Tal como o apoliticismo é profundamente político, a recusa do tangível em poesia acaba por ser, por oposição, uma atitude que reflecte o social. E que poesia rejeita Adorno (1903-1969)? A poesia mercantilizada, a dos prémios literários, a dos suplementos dos jornais, exaltando, pelo contrário, a estesia pura de comunicar o mundo sem porquê, reduzir as palavras ao essencial e não ao funcional. Ou, para citar um poema do norte-americano A. R. Ammons que ainda ontem me passou pelos olhos e pelas mãos: «Desistir das palavras com palavras.» (Limiar #4, 1994).
Há aqui um nojo, que compreendo bem (estamos em 1957, mas, por outras razões, poderia ser 2015), compreendo, mas ao qual, provavelmente por romantismo, espero-o bem, não consigo aderir. Pôr a mão na massa, para mim, ainda pode ser das acções mais poéticas que uma caneta (!) poderá praticar, pelo risco, pelo despojamento. Sinto-me, aliás, confortado com o que ele escreve a propósito de Brecht, cujo nome se afirma «como o do poeta a quem foi dada a integridade da linguagem sem ter de pagar tributo ao esoterismo.»
Antes de me ficar, uma nota para a edição, que comprei há dez anos numa Feira do Livro (a 6,16€, preço da dita -- ai o mercado...), cujo colofão, o mais bonito colofão que já li, reza assim: «Este primeiro volume da colecção Marfim acabou de se imprimir na Artipol -- Águeda, no dia 12 de Março de 2003, 48 anos após a morte de Charlie Parker.» Caraças!, assim também eu queria ser editor.
o incipit: «O anúncio de uma conferência sobre poesia lírica e sociedade irá trazer um certo mal-estar a muitos de vós.»
o incipit: «O anúncio de uma conferência sobre poesia lírica e sociedade irá trazer um certo mal-estar a muitos de vós.»
ficha
tradução: Maria Antónia Amarante (e João Barrento para os poemas)
«Colecção Marfim» #1
editora: Angelus Novus
local: Coimbra
ano: 2003
capa: Francisco Romão
impressão: Artipol, Águeda
págs.: 29