguimento de um mau passe de Bacedas surgiu o segundo golo de Portugal, aos 78 minutos. João Vieira Pinto cruzou para a área onde Toni foi impedido por Pochettino de chegar à bola tendo o árbitro marcado de pronto a grande penalidade. Na conversão, o pé canhão da seleção portuguesa, Paulo Torres, não deu hipótese ao guardião das pampas e fez o 2-0. O 3-0 final surgiu por intermédio de Toni, que sozinho isolado à entrada da pequena área ante Díaz controla a bola com o peito para em seguida encher o pé que levou o esférico para o fundo das redes. Este triunfo gordo garantiu de pronto a passagem de Portugal à fase seguinte.

Ante a Argentina os lusos jogaram com: (1) Brassard; (7) Abel Xavier, (6) Jorge Costa, (11) Rui Bento e (8) Paulo Torres; (4) Peixe, (3) Figo e (5) Rui Costa ((13) Capucho, aos 70m); (2) Gil ((9) Luís Miguel, aos 78m), (14) João Vieira Pinto e (18) Toni.

Com o apuramento garantido Carlos Queirós fez cinco alterações no seu onze no jogo ante a Coreia, realizado no Estádio da Luz no dia 20 de junho. As mudanças não se fizeram notar, já que Portugal realizou outra exibição muito competente e convincente. O único golo do encontro surgiu na sequência de um livre indireto, ao minuto 42, a castigar o facto de o guardião coreano não ter libertado de imediato a bola e perdido mais tempo com ela nas mãos do que as leis permitem. Na conversão, o homem das bolas paradas da seleção lusa, Paulo Torres, não perdoou a enviou uma verdadeiro míssil para o fundo das redes asiáticas.

Este triunfo garantiu a Portugal o 1.º lugar do Grupo A deste Mundial. Neste derradeiro encontro da fase de grupos os portugueses jogaram com: (12) Tó Ferreira; (10) Nélson, (6) Jorge Costa, (11) Rui Bento e (8) Paulo Torres; (4) Peixe ((3) Figo, aos 46m), (16) Cau e (15) Tulipa; (17) João Oliveira Pinto, (14) João Vieira Pinto e (18) Toni ((9) Luís Miguel, aos 68m).

Figo e Rui Costa cantam o hino
Na fase a eliminar, isto é, nos quartos-de-final, Portugal enfrentou um osso duro de roer, o México. Na Luz, o muito público que lotou o recinto lisboeta teve razões para festejar logo aos 2 minutos. João Vieira Pinto é derrubado dentro da área e o árbitro assinala penalti. Na conversão Paulo Torres atirou a bola para um lado e o guarda-redes foi para o outro, apontando o primeiro golo dos lusos. Porém, este golo madrugador adormeceu os lusitanos, tendo os mexicanos reagido, e aos 35 minutos Mendoza empatou de cabeça. Este seria o primeiro e único golo sofrido por Portugal ao longo de todo o torneio. O resultado não se alterou até aos 90 minutos e foi necessário recorrer-se a um prolongamento, onde Portugal bebeu do instinto matador do ponta de lança Toni, que numa cabeçada vistosa fez o 2-1 que abriu a porta das meias-finais aos miúdos de Queirós. Neste jogo Portugal jogou com: (1) Brassard; (7) Abel Xavier, (11) Rui Bento, (6) Jorge Costa e (8) Paulo Torres; (4) Peixe, (3) Figo e (5) Rui Costa ((10 Nélson, aos 90+1m); (2) Gil, (14) João Vieira Pinto ((13 Capucho, aos 70m) e (18) Toni.

Faltava um pequeno passo para Portugal atingir a final, mas para isso tinha de se desenvencilhar da surpresa do torneio, a Austrália. Novamente num Estádio da Luz repleto (112.000 espectadores) assistiu-se a uma obra de arte daquele que um dia viria a ser conhecido como o maestro, um puro talento, de seu nome Rui Costa. O jovem jogador do Benfica pegou na bola ainda no meio campo australiano, e de fora da área disferiu um vistoso remate que só parou no fundo das redes de Bosnich. Este golo solitário, apontado a um minuto do intervalo, garantiu a segunda final de um Mundial de sub-20 a Portugal, quer atuou com: (1) Brassard; (7) Abel Xavier, (11) Rui Bento, (6) Jorge Costa e (8) Paulo Torres; (4) Peixe, (3) Figo e (5) Rui Costa; (2) Gil ((13 Capucho, aos 67m), (14) João Vieira Pinto e (18) Toni ((17) João Oliveira Pinto, aos 89m).

E eis que chegávamos ao dia 30 de junho, o dia da grande final, ante o poderoso Brasil, o eterno candidato a vencer todas as competições em que entra. Ainda antes da final ser jogada, Carlos Queirós levou os seus pupilos até à praia, segundo confessou Gil já em 2020 ao jornal Record. «Lembro-me que, um dia antes da final com o Brasil, o professor Queiroz levou-nos à praia do Guincho para nos motivar e ficámos só em cima das rochas a olhar para o mar. Ele pediu-nos para ficarmos lá a relaxar. Perguntou-nos o que estávamos a ver e nós dissemos que víamos uma parte calma das ondas mais para a frente e outra fase em que as ondas batiam nas rochas. Disse-nos ‘é assim que quero que vocês joguem amanhã!’. Ficámos a olhar uns para os outros a pensar ‘Como assim?’ e ele explicou o seguinte: ‘O que eu quero é que a defesa e o meio-campo estejam calmos como aquela fase do mar que veem mais perto do horizonte e que o ataque seja bravo como estas ondas que batem nas rochas’. Como jogadores inteligentes que éramos, tentámos colocar em prática aquilo que ele pediu».

O Estádio da Luz na maior enchente da sua história,
na tarde de 30 de junho de 1991

Com capacidade para 120.000 espectadores naquela tarde o velho Estádio da Luz albergou muito mais do que isso. Foram 127.000 almas que se acotovelaram para ver in loco mais um capítulo dourado da história do nosso futebol. Aquela imagem, do inferno da Luz a arrebentar pelas costuras, jamais se tinha visto num jogo da seleção nacional, prova de que o povo estava com os miúdos de Queirós. Bilhetes a 800 escudos que se venderam a 8 contos, segundo recorda o ilustre jornalista de A Bola, António Simões, anos mais tarde numa edição especial que o jornal da Travessa da Queimada publicou em jeito de homenagem à Geração de Ouro. Outra imagem marcante foi a cerimónia dos hinos, com as lágrimas de emoção de Peixe - que haveria de ser considerado o melhor jogador deste Mundial - a correrem o Mundo quando A Portuguesa entoou. Quanto ao jogo em si assistiu-se a um encontro de qualidade ao qual apenas faltaram os golos.

Figo em duelo com Roberto Carlos
Na primeira parte destaca-se uma perdida flagrante de Portugal, quando João Vieira Pinto atirou ao poste da baliza de Roger. Contudo, foram os brasileiros a dominar, apontando dois golos que no entanto seriam anulados pelo árbitro argentino Francisco Lamolina. O guarda-redes Roger, por exemplo, considerou os lances duvidosos, embora reconhecendo que Portugal tinha uma equipa qualificada, com nomes que fizeram história no país, posteriormente. Na segunda parte os portugueses corrigiram a sua postura, melhoraram muito nas transições para o ataque, tendo valido numa ou noutra ocasião a inspiração de Roger. Com 0-0 no final dos 90 minutos jogou-se um prolongamento, onde os portugueses foram melhores no aspeto físico. Neste período brilhou Brassard, que com um punhado de defesas evitou males maiores para Portugal. Ainda antes das grandes penalidades, Gil, de cabeça, teve uma oportunidade soberana para desfazer o nulo, mas a bola saiu um tudo ou nada acima da barra.

E eis que chegávamos aos mal fadados penaltis. Na fatídica decisão, Roger considera que a falta de experiência pesou na equipa brasileira, sendo que o centro-campista Marquinhos e o atacante Élber falharam as respetivas cobranças. O pontapé do título esteve nos pés de Rui Costa, que calmo e frio bateu Roger e fez de Portugal BI-CAMPEÃO DO MUNDO. A Luz veio abaixo com a onda de alegria que se gerou em seguida. E ainda mais alegre ficou quando o então Presidente da República, Mário Soares, entregou a taça de campeão mundial ao capitão João Vieira Pinto.

Na grande final Portugal jogou com: (1) Brassard; (10) Nélson ((15 Tulipa, aos 10m, (13) Capucho, aos 70m), (11) Rui Bento, (6) Jorge Costa e (8) Paulo Torres; (4) Peixe, (3) Figo e (5) Rui Costa; (2) Gil, (14 João Vieira Pinto e (18) Toni.

Gente feliz com lágrimas e o amuleto de Queirós na final


Esta vitória fez naturalmente transbordar de felicidade a nação lusitana. Exemplo disso era Eusébio, figura lendária do futebol luso, que no final do jogo não escondeu as lágrimas, afirmando ao jornal A Bola que «muitas pessoas julgaram que o Brasil iria ganhar, mas os miúdos nunca se intimidaram e venceram. Que espetáculo! Ah, mas para mim o mais bonito da festa foi a união de Portugal, acabaram-se as guerras entre clubes, ninguém era do Benfica, do FC Porto, ou do Sporting».

Quem igualmente se desfez em elogios à seleção portuguesa foi Joseph Blatter, dirigente da FIFA, que afirmaria a A Bola que «Carlos Queirós e os seus jogadores praticam o verdadeiro futebol do futuro, porque com eles é possível ver toda a gente em movimento, atletas de boa técnica a pensar no coletivo, rapidez e…golos».

E se uns choravam de alegria outros pareciam conformados com o resultado final, como foi o exemplo do selecionador brasileiro, Ernesto Paulo, que à reportagem de A Bola disse que «Portugal foi um justo vencedor mas estava escrito que os campeões tinham de ser os caras. Vi logo no primeiro remate a bola bateu na trave e ressaltou para dentro da nossa baliza».

Carlos Queirós
Carlos Queirós era igualmente um dos homens mais feliz naquela noite em Lisboa, afinal de contas tinha conseguido algo que meia dúzia de anos antes qualquer pessoa duvidaria: colocar Portugal no topo do Mundo em duas ocasiões consecutivas. Numa entrevista concedida ao jornal A Bola, anos mais tarde, contou a história do amuleto que lhe foi parar às mãos na final do Mundial de 1991. «Às duas por três vamos para a segunda parte do prolongamento, com o Brasil, o jogo estava difícil, muito fechado, com poucas oportunidades de golo, e das poucas uma ou outra de partir o coração, e eu tinha a perceção de que quem marcasse vencia. Falei com os meus jogadores e quando fui para me sentar no banco há uma pessoa, que julgo que era um bombeiro, que chega ao pé de mim e diz-me assim: “professor, agarre nisto, aperte com força que isto vai dar-lhe sorte”. Eu nem vi a cara da pessoa, para dizer a verdade, naquela altura tinha-me agarrado a qualquer coisa. Ele disse-me que daria sorte e apertei aquilo instintivamente. Dei só uma mirada muito rápida, antes do jogo recomeçar, era um vidrinho muito pequenino, parecia até uma turmalina, uma daquelas pedras semipreciosas, e fiz o resto do prolongamento sempre com aquilo na mão e nos penaltis então ainda apertei com mais força, e lembro-me de falar com os jogadores antes dos momentos decisivos com a mão direita fechada. Ganhámos».

Ambiente de descontração no seio da equipa de 1991

Muitos dos jogadores que integraram a Geração de Ouro do futebol luso – quer os de Riade, quer os de Lisboa - tiveram nos anos seguintes carreiras ao mais alto nível no futebol internacional, jogaram nos maiores clubes do Mundo e venceram troféus de alto gabarito no futebol sénior. Lembramo-nos de Luís Figo, Rui Costa, João Vieira Pinto, Fernando Couto, Paulo Sousa, ou Jorge Costa. Outros tiveram carreiras medianas, deambulando por clubes de média/pequena dimensão do nosso futebol, e outros simplesmente desapareceram. No entanto, uma coisa é certa: ninguém se esquece do que todos eles fizeram por Portugal.

A seleção lusa que (re)conquistou o Mundo em 1991

Entrevista com os campeões do Mundo Luís Miguel e Cau

Não quisemos deixar de passar este 30.º aniversário da conquista do bi-campeonato do Mundo de sub-20 sem falar com quem de perto viveu as emoções da conquista de 1991. E para isso convidámos a vir ao Museu Virtual do Futebol dois dos campeões de Lisboa. É verdade, tivemos o privilégio de abrir as portas do nosso Museu a dois dos 18 heróis que em 91 escreveram uma das mais brilhantes páginas do nosso futebol. Damos pois as boas vindas a Cau e a Luís Miguel, que nas próximas linhas falam das emoções vividas naquele célebre campeonato do Mundo.  

Cau segura a taça ao lado
de Gil e Tulipa
Museu Virtual do Futebol (MVF): Que recordações têm daquele Mundial de 91 e da forma como terminou, isto é, com o título de campeão do Mundo?

Luís Miguel: No meu caso, as recordações que me vêm logo à cabeça foi a grave lesão que me impediu de dar o contributo normal. Sem saber, fui campeão do Mundo com um pé partido (fratura do escafoide). Recordo-me também do último penalti, onde dei um sprint e somente dei conta que o pé me doía quando parei. No momento foi uma sensação incrível, jamais vivida.

Cau: Pessoalmente, ser campeão do Mundo além de ser um título duma grandeza universal, foi um marco histórico, além de me alimentar o ego irei sempre lembrar que um dia fui campeão do Mundo por um país com muita história.

MVF: Na antecâmara do Mundial de 1991 julgavam ser possível seguir as pisadas da equipa de Riade, que dois anos antes havia sido campeã do Mundo?

Luís Miguel: Sim. Até ao Mundial, e desde os sub-15, só tínhamos perdido um jogo no final dos anos 90. Por isso, sabíamos que erámos candidatos a lutar pelo título. Tínhamos um grupo fantástico, que já estava junto há imenso tempo e erámos treinados pelo melhor treinador na altura.

Cau: Sim, porque quando se entra numa competição como esta não há favoritos, mas há que respeitar equipas como o Brasil, a Argentina, etc. Só que tínhamos um grupo muito forte e determinado, todos tinham a ambição de vencer. Mas é lógico que olhando para os mundialistas de Riade nos deu mais convicção de que podíamos vencer o Mundial em Lisboa.

Luís Miguel com a medalha de campeão
do Mundo ao lado de Tulipa e Capucho
MVF: O que vos disse Carlos Queirós antes desse Mundial de 91, de que forma ele foi importante na criação de uma mentalidade ganhadora que a seleção viria a ter?

Luís Miguel: O professor acreditava e conhecia bem as nossas qualidades, quer no aspeto individual, quer no aspeto coletivo. Foram, salvo o erro, 6 semanas de trabalho que antecederam o primeiro jogo. Nesse período de estágio, lembro-me de o professor dizer várias vezes que Portugal iria revalidar o título.

Cau: O professor Carlos Queirós incutia-nos na mente que podíamos ganhar jogo a jogo, e que tínhamos todos os pergaminhos para o conseguir. Mas os virtuosos jogadores transmitiam a confiança para as vitórias, sem dúvida que era um grupo recheado só de grandes craques.

MVF: Jogar em casa, no nosso próprio país, também vos ajudou a conquistar esse título, certo?

Luís Miguel: Sim, o 12.º jogador teve um papel muito importante, embora jogando em casa e a jogar para defender o título poderia trazer uma pressão maior, mas com o decorrer do estágio somente nos focamos no jogo a jogo. Lembro-me do trajeto que fazíamos para os jogos do hotel até ao estádio, as ruas estavam repletas de adeptos a apoiar. Quando entrávamos no relvado até arrepiava.

Cau: Com o nosso primeiro jogo nas Antas, Estádio do F. C. Porto, na zona norte do país, logicamente que o público afeto à seleção nos deu força, incentivou-nos para o começo, e como tal os adeptos do norte são do outro Mundo, e a eles desejo um Mundo de gratidão.

Cau, o primeiro da esquerda para a direita,
na fila de baixo em 1991
MVF: Na vossa perspetiva qual foi o jogo mais difícil desse Mundial, aquele que mais trabalho vos deu e porquê?

Luís Miguel: Na minha opinião o jogo mais difícil foi nos quartos-de-final contra o México. Ganhámos no prolongamento, mas foi um jogo muito equilibrado em que qualquer um poderia ter vencido. O jogo da final, principalmente na 1.ª parte foi muito difícil. Fomos dominados pelo Brasil, mas com o decorrer do jogo crescemos e fomos melhores.

Cau: Sem termos tido jogos fáceis, penso que com a Argentina foi um jogo muito atrativo e muito agressivo, entre duas equipas muito bem equilibradas, com dinâmicas de competência futebolista. Depois aquela dolorosa final com o Brasil, que grande jogo, num estádio repleto de público, quase com 130 mil adeptos, foi e é de arrepiar. Muita emoção, alegria, adrenalina, crer, força, coragem, todos tínhamos aquela crença de que íamos vencer aquela final, que mudou o futebol português. Só agradeço ao povo português e das colónias pelos incentivos que chegavam de toda parte do Mundo, e em especial dos países da língua de Camões.

MVF: Aquela era uma seleção muito virtuosa, nas palavras do próprio Carlos Queirós, e ao mesmo tempo rebelde. Foi essa rebeldia aliada ao virtuosismo que vos levou ao título, por outras palavras, qual foi o segredo, ou a chave, do êxito?

Luís Miguel: Penso que em comparação com a seleção anterior, a nossa tinha mais qualidade a nível individual. Tínhamos jogadores que de um momento para o outro, resolviam os jogos. Mas penso que a chave do sucesso foi a qualidade do professor Carlos Queirós e o facto de estarmos juntos há 6 anos e de termos passado por várias finais (Sub-16 e Sub-18).

Cau
MVF: Surpreendeu-vos ver anos mais tarde jogadores como Figo, Rui Costa ou João Vieira Pinto atingirem o sucesso no patamar sénior? Ou pelo contrário, já estavam à espera que eles se afirmassem?

Luís Miguel: Em nada me surpreendeu. Tinham uma qualidade e uma mentalidade acima da média.

Cau: Todos acabaram por fazer carreira, sabendo que alguns colegas tiveram mais sucesso do que outros, mas a vida é mesma assim. Só tenho que agradecer aos demais amigos e colegas que fizeram história no futebol português. Fiz uma boa carreira como jogador, sabendo que a minha ambição nunca foi a de sair para equipas estrangeiras, por isso só tenho que agradecer o que a vida me deu.

MVF: E a final num estádio da Luz com 127.000 pessoas, ainda se lembram?

Luís Miguel: Claro que me lembro, jamais esquecerei. Eu estava no banco de suplentes ao lado do Capucho e tínhamos que gritar para falar um com o outro. Foram 70 pessoas da minha família ao jogo, em que levaram um cartaz bem grande que dizia “Luís Miguel amigo, a tua família está contigo”. Inesquecível.

Cau: A final foi marcante, o Mundo parou e quem ganhou foi o nosso Portugal. Foi arrepiante, nunca mais vimos um estádio repleto com aquela massa humana, quase 130 mil nas bancadas.

Luís Miguel
MVF: Qual foi para vocês o momento mais emocionante deste Mundial?

Luís Miguel: Foi aquele penalti batido pelo Rui Costa. A nossa seleção vinha de duas derrotas por grandes penalidades nos Europeus de Sub-16 e 18 e quando o árbitro apitou para o final do prolongamento veio à memória aquelas finais perdidas e de ter pensado: “hoje vamos ganhar”.

Cau: Considero que todos os momentos foram de emoção, mas ver o povo cabo-verdiano a vibrar, a minha família num delírio, vendo Portugal numa adrenalina contagiante, todos alegres, foram momentos de satisfação e de gratidão por tudo.


Vídeo: A música criada para este Mundial de 1991 e que foi cantada pelos jogadores da seleção portuguesa

Vídeo: O compacto de todos os jogos de Portugal neste trajeto de glória