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quinta-feira, janeiro 08, 2015

Copa América (4)... Chile 1920

Uma multidão aguarda no Porto de Valparaíso a chegada
do navio que transportou as delegações do Brasil,
Uruguai, e Argentina, para a 4ª edição
Campeonato Sul-Americano
Setembro acabara de se iniciar naquele longínquo ano de 1920, para gáudio da população de Valparaíso, pitoresca cidade costeira situada no Chile, e que acolheu a quarta edição do então denominado Campeonato Sul-Americano de Futebol. Atraído por aquela jovem e encantadora modalidade que pouco mais do que um par de décadas antes havia desembarcado naquela região do continente americano, o povo de Valparaíso mostrou todo o seu entusiasmo ainda antes de ter sido dado o pontapé de saída do torneio, quando em massa se deslocou ao porto da cidade para receber em euforia as três seleções que juntamente com o Chile iriam dar vida ao certame. Argentina, Uruguai, e Brasil, eis os ilustres convidados recebidos no porto de Valparaíso como verdadeiros reis do futebol continental. Reis, ou astros da bola, neste caso, que na verdade foram muito poucos no Campeonato Sul-Americano de 1920, uns porque, entretanto, haviam feito a sua retirada da alta competição, caso do mago uruguaio Isabelino Gradín, outros por desavenças entre organismos internos, casos dos brasileiros Arthur Friedenreich, Neco, Marcos de Mendonça, Haroldo, ou Píndaro de Carvalho - cinco pedras basilares na conquista do título por parte do escrete (que ainda não era canarinho) um ano antes. E foi precisamente um Brasil composto por jogadores reservistas que juntamente com a seleção da casa deu a 11 de setembro o pontapé de saída de um torneio que à semelhança dos três anteriores iria ser desenrolado em sistema de poule, onde todos jogariam contra todos a uma só volta, sendo o campeão o país que somasse o maior número de pontos.

Alvariza, autor do único
golo brasileiro em Valparaíso
As guerrilhas internas entre as federações paulista e carioca privou então a seleção brasileira de defender o título com os seus melhores intérpretes, tendo o selecionador Oswaldo Gomes não tido outro remédio senão levar alguns jogadores de segundo plano internacional, casos do defesa Telefone - alcunha curiosa do cidadão José Almeida Netto - João de Maria, Sisson, Fortes, Zézé, Junqueira, ou Ismael Alvariza. Seria este último jogador que no relvado do Valparaíso Sporting Club - o recinto que serviu de palco aos seis encontros deste campeonato - apontou o único golo da vitória sobre um Chile em reconstrução, uma seleção moldada pelo conceituado treinador uruguaio Juan Carlos Bertone com uma mescla de experiência - com futebolistas como Manuel Guerrero, Alfredo France, ou Horacio Muñoz - e juventude - casos de Pedro Vergara, Víctor Toro, Victor Varas, ou Humberto Elgueta - e que sobretudo deixou uma imagem bem mais positiva em relação aos três torneios anteriores. Um dia mais tarde entraram em campo os velhos inimigos do rio da Prata, Argentina e Uruguai, seleções que disputaram uma partida intensa e em certos períodos desenrolada nos limites da agressividade. 1-1 foi o resultado final deste clássico das américas onde sobressaiu o génio de uma das maiores estrelas do selecionado uruguaio orientado por Ernesto Figoli, José Piendibene de seu nome. El Maestro, como era conhecido, realizou uma soberba exibição, a qual seria coroada com um golo, o primeiro desse encontro, apontado aos 10 minutos. Porém, Raul Echevarría igualou a contenda no segundo tempo quando o relógio marcava 75 minutos. Com este resultado o Brasil era líder isolado ao final da 1ª jornada, dependendo apenas de si para revalidar o título conquistado um ano antes no Rio de Janeiro, mas... do céu ao inferno o trajeto foi curto para os brasileiros nesta Copa de 1920.

Brasil sofre humilhação histórica

El Loco Romano
Após cinco dias de descanso a competição voltou a entrar em ação no dia 18 de setembro. Frente a frente as duas seleções que haviam disputado o jogo final da edição anterior, o Brasil e Uruguai. O duelo disputado no Valparaíso Sporting Club teve um desfecho trágico para os campeões em título, já que um autêntico vendaval celeste varreu com os brasileiros do mapa do campeonato. 6-0, uma goleada que até há bem pouco tempo era a maior derrota averbada pela seleção do Brasil ao longo da sua centenária história, um recorde - negativo - que seria batido em 2014, altura em que a canarinha foi humilhada (7-1) em casa pela Alemanha, nas meias-finais do Campeonato do Mundo. Mas voltando a 1920, e a Valparaíso, para recordar que a avalanche ofensiva dos uruguaios teve início aos 23 minutos, quando Ángel Romano, mais conhecido como El Loco Romano, bateu pela primeira vez o infeliz Júlio Kuntz, goleiro que na época atuava no Flamengo. Três minutos volvidos Urdinarán, na conversão de uma grande penalidade, aumentou a vantagem, sendo que ainda antes da saída para o intervalo o centro-campista José Pérez fez o terceiro. Nada corria bem a um Brasil muito desfalcado das suas grandes estrelas da altura, e logo no reatamento da partida Antonio Campolo faria o quarto da tarde. O pesadelo ganhou contornos mais vincados quando à passagem do minuto 60 El Loco Romano voltou a bater Kuntz, que não iria para o duche sem antes ir buscar por uma última vez a bola ao fundo da sua baliza, desta feita enviada, de novo, por José Pérez. Exibição de gala do Uruguai, que provou no Chile que a derrota no Campeonato Sul-Americano de 1919 não havia sido senão um mero acidente de percurso, já que era evidente que continuava a ser a mais virtuosa e letal seleção da América do Sul.
No dia 20 de setembro o Valparaíso Sporting Club encheu para ver a seleção da casa defrontar a Argentina. Contando com o apoio maciço dos seus hinchas, a seleção chilena fez - segundo rezam as poucas crónicas de então - o seu melhor jogo do torneio, culminado com um impensável empate a um golo que deixava a Argentina em maus lençóis quanto à questão do título. Ainda em relação ao Chile, uma particularidade saltou à vista neste torneio, a qual prendeu-se com a cor da camisola usada pela seleción. Pela primeira vez a seleção chilena vestiu a camisola vermelha - nos primeiros anos de vida aquele combinado nacional vestiu-se de branco -, indumentária que persiste até aos dias de hoje, como se sabe.

O nascimento da relação amor/ódio entre argentinos e brasileiros

A principal bancada do Valparaíso Sporting Club,
estádio onde decorreram os seis jogos
da Copa de 1920
A 25 de setembro Argentina e Brasil disputaram o jogo do tudo ou nada. Ambas as seleções precisavam de uma dupla vitória para garantir o título, ou seja, precisavam não só de vencer este jogo como esperar que o anfitrião Chile derrotasse uma semana mais tarde o Uruguai. Os brasileiros, mais uma vez, voltaram a demonstrar que não estavam à altura da seleção que em 1919 havia guiado o país à sua primeira grande conquista internacional, como comprovou o resultado de 2-0 favorável aos argentinos. O Brasil saia sem honra nem glória da Copa do Chile. Quanto aos argentinos, um milagre era aquilo por que suspiravam para o último jogo da competição, que iria decorrer no dia 3 de outubro, e no qual estariam frente a frente chilenos e uruguaios. Antes de passarmos aos factos deste encontro decisivo para as contas finais do torneio importa sublinhar que foi no seguimento do Brasil-Argentina do Campeonato Sul-Americano de 1920 que nasceu a acérrima rivalidade entre os dois países, no que a futebol diz respeito. Até então as duas nações viviam uma relação cordial, a qual mudou como da água para o vinho precisamente depois de um artigo escrito pelo jornalista uruguaio Antonio Palacio Zino ser publicado no jornal argentino "Crítica", onde além de tecer severas... críticas aos jogadores brasileiros ainda os apelidou de macacos. O texto foi o embrião para o nascimento da relação de amor e ódio entre os dois povos, sendo que o aspeto mais curioso nesta bipolaridade sentimental é o facto dela ter sido criada por um uruguaio!

O árbitro do jogo decisivo,
o chileno Carlos Fanta
Voltemos à ação, ao campo de batalha, ao derradeiro dia da prova para nos centramos no confronto entre Chile e Uruguai. Apesar de técnica e taticamente superiores, os uruguaios não tiveram tarefa fácil diante de uma aguerrida seleção do Chile que contou com o apoio frenético de 16 000 espetadores ao longo dos 90 minutos. Uruguai que antes da partida torceu o nariz à nomeação do árbitro do jogo, Carlos Fanta, do... Chile! Contudo, a atuação do juiz chileno, considerado um dos melhores daqueles anos, foi impecável, facto que fez esquecer a todos os presentes que o seu coração batia pela sua pátria. A muralha chilena apenas seria derrubada já muito próximo do intervalo, altura em que El Loco Romano inaugurou o marcador para a celeste. No segundo tempo a multidão presente num estádio que nos dias hoje acolhe corridas de cavalo (!) entrou em delírio, por culpa de Aurelio Dominguez, que aos 60 minutos igualou a contenda. Sol de pouca dura, já que cinco minutos volvidos José Pérez voltou a colocar o Uruguai em vantagem, a qual não mais seria perdida até final, e que mais do que garantir a segunda vitória dos charrúas no torneio assegurou a conquista do terceiro Campeonato Sul-Americano em quatro edições realizadas! A melhor equipa da América do Sul era de novo a rainha do continente.

A figura: José Piendibene

El maestro Piendibene, com
as cores do seu Peñarol
Ángel El Loco Romano e José Pérez sagraram-se os melhores marcadores deste 4º Campeonato Sul-Americano, mas a estrela que mais brilhou ao longo do torneio foi a de José Piendibene. El maestro, como era conhecido, pela forma como pautava o jogo da sua equipa, era um avançado alto, portador de uma qualidade técnica apurada, a qual encantou os adeptos sul-americanos ao longo das décadas em que defendeu com brio as camisolas do Uruguai e do seu amado Peñarol de Montevidéu. José Antonio Piendibene nasceu na capital uruguaia, a 10 de junho de 1890, sendo que com apenas 17 anos vestiu pela primeira vez o manto sagrado da primeira equipa do Peñarol num jogo ante o French, em 1908, e onde no qual o jovem oriundo do bairro de Pocitos maravilhou o público com a marcação de dois golos e uma exibição deslumbrante. A partir dai não mais largou a titularidade no emblema de Montevidéu, tendo chegado à seleção em 1911. A estreia pela celeste deu-se diante do inimigo do outro lado do rio da Prata, a Argentina, tendo a alcunha de maestro nascido precisamente no rescaldo desse encontro, já que de acordo com a história, no final do duelo, o defesa argentino Alumni terá proferido o seguinte elogio ao jovem José Piendibene: «Usted es un maestro, muchacho...». E a alcunha ficou para o resto da sua vida. Ao serviço do Peñarol atuou em mais de meia centena de ocasiões - 506, para sermos mais precisos - tendo apontado 253 golos, registo que faz dele uma lenda eterna do clube aurinegro. Venceu seis campeonatos uruguaios (1911, 1918, 1921, 1924, 1926, e 1928), e em 1916 entrou para a história do Campeonato Sul-Americano de Futebol após ter marcado o primeiro golo da história daquela que hoje em dia é conhecida como Copa América. Fê-lo diante do Chile, a 2 de julho desse longínquo ano de 1916.

Este primeiro Campeonato Sul-Americano seria conquistado, como nunca é demais recordar, pelo Uruguai, tendo este sido o primeiro dos dois títulos continentais - esteve ausente na caminhada triunfal do Uruguai na segunda edição do certame - que Piendibene conquistou ao serviço da seleção celeste, a qual defendeu por 56 ocasiões, tendo apontado 26 golos. Outro recorde que ainda hoje predura prende-se com o facto de Piendibene ser o jogador que mais golos marcou no clássico do rio da Prata, o qual opõe a Argentina ao Uruguai, tendo o jogador do bairro de Pocitos apontado 17 tentos. O reinado do poderoso avançado no seio da seleção terminou nas vésperas de o Uruguai conquistar o Mundo, o mesmo é dizer, os Jogos Olímpicos de 1924. Piendibene só não fez parte dessa célebre equipa onde pontificavam nomes como José Nasazzi, Pedro Cea, Ángel Romano, Pedro Petrone, Héctor Scarone, ou a maravilha negra José Leandro Andrade porque o seu clube estava de candeias às avessas com a Associação Uruguaia de Futebol, e como tal proibiu os seus futebolistas de envergarem o manto celeste nas Olimpíadas de Paris. Nesse mesmo ano de 1924 foi atribuído a José Piendibene o título de sócio honorário do Peñarol. Antes de ser um exímio futebolista ele era um perfeito cavalheiro nas canchas em que passeou a sua classe, já que reza a lenda que sempre que marcava um golo nunca o festejava, em sinal de respeito para com o seu adversário. Faleceu em 1969, na sua cidade natal, Montevidéu.

Nomes e números:

11 de setembro de 1920

A desoladora seleção do Brasil que marcou presença no Chile, em 1920
Brasil - Chile: 1-0
(Alvariza, aos 53m)

12 de setembro de 1920

Uruguai - Argentina: 1-1
(Piendibene, aos 10m)
(Echeverría, aos 75m)

18 de setembro de 1920

Uruguai - Brasil: 6-0
(Ángel Romano, aos 23m, aos 60m, José Pérez, aos 29m, aos 65m, Antonio Urdinarán, aos 26m, Antonio Campolo, aos 48m)

20 de setembro de 1920
A equipa da casa, que pela primeira vez vestiu de vermelho
Argentina - Chile: 1-1
(Dellavale, aos 13m)
(Bolados, aos 30m)

25 de setembro de 1920

Argentina - Brasil: 2-0
(Echeverría, aos 40m, Libonatti, aos 73m)

3 de outubro

Chile - Uruguai: 1-2
(Aurelio Dominguez, aos 60m)
(Ángel Romano, aos 37m, José Pérez, aos 65m)

Classificação

1- Uruguai: 5 pontos
2- Argentina: 4 pontos
3- Brasil: 2 pontos
4- Chile: 1 ponto
A celeste uruguaia, que em terras chilenas alcançou o seu terceiro título de campeão das américas

segunda-feira, abril 21, 2014

Histórias do Planeta da Bola (3)... O pontapé de saída de uma paixão centenária

Imagem histórica do primeiro jogo
da seleção brasileira
No que a futebol diz respeito, 2014 afigura-se como um ano que ficará gravado a letras de ouro na história do Brasil. Uma previsão extraída não só pelo facto da nação sul-americana acolher o evento desportivo de maior cartaz nos dias de hoje, vulgo, o Campeonato do Mundo da FIFA - e a ele aliado o facto de o poderem vencer - mas também pela constatação de que neste ano são comemorados 100 anos em torno de uma paixão internacional chamada... seleção. Internacional, sim, já que com o passar dos anos a seleção brasileira seduziu centenas de milhares de adeptos um pouco por todo o planeta da bola. Bom, a bordo da máquina do tempo viajamos até 1914, ano em que o futebol passa a ser tutelado de uma forma mais séria por um país que com ele havia travado conhecimento precisamente 30 anos antes (1894), no dia em que o jovem Charles Miller regressa de Inglaterra - país para onde havia ido estudar - com uma bola debaixo do braço. A partir daquele dia nada voltou a ser como dantes em terras de Vera Cruz. E em 1914 o futebol começou a ser tutelado de forma mais séria graças à fundação da Federação Brasileira de Sports, o primeiro órgão que geriu, por assim dizer, a popular modalidade. E seria pois este novo órgão o responsável pela criação nesse ano do primeiro combinado que representou as cores do Brasil numa partida de cariz internacional.
O histórico onze brasileiro composto por: Píndaro, Marcos, e Nery (fila de cima);
Sylvio Lagreca, Rubens Salles, e Rolando (fila do meio); Osvaldo Gomes,
Abelardo, Friedenreich, Osman, e Formiga

A efeméride deu-se então a 21 de julho desse longínquo 1914, o dia em que nasceu a seleção! O berço foi a Cidade Maravilhosa, o mesmo é dizer Rio de Janeiro, mais concretamente o Estádio das Laranjeiras - na altura ainda inacabado, isto é, sem bancadas, já que somente em 1919 seria concluído com o intuito de acolher a terceira edição do Campeonato Sul-Americano. O adversário do primeiro onze nacional brasileiro foi o Exeter City, team profissional inglês que à última da hora - ao que parece - resolve extender uma digressão pela Argentina até ao Rio de Janeiro, onde seriam agendados três encontros, um ante uma equipa de ingleses que viviam na cidade, outro diante de um clube local - presume-se que o Fluminense - e por fim um duelo contra um grupo composto pelos melhores jogadores da época das duas maiores cidades do país, São Paulo e o Rio de Janeiro, que juntos formaram então a primeira seleção brasileira.
Orientada sob o ponto de vista técnico por dois desses onze craques nacionais, nomeadamente Sylvio Lagreca e Rubens Salles, a seleção venceria os profissionais ingleses por 2-0, graças a golos de Oswaldo Gomes, e Osman, que levaram ao delírio um grupo de cerca de 3000 adeptos, que de pé, em volta do retângulo de jogo, bem aperaltados - reza a lenda que os torcedores tiraram dos armários os seus melhores fatos para ver jogar os mestres ingleses, os inventores do futebol moderno - presenciaram um momento histórico. Quanto ao jogo em si, e ainda de acordo com os poucos relatos da época, a técnica brasileira levou a melhor sobre a dureza britânica, sendo que uma das principais estrelas do team da casa, Arthur Friedenreich, chegou mesmo a perder dois dentes (!) após uma entrada violenta de um defensor europeu.


Brasileiros tentam chegar ao gol...
Os melhores momentos desse histórico momento foram eternizados - de forma quase telegráfica (!) - pelo jornal carioca Correio da Manhã, os quais passamos a transcrever na integra: O "toss" foi favorável ao "team" local, que escolhe o lado favorável ao sol, do lado direito das arquibancadas. Nos primeiros cinco minutos, o jogo fica preso no meio de campo, sem vantagem aparente para nenhuma das equipes. O goleiro brasileiro Marcos faz defesa fácil. É o primeiro chute a gol da partida. Pouco depois, Lagreca comete o primeiro "corner" do "match". O público fica apreensivo, afinal os profissionais do Exeter City são exímios batedores de "corner". Marcos faz ótima defesa "shootando" a "esphera" dos pés dos atacantes da ala esquerda profissional. Nova "bella" defesa do grande "keeper" brasileiro, que mostra não estar disposto a vender barato o "goal" dos profissionais. Os brasileiros começam a atacar com mais constância e se aproximam das últimas linhas adversárias. Xavier dá um "centro" rasteiro, que passa diante do "goal" adversário, sem que Abelardo, bem colocado, se aproveitasse dele. Mais um "corner" é marcado contra os brasileiros após perigoso ataque de Hunter. No entanto, Marcos faz outra linda defesa. O goleiro inglês Loram faz ótima rebatida após o "shoot" de Abelardo. O "match" prossegue ardoroso, brasileiros e ingleses tentam ficar à frente uns dos outro. 


Goleiro Marcos atento a mais uma investida
dos mestres ingleses à sua baliza
O estupendo par de "backs" nacional e Rubens, "pivot" de toda a equipe, tiram o "team" de situações difíceis. Gol de Oswaldo Gomes para o Brasil. Goal! Hurrah! Brasileiros! Após tabela com Osman, Xavier dá belo "centro" para Friedenreich. Ele tenta dar o "shoot", mas é derrubado pelas costas por um "half" profissional. Com o brasileiro no chão, Strettle acerta o "center" patrício no lado esquerdo do rosto. Xavier aproveita e faz uma ótima "puxada" em "centro". Abelardo impede habilmente o "keeper" inglês de aparar a bola, que sobra para Oswaldo carregar no peito e, já dentro do "goal" inimigo, confirma o primeiro ponto brasileiro com um "shoot" que sacode a rede. As arquibancadas tremem de entusiasmo, mas o público, cego pela emoção, não vê Friedenreich estendido no chão, ferido pelo pontapé que errou o alvo. O center é levado por seus patrícios com a cara banhada em sangue. O "manager" do Exeter entra em campo e passa uma esponja molhada no rosto do jogador que, amparado, sai de campo. Quando todos pensavam que terminaríamos a partida com dez defensores, Friedenreich reentra em campo, deixando de lado seu sofrimento físico, com a camisa tinta, o rosto ferido e o olho esquerdo sem poder abrir. O jogo recomeça com ataque dos brasileiros. Os profissionais evidenciam os intentos de desfazer a diferença. Gol de Osman para o Brasil. Goal! Hurrah! Brasileiros! Friedenreich recebe bom passe, aproxima-se do "goal" contrário e, apesar de estar bem colocado para "shootar", prefere entregar a "esphera" para Osman, mais bem situado, que com um violento "shoot", consegue o segundo "goal" brasileiro. O público não sabe mais o que fazer. Chapéus são atirados ao campo em comemoração. 


O team inglês do Exeter City
Revoltados com a arbitragem, Lagan e Fort deixam o campo. Rubens Salles acena para o juiz com a mão pedindo que ele pare a partida. O capitão Rigby corre para buscar seus comandados, que não demoram para voltar a campo. Em novo lance do ataque brasileiro, o "keeper" do Exeter tem dificuldade para defender o "kick" de Abelardo. Ele já tem mais trabalho que o goleiro brasileiro Marcos. Termina a primeira parte do "match" com vantagem brasileira por 2 a 0. Iniciou-se o segundo "half-time"! Friedenreich perde chute cruzado na porta do "goal" adversário. Se o craque estivesse com a vista completa, poderia ter ampliado a vantagem brasileira. Osman avança por sua ala, mas acaba "shootando" para fora da área do "goal" do Exeter. A defesa brasileira se destaca neste "half". O "center-half" Rubens não perde uma defesa. Marcos atira-se sobre os inimigos, arrancando-lhes a "esphera", e jogou-a para os "halves" a três quartos do campo. Os ingleses perdem a paciência com a arbitragem. Lagan, com gestos de braço, ameaça usar meios físicos contra o juiz. Fim de jogo! Brasil vence por 2 a 0 os profissionais do Exeter City! Viva o "sport" brasileiro! Hurrah! Um grupo de cerca de 30 moças esperam Friedenreich, ainda bastante machucado, sair de campo e o abraçam, em um gesto tocante. O povo vibra intensamente com a "heroicidade" praticada pelos seus compatriotas!


A estrela brasileira Friedenreich sai do campo
com... menos dois dentes!
Arbitrado pelo inglês Harry Robinson este encontro nunca foi oficializado pela FIFA, entendendo a entidade que tutela o futebol mundial que assim nunca o foi pelo facto de ter sido jogado contra um clube, e não ante uma seleção!
Há 100 anos atrás este pode até ter sido um jogo banal para o emblema inglês, mas hoje... ele assume contornos de glória e de uma certa vaidade, pois eles foram os primeiros adversários da famosa seleção do Brasil, que nesse dia histórico trajou de camisola branca com mangas azuis, calções brancos, e meias pretas. Eternos são pois os nomes dos onze pioneiros que iniciaram o percurso lendário daquela que para muitos é a seleção mais virtuosa da história do futebol.


Marcos Carneiro de Mendonça: Mais do que ter sido o primeiro homem a defender a baliza da seleção, Marcos foi para muitos o primeiro grande goleiro brasileiro. Viveu na mesma época de lendas como Friedenreich, ou Neco, e com eles rivalizou em termos de pouplaridade. Nasceu no dia de Natal de 1894, em Cataguases (Estado de Minas Gerais), tendo iniciado uma brilhante carreira no Haddock Lobo, em 1907, então popular emblema do famoso bairro carioca da Tijuca que mais tarde viria a fundir-se com o América do Rio. Ao serviço deste clube Marcos venceu o seu primeiro título, o campeonato carioca de 1913, ceptro alcançado contra aquele que viria a ser o emblema da sua vida, o Fluminense. O casamento com o Flu dá-se em 1914, precisamente o ano em que a seleção efetuou o seu primeiro desafio, tendo permanecido nas Laranjeiras (casa do Fluminense) até 1922, ano em que encerrou a carreira. Pelo tricolor carioca atuou em 127 ocasiões e foi por três vezes campeão estadual (1917, 1918, e 1919). Ao serviço do Brasil ele ainda hoje detém o recorde do goleiro mais jovem e vestir a camisola da seleção, facto ocorrido extamente no dia 21 de julho de 1914, quando o Brasil efetuou o seu primeiro jogo. Marcos tinha então 19 anos. Pelo combinado nacional ele iria brilhar noutros episódios da história, como por exemplo em 1919, ano em que o Brasil vence o seu primeiro Campeonato Sul-Americano - hoje demominado de Copa América. Iria repetir a vitória na maior competição de seleções da América do Sul três anos mais tarde, precisamente no ano (1922) em que decidiu parar de jogar, tendo anos mais tarde assumido a presidência do seu Fluminense, cargo que desempenhou com orgulho em simultâneo com o de historiador. Viria a falecer no Rio de Janeiro a 19 de outubro de 1988.


Píndaro de Carvalho: Viveu a sua carreira de jogador entre os dois eternos inimigos do Rio de Janeiro, o Flamengo e o Fluminense. Exibiu-se com destaque ao lado de Nery na zaga brasileira naquela história tarde de 21 de julho de 1914, anulando com classe as investidas dos mestres ingleses à baliza de Marcos. Píndaro de Carvalho Rodrigues nasceu em São Paulo a 1 de junho de 1892, tendo entre 1910 e 1911 vestido a camisola do Fluminense, clube por quem atuou em nove ocasiões. Depois disso mudou-se para o rival Flamengo, onde viria a construir uma pomposa carreira até 1922, altura em que decidiu parar de jogar. Ao serviço do Mengão foi tetra campeão carioca (1914, 1915, 1920, e 1921), sendo que com a seleção viveu a sua maior alegria quando em 1919 foi um dos responsáveis pela conquista do Campeonato Sul-Americano, na sequência de um duelo emocionante - e desgastante - ante o Uruguai, realizado precisamente nas Laranjeiras, onde o combinado nacional brasileiro fez a sua primeira aparição internacional. Como treinador a página mais brilhante da carreira de Píndaro foi escrita em 1930, quando dirigiu a seleção brasileira no primeiro Campeonato do Mundo da FIFA, realizado no Uruguai. Brilhante é modo de dizer, já que a seleção teve uma atuação dececionante, não conseguindo passar da fase de grupos! Nem sempre os bons jogadores dão em bons mestres da tática. Píndaro de Carvalho que o diga. 


Nery: Do Flamengo para a primeira seleção, eis a dupla de defesas composta por Píndaro de Carvalho e Nery. Considerados os defesas mais completos do futebol brasileiro daquele tempo ambos deram boa conta das investidas inglesas ao goal de Marcos naquele lendário dia 21 de julho. Emanuel Augusto Nery nasceu a 25 de dezembro de 1892 no Rio de Janeiro, e tal como o seu parceiro de zaga, Píndaro de Carvalho, começou a sua carreira em 1910, no Fluminense, onde apenas - e à semelhança de Píndaro - permaneceu até 1911, já que um desentendimento com a equipa técnica do tricolor carioca fez com que nove jogadores - Nery e Píndaro foram dois deles - abandonassem o barco. Remaram então até ao Flamengo, clube que na altura se dedicava somente ao...remo. Ali chegados instituiram a secção de futebol, e o resto é... história. Ao serviço daquele que com o passar dos tempos haveria de ser tornar no emblema mais pouplar do Brasil, Nery venceu dois campeonatos estaduais (1914, e 1915) antes de se retirar os retângulos de jogo em 1919. Faleceu a 5 de novembro de 1927.


Sylvio Lagreca: Foi uma figura multifacetada dos primeiros anos do futebol brasileiro. De jogador, passando por treinador, e terminando em árbitro, Lagreca fez um pouco de tudo. Juntamente com o seu companheiro de equipa Rubens Salles ele foi o treinador da seleção brasileira no célebre confronto com a equipa inglesa do Exeter City. 
Voltaria a desempenhar o cargo - acumulado com o de jogador - nas primeiras duas edições do Campeonato Sul-Americando, em 1916, e 1917. Jogou a maior parte da sua carreira na Associação Atlética de São Bento, clube do Estado de São Paulo, cidade esta onde viria a falecer a 29 de abril de 1966.



Rubens Salles: Foi o outro técnico da seleção no embate ante o Exeter City. Tal como Lagreca atuava como médio, e é tido a par de nomes como Friedenreich, de Neco, e do prórpio pai do futebol brasileiro, Charles Miller, como um dos melhores atletas dos primeiros anos de reinado da modalidade em terras de Vera Cruz. Nascido a 14 de outubro de 1891 na cidade paulista de São Manuel, Salles atuou toda a sua carreira no Paulistano, um dos melhores emblemas paulistas - e do restante território do Brasil - do primeiro quarto do século XX. Por seis vezes foi campeão paulista ao serviço deste clube (1908, 1913, 1916, 1917, 1918, e 1919), e reza a lenda que era perito em executar passes de profundidade com extrema perícia. Abandonou os relvados em 1920 para abraçar a carreira de treinador - a tempo inteiro - em 1930, guiando o São Paulo ao título de campeão paulista em 1931.

Rolando: Sobre o doutor Rolando de Lamare pouca informação existe em torno da sua relação com a bola. Sabe-se apenas que foi um dos imortais que participou no encontro ante o Exeter City, e que foi três vezes campeão estadual pelo Botafogo (1907, 1910, e 1912), antes de se formar em medicina e assumir uma distinta carreira como médico urulogista e professor universitário.

Abelardo: Colocando em campo uma tática para lá de ofensiva, como traduz o 2-3-5 usado, a primeira seleção brasileira tinha em Abelardo o seu primeiro homem na hora de atacar a baliza inglesa. Aberlado de Lamare, familiar - não se sabe qual o grau de parentesco - de Rolando, era um avançdo robusto, dizem até que bastante duro na hora de disputar os lances com os adversários, o que lhe terá valido alguns castigos ao longo da carreira. 
Era senhor de um remate poderoso, que fizeram dele, por exemplo, o melhor marcador do campeonato carioca de 1910 ao serviço do Botafogo. 


Oswaldo Gomes: Para a eternidade o seu nome irá ser lembrado na história do futebol brasileiro... e internacional, porque não dizê-lo?!. Dos seus pés nasceu o primeiro golo da história da seleção, quando decorria o minuto 20 do embate com o Exeter City. Nasceu precisamente na cidade onde este facto histórico foi registado, o Rio de Janeiro, a 30 de abril de 1888. O seu nome assume contornos de lenda não só para o combinado nacional como também para o Fluminense, o seu clube de sempre, no qual conquistou oito títulos de campeão estadual (1906, 1907, 1908, 1909, 1911, 1971, 1918, e 1919), que fazem com que seja o jogador mais titulado da história do Cariocão. Disputou quase 200 jogos (189 para sermos mais precisos) pelo Flu e apontou 38 golos. 
Fora dos relvados distingiu-se como presidente da Confederação Brasileira dos Desportos, precisamente um ano depois de ter comandado - na qualidade de treinador - a seleção no Campeonato Sul-Americano. 

Arthur Friendenreich: Sobre a primeira grande estrela do futebol brasileiro - e um dos primeiros astros do futebol global - já muito se escreveu no Museu Virtual do Futebol. Porém nunca será por demais recordar que este filho de pai alemão e mãe brasileira, nascido em São Paulo a 18 de julho de 1892, começou a destacar-se pela imaginação, técnica, estilo e pela capacidade de improvisar. Em 1919 foi apelidado pelos uruguaios de El Tigre por ter encantado as multidões com o seu futebol arte na Copa América que nesse ano foi conquistada precisamente pelo Brasil comandado por Friedenreich.

Jogava como avançado-centro, e foi o inventor de novas e belas jogadas no na altura jovem futebol brasileiro, como o drible curto e a finta de corpo.

Foi campeão paulista em sete ocasiões, seis das quais ao serviço do Paulistano, e outra pelo São Paulo da Floresta (clube que anos mais tarde se viria a chamar São Paulo FC). Por oito vezes foi o melhor marcador do campeonato paulista, a maior parte delas envergando as cores do Paulistano.
Era considerado pelos cronistas da altura como um jogador inteligente dentro de campo, e talvez tenha sido o jogador mais objetivo da sua época. Parecia conhecer todos os segredos do futebol e sabia quando e como ia marcar um golo. No ano de 1925, regressou da Europa (após uma digressão com o Paulistano) catalogado como um dos melhores jogadores do Mundo, depois de vencer por este clube nove dos dez jogos aí disputados. A sua conquista mais importante com a camisola do Brasil foi a conquista da Copa América de 1919.
Sobre a sua figura há uma dúvida que ainda hoje paira no ar, ou seja, será ele o maior goleador de todos os tempos? Há quem diga que sim e há quem diga que não. Uma dúvida que infelizmente não pode ser desfeita, já que existem poucos, ou mesmo nenhuns, dados que provem que Fried tem mais golos do que Pelé, que é, como se sabe, oficialmente considerado pela FIFA como o jogador que fez mais golos na história do futebol. Reza a lenda que El Tigre terá marcado 1239 golos.
Nota: Sobre os jogadores Osman e Formiga não foram encontrados dados biográficos.  
Para a história fica pois a ficha técnica do embate entre a primeira seleção do Brasil e o Exeter City:

BRASIL: Marcos de Mendonça, Píndaro e Nery; Lagreca, Rubens Salles e Rolando; Abelardo, Oswaldo Gomes, Friendereich, Osman e Formiga.

EXETER CITY: Loran, Jack Fort e Strettle; Rigny, Lagan e Hardin; Hold, Whittaker, Hunter, Lovett e Goodwin.