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quinta-feira, abril 17, 2014

Copa América (3)... Brasil 1919

Cartaz oficial do
Campeonato Sul-Americano de 1919
Se há país cujo seu povo evidencia diariamente uma paixão ardente pelo futebol, esse país é o Brasil. Pronunciar o nome da nação sul-americana é de imediato sinónimo de futebol, sendo este um jogo interpretado com uma mescla de fantasia e mestria ímpar por um povo habituado a ver a sua seleção - e os seus clubes - a percorrer - quase sempre - os caminhos da glória no planeta da bola. A primeira caminhada vitoriosa trilhada pela nação que atualmente detém o maior número de títulos mundiais (5) ocorreu em 1919, ano em que a CONMEBOL - Confederação Sul-Americana de Futebol - decide erguer a terceira edição do então imergente - mas já popular - Campeonato Sul-Americano de Futebol, hoje em dia conhecido como Copa América. O Brasil ficou encarregue de acolher os quatro - habituais - participantes do campeonato iniciado em 1916 na cidade de Buenos Aires, ficando assente que os seis encontros do certame iriam decorrer no Rio de Janeiro, sendo que toda a ação se iria desenrolar no Estádio das Laranjeiras, um recinto com capacidade para 18 000 pessoas construído propositadamente para sedear uma copa que deveria ter sido disputada um ano antes, isto é, em 1918, até para dar seguimento à ideia da CONMEBOL, a qual dizia que o campeonato deveria ser disputado anualmente. Acontece que 1918 fica marcado pela mortífera Gripe Espanhola que em praticamente todo o Mundo - o Brasil não foi exceção - vitimizou milhares de pessoas. Passado o pânico foi altura da bola começar a rolar na Cidade Maravilhosa...


Uma imagem da bela cidade
do Rio de Janeiro em 1919
Desde logo este campeonato ficaria marcado pelo regresso às grandes competições de algumas das principais estrelas do então jovem futebol sul americano, cuja ausência havia sido vincadamente notada na edição de 1917, realizada no Uruguai. No selecionado da casa regressava aquele que para muitos dos historiadores desportivos foi o primeiro grande goleiro brasileiro, Marcos Carneiro de Mendonça, que na Copa de 1917 havia sido substituído pelo português Casemiro do Amaral. Mas o regresso mais saudado seria, sem dúvida, o de Arthur Friedenreich, o primeiro grande astro da história do futebol do Brasil, o qual haveria de ser determinante para a vitória final da sua equipa, como iremos poder constatar. Contudo, e apesar do regresso de El Tigre Friedenreich, o Brasil tinha um rival de peso na corrida ao título, o Uruguai, vencedor das duas primeiras edições, e cujo grupo se via reforçado com os negritos Juan Delgado e Isabelino Gradín, também eles ausentes da edição anterior. E tal como nos anteriores torneios todas as quatro seleções iriam jogar umas contras as outras, em sistema de campeonato, sendo que o vencedor seria a equipa que somasse o maior número de pontos.


Lance da expressiva goleada
do Brasil diante do Chile, no jogo
de abertura da Copa
A 11 de maio a loucura tomou conta do Rio de Janeiro. Nesse dia o Brasil entrava em campo para o pontapé de saída da Copa, tendo como adversário o Chile. Prova do entusiasmo em volta deste encontro seria o facto de as Laranjeiras terem apresentado uma casa com 25 000 espetadores, quando a sua lotação era de 18 000!!! Diz a história que muitos adeptos assistiram ao jogo em cima das árvores em redor do estádio, e dos muros que circundavam o mesmo. Orientados tecnicamente pelo jogador Haroldo Domingues os brasileiros vulgarizaram os chilenos, claramente a seleção mais fraca da prova, com seis golos sem resposta. A estrela da tarde foi Arthur Friedenreich, autor de três golos e uma exibição encantadora. Neco, o ponta esquerda que era a estrela da altura do Corinthians, também brilhou, ao apontar dois golos. O outro golo dos donos da casa seria da autoria do jogador/treinador, Haroldo.


Isabelino Gradín, a estrela
do futebol sul-americano da segunda
década do século XX
Dois dias depois os velhos inimigos do Rio de la Plata, a Argentina e o Uruguai, mediram forças, sob a arbitragem do inglês Robert Todd. Todos os olhares estavam concentrados na estrela negra do combinado celeste, Isabelino Gradín, que havia sido decisivo para o triunfo charrúa na primeira edição do campeonato, três anos antes. Gradín, de quem já aqui já falamos noutras viagens ao passado, era o expoente máximo de uma seleção talentosa - sob o ponto de vista técnico - e aguerrida, colocando em campo o tal espírito charrúa que caracterizava o povo uruguaio. Contra o eterno inimigo da margem sul do Rio da Prata, a Argentina, o Uruguai brindou os espetadores presentes nas Laranjeiras com um belíssimo bailado futebolístico, com performances sublimes dos irmãos Scarone, Carlos e Héctor, que, respetivamente, colocariam aos 19 e 23 minutos a sua equipa a vencer por dois golos de diferença. Porém, do outro lado figurava um conjunto de fino recorte técnico e com semelhante garra, e ainda antes do descanso o também talentoso Carlos Izaguirre encurta distâncias no marcador. No segundo tempo, e a cerca de 10 minutos para o final, um lance infeliz do uruguaio Manuel Varela coloca tudo em pé de igualdade, empate esse que seria desfeito a cinco minutos do fim por intermédio do genial Isabelino Gradín. Tinha de ser ele, pois claro.


O azarado
Roberto Chery
No dia 17, e sob a arbitragem do brasileiro Adilton Ponteado, o Uruguai voltou a subir ao relvado das Laranjeiras, desta feita para encontrar e bater a débil seleção chilena por 2-0. Com golos de Carlos Scarone e José Pérez, respetivamente aos 31 e 43 minutos, este encontro ficaria eternamente marcado pela fatal lesão do guarda-redes uruguaio Roberto Chery, que ante o Chile fazia a sua primeira aparição com a seleção charrúa. Uma estreia para lá de infeliz para o arquero do Peñarol, que na sequência de um potente remate de um jogador chileno - por si defendido - fez com que uma hérnia se deslocasse, sendo de pronto transportado para o hospital, onde viria a falecer dali a duas semanas (!) durante a operação para remover a citada hérnia, precisamente no dia seguinte ao encerramento do torneio. Tinha somente 23 anos, e era considerado pelos experts de então como o herdeiro natural do até habitual titular Cayetano Saporiti.
A sua morte provocou uma onda de solidariedade entre brasileiros e uruguaios para com a família de Chery, sendo que no dia 1 de junho desse ano de 1919 as duas seleções disputaram a Copa Roberto Chery, cuja receita proveniente desse amigável seria não apenas para a família do jogador mas igualmente para custear todas as despesas na trasladação do seu corpo para Montevideo.


Fase do Brasil-Argentina, jogo em que
a equipa da casa deu show de bola!
No dia 18 de maio as Laranjeiras voltaram a lotar para presenciar um novo recital de futebol levado a cabo pela seleção que na altura ainda... não era canarinha. Sobre este aspeto uma pequena nota de rodapé para registar a curiosidade de que o equipamento da seleção do Brasil era composto por camisola branca, calções azuis, e meias pretas. Voltando à exibição magistral da seleção para dizer que a vítima foi a Argentina, que não teve argumentos para evitar uma derrota por 3-1. Aos 22 minutos Heitor Domingues abriu o marcador para o Brasil, sendo que na etapa complementar Amilcar, aos 57 minutos, iria ampliar a vantagem, para 20 minutos depois Millon bater pela derradeira vez na tarde o arquero Carlos Isola. Este resultado, aliado à vitória do Uruguai um dia antes perante o Chile, ditava que o último encontro do campeonato, entre brasileiros e uruguaios, seria encarado como uma verdadeira final, pois quem vencesse seria automaticamente campeão.


A seleção da Argentina que marcou presença no Rio de Janeiro
Antes dessa final a Argentina e o Chile lutaram entre si pelo último lugar do pódio. Sob a arbitragem do brasileiro Joaquim Leite de Castro o jogo foi de sentido único, ou seja, a baliza chilena, com o guarda-redes Manuel Guerrero a ter uma nova tarde de pesadelo, ao ser batido por quatro ocasiões! Com três golos na sua conta pessoal Edwin Clarcke foi a estrela da tarde, sendo que o outro golo da seleção das Pampas seria da autoria de Carlos Izaguirre. Alfredo France marcou o tento de honra do Chile... em toda a competição. Um golo marcado, 12 sofridos, zero pontos, último lugar na competição, eis o saldo final obtido pela frágil seleção chilena.


Lance do primeiro jogo entre
brasileiros e uruguaios
No dia 26 de maio de 1919 o Estádio das Laranjeiras voltou a ser pequeno demais para milhares de adeptos que suspiravam por ver o Brasil ser coroado pela primeira vez como rei das américas. A tarefa era, contudo, deveras complicada, já que do outro lado estavam os bi-campões em título, guiados pela estrela Isabelino Gradín, que se apresentou no torneio numa forma estupenda. E foi ele próprio que logo aos 13 minutos silenciou o inferno das Laranjeiras, quando concluiu com êxito uma jugadita brilhante - como só ele sabia fazer. Ainda o goleiro Marcos e os restantes companheiros tentavam refazer-se do tento madrugador dos charrúas e já estes faziam balançar pela segunda vez as redes do estádio do Fluminense. Carlos Scarone, o homem que ao minuto 17 faz mexer de novo o marcador.


Neco
Foi então que surgiu no relvado o génio de Manuel Nunes, eternizado na história do belo jogo como Neco, o habilidoso - e por vezes polémico - ponta-esquerda do Corinthians nascido em São Paulo a 7 de março de 1895, e que havia vestido pela primeira vez a camisola da seleção em 1917, durante o Campeonato Sul-Americano que nesse ano decorreu no Uruguai. Nas Laranjeiras, Neco foi herói, primeiro aos 29 minutos, e já no segundo tempo à passagem do minuto 63, selando assim o placard numa igualdade a duas bolas, o resultado de um jogo emocionante e equilibrado. Com este resultado as duas equipas terminaram o torneio com cinco pontos, empatadas no primeiro lugar da classificação, como tal, pelo que a organização viu-se na necessidade de agendar - para três dias depois - um novo duelo entre ambos os selecionados, para apurar o campeão das américas.


Friedenreich atormenta a defesa charrúa
no jogo de desempate do campeonato
29 de maio ficaria pois como um dia histórico para o futebol brasileiro. Talvez pressentindo que a história estava prestes a escrever-se o Governo brasileiro decreta tolerância de ponto para as repartições públicas. Os bancos e o comércio seguem o exemplo e encerram portas no dia da finalissima. Segundo registos da época, às 9 horas da manhã uma multidão circunda o Estádio das Laranjeiras na tentativa de arranjar um lugar nas bancadas do recinto, quando o jogo apenas iria ter início às 14 horas! As duas seleções entram então em ação diante dos olhares de um estádio para lá de repleto. O equilíbrio voltaria a ser nota dominante, e é com 0-0 que se chega ao final dos 90 minutos de uma partida arbitrada pelo argentino Juan Pedro Barbera. Chega então o primeiro prolongamento de 30 minutos, e... nada. O empate persiste. Barbera dá ordem para serem jogados mais 30 minutos, perante os olhares desgastados dos 22 atletas. E eis que aos 3 minutos do segundo prolongamento, Neco foi buscar forças ao fundo do baú, e na conclusão de uma arrancada pela linha cruza para o interior da área onde aparece Heitor, este remata para uma defesa incompleta de Saporiti, tendo a bola sobrado para o artista Friedenreich, que só teve o trabalho de a enviar para o fundo das redes. El Tigre - alcunha dada pelos uruguaios ao jogador brasileiro no resclado deste campeonato - transformava-se assim no herói de todo um povo, e associava o seu lendário nome ao primeiro título conquistado pelo Brasil. O jogo mais longo de toda a história do Campeonato Sul-Americano/Copa América terminaria aos 150 minutos, com uma nação inteira a explodir de alegria. O Brasil era campeão.

A Figura: Arthur Friedenreich


El Tigre Friedenreich
Arthur Friedenreich foi - como já dissemos - a primeira grande estrela do futebol brasileiro. Sobre ele o Museu Virtual do Futebol já traçou algumas linhas biográficas que se enontram expostas na vitrina dedicada às lendas. Recordemo-las pois. Arthur Friedenreich nasceu em São Paulo, a 18 de julho de 1892, filho de um comerciante alemão, de seu nome Óscar Friedenreich, e de uma lavadeira brasileira, de nome Matilde. Nasceu mulato e de olhos azuis. Aos 15 anos, de estatura magra, ágil, com pernas finas era já um verdadeiro craque da bola.
Como já referimos foi a primeira grande estrela do futebol brasileiro numa época em que o belo jogo era ainda puramente amador. Aprendeu a jogar à bola com uma bexiga de boi, pouco tempo depois de Charles Miller ter chegado ao Brasil (em 1894) com uma bola de futebol na bagagem, uma novidade para um país que com o passar dos anos se haveria de tornar na maior potência do futebol mundial.
Fried (diminutivo pelo qual também era conhecido) começou a jogar futebol na sua cidade natal, São Paulo, mais precisamente no Germânia, passando depois para clubes como o Mackenzie, Ipiranga, Paulistano, São Paulo da Floresta, Payssandu, Atlético Santista, Internacional, Santos, Dois de Julho, Americano e Flamengo.
Começou a destacar-se pela imaginação, técnica, estilo e pela capacidade de improvisar. Em 1919 foi apelidado pelos uruguaios de El Tigre por ter encantado as multidões com o seu futebol arte na Copa América que nesse ano foi conquistada precisamente pelo Brasil comandado por Friedenreich.
Jogava como avançado-centro, e foi o inventor de novas e belas jogadas no na altura jovem futebol brasileiro, como o drible curto e a finta de corpo.
Foi campeão paulista em sete ocasiões, seis das quais ao serviço do Paulistano, e outra pelo São Paulo da Floresta (clube que anos mais tarde se viria a chamar São Paulo FC). Por oito vezes foi o melhor marcador do campeonato paulista, a maior parte delas envergando as cores do Paulistano.
Era considerado pelos cronistas da altura como um jogador inteligente dentro de campo, e talvez tenha sido o jogador mais objetivo da sua época. Parecia conhecer todos os segredos do futebol e sabia quando e como ia marcar um golo.

O equipamento usado pela seleção
brasileira em 1919
No ano de 1925, regressou da Europa (após uma digressão com o Paulistano) catalogado como um dos melhores jogadores do Mundo, depois de vencer por este clube nove dos dez jogos aí disputados.
Um dos seus mais incríveis feitos ocorreu em 1928, ano em que fez sete golos num único jogo diante do União da Lapa, batendo o recorde da época. Nesse jogo actuava pelo Paulistano e o resultado final foi de 9-0. Terminou a sua carreira no Flamengo, em Julho de 1935, com 43 anos de idade. Depois de abandonar os relvados, viveu na pobreza um bom tempo até morrer no dia 6 de Setembro de 1969, numa casa cedida pelo São Paulo.
Friedenreich vestiu pela primeira vez a camisola da seleção do Brasil em 1912, num jogo amigável contra uma seleção paulista, realizado no Rio de Janeiro. O escrete brasileiro venceu por 7-0, com dois golos de Fried.
A sua despedida aconteceu em 1935, num jogo contra o River Plate, a 23 de Fevereiro, o qual o Brasil ganhou por 2-1. Friendenreich fez pela seleção principal 23 jogos e marcou 12 golos. Já na seleção de veteranos, em 1935, disputou 2 jogos e marcou 2 golos.
A sua conquista mais importante com a camisola do Brasil foi, como já vimos, a conquista da Copa América de 1919.
Sobre a sua figura há uma dúvida que ainda hoje paira no ar, ou seja, será ele o maior goleador de todos os tempos? Há quem diga que sim e há quem diga que não. Uma dúvida que infelizmente não pode ser desfeita, já que existem poucos, ou mesmo nenhuns, dados que provem que Fried tem mais golos do que Pelé, que é, como se sabe, oficialmente considerado pela FIFA como o jogador que fez mais golos na história do futebol. Reza a lenda que El Tigre terá marcado 1239 golos. Sobre si escreveram-se vários livros, mas há um que retrata na perfeição o momento histórico vivido naquele dia 29 de maio de 1919, o momento em Fried oferece o primeiro título ao seu país. É esse excerto do livro As Origens do Tigre do Futebol (da autoria de Alexandre da Costa) que passamos a transcrever. 

A caricatura de El Tigre
Em 26 anos de carreira, a grande alegria de Fried foi aquele campeonato sul-americano, realizado no Rio de Janeiro, em 1919. Perdoado pela CBD, ele era a principal esperança da seleção brasileira para a conquista do título inédito. A equipe passou invicta pela fase de classificação e teria pela frente, na final, o sempre temido Uruguai, no dia 29 de maio. Mais uma vez, uma superstição do comandante do ataque brasileiro foi usada. Por baixo da camisa branca da seleção, ele tinha uma do Flamengo. Nunca me disse o porquê daquela crença, mas disfarçava dizendo que gostava da combinação do vermelho com o preto. Vai entender! A partida começa e o estádio das Laranjeiras está abarrotado. Dia de tempo instável, não parece que vai chover e nem aparecer um solzinho. No campo, a peleja está animada. Os dois times têm grandes oportunidades durante os noventa minutos, porém o marcador não sai do 0 x 0. Fried, marcado por dois uruguaios, às vezes até por três, estava meio escondido na partida. Duas prorrogações, e o jogo insiste em não mostrar um vencedor. O extrema-esquerda do Brasil, Neco, faz então uma jogada cinematográfica pela linha de fundo uruguaia. Num bate-rebate interminável na área, a bola vai parar caprichosamente no santo pé esquerdo de Fried. Sem muito trabalho, o centroavante arrematou para o gol, terminando com os 150 minutos de sofrimento. É o gol do título. Mesmo no alvoroço da vitória, Arthur é humilde e divide os louros do título com Neco. Diz ele, emocionado: "O gol foi do Neco, que fez uma jogada belíssima. Eu apenas tive o trabalho de chutá-la. Nada mais". Ainda no estádio, antes da grande festa nas ruas promovida pelos cariocas, um fato curioso e inesperado coroa a campanha brasileira e, principalmente, o seu artilheiro. Das mãos do capitão uruguaio, o comandante do ataque brasileiro recebe um pergaminho com o título que lhe acompanharia até o final de seus dias. "Nós, os componentes da seleção uruguaia, concedemos ao senhor Arthur Friedenreich, o título de El Tigre por ser o mais perfeito centroavante do campeonato sul-americano." O Tigre, cansado, chora com a homenagem. Nas ruas do país, a empolgação é generalizada. Com o feito inédito, o futebol cai no gosto popular. Os campeões são carregados em triunfo e mais uma vez o inesperado acontece. O jornal A Noite, um dos mais famosos da época, nunca havia colocado fotografia alguma em sua primeira página, fosse ela de presidente, rei ou ministro. No entanto, naquele dia, estampou em uma edição especial, sem nenhum constrangimento e em tamanho natural, o pé esquerdo de Fried. O singelo título dizia: "Eis o pé da vitória". O jornal vendeu como água. O Brasil aparecia no futebol pela primeira vez. E Friedenreich... bom , ele era o Tigre. 

Números e nomes:

11 de maio de 1919

Brasil - Chile: 6-0
(Friendenreich, aos 19m, aos 38, aos 76m; Neco, aos 21m, aos 83m; Haroldo, aos 79m)

13 de maio de 1919

Uruguai - Argentina: 3-2
(Carlos Scarone, aos 19m, Héctor Scarone, aos 23m, Gradín, aos 85m)
(Izaguirre, aos 34m, Varela, na p.b. aos 79m)
A equipa do Uruguai que esteve no Rio de Janeiro
com Isabelino Gradín na fila de baixo (o segundo a contar da direita para a esquerda)
17 de maio de 1919

Uruguai - Chile: 2-0
(Carlos Scarone, aos 31m, José Pérez, aos 43m)

18 de maio de 1919

Brasil - Argentina: 3-1
(Heitor, aos 22m, Amilcar, aos 57m, Millon, aos 77m)
(Izaguirre, aos 65m)

22 de maio de 1919
A pobre seleção chilena que esteve na Copa de 1919
Argentina - Chile: 4-1
(Clarcke, aos 10m, aos 23m, aos 62m; Izaguirre, aos 13m)
(France, aos 33m)

26 de maio de 1919

Brasil - Uruguai: 0-0

Classificação
1-Brasil: 5 pontos
2-Uruguai: 5 pontos
3-Argentina: 2 pontos
4-Chile: 0 pontos
Vista aérea da Laranjeiras no dia da grande decisão
Jogo de desempate

29 de maio de 1919

Brasil - Uruguai: 1-0
(Friendenreich, aos 122m)
Seleção brasileira que venceu o Campeonato Sul-Americano de 1919

sexta-feira, maio 03, 2013

Copa América (2)... Uruguai 1917


Por estes longínquos dias de 1917 grande parte da América do Sul andava verdadeiramente louca com o futebol! O caudal de desafios era cada vez maior - sobretudo no plano interno - não sendo de estranhar que a recém nascida CONMEBOL (Confederação Sul-Americana de Futebol) decidisse no citado ano dar continuidade ao sucesso granjedado em 1916 pelo também recém edificado Campeonato Sul-Americano, ao nomear o Uruguai como anfitrião da segunda edição do certame. E para este segundo Campeonato Sul-Americano de Futebol uma novidade saltou de imediato à vista de todos: o troféu que iria - dali em diante - coroar o rei das américas.
Se na edição inaugural, ocorrida um ano antes, recorde-se, na Argentina, a organização não atribuiu qualquer troféu ao campeão continental - o Uruguai -, em 1917 foi apresentada uma deslumbrante taça concebida em prata, sobre uma base em madeira, comprada numa joalharia (!) de origem francesa localizada em Buenos Aires pelo preço de 3000 francos suíços. O troféu fez então a viagem para Montevidéu, a capital uruguaia, escolhida para palco da edição de 1917 do Campeonato Sul-Americano. Os convidados para dar vida à grande festa do futebol continental foram os mesmos que um ano antes estiveram em Buenos Aires, isto é, Chile, Brasil, Argentina, e a seleção da casa, e campeã em título, o Uruguai.
Pomposo - pelo menos assim era visto naquela época - era também o Parque Pereira, o recinto mandado construir pela Asociación Uruguaya propositadamente para acolher os seis encontros do torneio. Um estádio edificado em madeira (!) com capacidade para 40 000 espetadores que teria vida curta, já que pouco depois do torneio seria demolido para em seu lugar ser construída uma pista de atletismo! Facto curioso é que o Parque Pereira foi edificado a pouquíssimos metros do local onde 13 anos mais tarde seria erguido o majestoso Estádio Centenário, o palco principal do primeiro Campeonato do Mundo da FIFA. 

De 30 de setembro a 14 de outubro de 1917 Montevidéu parou para assistir ao desenlace do Campeonato Sul-Americano. Favoritos à vitória? Talvez a equipa da casa, não só porque atuava diante do seu fervoroso público, mas porque continuava a agregar alguns dos melhores intérpretes do belo jogo da altura. O Uruguai era naqueles dias um autêntico viveiro de craques, e a prova disso é que mesmo a ausência das lendas responsáveis pela primeira conquista continental, Isabelino Gradín, José Piendibene, e Juan Delgado, impediu a celeste de continuar a ter um certo ascendente sobre os seus rivais. Gradín, Piendibene e Delgado deram lugar a outros astros que iriam marcar para sempre a história da modalidade, casos de Héctor Scarone ou Ángel Romano, homens que viriam a ser as duas grandes figuras - ligadas ao Nacional de Montevidéu - deste segundo torneio... e de outras futuras conquistas uruguais, algumas delas bem mais pomposas que o certame da CONMEBOL.

A 30 de setembro de 1917 é dado então o pontapé de saída de uma competição que à semelhança do ano anterior era disputada num sisteme de poule, onde todos jogavam contra todos, e o campeão seria o conjunto que somasse mais pontos.
Ao relvado do Parque Pereira subiram Uruguai e Chile. Diante de 22 000 espetadores, e sob a arbitragem do argentino Germán Guassone os uruguaios não tiveram grande dificuldade em esmagar o conjunto chileno por 4-0, com o destaque a pairar sobre os atacantes Ángel Romano e Carlos Scarone. Aos 20 minutos o irmão mais velho de Héctor Scarone batia o desampardo Manuel Guerrero pela primeira vez na tarde, para um minuto antes do intervalo Romano ampliar para dois golos a vantagem charrúa. A etapa complementar teve os mesmo protagonistas. À passagem do minuto 62, na transformação de uma grande penalidade, Carlos Scarone faz o 3-0, e aos 75 Ángel Romano fecha as contas em 4-0. Romano e (Carlos) Scarone teriam sortes distintas no futebol. Carlos, apesar de ter ficado na história como um excelente atleta viveu sempre na sombra do seu talentoso irmão mais novo, Héctor, enquanto que El Loco Romano cedo se tornou num dos jogadores mais queridos da afición uruguaia, muito graças à sua multifacetada maneira de estar em campo. Ao apurado sentido pelo golo o homem que fazia todas as posições de ataque da sua equipa (!), nascido em Montevidéu a 2 de agosto de 1893, era igualmente um talentoso organizador de jogo, rápido e preciso. Jogou quase 400 jogos (388 para sermos mais precisos) e marcou 164 golos até 1930, ano em que se retirou, ano este que coincidiu com a conquista do primeiro Campeonato do Mundo pelos charrúas. Ser campeão mundial teria sido o merecido prémio de uma brilhante carreira para El Loco Romano, uma lenda que ao lado de José Leandro Andrade, Héctor Scarone, Héctor Castro, ou José Nasazzi escreveu as páginas mais belas da... encantadora história do futebol uruguaio. Na ausência do título mundial o currículo de Ángel Romano é abrilhantado com os dois títulos olímpicos da década de 20 (1924 e 1928), que na altura eram equiparados... ao ceptro mundial. 

Três dias mais tarde, no mesmo cenário, Brasil e Argentina lutaram entre si. Os brasileiros partiram para a capital uruguaia com baixas de vulto no seu grupo em relação ao que se havia passado em 1916. Desde logo a ausência mais notada foi a do melhor jogador brasileiro daquele tempo, Arthur Friedenreich. Como parecia ser tradição não faltaram confusões na hora do embarque da seleção rumo a Montevidéu. A mais conflituosa terá sido a da escolha do treinador. A Confederação Brasileira dos Desportos (CBD) formou uma comissão técnica para liderar a equipa, comissão essa que seria encabeçada por Mário Pollo (dirigente da Liga Metropolitana, do Rio de Janeiro) e R. Cristófaro (dirigente da APEA). Além de escolher os jogadores que iriam representar o país esta comissão tinha por missão eleger o capitão de equipa, posto para o qual foi nomeado o atleta do Fluminense Chico Netto. Como as guerras entre Rio de Janeiro e São Paulo eram na época bem acesas alguns dirigentes paulistas não terão gostado da escolha, e indicaram Sílvio Lagreca para o posto. A CBD manteve a sua posição, e Chico Netto continuou capitão, mas em contrapartida Lagreca assumiu a função de treinador! E foi com Sylvio Lagreca como jogador/treinador que o Brasil defrontou a armada Argentina a 3 de outubro, encontro este que até começou da melhor forma para os brasileiros, que logo aos oito minutos inauguraram o marcador, por intermédio de Neco. 

Outra ausência de vulto no combinado de Lagreca era a do guarda-redes do Fluminense, Marcos Carneiro de Mendonça, o primeiro grande keeper canarinho. Para o seu lugar foi convocado o português Casemiro do Amaral - que já tinha participado no Campeonato Sul-Americano de1916. Aos 15 minutos Pedro Calomico empata o jogo, e a partir daqui o que se viu foi uma atuação... verdadeiramente desastrosa do guardião nascido em Lisboa ao serviço do Brasil. Seleção que no entanto iria para o descanso em vantagem, já que ao minuto 39 o jogador/treinador Lagreca converteu com êxito uma grande penalidade. No segundo tempo a Argentina aproveitaria então o desnorte de Casemiro do Amaral para dar a volta ao marcador. Sucessivas falhas do goleiro fizeram com que o Brasil fosse derrotado por claros 4-2 e hipotecasse - praticamente - desde logo as aspirações quanto à vitória final na competição. Quem disse definitivamente adeus ao título seria o frágil Chile, que no dia 6 de outubro perdeu por 0-1 precisamente ante a Argentina, graças a um lance infeliz de Luis Garcia, que aos 76 minutos apontaria um golo na baliza errada! Chile de regresso a casa - embora ainda faltasse disputar um encontro - e a Argentina em estado de graça com duas vitórias noutros tantos jogos realizados e com francas possibilidades de destronar o Uruguai como campeão das américas. Mas não iria ser bem assim, como mais à frente iremos poder constatar.  

E por falar em Uruguai, na tarde de 7 de outubro 21 000 aficionados celestes foram à loucura com mais uma exibição de gala da sua seleção. Os brasileiros foram despachados com a mesma chapa que uma semana antes haviam sido os chilenos, isto é, 4-0! Héctor Scarone aos oito minutos inaugurou a goleada. Veloz, tecnicamente bastante evoluído, exímio cabeceador, e de relação próxima com o golo o mais novo dos irmãos Scarone foi um dos grandes nomes do futebol uruguaio das décadas de 10 e 20, tendo sido preponderante não só na conquista deste mas de outros títulos que hoje em dia enchem de orgulho o povo charrúa pelo seu glorioso passado futebolístico.
Voltando ao relvado do Parque Pereira a magia uruguaia não se ficaria por ali. El Loco Romano ampliou a vantagem aos 17 minutos, sendo que já na segunda parte - ao minuto 77 - o mesmo Romano bisou na partida, fazendo desta forma o seu quarto golo na competição, o tento que o iria coroar como o rei dos goleadores deste segundo Campeonato Sul-Americano. Ainda antes do apito final do argentino Guassone o mais velho dos hermanos Scarone, Carlos, faria o 4-0 final, numa altura em que o relógio marcava 86 minutos.
Perante este resultado o cenário de 1916 voltava a repetir-se, ou seja Uruguai e Argentina iriam no derradeiro jogo da prova lutar pelo título de campeão. A final, assim era encarado esse encontro, estava marcada para 14 de outubro, mas antes disso, dois dias antes o Brasil fazia história. Diante de 10 000 pessoas os pupilos de Sílvio Lagreca esmagavam o Chile por 5-0, conquistando desta forma não só o terceiro lugar da copa mas acima de tudo a sua primeira vitória na ainda curta história de vida do certame continental.

Neste encontro um episódio curioso ocorreu. Quer Brasil quer Chile usavam camisola branca. Assim sendo os brasileiros foram obrigados a arranjar uma indumentária de outra cor, mas como na época as equipas/seleções não tinham mais do que um equipamento - e às vezes nem isso! - os brasileiros foram obrigados a ir a uma loja de material desportivo em Montevidéu comprar camisolas de outra cor. Vermelho foi a cor encontrada, e de vermelho vestido a seleção alcançaria então o seu primeiro triunfo na história da copa.
Com o terceiro lugar entregue ao Brasil as atenções focaram-se na final do dia 14. Mas antes disso um outro episódio caricato ocorreu na história deste campeonato de 1917. Amadores de alma e coração - o profissionalismo ainda só existia em Inglaterra - grande parte dos atletas que faziam parte do grupo argentino que se deslocou a Montevidéu teve de regressar a Buenos Aires para os... seus respetivos empregos! O futebol era tão somente uma paixão, e não o ganha pão do dia a dia, e como tal muitos dos craques das pampas tiveram de apanhar o barco de regresso à capital do seu país, deixando para trás o encontro decisivo do certame.


Perante isto a tarefa dos anfitriões ficou ainda mais facilitada. No derradeiro jogo da competição 40 000 pessoas lotaram por completo o Parque Pereira. 40 000 fervorosas almas que viram a estrela Héctor Scarone oferecer o título à celeste quando estavam decorridos 60 minutos de jogo. 
Um simples tento que deu o bi-campeonato sul-americano a um pequeno país cujo talento no futebol parecia ser inesgotável. Não estavam Gradín, Piendibene, ou Delgado, mas estavam outros capazes de continuar a caminhada triunfal que marcou a época dourada do futebol uruguaio. 
Na final outro episódio curioso ocorreu. Numa época em que não eram permitidas substituições o guarda-redes da casa, Saporitti, sofreu uma lesão a meio da contenda, tendo sido substituído pelo jogador de campo Manuel Varela, que até final se portou muito bem na posição de portero
O Uruguai terminava assim a competição invicto... e sem golos sofridos! 
Depois do último apito do chileno Juan Livingstone o Parque Pereira explodiu - naturalmente - de alegria.

 

Números e nomes:

30 de setembro de 1917

Uruguai - Chile: 4-0
(Carlos Scarone, aos 20m, aos 62m, Ángel Romano, aos 44m, aos 75m)

3 de outubro de 1917

Argentina - Brasil: 4-2
(Ohaco, aos 56m, aos 58, Calomino, aos 15m, Blanco, aos 80m)
(Neco, aos 8m, Lagreca, aos 39m)

6 de outubro de 1917

Argentina - Chile: 1-0
(Luis Garcia (p.b.), aos 76m)

7 de outubro de 1917
Uruguai - Brasil: 4-0
(Ángel Romano, aos 17m, aos 77m, Héctor Scarone, aos 8m, Carlos Scarone, aos 86m)

12 de outubro de 1917

Brasil - Chile: 5-0
(Haroldo, aos 26m, aos 59m, Caetano, aos 21m, Neco, aos 23m, Amilcar, aos 41m)

14 de outubro de 1917

Uruguai - Argentina: 1-0
(Héctor Scarone, aos 60m)

Classificação

1-Uruguai: 6 pontos
2-Argentina-4 pontos
3-Brasil: 2 pontos
4-Chile: 0 pontos

Legenda das fotografias:

1-O troféu instituído em 1917 que coroa - até aos dias de hoje, os vencedores do Campeonato Sul-Americano/Copa América
2-O Parque Pereira (estádio já desaparecido) onde decorreu toda a ação do certame de 1917
3-Ángel El Loco Romano, o melhor marcador da copa
4-Fase do duelo entre Argentina e Brasil
5-O português Casemiro do Amaral, que ocupou o posto de goleiro da seleção brasileira neste campeonato
6-Héctor Scarone, uma das estrelas do torneio
7-Amilcar, faz um dos cinco golos com que o Brasil - vestido de vermelho! - bateu o Chile
8-Seleção da Argentina
9-Héctor Scarone
10-Seleção brasileira
11-Fase do encontro entre chilenos e brasileiros
12-A seleção do Uruguai, bi-campeã das américas