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Para se manter à tona, foi criando, a partir de então, um mundo paralelo, salpicado aqui ou ali por umas graçolas de gosto duvidoso. O ponto de partida foi a aparição de um «milagre económico». Foi essa súbita visão do Além que permitiu ao «soldado disciplinado» Pires construir uma explicação para a queda menor do que se previa da procura interna (que se deveu aos chumbos do Tribunal Constitucional) que o coloca como potencial candidato ao Nobel da Economia.
De acordo com o «soldado disciplinado» Pires, cortar rendimentos às famílias provoca tanta confiança que, no final, é como se estas tivessem mais dinheiro, dispondo-se, assim, a consumir mais. Se não acredita, é só ler a sua tese mágica: «Como foi possível estabilizar o consumo privado com tão agressivo aumento de impostos que levou a que, só em sede de IRS, a receita do Estado crescesse 30%? A única explicação que encontro será a de que a sensação de angústia em relação ao futuro foi cedendo espaço à confiança.» É certamente a fada da confiança do Caldas, uma conhecida milagreira, com evidentes poderes místicos.
Cerca de quatro meses depois, tendo a realidade entrado de rompante no seu mundo paralelo, o «soldado disciplinado» Pires viu-se constrangido a retractar-se: o «milagre económico» de que havia falado foi um «excesso de linguagem».
Acontece que, para não ser tomado por um espectro do Álvaro, o «soldado disciplinado» Pires teve de cerzir o rasgão que a realidade havia provocado no seu mundo paralelo. O «milagre económico» apareceu agora sob novas roupagens: «passámos da condição de patinhos feios para cisnes elegantes aos olhos dos investidores.»
O «soldado disciplinado» Pires tem boa imprensa. Com a confiança plena de que ninguém o questiona, pode dizer tudo o que lhe vem à cabeça. A sua mais recente «ambição é continuar a reduzir o desemprego de modo a que os nossos níveis se aproximem dos países da Europa central», ou seja, de taxas de 4% ou 5%. O «soldado disciplinado» Pires rapa, mais uma vez, do seu pensamento mágico para escamotear os efeitos da estratégia do empobrecimento, que está a provocar um desemprego estrutural muito superior à «ambição» enunciada por estes dias, como se pode ver neste gráfico elaborado pelo insuspeito governador do Banco de Portugal:
Há gente assim: podem dizer as maiores barbaridades, porque estão protegidos por um escudo invisível. Por muito menos, o Álvaro foi trucidado.