Mostrando postagens com marcador Gyula Lelovics. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Gyula Lelovics. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, março 07, 2016

Histórias do Planeta da Bola (16)... "Il Grande Bologna" solta o primeiro grito de vitória do futebol italiano além fronteiras

Il Grande Bologna entra em campo para fazer história
Durante décadas o futebol italiano viu refletidos sobre si os holofotes da fama e do prestígio do Planeta da Bola. As suas equipas encantaram e dominaram o Mundo com dezenas conquistas e feitos inesquecíveis que fizeram - e fazem - desta uma das nações mais fortes da história do belo jogo. Sobretudo durante as décadas de 80 e 90 do século passado, em que o calcio comandou o pelotão futebolístico internacional. A Serie A - o principal escalão do futebol italiano - foi durante mais de 20 anos uma verdadeira passerelle de estrelas. Alguns dos maiores vultos da história do jogo passearam classe pelos relvados de Itália nas décadas de ouro do calcio, casos de Diego Maradona, Michel Platini, Zico, Roberto Mancini, Gianluca Vialli, Roberto Baggio, Paolo Rossi, Sócrates, Falcão, Lottar Matthaus, Ruud Gullit, Marco Van Basten, entre tantos outros. Jogar em Itália, no melhor campeonato nacional do globo, era a cereja no topo do bolo para qualquer futebolista. O poderio e mediatismo das squadras transalpinas no decorrer das duas referidas décadas refletia-se igualmente nas eurotaças da UEFA com a conquista de quase duas dezenas de títulos continentais e cerca de trinta presenças em finais.


O poderio do futebol italiano na Europa
durante as décadas de 80 e 90 é evidente nesta imagem
Para quem gosta de estatística estes factos podem ser facilmente atestados com números que impressionam à primeira vista. Vejamos. Na Taça dos Clubes Campeões Europeus a nação da bota arrecadou cinco títulos, três por intermédio do Milan (1989, 1990 e 1994) e dois pela Juventus (1985 e 1996), para além de ter marcado presença em mais sete finais (perdidas), três pela Juve (1983, 1997 e 1998), duas pelos milanistas (1993 e 1995), e uma por Roma e Sampdoria (respetivamente em 1984 e 1992). Naquela que foi durante anos a fio a segunda competição mais importante da UEFA, a Taça dos Vencedores das Taças, o futebol italiano subiu por quatro ocasiões ao lugar mais alto do pódio: Juventus (1984), Sampdoria (1990), Parma (1993) e Lázio (1999), tendo perdido ainda um par de finais, em 1989 (Sampdoria) e 1995 (Parma). Seria no entanto na terceira competição uefeira - a Taça UEFA - que o calcio exerceu nestes 20 anos um domínio quase absoluto, conforme expressam os oito títulos conquistados (o Nápoles em 1989; a Juventus em 1990 e 1993; o Inter em 1991, 1994 e 1998; e o Parma em 1995 e 1999) em dez finais disputadas. A prova mais evidente de que a Itália era rainha e senhora da Taça UEFA ocorreu nos anos de 1990, 1991, 1995 e 1998, altura em que as finais desta competição foram 100 por cento italianas, ou seja, disputadas por duas equipas do mesmo país. O poderio transalpino é traduzido noutros dados, como por exemplo o facto de a Juventus ter sido a primeira equipa do Velho Continente a conquistar os três troféus da UEFA, quando em 1985 juntou a Taça dos Campeões Europeus (TCE) à Taça dos Vencedores das Taças (TVT) de 1984 e à Taça UEFA de 1977; ou ainda a época de 1989/90, cujas finais europeias foram vencidas por equipas italianas: Milan (TCE), Sampdoria (TVT) e Juventus (Taça UEFA). Sem dúvidas que este foram anos de um domínio avassalador, que a juntar às conquistas das décadas de 60 e 70 (quatro TCE, duas TVT, uma Taça UEFA e uma Taça das Cidades com Feira) fazem da Itália um dos países mais laureados da Europa futebolística no que a clubes concerne, somente suplantado por Espanha e Inglaterra. Hoje em dia, o calcio vive na sombra do seu passado glorioso, quer no plano internacional, onde luta com dificuldades ante os emblemas das nações mais poderosas do continente (Espanha, Inglaterra e Alemanha), quer no aspeto interno, onde o seu campeonato perdeu brilho, emoção, e sobretudo glamour.

Il Grande Bologna coloca a Itália no mapa da Europa do futebol (ao nível de clubes)

Esta longa introdução remete-nos para a nossa história de hoje: o ponto de partida da gloriosa caminhada europeia das equipas italianas. Início esse que nos leva até um clube lendário, que hoje deambula entre a Serie A e a Serie B, mas que durante mais de uma década encantou os tiffosi de todo o... Mundo. Bologna Football Club, ou Il Grande Bologna dos anos 30, a primeira equipa transalpina a conhecer a glória internacional. Para muitos dos historiadores do belo jogo o legado desse mítico e longínquo Bologna rivaliza com o do Grande Torino da década de 40, da mágica equipa que se eclipsou tragicamente no desastre aéreo de Superga em 1949. Qual destas duas equipas foi a melhor é uma pergunta difícil de responder, sendo apenas certo que ambas tiveram um papel preponderante na dinamização e popularização do calcio a nível internacional.
No vale do Rio Pó ergue-se Bologna (ou Bolonha no idioma de Camões), cidade que no outono de 1909 vê nascer um dos principais baluartes da sua história, o Bologna Football Club.

A equipa do Bologna que em 1924/25 conquistou, sob a alçada do treinador austríaco Felsner,
o primeiro scudetto da história do clube
Emilio Arnstein, um cidadão oriundo da Boêmia (atual República Checa) é a principal figura que esteve na génese da criação do emblema rossoblú (azul e vermelho, as cores que os bolonheses adotaram desde a sua fundação), contando para isso com a cumplicidade dos italianos Arrigo Gradi e Leone Vicenzi, e do suíço Louis Rauch, sendo que este último seria o primeiro presidente da história do clube. Após uma primeira década de vida a competir ao nível regional, o Bologna entra nos anos 20 com a ambição de galgar os muros da sua região e conquistar a Itália. Os seus dirigentes sonham alto, aspiram ombrear com as melhores equipas do país, onde então se destacavam o Genoa e o Pro Vercelli, nomes que haviam dominado as duas primeiras décadas do calcio no plano nacional. Nesse sentido urge que o clube transponha a fronteira do amadorismo para o profissionalismo que começava a imperar no futebol transalpino, e o primeiro passo é dado na contratação de um homem oriundo da escola do Danúbio, para muitos a região do Velho Continente onde o futebol atingia a sua perfeição no plano técnico e tático. Do triângulo composto por Áustria, Hungria e Boêmia (mais tarde batizada de Checoslováquia) foram extraídos durante grande parte da primeira metade do século XX alguns diamantes raros no que ao desporto rei diz respeito. Jogadores, treinadores, ou simplesmente pensadores do jogo que o levaram para patamares da excelência e da beleza nunca dantes vistos no Velho Continente.



Hermann Felsner, o criador
d' Il Grande Bologna
Os dirigentes do Bologna estavam cientes de que para edificar o clube vencedor que tinham em mente era preciso trazer para a cidade que alberga a universidade mais antiga do Mundo um desses filósofos danubianos da bola. Decidem então colocar um anúncio num jornal de Viena, em busca de um timoneiro para o projeto de sucesso que idealizavam. Receberam várias respostas, e na sequência disso Arrigo Gradi, um dos co-fundadores do clube, decide viajar até à capital da Áustria para analisar in loco os candidatos selecionados. A escola final recaíu num antigo jogador do Wiener Sport Club, Hermann Felsner, de seu nome. Este cidadão austríaco chega a Itália em 1920 e de pronto revoluciona o modo de jogar e de pensar dos rossoblú. Felsner desde logo se revelou um profundo conhecedor do futebol, introduziu novos métodos de treino, ou não fosse ele um especialista no campo da preparação física, aos quais aliou os seus vastos conhecimentos no plano tático. Felsner reconstruiu o clube, criou as bases daquele que viria a ser Il Grande Bologna das décadas seguintes. Sob a sua batuta o Stadio Sterlino - uma das primeiras casas do Bologna - passou a ser palco de magistrais sinfonias futebolísticas interpretadas por uma orquestra formada por notáveis figuras moldadas pelo génio do treinador austríaco. Nomes como Giuseppe della Valle, Augusto Baldini, Gastoni Baldi, ou Cesare Alberti rapidamente se tornaram em futebolistas de renome em Itália, e mais do que isso em homens capazes de conduzir o Bologna à glória sonhada. Em 1920/21 é dado do primeiro sinal ambição dos rossoblú, com a conquista do primeiro lugar do Grupo Regional do Norte do Campeonato Italiano - que até meados dos finais dos anos 20 foi disputado em várias fases, sendo que os vencedores das etapas regionais disputavam mais à frente eliminatórias nacionais que apuravam o campeão. O talento de Felsner para moldar jogadores de inegável talento atinge, quiçá, o seu apogeu em 1923, altura em que descobre num modesto clube amador local, o Fortitudo, um artista que haveria de escrever o seu nome no livro de ouro do futebol italiano: Angelo Schiavio.


Angelo Schiavio, a estrela maior
d' Il Grande Bologna
Este astro atuou durante 16 temporadas (1922-1938) no Bologna, tendo apontado 242 golos em 348 encontros disputados. 109 desses golos foram apontados no principal escalão italiano, onde vestiu a maglia rossoblú em 179 ocasiões. Foi o melhor marcador do campeonato em 31/32, altura em que apontou 25 golos. Schiavio foi o nome sonante de um Bologna que tornou reais as aspirações de glória dos seus dirigentes em 1928/29, época em que venceu o primeiro dos seus sete scudettos - título nacional - que detém até hoje. A equipa do vale do Rio Pó venceu numa primeira fase a Liga do Norte, com 34 pontos, superando a então potência do calcio Pro Vercelli, e uma Juventus que dava os primeiros sinais do gigante internacional que viria a tornar-se nas décadas seguintes. Esta classificação permitiu ao Bologna disputar a final do campeonato com o vencedor do Grupo do Sul, o Alba Roma, tendo vencido os dois jogos do play-off de apuramento do campeão nacional. Estava dado o primeiro passo no caminho da glória. Nos anos seguintes os rossoblú ocuparam sempre a carruagem da frente do futebol transalpino, lutando taco a taco com os melhores pela reconquista do ceptro. Algo que viria a surgir no final da década (1929) quando o doutor Felsner - assim chamado pelos tiffosi bolonheses não só pelo facto de ser licenciado em Direito mas sobretudo pelos seus amplos conhecimentos futebolísticos - conduz o clube a um novo título nacional, depois de levar a melhor numa épica final ante o Torino - decidida apenas num terceiro jogo e quase em cima do apito final (minuto 82) por intermédio de Giuseppe Muzzioli. A Itália curvava-se diante do futebol tecnicamente e taticamente refinado do Bologna - assente na filosofia da escola danubiana com alguns traços do futebol inglês - idealizado por Felsner, um homem de personalidade forte, que tinha bebido grande parte da sua sabedoria na pátria do futebol, Inglaterra, onde havia aprendido com os melhores antes de deixar a sua marca no Planeta da Bola através da criação d' Il Grande Bologna. O austríaco abandonaria a sua obra de arte em 1931, abrindo caminho para que outros elevassem o clube a patamares mais altos e mais pomposos. Por esta altura não só a Itália fazia vénias ao emblema rossoblú, cuja lenda atravessava o (Oceano) Atlântico conforme ficou comprovado pelos convites que surgiram da Argentina e do Brasil no final da década, para que as duas equipas finalistas do campeonato transalpino de 28/29 enfrentassem as melhores equipas daqueles dois países.

Rossoblú fazem tremer a Europa do futebol


Bologna em ação contra o velho rival
Juventus, na luta pelo trono do futebol
  transalpino
Os finais da década de 20 conheceram aquela que é considerada como a progenitora das atuais competições europeias: a Taça Mitropa. Sobre esta hoje desaparecida prova já traçámos longas linhas em recentes viagens ao passado, e nela evoluíram algumas das primeiras lendas do futebol continental como Mathias Sindelar, Rudolf Hiden, Raymond Braine, Giuseppe Meazza, ou Frantisek Plánicka. Disputada pelos melhores conjuntos da Áustria, Hungria, Checoslováquia e Itália - no fundo as maiores potências futebolísticas da Europa de então - a Mitropa Cup era já a competição mais popular do Velho Continente no início da década de 30. Vencê-la era o equivalente a subir ao trono da Europa no que a clubes dizia respeito. Por esta altura Hermann Felsner havia dado o seu lugar ao húngaro Gyula Lelovics, outro profundo conhecedor da mítica escola danubiana que mais não fez do que seguir o trabalho deixado pelo austríaco. Entretanto, o grupo rossoblú era reforçado com nomes que haveriam de deixar a sua marca na história do clube e do próprio jogo, tais como o defesa uruguaio Francisco Fedullo, o guarda-redes Mario Gianni, ou o extremo Carlo Reguzzoni. Em 1932 o Bologna participa pela primeira vez na famosa competição continental, na qualidade de vice-campeão italiano - atrás do campeão Juventus - facto que entraria para a história, ou melhor, uma presença que haveria de iniciar a gloriosa história do futebol italiano nas competições europeias.
O principal campeonato italiano havia somente terminado somente há uma semana quando a squadra orientada por Gyula Lelovics entrou em campo para defrontar os campeões da Checoslováquia, o Sparta de Praga, em partida dos quartos-de-final. Checos que na primeira mão viajaram até Itália sem o patrão da sua defesa, Kada Pesek, para enfrentar Il Grande Bologna. Na baliza surgia Mario Gianni, a quem chamavam de gato mágico, assim apelidado pelas espetaculares e acrobáticas estiradas que marcavam a sua imagem de futebolista, enquanto no setor recuado brilhavam o futuro bi-campeão do Mundo Eraldo Monzeglio, Felice Gasperi, e o uruguaio Francisco Fedullo. No meio campo, dois jogadores comandavam majestosamente as operações: Gastoni Baldi, e Gastone Martelli. Estes dois jogadores serviam de forma sublime a linha avançada daquele memorável conjunto, linha essa formada por nomes como Bruno Maini, o uruguaio Raffaele Sansone, Carlo Reguzzoni e Angelo Schiavio, a estrela mais brilhante daquela lendária equipa. Este último jogador foi um dos destaques no embate ante o Sparta, que o Bologna venceu por claros e expressivos 5-0. Reguzzoni abriu o marcador nos minutos iniciais, seguido de dois golos de Maini e um de Schiavio, tendo a nota artística final sido assinada por Baldi na etapa complementar. 

A medalha que simboliza a conquista
da Mitropa Cup em 32
No encontro da segunda mão os checoslovacos ainda tentaram o impossível, e aos 30 minutos do primeiro tempo já haviam marcado dois golos - por Nejedly e por Donati, este último um auto-golo - que traziam esperança ao combinado orientado pelo lendário John Dick. Aos 15 minutos da segunda parte Podrazil fez o 3-0 final, resultado insuficiente para afastar o vice-campeão de Itália. Nas meias-finais, a squadra de Lelovics enfrentou o First Viena, conjunto que na primeira mão visitou o Stadio Littorale - a nova casa do Bologna, que hoje em dia é denominada de Estádio Renato Dall' Ara - tendo ali perdido por 2-0, com golos de Maini e Sansone, num jogo que fica marcado pelo facto de Schiavio ter atuado fisicamente limitado. Ele que havia sido o melhor marcador do campeonato italiano em 1931/32, com um total de 25 remates certeiros.
Uma semana mais tarde, no Hohe Warte Stadium, em Viena, os austríacos fizeram uma exibição de gala, um jogo perfeito, que mesmo assim não chegou para ir além de uma magra e insuficiente vitória por 1-0.

A edição de 1932 da Taça Mitropa ficou marcada pela polémica meia-final entre a Juventus e o Slavia de Praga, uma autêntica batalha campal que levou a organização da prova a afastar estes dois clubes e a entregar o título de campeão ao Bologna que assim soltava o primeiro grito de vitória além do futebol italiano no plano internacional. O Bologna tornava-se assim na primeira squadra transalpina a vencer uma competição europeia sob o signo da magia e criatividade técnico-tática que caracterizava o seu estilo de jogo.
Fotografia histórica: A equipa do Bologna que em 1932
conquistou o primeiro título europeu de clubes para Itália
Dois anos mais tarde, e sob a orientação do húngaro Lajos Kovács, Il Grande Bologna volta a mostrar a sua... grandeza no plano internacional. A equipa volta a conquistar a Europa na sequência de um novo triunfo na Mitropa Cup. Contudo, a campanha não começou de maneira fácil, já que na primeira ronda os húngaros do Bocskai foram um osso duro de roer. No jogo da primeira mão, no Stadio del Litorialle, o combinado magiar surgiu no relvado com uma defesa de ferro, só derrubada pela arte e força de Carlo Reguzzoni e da grande estrela da equipa, Angelo Schiavio. Na segunda mão foi a vez do setor defensivo dos italianos brilhar, segurando a avalanche ofensiva dos húngaros que tiveram em Jeno Vincze a sua maior figura, sendo dele um dos golos com que o Bocskai derrotou o Bologna, por 2-1. Resultado, contudo, insuficiente para passar aos quartos-de-final, já que o tento de Reguzzoni fez estalar a festa entre a comitiva transaplina.
Tranquila foi a passagem do Bologna às meias-finais, já que na primeira mão dos quartos-de-final, diante do seu público, o clube transalpino humilhou por completo o Rapid de Viena. 6-1 foi o resultado de uma partida onde os atacantes Reguzzoni e Schiavio estiveram em claro destaque ao apontarem os golos da sua equipa. Em Viena, o Rapid adiantou-se cedo no marcador, por intermédio de Binder, logo aos dois minutos, dando ideia de que o milagre poderia acontecer, mas Reguzzoni logo tratou de arrefecer o ímpeto dos locais com o golo do empate, de nada valendo os três golos de Binder no segundo tempo.

Final da Taça Mitropa de 1934
As meias-finais comprovaram que o Bologna era de facto uma das grandes equipas da Europa dos anos 30. Que o diga o (então) poderoso Ferencvaros, que na primeira mão não foi além de um empate caseiro antes os italianos, que por sua vez no jogo de volta esmagaram por completo os húngaros na sequência de um robusto triunfo por 5-1, com relevo para as exibições de Fedullo e Schiavio, este último autor de dois golos. Assim chegávamos a mais uma final, onde surgiu pela segunda vez - no espaço de três anos - Il Grande Bologna, que no entanto se viu a braços com o azar na partida da primeira mão da final da edição de 1934, já que por motivos de lesão a sua maior estrela, Angelo Schiavio, não pôde viajar para Viena. No entanto, e em contrário ao que se esperava, os italianos não ficariam fragilizados por esse facto, já que ao intervalo venciam o seu oponente por duas bolas a zero. No segundo tempo, e no curto espaço de seis minutos, o Admira - adversário da final - deu a volta ao marcador, o qual não mais viria a ser alterado até final, graças a uma magnífica exibição do gato mágico Mario Gianni. Na segunda mão, e já com o seu capitão e estrela-mor Schiavio em campo, o Bologna dominou por completo os acontecimentos. Jogada de baixo de um calor infernal a partida foi de sentido único, o da baliza forasteira, com sucessivos lances de perigo a ocorreram junto da baliza à guarda de Platzer. O perigo número um na área vienense dava pelo nome de Carlo Reguzzoni - jogador que o lendário mestre da tática Hugo Meisl classificou, na época, como o melhor extremo do futebol continental -, que neste encontro esteve verdadeiramente endiabrado. Apontou três dos cinco golos com que o Bologna venceu o seu oponente, mas poderia ter marcado muitos mais, tais foram as ocasiões em que assustou Platzer. Com este hattrick Reguzzoni elevaria para 10 o número de golos marcados na competição, facto que fez dele o melhor da edição de 1934 da Mitropa. Quando o árbitro inglês Arthur James Jewell apitou para o final do encontro os 25 000 espectadores presentes no Stadio del Littoriale explodiram de alegria: Il Grande Bologna era de novo campeão da Europa.
1934 foi de facto um ano inolvidável para o futebol italiano, pois à conquista do Campeonato do Mundo pela seleção nacional seguiu-se mais um capítulo da história triunfal d' Il Grande Bologna. Curioso é que nestes dois factos um homem esteve em destaque, Angelo Schiavio. Foi dele o golo da vitória da Squadra Azzurra na final de Roma ante a Checoslováquia e por sua influência o Bologna subia de novo ao trono do futebol continental.
O grupo que em 1934 voltou a subir ao trono do futebol europeu
A supremacia dos bolonheses continuou a fazer-se sentir no restantes anos da década de 30, sobretudo no plano interno onde sob a orientação de outro nome que ficou na história do clube, o húngaro Árpád Weisz, interromperam uma série de cinco títulos nacionais consecutivos da Juventus vencendo os scudettos de 1936 e 1937. A era dourada deste emblema estava longe de terminar, pois até 1941 Il Grande Bologna voltou a rugir bem alto no panorama nacional. Conduzido pelo homem que construi a lenda, Hermann Felsner, a equipa venceu os campeonatos de 39 e 41, antes de passar o testemunho artístico no que à interpretação do jogo alude a outro grande squadrone: Il Grande Torino.

quarta-feira, março 18, 2015

Histórias do Planeta da Bola (8)... Os anos dourados (1927-1939) da Taça Mitropa - A primeira montra de estrelas do futebol europeu (parte III)

Juventus e Sparta de Praga precisaram de um terceiro jogo
para desempatar uma eliminatória equilibrada
pautada pelo futebol espetáculo
Contrariamente ao que havia ficado definido na edição anterior, o campeão em título da Mitropa Cup não teve presença garantida na competição do ano seguinte! Desconhecidas foram, no entanto, as razões deste inesperado volte face que fez com que o campeão de 1930, o Rapid de Viena, se visse assim impossibilitado de defender o ceptro conquistado. Isto, porque em termos domésticos os vienenses não foram além um terceiro lugar no campeonato nacional, ficando atrás do campeão First Viena e do Wiener, este último emblema vencedor da Taça da Austria. No entanto, quedar-se por um terceiro lugar na liga austríaca não era vergonha para ninguém, muito pelo contrário, já que por aqueles dias este era dos campeonatos mais competitivos e fartos em qualidade técnico-tática do Velho Continente, com equipas como o Admira Viena, o Austria de Viena, o Rapid, o Wiener, ou o First Football Club a lutarem entre si de igual para igual pela posse do trono futebolístico daquele país. First Viena cujo setor mais recuado era o principal abastecedor da célebre seleção austríaca dos anos 30, eternizada na história como o Wunderteam (equipa maravilha), onde pontificavam os defesas Josef Blum, Karl Rainer, e Leopold Hofmann. A extrema qualidade que abundava nas zonas mais recuadas do esquema tático do First Viena foi um fator fundamental para a caminhada triunfal que este conjunto trilhou nesta quinta edição da Taça Mitropa. Logo na primeira ronda os campeões austríacos provaram que eram uma equipa muito difícil de transpor, conforme explica o facto de terem deixado os húngaros do Bocskai - que faziam a sua estreia na prova - a zeros no duplo confronto travado com estes. 7-0, no conjunto das duas mãos, deixaram desde logo antever que o First Viena seria um dos principais candidatos a suceder ao Rapid de Viena na lista de campeões da Mitropa. Este não foi contudo o único duelo áustro-húngaro na edição de 1931, já que o sorteio ditou que Wiener e MTK de Budapeste lutassem entre si por um lugar nas meias-finais. A capital da Hungria acolheu o primeiro encontro, o qual se traduziu numa enorme surpresa, já que os experientes húngaros - em questões de Taça Mitropa - foram esmagados no seu reduto pelos caloiros do Wiener, que na sua baliza tinha nada mais nada menos do que o guarda-redes do Wunderteam de Hugo Meisl, de seu nome Rudolf Hiden. Porém, no plano individual o sublinhado deste primeiro jogo vai para o alemão Richard Hanke e para o austríaco Henri Hiltl, cada um deles com dois golos somados na conta pessoal de um encontro que terminou com um dilatado score de 5-1 a favor dos visitantes. Este último jogador, que no terreno de jogo atuava como um letal ponta de lança, foi o melhor marcador da edição de 1931, com sete remates certeiros no total.
No encontro da segunda mão os austríacos relaxaram... em demasia. Aos 47 minutos já perdiam por 3-0 (!), resultado que naquele período poderia ter contornos mais volumosos, não fosse o guardião Rudolf Hiden estar em tarde inspirada. Porém, à passagem do 82º minuto Richard Hanke sossegou os adeptos da casa ao reduzir para 1-3 e garantir deste modo a passagem da sua equipa à fase seguinte.



Apesar de ter sido a grande figura da eliminatória entre
o Slavia e a Roma, o mítico guarda-redes Plánicka
não evitou a queda da sua equipa à primeira
Estreia memorável nestas andanças tiveram os vice-campeões italianos de 1931, a Roma, conjunto que tinha no avançado croata naturalizado italiano, Rodolfo Volk, a sua maior estrela. Ele que na Serie A havia comprovado o seu estatuto de goleador ao apontar 29 golos que o tornaram no bombardeiro-mor do calcio nessa época. Romanos que então eram treinados pelo inglês Herbert Burgess, que enquanto jogador se havia notabilizado ao serviço dos dois clubes de Manchester, primeiro o City, e posteriormente o United, tendo ao serviço de ambos vencido campeonatos e taças de Inglaterra, sendo hoje dos poucos homens que conseguiram erguer troféus ao serviço dos rivais de Manchester. Depois de uma breve passagem pela Hungria, ao serviço do MTK, onde iniciou a sua carreira de treinador, Burgess rumou a Itália em 1922, tendo ali trabalhado até 1932 ao serviço de Milan, Padova e da Roma. Último emblema este que não poderia ter tido melhor estreia na Mitropa Cup, já que na ronda inaugural afastou com classe o favorito Slavia de Praga, o campeão checoslovaco desse ano, onde pontificava, entre outros, o majestoso guarda-redes Frantisek Plánicka. Ele que foi o grande herói da sua equipa ao longo dos dois jogos da eliminatória, o responsável pelo facto de se terem registado tão poucos golos neste embate. Na primeira mão o resultado cifrou-se numa igualdade a uma bola, com Volk a fazer o golo dos romanos num jogo em que Plánicka defendeu quase tudo o que havia para defender. O mesmo Volk iria fazer o golo do triunfo (2-1) no encontro de volta, na capital transalpina, garantindo assim uma suada passagem da Roma diante de um Slavia que teve, mais uma vez, um Plánicka inspirado na hora de parar os perigosos ataques de Volk e companhia, não conseguindo, contudo, evitar a eliminação da sua equipa. 
Equilibrado e muito bem interpretado foi o embate entre os campeões italianos, a Juventus, e os vice-campeões da Checoslováquia, o Sparta de Praga. Juve que nesse ano de 1931 iniciou um reinado de cinco anos consecutivos na Serie A italiana, cinco títulos de campeão de Itália seguidos que constituíram um recorde até hoje insuperável. Com um tridente ofensivo - composto por Josef Silný, Nejedly, e Raymond Braine - de impor respeito a qualquer que fosse o adversário o Sparta caiu em Turim no encontro da primeira mão, por 2-1. O belga Braine ainda colocou a turma de Praga em vantagem ao minuto 17, mas a Vecchia Signora soube reagir e à passagem da meia hora Cesarini restabeleceu a igualdade. Os visitantes estiveram muito perto da vitória, mas Raymond Braine iria desperdiçar uma grande penalidade, ou melhor, o guarda-redes Sclavi - que nesta eliminatória rendeu o mítico Giampiero Combi - intercetou o remate do avançado belga. E como quem não marca sofre - por norma é sempre assim... - aos 88 minutos Munerati deu o triunfo à Juve. 
Na segunda mão o equilíbrio e o espetáculo voltaram a surgir de mãos dadas, agora na capital da Checoslováquia, onde o tridente ofensivo do Sparta apenas por uma vez conseguiu ultrapassar o sólido muro defensivo dos italianos, cujos pilares eram os catedráticos Umberto Caligaris e Virginio Rosetta, duas figuras destacadas no êxito que a Squadra Azzura iria obter três anos mais tarde no Campeonato do Mundo da FIFA. O único golo deste segundo jogo foi apontado por Braine, aos 16 minutos, tendo desta forma sido necessário recorrer-se a um terceiro encontro para encontrar o quarto e último semi-finalista. Partida essa que teve lugar em campo neutro, tendo Viena sido o palco escolhido. E se o futebol bonito e emocionante marcou os dois primeiros jogos deste embate, a indisciplina tomou conta do play-off, com o árbitro suíço René Mercet - o mesmo que em 1934 iria beneficiar de forma escandalosa a Itália no jogo dos quartos-de-final do Campeonato do Mundo ante a Espanha - a dar ordem de expulsão a quatro jogadores, três deles pertencentes à Juventus, que no final dos 90 minutos saiu derrotada por 3-2, e desta forma dizia adeus à Mitropa Cup.

Final 100% austríaca após duas semi-finais distintas


Fase do encontro entre a Roma e o First Viena
A caminhada do First Viena rumo à glória continuava a pautar-se pela ausência de obstáculos de grau de dificuldade elevado. Se na primeira eliminatória a equipa vienense havia despachado facilmente os húngaros do Bocskai, nas meia-finais os austríacos voltaram a deparar-se com inúmeras obséquias de uma Roma que esteve muito aquém das exibições patenteadas ante o Slavia. Depois de uma vitória por 3-2 na capital transalpina o First Viena voltou aplicar a chapa três no encontro de volta, com o destaque individual a ir inteiro para Leopold Marta, autor de dois dos três golos com que o combinado do técnico Ferdinand Frithum bateu (3-1) a Roma. E se o First Viena não teve grandes dificuldades para chegar à final, o mesmo não puderam dizer os seus compatriotas do Wiener, que necessitaram de um terceiro jogo para afastar o Sparta de Praga. Contudo, esta última equipa saiu na frente da eliminatória, quando em Viena - na primeira mão - mostrou toda a sua qualidade. Com dois golos da sua autoria o jovem Nejedly brilhou. 3-2 foi o resultado final a favor dos checoslovacos. Na segunda mão deu-se o inverso, ou seja, foi o futebol tecnicamente evoluído do Wiener que ditou leis. E se a estrela de Nejedly havia brilhado em Viena, a do goleador Henri Hiltl iluminou o retângulo de jogo do Estádio Letna. Autor de um hattrick, Hiltl contribuiu, e muito, para que a sua equipa vencesse a partida, por 4-3, e levasse desta forma a decisão para um terceiro jogo. Os instantes finais do jogo da segunda mão foram dramáticos, já que a cinco minutos dos 90 um empate a três golos subsistia no marcador, sendo que com este resultado era o Sparta que avançava para a final. Contudo, aos 88 minutos, Hiltl faz o seu terceiro golo da tarde, e fechava o marcador em 4-3 a favor da sua equipa. Este mesmo jogador seria decisivo no play-off, ao contribuir com mais um golo para uma vitória por 2-0 dos austríacos que assim se juntavam aos também... austríacos do First, facto que desde logo entrou na história da Mitropa Cup, pois até então nunca duas equipas do mesmo país se haviam defrontado no encontro decisivo. Ora ai estava a resposta à pergunta inicialmente feita aquando do nosso embarque para esta longa e deslumbrante viagem pela história da Mitropa: qual o país que melhor interpretava o jogo? Hungria, Checoslováquia, ou Áustria? Por esta altura não restavam dúvidas, Áustria era a resposta.

"Rudi" Hiden
A jogar em casa emprestada (Zurique) o Wiener entrou a todo o gás no encontro da primeira mão da grande final, chegando a uma vantagem de dois golos sem resposta numa altura em que o relógio marcava somente 22 minutos. Porém, à passagem da meia hora os papéis inverteram-se e o First passou a tomar conta dos acontecimentos, destacando-se o papel do cerebral centro-campista Fritz Gschweidl, astro que comandou a sua equipa no assalto à baliza do talentoso guarda-redes Rudolf Hiden, que até final do encontro iria buscar o esférico por três ocasiões ao fundo das suas redes. Hiden, que nunca será por demais recordar, foi um dos monstros das balizas da década de 30, um guardião de craveira internacional nascido a 9 de março de 1909, na cidade de Graz, tendo-se dado a conhecer ao planeta da bola no Grazer, transferindo-se em 1927 para a capital austríaca, onde assinou um contrato profissional com o Wiener. Rudi, como era conhecido entre os seus colegas de profissão, fica ligado a um facto curioso da história do futebol, no que a transferências de jogadores diz respeito. Contrariamente ao que hoje acontece, a Inglaterra daquele tempo via com maus olhos a contratação de jogadores estrangeiros para os seus clubes, talvez porque os britânicos continuavam a achar que eram os mestres dos belo jogo, e que ninguém melhor do que eles o sabia interpretar de forma técnico-tática majestosa. Nem todos, porém, pensavam assim. Quiçá rendido às exibições que "Rudi" Hiden fez quer ao serviço do seu clube na Mitropa Cup, quer ao serviço do Wunderteam de Hugo Meisl, o lendário treinador do Arsenal de Londres, Herbert Chapman, exigiu ao seu clube a contratação do guardião austríaco. Exigência travada pela Associação de Futebolistas Ingleses, que recorrendo à lei que impunha restrições à contratação de cidadãos estrangeiros por parte de empresas britânicas, impede a transferência de Hiden. Não foi para Londres mas foi para Paris, a deslumbrante capital francesa que em 1933 o recebeu de braços abertos, tratando-o de maneira principesca, como se de uma estrela da pintura, da literatura, ou da dança se tratasse. Durante sete anos Hiden foi uma das estrelas que mais brilhou na Cidade Luz, defendendo com mestria as cores do então maior símbolo desportivo da capital gaulesa, o Racing Club de Paris, emblema com o qual venceu um campeonato (1936) e três taças de França (1936, 1939, e 1940). De volta aos acontecimentos da final da Taça Mitropa de 1931, a segunda mão desta fase, ocorrida no Hohe Warte Stadium, ficou marcada por mais uma grande exibição dos jogadores do First Viena, que ao intervalo já venciam por duas bolas a zero, ficando assim cada vez mais perto da glória. De nada valeu, pois, o tento de Richard Hanke a meio da segunda parte, já que a taça iria parar às mãos de Josef Blum, o capitão do First Viena. 

Números e nomes:

Quartos-de-final (1ª e 2ª mãos)

First Viena (Áustria) - Bocskai (Hungria): 3-0/4-0

Slavia Praga (Checoslováquia) - Roma (Itália): 1-1/1-2

Wiener (Áustria) - MTK Budapeste (Hungria): 5-1/1-3

Juventus (Itália) - Sparta Praga (Checoslováquia): 2-1/0-1/2-3 (desempate)
A equipa da Roma que alcançou as meias-finais da Taça Mitropa de 1931
Meias-finais (1ª e 2ª mãos)

First Viena (Áustria) - Roma (Itália): 3-2/3-1

Sparta Praga (Checoslováquia) - Wiener (Áustria): 3-2/3-4/0-2 (desempate)

Final (1ª mão)

Wiener (Áustria) - First Viena (Áustria): 2-3

Data: 8 de novembro de 1931

Árbitro: Francesco Mattea (Itália)

Estádio: Hardturm, em Zurique (Suíça)

Wiener: Rudolf Hiden, Johann Becher, Karl Sesta, Georg Braun, Ernst Lowinger, Rudolf Kubesch, Franz Cisar, Heinrich Muller, Henri Hiltl, Richard Hanke, e Karl Huber (c). Treinador: Karl Geyer.

First Viena: Karl Horeschovsky, Karl Rainer, Josef Blum (c), Willibald Schamus, Leopold Hofamann, Leonhard Machu, Anton Brosenbauer, Josef Adelbrecht, Fritz Gschweidl, Gustav Togel, e Franz Erdl. Treinador: Ferdinand Frithum.

Golos: 1-0 (Hanke, aos 2m), 2-0 (Muller, aos 22m), 2-1 (Togel, aos 30m), 2-2 (Adelbrecht, aos 63m), 2-3 (Becher, aos 87m na p.b.)

Final (2ª mão)

First Viena (Áustria) - Wiener (Áustria): 2-1

Data: 12 de novembro de 1931

Estádio: Hohe Warte, em Viena (Áustria)

Árbitro: Rinaldo Barlassina (Itália)

First Viena: Karl Horeschovsky, Karl Rainer, Josef Blum (c), Willibald Schamus, Leopold Hofamann, Leonhard Machu, Anton Brosenbauer, Josef Adelbrecht, Fritz Gschweidl, Gustav Togel, e Franz Erdl. Treinador: Ferdinand Frithum.

Wiener: Rudolf Hiden, Johann Becher, Karl Sesta, Georg Braun, Ernst Lowinger, Rudolf Kubesch, Wilhelm Cutti, Heinrich Muller, Henri Hiltl, Richard Hanke, e Karl Huber (c). Treinador: Karl Geyer.

Golos: 1-0 (Erdl, aos 6m), 2-0 (Erdl, aos 41m), 2-1 (Hanke, aos 65m).
Em 1931 a Mitropa Cup permaneceu na capital austríaca, mudando apenas de dono,
que passava a ser agora o First Viena

1932: Il Grande Bologna sagra-se campeão sem precisar de jogar a final

Angelo Schiavio, a estrela mais cintilante
da história do Bologna FC
Os anos 30 do século passado ficam marcados pelo amplo domínio do futebol italiano no patamar internacional. Domínio esse traduzido, e sobretudo, ao nível de seleções, já que neste período a Squadra Azzura edificada pelo mestre da tática Vittorio Pozzo alcançou dois títulos mundiais (1934 e 1938), uma medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de 1936, e um par de ceptros na Coupe Internationale Européenne (1930 e 1935). No entanto, ao nível de clubes a mestria dos transalpinos mostrou-se de uma forma mais tímida à Europa do belo jogo, com apenas duas incursões ao lugar mais alto do pódio da máxima competição continental. E fê-lo por intermédio de uma squadra célebre, um famoso squadrone como ainda hoje é recordado, uma equipa que segundo reza a lenda fazia tremer o Mundo sempre que entrava em campo! Bologna Football Club, Il Grande Bologna dos anos 30. Construída pelo treinador austríaco Hermann Felsner esta mítica equipa lutou taco a taco com a Juventus pelo trono do futebol italiano ao longo da citada década, tendo alcançado a glória, o mesmo será dizer o scudetto (título de campeão nacional) em três ocasiões. Antes, nos anos 20, altura da chegada de Felsner à cidade de Bolonha, havia já vencido por duas ocasiões a Seria A italiana. E se Felsner deitou à terra as sementes daquele que haveria de se tornar num dos gigantes do futebol italiano ao longo de três décadas (20, 30, e 40), o húngaro Gyula Lelovics colheu os primeiros frutos de glória... internacional. Na verdade, o Bologna foi o primeiro emblema transalpino a conhecer a glória extra-muros, o primeiro e único, isto no que diz respeito à era dourada (1927-1939) da Taça Mitropa. Em 1932 surge o primeiro de dois títulos internacionais conquistados pelo emblema do norte de Itália, numa (edição da) Taça Mitropa que ficou marcada por uma forte onda de violência dentro do retângulo de jogo. A vitória do Bologna significou ainda um corte no domínio que as equipas da Europa Central vinham exercendo na Mitropa. Bologna que se qualificou para a sexta edição da competição internacional pelo facto de ter ficado com o segundo lugar da Serie A de 1931/32, atrás da campeã Juventus. 
Principal campeonato italiano que havia somente terminado há uma semana quando a squadra orientada por Gyula Lelovics entrou em campo para defrontar os campeões da Checoslováquia, o Sparta de Praga. Equipa esta que na primeira mão viajou até Itália sem o patrão da sua defesa, Kada Pesek, para enfrentar uma equipa cuja base era composta por jogadores de extrema qualidade, os quais marcaram, indiscutivelmente, uma era de glamour no calcio transaplino. 

Cinco estrelas de uma equipa (Bologna)... cinco estrelas!
Na baliza surgia Mario Gianni, a quem chamavam de gato mágico, assim apelidado pelas espetaculares e acrobáticas estiradas que marcavam a sua imagem de futebolista, enquanto no setor recuado brilhavam o futuro bi-campeão do Mundo Eraldo Monzeglio, Felice Gasperi, e o uruguaio Francisco Fedullo. No meio campo, dois jogadores comandavam majestosamente as operações: Gastoni Baldi, e Gastone Martelli. Estes dois jogadores serviam de forma sublime a linha avançada daquele memorável conjunto, linha essa formada por nomes como Bruno Maini, o uruguaio Raffaele Sansone, e Angelo Schiavio, este último tido como a estrela mais brilhante daquela lendária equipa. Schiavio foi um dos principais alicerces do êxito da seleção italiana no Mundial de 1934, saindo dos seus pés o golo da vitória na final ante a Checoslováquia. Schiavio é não só uma das lendas eternas do calcio italiano, mas também visto como o maior jogador da história do Bologna, o único clube que este avançado natural - precisamente - da cidade de Bolonha representou ao longo de 16 temporadas. Com a maglia rosso e blu (camisola vermelha e azul) atuou em 337 ocasiões, tendo apontado 247 golos, sendo ainda hoje o calciatore (futebolista) com mais jogos e golos ao serviço do clube. Schiavio que foi um dos jogadores em destaque no embate ante o Sparta, que o Bologna venceu por claros e expressivos 5-0. Reguzzoni abriu o marcador nos minutos iniciais, seguido de dois golos de Maini e um de Schiavio, tendo a nota artística final sido assinada por Baldi na etapa complementar. 
No encontro da segunda mão os checoslovacos ainda tentaram o impossível, e aos 30 minutos do primeiro tempo já haviam marcado dois golos - por Nejedly e por Donati, este último um auto-golo - que traziam esperança ao combinado de John Dick. Aos 15 minutos da segunda parte Podrazil fez o 3-0 final, resultado insuficiente para afastar o vice-campeão de Itália. 


Cesarini, o argentino naturalizado italiano
que se consagrou como o melhor marcador
da edição de 1932 da Mitropa, com 5 golos
O adversário do Bologna na meia-final foi nada mais nada menos do que o campeão em título da Mitropa, o First Viena, que nos quartos-de-final se desenvencilhou dos húngaros do Ujpest. Franz Schonwetter foi autor de um hattrick no encontro da primeira mão, dando assim uma importante ajuda para que o First levasse de vencido o seu oponente por 5-3. Vantagem que viria a ser fortemente protegida no jogo de volta, onde a defesa austríaca fechou a sete chaves a sua baliza, não permitindo que os vice-campeões da Hungria a violassem por mais do que uma ocasião. 1-1 foi o score final, e o First Viena continuava assim a sua caminhada europeia. Quem também apresentou uma defesa de ferro na primeira mão da ronda inaugural da Taça Mitropa de 1932 foi a Juventus. Os campeões de Itália esmagaram por 4-0 os campeões da Hungria, o Ferencvaros, um triunfo que foi edificado a partir de uma regída solidez defensiva personificada em Caligaris e Rosetta, uma dupla que anunlou na perfeição os perigosos avançados magiares József Takács e Turay. Lá na frente a Juve contava igualmente com atletas de vulto, casos dos oriundi Raimondo Orsi (argentino naturalizado italiano), Pedro "Pietro" Sernagiotto (brasileiro naturalizado italiano), e de Renato Cesarini (argentino naturalizado italiano), os autores dos quatro tentos da Vecchia Signora neste jogo, sendo que este último jogador fez o gosto ao pé por duas ocasiões. No jogo da segunda mão, e como seria de esperar, o Ferencvaros entrou forte, e nos primeiros 20 minutos conseguiu cavar duas grandes penalidades, convertidas posteriormente por Sarosi. As esperanças húngaras iriam contudo morrer nos pés dos talentosos jogadores juventinos oriundos da América do Sul, os tais oriundi (nome dado aos descendentes de emigrantes italianos nascidos na região mais a sul do continente americano). Orsi com um golo, e Cesarini com dois, deram a volta ao marcador, e garantiram que pela primeira vez a Juventus superava a barreira da primeira eliminatória na Mitropa, de nada valendo um último golo do Ferencvaros. 
A última equipa a juntar-se ao leque de semi-finalistas foi o Slavia de Praga, conjunto que afastou os campeões da Áustria, o Admira de Viena, por um resultado global de 3-1. 

Batalhas campais em Praga e em Turim deixam Bologna sem adversário na final

Aqui se prepara um jogador do Sparta para ceifar
de forma violenta um italiano. Imagens como esta
foram uma constante ao longo da meia final
A violência no terreno de jogo ganhou contornos vincados nesta edição da prova no duelo - na verdadeira ascensão da palavra - entre o Slavia de Praga e a Juventus. Entradas duras que levaram a algumas cenas de pancadaria entre jogadores de ambos os conjuntos foram uma constante ao longo da eliminatória, facto que levou a organização da Mitropa Cup a aplicar uma dura e até então inédita sanção. Em Praga jogou-se a primeira mão, jogo este onde o Slavia entrou mais ofensivo, postura que ao intervalo era refletida no marcador com uma vantagem de dois golos. Na etapa complementar a partida foi interrompida em variadas ocasiões devido a desentendimentos acesos entre jogadores e treinadores de ambos os lados da barricada. Ainda assim, o Slavia fez funcionar o marcador em mais um par de ocasiões, garantindo um robusto triunfo por 4-0. Em Turim a violência subiu de tom. Assim que entraram em campo os jogadores do Slavia foram brindados com diversos objetos provenientes das bancadas, enquanto que ainda antes do apito inicial os próprios jogadores da Juventus recusaram-se, pura e simplesmente, a cumprimentar os seus adversários. O jogo em si foi mais um capítulo de extrema violência, com entradas duras em catadupa, seguidas de agressões entre jogadores. Claramente, o futebol há muito que tinha passado para segundo plano. Orsi e Cesarini ainda marcaram para a Juventus, mas de nada valeriam estes golos. Os italianos estavam afastados da final... e os checoslovacos também! Isto, porque a organização da Mitropa decidiu castigar ambas as equipas, com a exclusão imediata, entregando o título de campeão do certame de 1932 ao Bologna, equipa que na outra meia-final havia ultrapassado o First Viena. Na primeira mão, disputada em Bolonha, os italianos venceram por 2-0, com golos de Maini e Sansone, num jogo que fica marcado pelo facto de Schiavio ter atuado fisicamente limitado. Ele que havia sido o melhor marcador do campeonato italiano em 1931/32, com um total de 25 remates certeiros. 
Uma semana mais tarde, no Hohe Warte Stadium, em Viena, os austríacos fizeram uma exibição de gala, um jogo perfeito, que mesmo assim não chegou para ir além de uma magra e insuficiente vitória por 1-0.   

Números e nomes:

Quartos-de-final (1ª e 2ª mãos)

Slavia Praga (Checoslováquia) - Admira Viena (Áustria): 3-0/0-1

Bologna (Itália) - Sparta Praga (Checoslováquia): 5-0/0-3

Juventus (Itália) - Ferencvaros (Hungria): 4-0/3-3

First Viena (Áustria) - Ujpest (Hungria): 5-3/1-1

Meias-finais (1ª e 2ª mãos)

Bologna (Itália) - First Viena (Áustria): 2-0/0-1

Slavia Praga (Checoslováquia) - Juventus (Itália): 4-0/0-2* 

*Nota: Ambas as equipas foram desqualificadas pela organização devido à conduta violenta exibida durante a eliminatória, facto que permitiu ao outro finalista, o Bologna, sair desde logo vencedor desta edição de 1932 
Il Grande Bologna dos anos 30, uma das mais virtuosas equipas da história do Calcio
que em 1932 venceu a primeira de duas Taças Mitropa (nota: na imagem aparece a equipa de 1932)