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quinta-feira, 7 de novembro de 2013

ainda a nutritiva dieta do operário lisbonense, seguindo-se inevitável episódio de violência doméstica: AMANHÃ #4

Após a aguadilha, está o leitor guardado para um pitéu, que aguardava sobre um número de O Século, com vívida caracterização: "meia dúzia de carapaus fritos. Espalmados, moles, tinham um aspecto repugnante, escabiosos de purulências brancas, nadando numa suja e crassa oleosidade, que repassava o papel em aréolas negras."
Faltava, porém, o flagelo das classes laboriosas, o vinho, que desgraçava indivíduos e famílias, a tal ponto que as publicações destinadas aos trabalhadores -- tantas vezes lidas em grupo, pois a maioria era analfabeta -- empreendiam uma profilaxia de conselhos úteis, visando afastar os homens das tabernas. (A Taberna de Zola...) O Serafim de Amanhã, pede vinho à mulher, que primeiro se faz desentendida, gracejando; informando, depois, que não há, quando percebe que seria escusado o esconde-esconde, até que, brutal, o homem a agarra pelos pulsos, insiste e esbofeteia-a. Clara, que queria protegê-lo, e proteger-se, do alcoolismo -- "Deixaste esse vício tomar-te posse do corpo" --, reage com doestos e lamentos. 
Alertada pelo chinfrim, irrompe outra mulher, magra e adoentada, porém afável, conciliadora, "uma bondade escampe água-tintada na garça translucidez dos olhos." Chama-se Ana.

Abel Botelho, Amanhã (1901) #4
Porto, Lello & Irmão, 1982, pp. 11-13

quinta-feira, 16 de maio de 2013

o nosso Zola


Escrito em 1895-96, mas só publicado em 1901, eis o naturalismo literário português em toda a sua miséria depatologia social... Botelho é o nosso Zola, sem o talento deste -- mas é o nosso... E, como tal, é preciso lê-lo, tentar resistir ao ínfimo detalhe destes cirurgiões de aleijões sociais e atentar no que tem de bom (porque também o tem). E Abel Botelho, apesar do intrincado da prosa, não deixa de ter vigor, por vezes impiedosamente cru.
Amanhã trata do operariado lisboeta finissecular, do lumpen-proletariado de maus fígados, mau vinho e deficiente nutrição, à beira da miséria -- embora ainda não os mais pobres dos pobres.
Para já, primeiras páginas, apresenta-se-nos Serafim, chegado a casa ao fim duma jornada de trabalho, e Clara, sua mulher ("dois enjeitados da sorte"), a quem é exigido o jantar e o vinho. Surge em seguida Ana, a vizinha, mãe duma rapariguinha "de mal agouradas heptizações na face" (o vocabulário médico-cirúrgico é imprescindível...), cujo pai é o Esticado... Escusado será dizer que a sopa é "uma negra e triste aguadilha" e os purulentos carapaus fritos nadam "numa repugnante e crassa oleosidade". A casa é suja, o mobiliário tosco e, no estuque do tecto "negrejava, por milhares, um constelado planisfério de dejecções de moscas." Inevitável.
Digamos que não é uma leitura leve, mas é imprescindível