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domingo, fevereiro 10, 2019

Efemérides do Futebol (43)...


Pontapé de saída de La Liga foi há 90 anos!
Faz hoje precisamente 90 anos que era dado o pontapé de saída naquele que é hoje um dos campeonatos mais excitantes do Mundo: La Liga.
Estávamos então a 10 de fevereiro de 1929, dia em que tinha início a 1.ª edição do Campeonato Espanhol de futebol, prova então integrada por 10 clubes, nomeadamente o Barcelona, o Espanyol, o Europa, o Arenas, o Real Unión, o Real Madrid, o Atlético de Madrid, o Athletic Bilbao, a Real Sociedad e o Racing de Santander.
Quatro jogos foram disputados nessa (hoje) mítica 1.ª jornada de La Liga, entre eles o Espanyol - Real Unión de Irún, partida que iria entrar para a História do principal campeonato do futebol de Espanha, por dali ter saído o primeiro golo de sempre de La Liga. O obreiro desse feito foi o catalão José Prat, então jovem avançado dos "pericos" de Barcelona, com apenas 18 anos, que nessa tarde bateu o guarda-redes do Real Unión, Antonio Emery, avó do atual treinador do Arsenal londrino, Unai Emery. O Espanyol - que na baliza tinha nada mais nada menos do que Ricardo El Divino Zamora - venceu esse jogo por 3-2.
Nessa célebre 1.ª jornada foi ainda apontado o primeiro golo na própria baliza da história de La Liga, facto ocorrido no encontro entre o Arenas Club de Getxo e o Atlético de Madrid, tendo a façanha sido protagonizada pelo defesa colchonero Alfonso Olaso.
No final dessa 1.ª edição de La Liga o Barcelona foi o clube que mais motivos teve para festejar, após ter-se coroado como o primeiro campeão nacional de Espanha.

quinta-feira, junho 14, 2018

Histórias do Futebol em Portugal (19)... Memórias de uma primeira vez na alta roda do futebol internacional (1.ª parte)

Seleção portuguesa que marcou presença
nos Jogos Olímpicos de Amesterdão 1928
Se hoje em dia Portugal se apresenta perante a aldeia global futebolística como uma potência temida e respeitada, há quase um século atrás – 90 anos, para sermos mais precisos – a nação lusa não passava de uma mera e desconhecida aprendiz nos principais palcos do belo jogo planetário. Esta introdução faz-nos viajar precisamente 90 anos na cápsula do tempo, até ao ano de 1928, altura em que Amesterdão centrava em si os olhos do Mundo na sequência do acolhimento das Olimpíadas desse ano. Largas centenas de atletas vindos de vários pontos do globo assentaram arraiais naquela cidade holandesa em busca do endeusamento olímpico nas mais variadas modalidades. Entre elas, estava o futebol, que levou a Amesterdão (alguma da) a nata (de então) da modalidade, valorosos futebolistas atletas que iriam lutar entre si pelo trono da então maior competição futebolística do Mundo.

Cartaz oficial dos Jogos de 1928
Será importante sublinhar que na altura o torneio olímpico de futebol era a maior competição do planeta no que ao Desporto Rei concerne, a qual de quatro em quatro anos juntava as melhores seleções do globo. Isto porque nem o Campeonato do Mundo nem o Campeonato da Europa haviam visto a luz do dia. Vencer os Jogos Olímpicos era o equivalente a vencer um Mundial nos dias de hoje. O mediático sucesso dos torneios anteriores – Antuérpia 1920 e Paris 1924, sobretudo este último – elevou a fasquia de interesse em torno da competição que decorreu na Holanda entre 27 de maio e 10 de junho de 1928. Em campo iriam estar alguns dos pesos pesados do futebol planetário de então, casos de uma Itália que viria a dominar o Mundo na década seguinte – com a conquista de dois Mundiais consecutivos (1934 e 1938) –; da vice-campeã olímpica de 1920, a Espanha; ou das potências sul-americanas Argentina e Uruguai, sendo que estes últimos chegavam a Amesterdão como detentores (em título) do ouro olímpico – conquistado de forma época quatro anos antes em Paris. Os uruguaios eram por aqueles dias olhados como a maior potência do futebol global. Nos Jogos Olímpicos de 1924, esta pequena nação sul-americana (com apenas 3 milhões de habitantes) havia apresentado do Mundo os seus magistrais intérpretes do belo jogo, apresentando ao público parisiense um jogo alegre, solto, e tecnicamente atrativo, mais parecendo que o "onze charrúa” bailava ao som de um tango de Carlos Gardel.

A mítica seleção do Uruguai que iria vencer
o torneio olímpico pela segunda vez consecutiva
Na retina daqueles que presenciaram o torneio olímpico de 24, ficaram os bailados futebolísticos de nomes como Pedro Cea, Hector Scarone, José Nasazzi, Pedro Petrone, e de um tal José Leandro Andrade, um negro que haveria de sair destes Jogos Olímpicos endeusado pelo povo da capital francesa. O torneio de futebol das Olimpíadas de Amesterdão não foi mais do que a confirmação daquilo que se visionara em Paris 1924, por outras palavras, o Uruguai enquanto a seleção mais poderosa do Mundo. Amesterdão 1928 foi pois como a segunda parte de uma das mais belas e poéticas histórias futebolísticas, a história de uma talentosa equipa que mostrou ao globo que o futebol poderia ser jogado de uma maneira artística e atraente, bem diferente do famoso kick and rush inglês interpretado pela esmagadora das seleções e/ou clubes do então planeta da bola.

Gravura do Espanha - Portugal de 1921
(o primeiro jogo da seleção portuguesa)
Mas entre a elite do futebol global que viajou para a Holanda estava uma nação que dava os primeiros passos a nível internacional e cujo futebol – em termos de popularidade – crescia significativamente no plano interno. Portugal! Seleção que contrariamente a potências como Espanha, Itália, Argentina ou Uruguai apenas havia feito o seu batismo na alta roda internacional menos de sete anos antes (dezembro de 1921) num particular com nuestros hermanos, em Madrid, saldado por uma honrosa derrota – atendendo ao poderio do adversário – por 3-1.
Desde então, a seleção nacional fazia um percurso que podemos chamar de aprendizagem e ao mesmo tempo de afirmação na senda internacional, colecionando alguns resultados dignos de sublinhar que o futebol português tinha valor e que com um pouco mais de organização (interna) e prática (internacional) talvez fosse possível ombrear com os melhores. Isso, foi possível ver-se, a título de exemplo, em junho de 1925, quando no Campo do Lumiar (Lisboa) a nossa seleção derrotou (1-0) a poderosa Itália onde despontavam futuros campeões mundiais como Giampiero Combi, Gino Rosetti, ou Umberto Caligaris; ou os valorosos empates com potências como a Checoslováquia – em 1926 –; Hungria – também em 26 –; ou a Espanha liderada pelo lendário guarda-redes Ricardo Zamora – que em janeiro de 1928 não conseguiu levar de Lisboa melhor do que uma igualdade a uma bola.

Até aqui, Portugal disputara somente encontros amigáveis, 15 para sermos precisos, pelo que em Amesterdão iria ser o primeiro grande teste oficial no plano internacional para um futebol português que no plano interno apresentava algumas carências, apesar do crescimento em termos de popularidade em torno da modalidade.
No aspeto competitivo, o centro do nosso futebol estava em Lisboa, Porto, Algarve e Setúbal, onde se disputavam os campeonatos (regionais) mais importantes e acima de tudo competitivos. Nas outras regiões do país, a competição tinha ainda pouca expressão, ou quase nenhuma. Apesar de ainda ser algo limitado, em termos estruturais, o que é certo é que o futebol não havia envergonhado o país no plano “além fronteiras”, e mesmo nas derrotas havia mostrado valentia e valor que deixavam antever um futuro promissor. 

(continua) 

quinta-feira, junho 12, 2014

Estrelas cintilantes (38)... Pahiño - O príncipe das Rias Baixas que ofereceu o trono merengue a Di Stéfano

Pahiño, com a camisola
do emblema da sua terra natal,
o Celta de Vigo
Vigo... a beleza dos seus traços naturais aliada ao seu posicionamento geográfico, conferem-lhe um imponente destaque no idílico cenário das Rias Baixas galegas. Berço do principal porto pesqueiro da Europa, a cidade mais populosa da Galiza - com cerca de 300 milhões de habitantes - é além de tudo o mais importante centro comercial e económico da região. Vigo assume contornos de maior encanto quando enquadrada no cenário futebolístico. Ali, o Celta arrebata os corações viguenses e... não só. O emblema fundado em 1923 - resultante da fusão entre o Real Vigo Sporting e o Fortuna de Vigo - desperta paixões em toda a Galiza, lutando - no patamar da eternidade, assim estamos em crer - pelo título de clube mais popular da região com o eterno rival do norte, o Deportivo da Corunha. Apesar de a ascensão do Celta aos grandes palcos do futebol europeu - vulgo, as eurotaças - se ter dado num passado muito recente, estando ainda bem fresca na memória de muitos as épicas noites de Balaídos - a mítica casa dos celtistas - onde Golias como o Liverpool, a Juventus, o Milan, ou o Benfica - lembram-se dos 7-0??? - caíram aos pés do pequeno David das Rias Baixas, as primeiras páginas douradas do nobre representante de Vigo foram escritas ainda na primeira metade do século passado, pela pena da estrela mais cintilante do futebol galego, Manuel Fernández Fernández, ou simplesmente Pahiño, a alcunha - desconhece-se a sua origem! - que o tornou célebre no Olimpo do Belo Jogo. A sua louca obsessão pelo golo fez com que Pahiño seja ainda hoje recordado como um dos mais prolíferos avançados da história do futebol espanhol. Dos seus (bons) pés - sobretudo - foram disparadas autênticas balas de canhão que destruíram as balizas contrárias vezes sem conta. Ah, noutras ocasiões a meta adversária era igualmente fuzilada com letais cabeceamentos, já que além de dois bons pés Pahiño era também senhor de um bom jogo de cabeça. Talento(s) descobertos nas areias das praias viguenses, onde Manuel Fernández Fernández esquecia - por certo - a vida dura do campo (agricultura), lides às quais desde muito novo se habituara com o objetivo de ajudar no sustento da sua família.

Pahiño conforta um jogador do Espanyol
depois de ajudar a eliminar os catalães
na meia-final da Copa Generalíssimo de 47/48
Nas praias de Vigo estão pois guardadas as primeiras histórias de intimidade entre Pahiño e a bola, uma relação que se assumiu - de forma mais séria - em Arenas de Alcabre, o primeiro emblema a ser oficialmente representado pelo niño nascido a 21 de janeiro de 1923, em San Playo de Navia, nos arredores de Vigo. Estávamos ainda um pouco longe do casamento entre Pahiño e o Celta, mas não deixa de ser curioso que o jogador e o clube tivessem vindo ao Mundo no mesmo ano! Obra do acaso? Se calhar não...
De Arenas de Alcabre para o Juventudes de Vigo - o seu segundo clube - o caminho foi curto, já que o poder de fogo de Pahiño começava a ter eco por toda a Galiza. Apercebendo-se que mesmo por debaixo do seu nariz deambulava um talento na arte de bombardear o esférico para as balizas contrárias, eis que em 1943 o Celta de Vigo não mede esforços para contratar aquela que viria a ser a joia da (sua) coroa nos cinco anos que se seguiram. O fichaje do poderoso avançado não foi contudo um parto fácil, longe disso. Na corrida pelo concurso do nativo de San Playo de Navias estava também o Salamanca, emblema que na altura tentava entrar na elite do futebol espanhol, o mesmo será dizer, ascender à Primeira Divisão. No entanto, os helmánticos foram vencidos pelo coração! Pelo coração celtista que pulsava dentro do jovem Pahiño, que ainda criança, pela mão do seu pai, travou-se de amores pelas camisolas azul celeste que aos domingos à tarde reluziam no relvado de Balaídos. Nessa época estaria ainda distante de imaginar que também ele um dia iria brilhar com a indumentária celtista nos retângulos mágicos do futebol espanhol, ajudando a edificar - em seu redor - uma das equipas mais lendárias da história do clube de Vigo, que durante uma mão cheia - pelo menos - de temporadas assombrou os gigantes do belo jogo castelhano.

Fase do jogo decisivo entre o Celta e o Granada,
realizado no Metropolitano de Madrid
Estávamos em 1943 quando Pahiño - com 19 anos - chegou a Balaídos. No entanto, e apesar da monstruosidade do seu poder de fogo, o Celta não foi feliz na temporada de 1943/44, foi último de uma Liga vencida por um Valência onde se destacava o goleador Mundo, e acabou por descer aos infernos da Segunda Divisão. Passagem pelo inferno que seria fugaz, já que na época seguinte a garra de Pahiño aliada ao seu instinto de predador catapultou o Celta de novo para o convívio entre os grandes do futebol espanhol. Episódio lendário que ressalva do trajeto glorioso do Celta em 44/45 prende-se com o jogo final que dava acesso à promoção. Frente a frente mediram forças no (Estádio) Metropolitano de Madrid o Celta e o Granada, e quem vencesse ganhava o bilhete para a Primeira. Pahiño, titular indiscutível dos celtistas desde que havia chegado a Balaídos, foi a estrela da tarde. No relvado do mítico recinto da capital fez jus ao seu estatuto de temível homem de área, fazendo dois golos durante a primeira parte. Performance que faria com que os defensores contrários lhe dedicassem atenções... suplementares. Alvo de uma entrada violenta de Milán González o goleador celtista fraturou o perónio, facto insuficiente para que deixasse de... continuar em campo na etapa complementar e ajudasse o Celta a vencer por 4-1.

Ricardo Zamora, em Vigo,
na qualidade de treinador
De volta à Primeira Divisão, o Celta viveu nas três temporadas seguintes alguns dos capítulos mais cintilantes da sua história. Sempre... aos ombros daquela que era já a sua maior estrela, Pahiño. Nos palcos da Primeira o goleador galego foi pedra fundamental para que os celestes se firmassem como uma das equipas mais encantadoras da liga, e sobretudo num osso duro de roer para emblemas de maior dimensão. Que o diga o poderoso Real Madrid, que em 45/46 tombou em Balaídos por concludentes 3-0, ou o campeão dessa temporada, o Sevilha, que nas Rias Baixas afundou-se depois de ter levado quatro (a zero)! Foi igualmente durante o regresso do Celta ao convívio entre os grandes que nasceu uma rivalidade protagonizada entre dois mitos da história do futebol espanhol na arte de fuzilar as redes contrárias. Pahiño, claro está, e Telmo Zarra, o herói basco do Athletic de Bilbao que ainda hoje detém o título de melhor marcador de sempre da Primeira Divisão espanhola, com 252 remates certeiros. Zarra, como iremos perceber nas próximas linhas, foi quiçá o grande obstáculo que Pahiño encontrou ao longo da sua carreira para conquistar um lugar de destaque no... Olimpo do futebol global. Em 45/46 o celtista apontou 15 golos, menos nove que Zarra, que desta forma levava para a sua vitrina pessoal o troféu Pichichi, galardão que distingue o melhor marcador do campeonato espanhol. E se Pahiño e Zarra lutavam entre si por um lugar na eternidade do belo jogo, na época seguinte Vigo acolhe de braços abertos um homem que há muito repousava no panteão do desporto rei planetário. O seu nome? Ricardo Zamora. Il Divino, como ficou imortalizado na história do jogo, era agora treinador, e depois de ter passado pelos bancos do Nice (França) e do Atlético Aviación (nome pelo qual na época era conhecido o atual Atlético de Madrid) assentava arraiais nas Rias Baixas, onde iria construir uma equipa lendária.
A lendária equipa do Celta de Vigo que subiu ao relvado do Metropolitano de Madrid
para jogar a final da Copa del Generalíssimo de 1948
E se a primeira temporada (46/47) de Zamora em Vigo não foi por ai além, já que o Celta não conseguiu melhor do que um 9º lugar, a segunda foi a todos os títulos memorável. Para o Celta e para... Pahiño. A nível coletivo os celtistas alcançariam um inédito quarto posto, ficando a somente seis pontos do campeão Barcelona, na sequência de uma coleção de resultados absolutamente brilhantes. Vejamos: De Balaídos saíram humilhados o campeão Barcelona (3-2), o vice- campeão Valência (5-2), o Atlético de Madrid (3-1), e o Real Madrid (4-1). Aliás, os merengues iriam sofrer nessa mítica época uma dupla humilhação aos pés dos pupilos de Zamora, visto que na capital a dose (4-1) repetiu-se a favor dos galegos. Mas a epopeia galega não se ficou por aqui. Na Copa del Generalíssimo - atualmente denominada como Copa del Rey - o Celta alcançou a final, onde seria travado pelo Sevilla (4-1) no Metropolitano de Madrid, o mesmo recinto onde poucos anos antes Pahiño e o Celta haviam sido tão felizes.
Apesar da derrota, o Celta foi rotulada como a equipa sensação dessa temporada, muito graças ao cunho pessoal da sua estrela-mor, Pahiño, que com 23 golos venceu o seu primeiro Troféu Pichichi.
A veia goleadora de Pahiño era por demais saliente, e nesse ano de 1948 atinge a sua primeira internacionalização, ao representar a Espanha num amigável ante a Suíça, ocorrido em Zurique.

Com a camisola do Real Madrid
A brilhante caminhada celtista chamou à atenção dos tubarões do futebol espanhol, que centravam os seus olhares devoradores em nomes como Miguel Muñoz, Alonso, e claro, Pahiño, as estrelas daquele Celta. Sabendo que o seu talento era por demais admirado por clubes de maior envergadura o internacional galego exigiu à direção azul celeste um aumento de salário, argumentando que era não só um dos grandes abonos de família da equipa, como também que outros colegas seus que raramente pisavam o relvado - na condição de titulares - usufruíam de salários muito mais elevados do que o seu. A ação de Pahiño foi desde logo apelidada de anti-celtista, e o jogador é de pronto olhado por dirigentes, (alguns) companheiros, e muitos adeptos, como mercenário, anti-galego, ou conflituoso, alguns do mimos que recolheu naquele verão de 48. Cansado deste braço de ferro, equacionou a hipótese de abandonar o futebol (!), pensamento somente travado pelo Real Madrid, que nesse final de temporada de 47/48 viaja até Vigo para pescar Miguel Muñoz, Alonso, e Pahiño. Consumado o divórcio com o Celta o goleador galego celebram casamento de cinco épocas com o laureado emblema da capital, conquistado de pronto a admiração dos exigentes adeptos merengues na sequência da sua infindável garra aliada à vincada veia de concretizador nato. Na primeira temporada equipado de blanco, o galego aponta 21 golos, ficando a somente sete do Pichichi desse ano, César, do Barcelona. Nos anos que se seguiram o seu nome figurou sempre no top 5 da lista dos melhores marcadores da Primeira Divisão, sendo que em 51/52 alcança o título de Pichichi da Liga pela segunda vez na sua carreira, fruto dos 28 golos convertidos. Despediu-se do Real Madrid na temporada seguinte, porque Don Santiago Bernabéu, o lendário presidente do clube, não renovava por mais de um ano contrato com jogadores cujo Bilhete de Identidade apresentasse uma idade superior a 30 anos. Pahiño queria mais tempo - três anos de contrato, ao que consta - e a polémica instalou-se de novo na carreira de um jogador que se viu obrigado a procurar abrigo noutro local. Consta-se - ainda - que o Real Madrid não fez grande esforço em tentar segurar o galego, até porque tinha acabado de contratar um jovem prodígio argentino chamado... Alfredo Di Stéfano. Aquele que muitos afirmam ter sido o melhor jogador da história do clube merengue herdou a camisola número 9 do galego Pahiño, que partia de Madrid com um impressionante registo de 108 golos apontados em 122 jogos disputados, mas com a mágoa de nunca ter ganho um troféu coletivo com o colosso madrileno.

Pahiño festeja um golo com a camisola do Depor
Algo frustrado, Pahiño procura abrigo na sua região natal, a Galiza, para onde regressa no verão de 1953, com o intuito de representar o... Deportivo da Corunha! Foi como um punhal cravado nas costas da afición celtista, que via uma das suas maiores lendas, um filho da terra, vestir agora a camisola do eterno inimigo do norte, o Depor. Na Corunha esteve três temporadas - sempre na Primeira Divisão - tendo apontado perto de meia centena de golos com a camisola azul e branca. Dois deles tiveram um sabor muito especial. Em 1955/56 o Depor visita Chamartín, a casa do Real Madrid, tendo ai alcançado a sua primeira vitória de sempre na capital, na sequência de um resultado de 2-1... com dois golos de Pahiño. Estava consumada a vingança. Após abandonar a Corunha ainda jogou uma temporada na Segunda Divisão ao serviço do Granada, o tal clube que anos antes lhe havia dado cabo do perónio no Metropolitano de Madrid, mas o tempo acabou por apagar as más memórias desse momento menos feliz da carreira do homem de San Playo de Navia, o qual ajudou os granadenses a subir à divisão maior do futebol espanhol. Posto isto: missão cumprida, e Pahiño pendurava as chuteiras com um impressionante registo de 212 golos apontados em quase 300 encontros - 295 para sermos mais precisos - disputados.

Pahiño, numa das suas curtas
aparições com a camisola da seleção
Face a este cartão de visita uma pergunta impõe-se: E a seleção, porque não aproveitou o faro pelo golo que Pahiño sempre patenteou mais do que cinco ocasiões (?) - as vezes que o jogador vestiu a camisola da Roja em partidas de caráter particular. A resposta é simples. Aliás, a dupla resposta. Em primeiro lugar porque o número 9 da seleção era propriedade quase exclusiva do basco Zarra, e em segundo porque o galego era uma figura incómoda para o regime franquista! Passamos a explicar. Pahiño era um devorador de livros de Tolstoi, ou Dostoyevski, autores mal amados na Espanha dominada pelo ditador Franco. As influências destes autores na personalidade do galego eram evidentes, sendo que a sua (diferente?) forma de pensar, de ver o Mundo que o rodeava, ter-lhe-á causado inúmeros dissabores ao longo da carreira, o mais duro deles todos quiçá o facto de poucas vezes ter sido chamado à seleção do seu país, já que os dirigentes da federação não iam muito à bola com o... goleador comunista, como era então conhecido Pahiño nos meandros do futebol espanhol. Não fosse isso - e claro está, Zarra - e talvez o galego tivesse sido uma das grandes figuras do Mundial de 1950, onde a seleção de Espanha tão boa conta deu de si. Mas... «gozei do pior dos amores: o amor próprio», disse um dia Pahiño quando resumiu a sua (curta) carreira internacional. Viria a falecer em Madrid, aos 89 anos, a 12 de junho de 2012.

quarta-feira, setembro 05, 2012

Futebol nos Jogos Olímpicos (4)... Paris 1924

Paris, a deslumbrante capital francesa assistiu em 1924 a um dos mais belos capítulos da história do futebol mundial, orquestrado por um virtuoso conjunto de futebolistas oriundos de um pequeno país sul americano de apenas 3 milhões de habitantes que conferiram ao jogo um misto de arte e fantasia nunca dantes interpretado por nenhum outro artista do pontapé da bola. Um facto ocorrido debaixo dos holofotes dos Jogos Olímpicos do citado ano, numa cidade à qual foi dada uma espécie de segunda oportunidade para mostrar ao restante globo terrestre a sua eficiência - e merecimento - em dar vida àquele que era já de forma indiscutível um dos maiores eventos planetários. Nunca será demais relembrar que 24 anos antes Paris tinha sedeado a II edição das Olímpiadas da Era Moderna, certame inserido no programa da Exposição Universal que em 1900 teve lugar na "cidade luz" e que seria rotulado como um profundo fracasso, desde logo pela razão de que não tinha sido mais do que um mero apontamento de entretenimento paralelo da dita exposição. Querendo apagar essa - má - imagem o recriador dos Jogos Olímpicos, e na época presidente do Comité Olímpico Internacional, o barão Pierre de Coubertin, fez de tudo - fazendo frente a inúmeras vozes de oposição - para que a sua cidade natal pudesse voltar a sedear os Jogos. A batalha seria ganha, e Paris tratou desde logo de se preparar para não repetir os erros cometidos em 1900. Foram construídas diversas infraestruturas desportivas, sendo a mais vistosa de todas elas o magnífico Estádio des Colombes, o local idealizado para acolher a esmagadora maioria das modalidades dos Jogos de 1924. Novidade seria a edificação de uma aldeia olímpica, uma espécie de complexo habitacional onde os atletas das nações participantes ficariam instalados. Atletas que seriam aproximadante 3100, em representação de 44 países, um número recorde na história da competição até então. E recorde seria igualmente o número de participantes no torneio olímpico de futebol, 22 em termos exatos, mais 8 que aqueles que tinham marcado presença quatro anos antes em Antuérpia, numa demonstração clara da popularidade que o torneio ia angariando de edição para edição entre as nações. A corrida ao título mundial - não será demais recordar que era desta forma que o torneio olímpico era encarado pela família do futebol - teve início a 25 de junho de 1924, quando no Stade des Colombes mediram forças duas potências futebolísticas da época - e cujo poder continua a ser bem evidente nos dias de hoje -, mais precisamente a Espanha e a Itália. Espanhóis que continuavam a ter como grande estrela o guarda-redes Ricardo Zamora, o qual 4 anos antes havia tido um papel fundamental na conquista da medalha de prata pelo combinado ibérico nos Jogos Olímpicos de Antuérpia. Do lado transalpino as luzes da ribalta focavam-se sobretudo no treinador Vittorio Pozzo, lendário mestre da tática que procurava apagar a má imagem deixada pela "squadra azzurra" no Torneio Olímpico de 1912, em Estocolmo, onde havia caído de forma prematura e surpreendente aos pés da frágil Finlândia. Em Paris a Itália mostrou outra atitude, e essencialmente talento futebolístico, pese embora tivesse de suar a camisola para afastar a forte e aguerrida seleção espanhola da 1ª eliminatória dos Jogos de 1924. Numa partida marcada pelo equilíbrio valeu à Itália o infortúnio do defesa espanhol Pedro Vallana, que aos 84 minutos do duelo traiu o seu companheiro Zamora ao introduzir o esférico na sua baliza e desta forma apontar o único golo da contenda, o qual garantia aos pupilos de Pozzo o passaporte para a ronda seguinte. Ainda no dia 25 deu-se a estreia de duas seleções em andanças olímpicas, nomeadamente a Suíça e a Lituânia. Foram mais felizes, muito mais na verdade, os helvéticos, que comandados pela sua estrela-mor Max Abegglen esmagariam a equipa do leste europeu por 9-0 (!), com destaque para o próprio Abegglen, autor de 3 golos, e de Paolo Sturzenegger, autor de 4 remates certeiros. Mas a epopeia suíça não se ficaria por aqui, como mais à frente iremos ver.
Sem dificuldades a Checoslováquia - uma das surpresas das Olímpiadas de 1920 - derrotou a estreante Turquia por 5-2, enquanto que no derradeiro jogo do dia os Estados Unidos da América - também eles a fazerem a sua estreia em matéria de Torneio Olímpico - batiam a Estónia por 1-0, graças a um golo de Andrew Stradan.

Mágicos uruguaios entram em ação

E no dia 26 de junho de 1924 o mundo do futebol iria sofrer uma verdadeira revolução... no bom sentido. Neste dia, que haveria de ter contornos célebres, entrou em ação o estreante Uruguai, pequeno país da América do Sul cujo futebol era uma verdadeira incógnita para as restantes seleções presentes. Dizer que com a entrada em cena dos uruguaios e dos norte-americanos, na véspera, o Torneio Olímpico abria assim as suas portas a países de fora da Europa e de África, tornando-se assim e agora num verdadeiro Campeonato do Mundo. Conforme já foi referido pouco ou quase nada se sabia dos uruguaios, sabendo-se somente que eram os reis do desconhecido reino futebolístico da América do Sul a julgar pelas 4 Copas América - em 7 edições disputadas até à data - que ostentavam no seu currículo. Mas isso não significava nada para os europeus, cientes da sua mestria da arte de manusear a bola.
Assim terão pensado inicialmente os jugoslavos, os oponentes do Uruguai na 1ª eliminatória dos Jogos de Paris, conforme recordou anos mais tarde o mítico jornalista uruguaio Eduardo Galeano, ao contar que aquando do visionamento de um treino da seleção sul-americana os espiões jugoslavos - jogadores e equipa técnica - terão desatado à gargalhada após verem in loco a falta de jeito dos seus adversário para com a bola. Bolas chutadas para as bancadas, choques atabalhoados entre os jogadores e dezenas de passes errados fizeram crer ao conjunto europeu que passar à fase seguinte seria uma tarefa mais do que fácil peramte os aparentemente toscos uruguaios. Mas só aparentemente, porque na realidade esta fraca performance patenteada no treino não foi mais do que uma tática para enganar os jugoslavos, na tentativa de os fazer acreditar que a vitória era mais do que certa perante tamanha falta de jeito. Tática essa que resultou em pleno, tendo a Jugoslávia entrado em campo totalmente relaxada e mais do que convencida que este não seria mais que um mero jogo-treino. Como que num ápice de magia os toscos uruguaios tranformaram-se em magistrais intérpretes do futebol, apresentando ao público parisiense um jogo alegre, solto, e tecnicamente atrativo, mais parecendo que o "onze" proveniente da América do Sul bailava ao som de um tango de Carlos Gardel. Resultado final: 7-0 a favor do Uruguai diante dos destruídos e pasmados fanfarrões jugoslavos, que por certo nunca mais iriam esquecer aquela lição. De imediato as atenções do torneio olímpico recairam no Uruguai, naquele pequeno país cujo desconhecido futebol havia de imediato apaixonado os parisienses que na tarde de 26 de junho se deslocaram ao Stade des Colombes. Na retina dos presentes ficaram sobretudo os bailados futebolísticos de nomes como Pedro Cea, Hector Scarone, José Nasazzi, Pedro Petrone, e de um tal Jose Leandro Andrade, um negro que haveria de sair destes Jogos Olímpicos endeusado pelo povo da capital francesa.
No último jogo da eliminatória a Hungria bateu sem dificuldades a estreante Polónia por 5-0.

Campeões olímpicos humilhados!

No dia 27 de junho arrancou a 2ª eliminatória da competição, com a entrada em campo da medalha de bronze das três primeiras edições do Torneio Olímpico, a Holanda, ante a estreante Roménia. Duelo sem história conforme traduz o resultado de 6-0 a favor dos holandeses, com destaque para o poker (4 golos) apontado por Cornelis Pijl. No outro jogo do dia o Stade de Paris (um dos quatro estádios da capital gaulesa onde foram disputados os encontros do Torneio Olímpico) engalanou-se para receber a seleção da casa, a França, que partia com a ambição de dar uma alegria ao seu povo, apresentando na competição alguns dos seus melhores atletas de então, casos de Paul Nicolas, Henri Bard, ou Jean Boyer. E a caminhada gaulesa até nem começou mal, muito pelo contrário, com a estreante Letónia a ser esmagada por 7 golos sem resposta. No dia seguinte mais duas seleções fizeram a sua estreia, casos da Bulgária e da República da Irlanda, as quais mediram forças entre si, acabando o triunfo por pender para os irlandeses por 1-0. Equilibrado seria o confronto entre a Suiça e a Checoslováquia, uma antevisão impensável à partida para este encontro, mesmo tendo em conta a veia goleadora dos helvéticos na 1ª eliminatória, uma vez que os checoslovacos eram tidos como uma das grandes equipas do futebol de então. Os suíços não se amedrontaram, e no final dos 90 minutos o resultado era de 1-1, para espanto dos presentes, tendo havido a necessidade de ser disputado um jogo de desempate a acontecer dois dias mais tarde.
Antes disso, e no dia 29, escândalo foi a palavra que pairou com maior intensidade sobre o Torneio Olímpico. A campeã olímpica em título, a Bélgica, entrava em campo determinada a repetir o feito conquistado quatro anos antes, contando para isso com a maior parte dos heróis de Antuérpia. O oponente até nem era dos mais poderosos, já que dava pelo nome de Suécia. Porém, da teoria à prática o caminho é distante e muitas vezes sinuoso... como traduz o impensável resultado de 8-1 a favor dos suecos! Os campeões haviam sido humilhados e nem a sua estrela principal, o temível avançado Robert "canhão" Coppée, lhes valeu. Pela segunda vez consecutiva aparecia no evento o Egito, o único representante do continente africano, que em Paris alcançava a sua primeira vitória olímpica depois de ter batido a Hungria por 3-0. No Stade Pershing, situado no famoso bosque de Vincennes, a Itália de Vittorio Pozzo despachava o modesto Luxemburgo por 2-0, com destaque para a exibição do célebre avançado do Bolonha Giuseppe Della Valle, autor de um dos tentos da azzurra. E no derradeiro encontro do dia 29 de junho a magia voltou a estar à solta em Paris. Com uma curiosidade redobrada na sequência dos ecos lançados pela imprensa francesa após a deslumbrante exibição diante da Jugoslávia, 10 000 espetadores deslocaram-se ao Stade Bergeyre para ver in loco os artistas vindos do Uruguai. O entusiasmo em torno do conjunto sul-americano era enorme por parte dos parisienses, e em especial sobre o negrito Andrade, o homem que bailava com a bola nos pés. E quem teve o privilégio de marcar presença em Bergeyer não se terá arrependido, muito longe disso, já que os mágicos uruguaios realizariam mais uma exibição de luxo ante os Estados Unidos da América, culminada com uma inequivoca vitória por 3-0, com dois tentos do goleador Pedro Petrone e um do polivalente - atuava em qualquer zona do terreno ! - Hector Scarone, um homem cuja lenda diz que cantava enquanto jogava! Neste mesmo estádio, e no dia seguinte, a Suíça voltava a surpreender os amantes do futebol. Graças a mais uma ótima atuação voltou a fazer a vida negra aos favoritos checoslovacos no jogo de desempate entre as duas equipas, acabando por vencer por 1-0 e seguir desta forma para os quartos-de-final... contra todas as previsões iniciais.

Gauleses rendidos ao encanto uruguaio... mais uma vez

Após um dia de descanso a bola voltou a rolar no dia 1 de junho para o pontapé de saída dos quartos-de-final, e logo com uma espécie de final antecipada, um encontro que colocou frente a frente a seleção da casa a um dos conjuntos sensação do torneio, o Uruguai. A espetativa em torno do duelo era enorme, podendo mesmo dizer-se que Paris parou nessa tarde, tendo os Colombes registado a sua maior enchente até então: 30 000 espetadores! 30 000 almas divididas entre o patriotismo francês e o fascínio pelo jogo sul-americano. A habilidade uruguaia levaria a melhor conforme explica o expressivo resultado de 5-1 a seu favor na sequência de mais um memorável bailado futebolístico de jogadores como Scarone, Petrone (ambos com 2 golos cada na conta pessoal deste encontro) Romano, Cea, ou Andrade, último jogador este que despertava cada vez mais paixões dentro e fora do campo, neste último aspeto pelas damas parisienses, cujos suspiros pelo invulgar corpo musculado "pintado" em tons de negro subiam de intensidade sempre que com ele se cruzavam nas míticas e encantadoras artérias da "cidade luz". No mesmo dia a Suécia voltava a evidenciar o seu poder de fogo, após aplicar uma nova goleada, desta feita ao Egito por 5-0. No dia 2 de junho a experiente - em andanças olímpicas - Holanda sentiu grandes dificuldades para derrotar o exêrcito irlandês. Seria só no prolongamento que Ocker Formanoij carimbaria o passaporte das tulipas - ao fazer o 2-1 final - para a 4ª meia final consecutiva em torneios olímpicos. E como não há duas sem três a Suíça voltou a fazer das suas no derradeiro encontro dos quartos-de-final. Desta feita as vitimas foram os italianos, os quais sucumbiam por 1-2 ante Max Abegglen - autor de um golo - e companhia.

Vitórias suadas das duas surpresas do torneio

Um jogo intenso e deveras duro, assim pode ser caracterizado o último obstáculo do Uruguai rumo à final olímpica. A Holanda fez o que pôde para contrariar o talento dos sul-americanos, jogando nos limites da dureza, em alguns momentos do encontro, para impedir o óbvio: a passagem uruguaia ao jogo decisivo. Facto que acabaria por acontecer a 6 de junho, graças a um golo apontado por Scarone na conversão de uma grande penalidade aos 81 minutos. Isto depois de as tulipas terem estado em vantagem no marcador! Pedro Cea empatou aos 62 e Scarone fez então o 2-1 final a menos de 10 minutos do apito final do francês Georges Vallat. Após o encontro os holandeses protestaram contra a grande penalidade que deu o triunfo aos sul-americanos, protesto esse que no entanto de nada valeu.
Intenso e equilibrado havia sido igualmente o encontro da véspera, que opôs os surpreendentes suíços aos mortíferos suecos. O resultado foi idêntico, 2-1, a favor dos helvéticos, que bem puderam agradecer à sua estrela-mor Max Abegglen, autor dos dois remates certeiros da sua equipa. O que é certo é que as duas equipas surpresa do torneio estavam na final... contra todas as previsões iniciais, inclusive as dos próprios suíços, cuja viagem de regresso a casa havia sido marcada para alguns dias antes da final! Não acreditando que a sua equipa podia avançar mais do que uma eliminatória, na melhor das hipóteses, os dirigentes helvéticos prepararam o seu orçamento para apenas 10 dias de estadia, precisamente o tempo de validade da passagem de comboio adquirida antes da partida para Paris. Ora, como a aventura do país neutral em terras gaulesas demorou bem mais do que esse período o jornal Sport efetuou uma petição junto dos seus leitores para que pudessem ajudar a custear as despesas da delegação suíça por mais alguns dias, uma vez que federação daquele país há muito que havia esgotado os seus parcos recursos financeiros. A dita petição foi concluída com sucesso, e os pupilos do inglês Edward Duckworth puderam sonhar por mais alguns dias com o título de campeões... do Mundo.

Uruguai sobe ao trono do futebol mundial com naturalidade

No futebol o amor e ódio são dois sentimentos que caminham muitas vezes de mãos dadas, e na final olímpica de 9 de junho de 1924 esta "parelha" esteve bem vincada. O futebol arte dos uruguaios podia despertar os corações de muito boa gente, mas também não é menos certo que a campanha triunfal dos suíços havia granjeado a simpatia de muitos parisienses. Era pois com um sentimento dividido que muitos dos mais de 40 000 espetadores que lotaram as bancadas do Stade des Colombes - diz-se que cerca de 10 000 pessoas ficaram às portas do estádio sem terem conseguido bilhete ! - visionaram a final dos Jogos Olímpicos de 1924. Os sul-americanos cedo impuseram o seu futebol-arte sobre o bem tratado relvado parisiense, colocando em ação um sufucante ritmo ofensivo suportado por uma sedutora combinação de passes a meio campo e uma eficaz segurança defensiva, no fundo a essência do invulgar estilo que os uruguaios haviam apresentado à Velha Europa, um continente habituado ao jogo físico e bolas pelo ar! Com um toque de bola rápido e de beleza ímpar acompanhado de dribles mágicos, rapidamente a multidão parisiense ficou rendida - uma vez mais - à arte uruguaia, que com toda a naturalidade do Mundo chegou à vantagem logo aos 6 minutos, por intermédio de Petrone, jogador que com este tento aumentava para 8 o número total de remates certeiros em todo o Torneio Olímpico, selando difinitivamente a conquista do título de rei dos goleadores. Na segunda parte Pedro Cea ampliou a vantagem ao minuto 65, e El Loco Romano fecharia a contagem aos 82. 3-0, resultado final que permitia ao Uruguai ascender ao trono do futebol mundial pela primeira vez. O futebol arte havia triunfado com justiça, um novo estilo de interpretar o jogo que faria escola dali em diante, e que seria adotado por muitas outras seleções, pese embora sem o perfume dos uruguaios. Após a histórica conquista a festa estoirou entre a comitiva sul-americana, tendo a modesta unidade hoteleira onde os charrúas estavam instalados oferecido um jantar aos novos campeões... mundiais. Tal como nos relvados José Leandro Andrade foi o centro das atenções na festa de consagração, das atenções e dos olhares femininos que seguiam com precisão os dotes de exímio bailarino do primeiro grande jogador negro da história do futebol.
Quanto à medalha de bronze essa ficou na posse dos suecos, que foram obrigados a horas extras para retirar aos holandeses uma medalha que estes ostentavam há já três Olimpiadas consecutivas. Depois de um empate a uma bola no primeiro jogo os suecos venceram por 3-1 no encontro de desempate, subindo desta forma ao último lugar do pódio de um torneio histórico, um torneio que revelou ao Mundo uma das mais brilhantes e vibrantes equipas de todos os tempos: os magos do Uruguai.

A figura: José Leandro Andrade

Paris vivia sob a influência dos loucos anos 20, no rescaldo da Belle Époque, que atraiu à "cidade luz" um elevado número de artistas de diferentes áreas, na procura de um estilo de vida desprendido assente na cultura e no devertimento sem barreiras. Em Paris não havia limites, viver, no verdadeiro significado da palavra, era a única regra. O estilo de vida mundano era adotado sem limites pelos parisienses em geral, que procuravam o prazer - visual, pelo menos para a maior parte deles - nas curvas sensuais da bela Josephine Baker, uma negra norte-americana que fazia as delícias dos frequentadores dos cabarets do Pigale graças aos seus sensuais espetáculos de striptease. Josephine Baker foi de facto a primeira negra a seduzir Paris, mas não seria a única. Em 1924 a "cidade luz" rendeu-se a um outro negro, um talentoso futebolista que brilhou no Torneio Olímpico desse ano, José Leandro Andrade era o seu nome. Sobre ele o Museu Virtual do Futebol já dedicou um capítulo mais detalhado aquando de uma visita à vitrina onde repousam as grandes lendas do futebol, pelo que neste capítulo dedicado aos Jogos de 1924 iremos apenas recordar em linhas gerais quem foi o primeiro astro negro do futebol planetário.
José Leandro Andrade nasceu a 3 de Outubro de 1901 em Salto, começando a dar os primeiros pontapés na bola no bairro de Palermo. Atuava tanto como médio defensivo como defesa (direito ou esquerdo) e cativou o mundo com a sua eficácia, elegância, inteligência e técnica de jogar futebol. Mais parecendo um felino com a bola nos pés iniciou a sua carreira no Misiones, passando depois pelo Bella Vista, Nacional, Penharol e Wanderers, todos emblemas uruguaios. Seria no Nacional que viveria alguns dos anos mais felizes da sua carreira, vencendo os campeonatos do seu país de 1922 e 1924. Pelo emblema de Montevideu participou em várias digressões pela Europa e pelos Estados Unidos da América, e reza a lenda que o famoso intérprete de jazz norte-americano Louis Armstrong ter-se-á inspirado no “Pelé dos anos 20” (como Andrade foi um dia apelidado) para criar o seu estilo artístico. Seria no entanto ao serviço da seleção do Uruguai que Andrade atingiu a fama planetária que fez dele um dos maiores jogadores de futebol da história. História que começou precisamente nas Olimpiadas de 1924, o certame onde se daria a conhecer ao Mundo. No meio dos artistas uruguaios ele foi a atração principal, com o seu estilo muito próprio e sedutor de acariciar e conduzir a bola. Nunca a Europa havia visto um negro jogar futebol, muito menos com a qualidade patenteada por Andrade. Na sequência das suas épicas exibições os jornalistas franceses logo o trataram de batizar de... Maravilha Negra. E assim nascia oficialmente a lenda. Mesmo não sendo fervorosos adeptos do futebol os franceses de então renderam-se por completo ao artista sul-americano, que nas ruas parisienses era tratado como um rei pelos homens que viam, ou liam, as suas façanhas no Torneio Olímpico e desejado pelas mais finas damas que perdiam os seus olhares nas curvas do seu atlético corpo.
Em 1930 o Uruguai organizou o primeiro Campeonato do Mundo da história. Uma espécie de presente da FIFA ao país que praticava o melhor futebol do planeta. Na qualidade de bi-campeã olímpica - o Uruguai venceria ainda os Jogos Olímpicos de 1928 - a equipa da casa partia assim como favorita a levantar a primeira taça do Mundo da FIFA. Já em final de carreira, e castigo por lesões crónicas, Andrade foi mesmo assim chamado para integrar a equipa uruguaia que disputou esse Mundial. A sua experiência e qualidade eram fundamentais para o triunfo da celeste. Ao lado de jogadores como Cea, Castro, Nasazzi e Scarone, Andrade venceria o Campeonato do Mundo, após a sua seleção ter derrotado na final os grandes rivais da Argentina por 4-2. Pelo Uruguai alinhou 43 vezes (só perdeu três jogos) e marcou um golo. Além de um fabuloso futebolista José Leandro Andrade era um não menos fabuloso bailarino, sendo que por diversas vezes integrou cortejos carnavalescos no seu país. Após a sua retirada dos relvados partiu (na década de 30) para Paris, a cidade que o corou no reino futebolísitco, onde se tornou um célebre bailarino de cabarets, partilhando as luzes da ribalta da sociedade cultural parisiense com nomes como Ernest Hemingway, Scott Fitzgerald, James Joyce, Pablo Picasso, Salvador Dali, ou a adorada Josephine Baker. Adorava a folia e a vida boémia. Regressou anos mais tarde a Montevideu, onde morreu só e na miséria em 1957.

Resultados

1ª Eliminatória

25 de maio de 1924

Itália - Espanha: 1-0
(Vallana, na própria baliza aos 84m)

Suíça - Lituânia: 9-0
(Sturzenegger, aos 2m, 43m, 68m, 85m; Abegglen, aos 41m, 50m, 58m; Dietrich, aos 14m; Ramseyer, aos 63m)

Turquia - Checoslováquia: 2-5
(Refet, aos 63m, 82m)
(Sedlacek, aos 28m, 37m; Sloup, aos 21m; Novak, aos 64m; Capek, aos 74m)

Estados Unidos da América - Estónia: 1-0
(Stradan, aos 15m)

26 de maio de 1924

Jugoslávia - Uruguai: 0-7
(Petrone, aos 35m, 61m; Cea, aos 50m, 80m; Scarone, aos 23m; Vidal, aos 20m; Romano, aos 58m)

Hungria - Polónia: 5-0
(Hires, aos 51m, 58m; Opata, aos 70m, 87m; Eisenhoffer, aos 14m)

2ª Eliminatória

27 de maio de 1924

Holanda - Roménia: 6-0
(Pijl, aos 32m, 52m, 66m, 68m; Hungronje, aos 8m; De Natris, aos 69m)

França - Letónia: 7-0
(Crut, aos 17m, 28m, 55m; Boyer, aos 71m, 87m; Nicolas, aos 25m, 50m)

28 de maio de 1924

Bulgária - Irlanda: 0-1
(Duncan, aos 75m)

Suíça - Checoslováquia: 1-1
(Dietrich, aos 79m)
(Sloup, aos 21m)

29 de maio de 1924

Suécia - Bélgica: 8-1
(Kock, aos 8m, 24m, 77m; Rydell, aos 20m, 61m, 83m; Brommesson, aos 30m; Keller, aos 46m)
(Larnoe, aos 67m)

Itália - Luxemburgo: 2-0
(Baloncieri, aos 20m; Della Valle, aos 38m)

Uruguai - Estados Unidos da América: 3-0
(Petrone, aos 10m, 44m; Scarone, aos 15m)

Egito - Hungria: 3-0
(Yakan, aos 4m, 58m; Hegazi, aos 40m)

30 de maio de 1924

Suiça - Checolováquia: 1-0 (desempate)
(Pache, aos 87m)

Quartos-de-final

1 de junho de 1924

França - Uruguai: 1-5
(Nicolas, aos 12m)
(Scarone, aos 2m, 24m; Petrone, aos 58m, 68m; Romano, aos 83m)

Suécia - Egito: 5-0
(Brommesson, aos 31m, 34m; kaufeldt, aos 5m, 71m; Rydell, aos 49m)

2 de junho de 1924

Holanda - Irlanda: 2-1
(Formanoij, aos 7m, 104m)
(Farrell, aos 33m)

Suíça - Itália: 2-1
(Sturzenegger, aos 47m; Abegglen, aos 60m)
(Della Valle, aos 52m)

Meias-finais

5 de junho

Suíça - Suécia: 2-1
(Abegglen, aos 15m, 77m)
(Kock, aos 41m)

6 de junho

Holanda - Uruguai: 1-2
(Pijl, aos 32m)
(Cea, aos 62m; Scarone, aos 81m)

Jogo de atribuição da medalha de bronze

8 de junho

Holanda - Suécia: 1-1
(Le Fevre, aos 77m)
(Kaufeldt, aos 44m)

9 de junho

Holanda - Suécia: 1-3 (desempate)
(Formanoij, aos 43m)
(Rydell, aos 34m, 77m; Lundquist, aos 42m)

Final

9 de junho de 1924

Uruguai - Suíça: 3-0

Estádio: des Colombes

Árbitro: Marcel Slawick (França)

Uruguai: Mazzali, José Nasazzi, Arispe, José Leandro Andrade, Vidal, Ghierra, Urdinaran, Héctor Scarone, Petrone, Cea, Ángel Romano.

Suíça: Pulver, Reymond, Ramseyer, Oberhauser, Schmiedlin, Pollitz, Ehrenbolger, Pache, Dietrich, Abegglen, Fassler.

Golos: 1-0 (Peteone, aos 6m), 2-0 (Cea, aos 65m), 3-0 (Romano, aos 82m)



 Vídeo: URUGUAI - SUÍÇA


Legenda das fotografias:
1-Cartaz ofiacial dos Jogos Olímpicos de Paris em 1924
2-Jogadores do Uruguai posam para a fotografia com as bandeiras do seu país e da França após o triunfo final sobre a Suíça
3-Fase do encontro entre suíços e checoslovacos
4-O mítico Stade des Colombes, construído propositadamente para as Olimpiadas de 1924
5-A estrela suíça, Max Abegglen
6-Imagem da final entre Uruguai e Suíça
7-A figura do torneio: José Leandro Andrade
8-Lance do equilibrado encontro inaugural do certame entre Espanha e Itália
9-A estreante seleção dos Estados Unidos da América...
10-A equipa jugoslava que foi esmagada pelos futuros campeões olímpicos de 1924
11-... e a talentosa "squadra azzurra" de Vittorio Pozzo
12-Imagem do duro jogo entre Estados Unidos da América e Uruguai
13-O artilheiro da competição: Pedro Petrone
14-Seleção da Irlanda
15-Uruguaios dão a volta ao relvado após a conquista do título, um gesto que ficaria conhecido para sempre como a volta olímpica, e que seria repetido dali em diante por centenas de equipas
16-A histórica seleção do Uruguai, campeã dos Jogos Olímpicos de 1924, uma das melhores equipas da história do futebol

sexta-feira, julho 20, 2012

Futebol nos Jogos Olímpicos (3)... Antuérpia 1920

O eclodir da I Guerra Mundial (1914 - 1918) fez com que aquela que era já considerada a maior manifestação desportiva global - as Olimpíadas - sofre-se um penoso interregno de 8 anos. Durante este período os gritos de vitória das conquistas olímpicas seriam substituídos pelos gritos de medo e sofrimento provocados pelo terror do confronto bélico.Em 1920 tudo voltou - aparentemente - à normalidade, e Antuérpia acolheu a 6ª edição da grande festa desportiva planetária. Pouco mais de 2600 atletas oriundos de 29 países assistiram pela primeira vez na história do evento ao hastear da bandeira olímpica, na qual estavam "cravados" sob um fundo branco 5 anéis de cores diferentes que representavam os 5 continentes do globo, 5 anéis entrelaçados numa simbologia de união entre os povos de todos os continentes, uma união que a guerra tinha roubado mas que olimpismo tinha resgatado. 24 modalidades estiveram em exibição naquela que é apelidada mundialmente como a "cidade dos diamantes", entre as quais o futebol, cujo torneio abria pela primeira vez as portas a uma equipa de outro canto do globo que não da "velha Europa". O "intruso" foi o Egito, que assim dava um colorido diferente ao torneio olímpico, evento que desta forma se começava a aproximar de um verdadeiro campeonato do Mundo, como viria a ser comprovado nas edições seguintes.

Bi-campeões Olímpicos tombam na estreia

6 seleções estiveram presentes no torneio olímpico em 1908, 11 fizeram-no em 1912, e 14 em 1920, um aumento que atestava a popularidade que a competição vinha granjeando de torneio para torneio. 14 seleções que buscavam a glória olímpica, que suspiravam pela coroa do futebol mundial que continuava na posse dos então mestres do futebol planetário, os ingleses. Grã-Bretanha que se apresentava em Antuérpia como bi-campeã olímpica e mais do que isso como a principal candidata a conquistar o ouro em disputa. Mas nem sempre a teoria confirma a prática e logo no primeiro dia de competição os mestres seriam superados pelos aprendizes. De sublinhar que a aparição britânica na Bélgica desagradou a muito boa gente, que não via com bons olhos a presença do combinado campeão olímpico, já que os seus integrantes, isto é, Inglaterra, Escócia, País de Gales, e Irlanda, haviam abandonado a FIFA em protesto contra o facto deste organismo não ter aceite a proposta britânica para banir das suas competições países como a Alemanha, Áustria, e Hungria, os inimigos dos ingleses durante a guerra. A política misturava-se com o desporto. Mesmo não fazendo já parte dos filiados da FIFA os britânicos quiseram participar nos Jogos de 1920, facto que teve o apoio de uns (França e Bélgica) e o desagrado de outros (Estados Unidos da América), sendo que os que torceram o nariz à participação britânica decidiram, em jeito de protesto, não viajar até Antuérpia.
E todos aqueles que se opuseram à participação da Grã-Bretanha nos Jogos Olímpicos de 1920 devem ter rejubilado quando a 28 de agosto, dia em que a bola começou a rolar, a frágil e desconhecida Noruega espantou o Mundo ao bater os mestres por 3-1 (!) e envia-los mais cedo do que o previsto para casa. Os britânicos justificariam esta surpreendente derrota com os factos de terem chegado a Antuérpia apenas dois dias antes do jogo de estreia, e de não terem podido contar com o seu jogador-estrela, o avançado Max Woosnam, que havia preferido representar as cores da sua bandeira nas Olimpíadas noutra modalidade que não o futebol, mais concretamente no ténis. O afastamento prematuro dos principais candidatos ao ouro olímpico dilatou ainda mais o ego dos anfitriões. Antes do início do torneio olímpico os belgas eram talvez os únicos a acreditar que a sua equipa podia ficar no lugar mais alto do pódio, ainda para mais depois de num encontro amigável - disputado em fevereiro desse ano de 1920 - terem derrotado a "armada britânica" por 3-1. Ainda na 1ª fase do torneio olímpico é de sublinhar a entrada vitoriosa de duas equipas que faziam a sua estreia nesta competição, a Espanha e a Checoslováquia. Os espanhóis apresentavam-se pela primeira vez na alta roda do futebol internacional, e nesta primeira aparição ao Mundo fizeram as delícias de quem os viu jogar. Rezam as crónicas que formavam um conjunto aguerrido e ambicioso, que viria a personificar a atual "fúria espanhola", o estilo que caracteriza o futebol deste país do sul da Europa. Espanha que no torneio olímpico de 1920 foi liderada desde a... baliza, é verdade, onde aparecia um homem que não muitos anos depois haveria de ser tornar num mito do futebol mundial: Ricardo Zamora. Com 19 anos o jovem guarda-redes nascido em Barcelona fez a estreia pelo seu país precisamente nos Jogos de Antuérpia, ante a experiente Dinamarca (já sem a sua estrela das Olimpiadas de 1908, o goleador Sophus Nielsen), que em Bruxelas (cidade que acolheu alguns jogos do torneio) seria derrotada pela "fúria" por 0-1, graças a um remate certeiro de Patricio Arabolaza e... a uma soberba exibição de Zamora.
Quanto aos checoslovacos esmagaram a Jugoslávia por 7-0, com realce para os hattricks de Jan Vanik e Antonin Janda. Goleada foi também o resultado final do desequilibrado duelo entre suecos e gregos (também estes a fazerem a sua estreia nas andanças olímpicas), o qual terminou com uns expressivos 9-0 a favor dos escandinavos, com o avançado Herbert Karlsson a fazer o gosto ao pé em 5 ocasiões. Sem surpresas a Holanda afastou o Luxemburgo por 3-0, ao passo que o único conjunto "não europeu" em competição, o Egito, vendeu muito cara a derrota (1-2) ante a Itália num jogo ocorrido em Gent.

Equipa da casa confirma favoritismo

Nos quartos-de-final entraram em ação as duas equipas que tinham ficado isentas da 1ª fase, a França e a equipa da casa, a Bélgica. Os franceses procuravam limpar a má imagem deixada no torneio de 1908, realizado em Londres, e para isso contrataram o experiente treinador inglês Fred Pentland para levar o combinado nacional o mais longe possível na competição. Porém, os problemas teimavam em fazer parte do universo do futebol gaulês. Dois dos melhores jogadores da época, os avançados Paul Nicolas e Henri Bard, desentenderam-se com os responsáveis da seleção, recusando-se a treinar com o resto do grupo. Mesmo assim foram peças fundamentais para que no dia 29 de agosto os blues derrotassem a Itália por 3-1, tendo Bard e Nicolas apontado um golo cada um. O mesmo resultado foi alcançado pelos belgas, que numa tarde de inspiração da sua principal estrela, o avançado Robert Coppée, afastaram uma Espanha lutadora, mas visivelmente cansada após a batalha travada na véspera ante os dinamarqueses. Coppée foi mesmo o herói do encontro, ao apontar os 3 golos belgas para gaúdio dos 18 000 espetadores que marcaram presença no estádio olímpico. Equilibrado foi o confronto entre holandeses e suecos, decidido apenas no prolongamento a favos dos homens do país das tulipas (5-4). Apesar de eliminados, os nórdicos levaram para casa o "título" de melhor marcador do torneio, graças ao seu eficaz dianteiro Herbert Karlsson, que com 2 tentos ante os holandeses deixou Antuérpia com um total de 7 remates certeiros, que lhe valeria então a coroa de rei dos marcadores das Olimpíadas de 1920.
Bom futebol continuavam a demonstrar os checoslovacos, que em Bruxelas voltavam a golear, desta feita a Noruega por 4-0, com Antonin Janda a fazer um novo hattrick.

Franceses voltam a falhar o ouro e... abandonam a competição tal como em 1908

Após um dia de descanso o torneio olímpico regressou à ação a 31 de agosto com as meias-finais como cabeça de cartaz. E no primeiro jogo a Checoslováquia provava que não tinha vindo a Antuérpia fazer turismo, muito pelo contrário. Mais do que praticar bom futebol o conjunto de leste esmagava os seus opositores, e depois dos jugoslavos e dos noruegueses era agora chegada a vez dos franceses provarem do veneno checoslovaco, como comprova o expressivo resultado de 4-1 a favor destes. Mais uma vez a França saia fora da corrida mais cedo do que o previsto! E mais do que isso voltavam a demonstrar uma enorme falta de fair-play, já que após a derrota optaram de imediato por abandonar a competição, abdicando do jogo da disputa pela medalha de bronze, tal como acontecera em 1908.
Na outra meia-final o estádio olímpico registou uma enchente de 22 000 pessoas que assistiram a uma vitória tranquila da Bélgica diante dos vizinhos holandeses por 3-0, continuando desta forma o sonho de toda uma nação em ver a sua equipa suceder à Grã-Bretanha como a nova campeã olímpica, ou campeã do Mundo, se preferirem.
Neste mesmo dia realizou-se o primeiro jogo do torneio de consolação, que juntava os derrotados dos quartos-de-final. No primeiro duelo da competição dos derrotados a Itália batia a Noruega por 2-1. Igual resultado foi conseguido a 1 de setembro pela Espanha diante da Suécia.

Checoslovacos entregam o ouro aos anfitriões numa final caótica!

No dia 2 de setembro de 1920 toda a Bélgica parou. A ocasião não era para menos já que a sua seleção estava muito perto de alcançar o Olimpo dos Deuses do futebol. Mas para isso havia que ultrapassar uma das equipas sensação da prova, a poderosa Checoslováquia. O duelo começou mais cedo que o previsto, com a imprensa belga a acusar os seus adversários de serem um dos causadores do despoletar da I Guerra Mundial, implantando assim no povo belga uma sede de vingança e um sentimento de ódio face ao país de leste. Mais uma vez o futebol e a política surgiam de mãos dadas! Com o clima incendiado o estádio olímpico registou a sua maior enchente até então, tendo a organização tido a necessidade de fechar as portas do recinto bem antes do pontapé de saída da grande final, barrando assim a entrada aos muitos espetadores que se encontravam fora do estádio. E às 17H30 as duas equipas entram em campo debaixo de um ambiente frenético. E mais frenético ficaria quando aos 6 minutos a equipa da casa se adianta no marcador graças a uma grande penalidade apontada pela grande estrela da equipa, Coppée, num lance onde os checos protestariam vivamente contra a decisão do árbitro. Os ânimos continuavam exaltados dentro do retângulo de jogo, com as duas equipas a usarem e abusarem do jogo agressivo. O experiente árbitro inglês John Lewis mostrava-se incompreensivelmente nervoso face ao desenrolar dos acontecimentos. As faltas sucediam-se de minuto a minuto perante a passividade do juiz.E à passagem do minuto 30 Henri Larnoe ampliou a vantagem dos belgas para a explosão natural das bancadas maioritariamente preenchidas com adeptos da equipa da casa. E eis que 9 minutos depois os checoslovacos perderiam de vez a estribeiras. Karel Steiner comete uma falta sem grande dureza sobre a estrela da companhia belga, Robert Coppée, o qual se atira de forma teatral para o chão queixando-se de uma agressão. Sem complacências o árbitro britânico expulsa Steiner, uma decisão que levou o capitão de equipa checoslovaca, o criativo médio Karel Pesek, a abandonar também o relvado em solidariedade com o seu companheiro. E para espanto de todos os presentes os restantes 9 jogadores do combinado de leste imitariam os seus colegas de equipa. A partida ficou suspensa para revolta dos adeptos que lotavam o estádio olímpico, os quais invadiram o campo numa tentativa de agredir os desertores checoslovacos que só conseguiram sair com vida de Antuérpia graças à pronta intervenção do exército belga. O critério parcial do árbitro, a dureza dos belgas, e a hostilidade do público seriam os argumentos que os visitantes apresentariam para justificar o abandono da contenda. Assim sendo a organização não teve dúvidas em atribuir a vitória à Bélgica, que assim se proclamava campeã... do Mundo, tendo os seus jogadores sido levados em ombros por um público em absoluto delírio. A nação alcançava assim a sua maior vitória no planeta do futebol - até à presente data -, um triunfo que mesmo ensombrado pelos acontecimentos na final de Antuérpia é ainda hoje exultado com orgulho pelo povo belga.

Quem fica com a medalha de prata?

Há contudo quem ainda hoje defenda que esta foi um dos títulos mais vergonhosos alcançados por uma equipa de futebol. No entanto a decisão da Checoslováquia não deixou aos responsáveis olímpicos outra saída que não a atribuição do título à Bélgica, ficando no entanto com outro problema entre mãos: quem ficaria com a medalha de prata. Ao abandonar o torneio os checoslovacos perderam automaticamente o direito de ficar com a prata, pelo que a organização teve de encontrar uma solução. Não foi uma decisão fácil, muito confusa na verdade, já que uma série de jogos extra tiveram de ser jogados para se achar o dono da prata olímpica de 1920. E a solução recaiu sobre o Torneio de Consolação, cuja final teve um emocionante Itália - Espanha, disputado também a 2 de setembro, que terminou com uma vitória espanhola por 2-0. E seria na qualidade de vencedora da competição dos derrotados que a Espanha ganhou o direito de discutir com a Holanda a medalha de prata dos Jogos Olímpicos de 1920. Holandeses que, recorde-se, também estavam sem adversário na disputa pelo bronze, já que a França (semi-finalista derrotada) havia amuado e feito as malas de forma antecipada. E no espaço de uma semana a Espanha passou de derrotada (nos quartos-de-final) a vice-campeã olímpica, ou mundial, atendendo à época, depois de no dia 5 de setembro derrotar no estádio olímpico a Holanda por 3-1 - com mais uma exibição monumental de Zamora - e levar para casa a medalha de prata. Já os holandeses ficavam com o bronze pela terceira vez consecutiva!

A figura: Ricardo Zamora

Foi para muitos o primeiro grande astro das balizas mundiais, um nome que hoje figura a letras douradas na Grande Enciclopédia do Futebol. Ricardo Zamora, um "imortal" que nasceu em Barcelona a 21 de janeiro de 1901 e que se deu a conhecer ao Mundo precisamente nos Jogos Olímpicos de Antuérpia, onde tal como a sua Espanha fez a estreia na alta roda internacional. Zamora começou a jogar futebol no Espanyol de Barcelona, aos 16 anos, ai permanecendo até aos 19, altura em que divergências com o clube catalão levaram-no a mudar de armas e bagagens para o rival FC Barcelona. Exibições monumentais, defesas impossíveis de fazer, e uma postura elegante nas balizas aliada a uma voz de comando por todos respeitada fizeram dele o grande ícone do futebol espanhol das décadas de 20 e 30 do século passado. Sem surpresa foi chamado em 1920 para defender a baliza da Espanha no torneio olímpico, assumindo sem medo o papel de líder de uma equipa que traria para casa a primeira grande vitória do futebol castelhano: a medalha de prata. Zamora foi o herói da Espanha nos jogos que esta seleção disputou em Antuérpia e haveria de sê-lo em muitas, mas muitas, outras ocasiões nas 46 ocasiões em que vestiu a camisola da seleção. Episódio curioso após a epopeia olímpica deu-se aquando do regresso a Espanha, altura em que Ricardo Zamora seria preso por contrabandear charutos de Havana, os charutos que ele tanto gostava de fumar! Em 1922 abandona o FC Barcelona e regressa ao seu Espanyol, após ter feito as pazes com os dirigentes deste clube, os quais apercebendo-se do diamante que haviam perdido para o rival Barça não descansaram enquanto não o repescaram. El Divino, a alcunha que entretanto conquistara graças as suas performances, permaneceria nos azuis e brancos da Cidade Condal até 1930, altura em que se transferiu para o Real Madrid, clube que pagou 100 000 pesetas ao Espanyol para contratar o astro das balizas, o qual passaria a receber cerca de 40 000 pesetas por ano! Uma loucura, uma palavra que de imediato se fez ouvir para descrever a primeira grande transferência do futebol espanhol. O que é certo é que Zamora provaria em campo que valia esse e muito mais dinheiro, fazendo pelos madrilenos algumas das melhores exibições da sua longa e rica carreira. Ali ficou até 1936, conquistando 2 campeonatos (1931/32 e 1932/33) e outras tantas Copas del Rey (1933/34, 1935/36). Antuérpia foi o ponto de partida para o reconhecimento internacional e Itália seria a definitiva coroação deste homem. 1934 é o ano em que Itália recebe a 2ª edição do Campeonato do Mundo, uma prova que tinha em Zamora uma das suas principais estrelas. Il Divino era na altura para muitos o melhor guarda-redes do Mundo, pelo que em solo transalpino não fez mais do que confirmar essa... certeza. Esteve magnífico a defender a baliza de uma Espanha que apenas seria ultrapassada pela batota italiana imposta pelo ditador Benito Mussolini que queria levar a Squadra Azzurra ao trono do Mundo fosse de forma fosse. O poder político espanhol rendeu-se a Zamora, condecorando-o em diversas ocasiões, mas também castigando-o severamente noutras. Durante a Guerra Civil fez-se eco por toda a Espanha que havia sido morto pelos republicanos, mas na verdade a lenda estava mais viva do que nunca. Esteve preso, foi solto e enviado para exílio na Argentina e em França, país onde encerraria a sua gloriosa carreira ao serviço do Nice, em 1938. Depois de penduradas as botas treinou vários clubes... e continuou a receber louvores vindos de todos os quadrantes da sociedade espanhola. A federação de futebol daquele país instituiu em 1959 o Troféu Zamora, que de lá para cá, todos os anos, premeia o guarda-redes menos batido do campeonato espanhol. Morreu a 8 de setembro de 1978 o homem tido por muitos como o primeiro grande guardião do futebol mundial.

Resultados

1ª fase

28 de agosto de 1920

Jugoslávia - Checoslováquia: 0-7
(Vanik, aos 20, 46m, 79m, Janda, aos 34m, 50m, 75m, Sedlacek, aos 43m)

Grã-Bretanha - Noruega: 1-3
(Nicholas, aos 25m)
(Gundersen, aos 13m, 51m, Wilhelms, aos 63m)

Itália - Egito: 2-1
(Baloncieri, aos 25m, Brezzi, aos 57m)
(Osman, aos 30m)

Dinamarca - Espanha: 0-1
(Arabolaza, aos 54m)
Suécia Grécia: 9-0
(Karlsson, aos 15m, 20m, 21m, 51m, 85m, Olsson, aos 4m, 79m, Wicksell, aos 25m, Dahl, aos 31m)

Holanda - Luxemburgo: 3-0
(Groosjohan, aos 47m, 85m, Bulder, aos 30m)

Quartos-de-final

29 de agosto de 1920

Vídeo: HOLANDA - SUÉCIA

Holanda - Suécia: 5-4
(Groosjohan, aos 10m, 57m, Bulder, aos 44m, 88m, De Natris, aos 115m)
(Karlsson, aos 16m, 32m, Olsson, aos 20m, Dahl, aos 72m)
França - Itália: 3-1
(Boyer, aos 10m, Nicolas, aos 14m, Bard, aos 54m)
(Brezzi, aos 33m)

Checoslováquia - Noruega: 4-0
(Janda, aos 17m, 66m, 77m, Vanik, aos 8m)
Bélgica - Espanha: 3-1
(Coppée, aos 11m, 52m, 55m)
(Arrate, aos 62m)

Meias-finais

31 de agosto de 1920

Checoslováquia - França: 4-1
(Mazal, aos 18m, 75m, 87m, Steiner, aos 70m)
(Boyer, aos 79m)

Bélgica - Holanda: 3-0
(Larnoe, aos 46m, Vanhege, aos 55m, Bragard, aos 85m)
Final

2 de setembro de 1920

Bélgica - Checoslováquia: (jogo anulado pela desistência dos checoslovacos, tendo sido atribuída a vitória aos belgas)
Torneio de Consolação

31 de agosto de 1920

Itália - Noruega: 2-1
(Sardi, aos 46m, Badini, aos 96m)
(Andersen, aos 41m)

1 de setembro de 1920

Espanha - Suécia: 2-1
(Belauste, aos 51m, Acedo, aos 53m)
(Dahl, aos 28m)

2 de setembro de 1920

Itália - Espanha: 0-2
(Sesumaga, aos 43m, 72m)

Jogo de atribuição da medalha de prata

5 de setembro de 1920

Holanda - Espanha: 1-3
(Groosjohan, aos 68m)
 (Sesumaga, aos 7m, 35m, Pichichi, aos 72m)

Legenda das fotografias:
1-Cartaz oficial dos Jogos Olímpicos de 1920
2-O guarda-redes espanhol Ricardo Zamora em pleno voo após uma grande defesa ante a Dinamarca...
3-...e a tirar o golo da cebeça a Robert Coppée no encontro com a Bélgica
4-Nem o experiente treinador inglês Fred Pentland conseguiu levar a França ao ouro olímpico
5-A estrela da Bélgica, Robert Coppée, marca, de grande penalidade, o primeiro golo da final
6-A aguerrida seleção espanhola
7-A grande figura dos Jogos de 1920: Il Divino Ricardo Zamora
8-Lance do encontro entre suecos e gregos
9-A birrenta seleção francesa
10-Robert Coppée, o astro belga
11-Capitães de Checoslováquia e Bélgica escutam o árbitro Lewis antes da atribulada final
12-Os novos campeões olímpicos: a Bélgica