As incoerências de Álvaro Beleza acerca das eleições primárias [cf.
aqui e
aqui] aconselhariam a que ele tivesse direito a um merecido período de quarentena. No entanto, talvez porque não haja quem se disponha a dar a cara por Seguro, este secretário nacional do PS volta a ser hoje o porta-voz do delírio no Rato: «
Eu defendo uma alternativa clara em que o PS seja o partido liderante da esquerda, que converse à esquerda, que faça tudo para que haja um governo com forças políticas à esquerda e que seja claramente alternativo à política deste Governo. O bloco central não faz bem à democracia e ao país.»
Esta impressiva declaração, contida numa entrevista ao
Diário Económico da obscura Ongoing, contraria as recentes
piscadelas de olhos entre Pedro Passos Coelho e António José Seguro. Mas o pior é que há um histórico que leva a inferir que este depoimento tenha tanta consistência como as cambalhotas sobre as eleições primárias. Querem ver alguns exemplos de pontes lançadas à esquerda nos últimos três anos? Veja-se:
1. O PS absteve-se na votação do Orçamento do Estado para 2012. Depois, quis impedir que fosse suscitada a fiscalização sucessiva das normas inconstitucionais.
Carlos Zorrinho, presidente do grupo parlamentar, não poderia ter sido mais elucidativo: «
A posição do PS sobre o Orçamento [do Estado para 2012] é muito clara: A prioridade é a fiscalização política do Orçamento. Por isso, nós, institucionalmente, demarcamo-nos totalmente desta iniciativa de alguns deputados do PS com o Bloco de Esquerda».
Foi preciso que o Tribunal Constitucional batesse forte e feio (ainda que sem efeitos práticos) no Orçamento do Estado para 2012 para que o PS aceitasse que a «
fiscalização política», seja lá isso o que for, não esgotava a actividade que compete à Oposição.
2. Ainda recentemente,
Angela Merkel desvalorizou as divergências entre o Governo e o PS, argumentando que «
a oposição também apoia as medidas orçamentais», referindo-se implicitamente ao facto de o PS também ter subscrito o mal-afamado Tratado Orçamental.
De imediato,
António José Seguro aproveitou a boleia de Merkel para desfazer as dúvidas suscitadas pelo alegado primeiro-ministro de que o PS se oporia a um consenso com o Governo em matéria de finanças públicas: «
Não meta mais medo aos portugueses. Há pouco no debate que aqui se produziu o primeiro-ministro disse que era muito importante que houvesse um consenso no país para afastar as incertezas dos investidores», depois de já ter dito que o consenso já existe e foi reconhecido internacionalmente. Seguro referia-se às aludidas palavras da chanceler alemã relativamente ao entendimento entre o PS e Governo sobre o Tratado Orçamental.
3. A atrapalhação do PS face ao Manifesto dos 74 não escapou a ninguém. Entre silêncios e fontes não identificadas do PS a chutar para fora, acabou por sobressair, uma vez mais,
Álvaro Beleza, que apenas foi capaz de atirar esta pérola: «
Podem inscrever-se» no Novo Rumo.
A situação em que se encontra o PS — com a direita em mínimos históricos — é consequência de uma oposição timorata a um violento ataque ao Estado de direito. Os portugueses interiorizaram que, com mais ou menos afecto, a liderança de António José Seguro não tem capacidade para inverter o rumo dos acontecimentos. O propósito de o PS liderar um governo com forças políticas à esquerda deveria ter sido um caminho iniciado há três anos. Apresentado neste momento, não passa de um delírio de quem está manifestamente desorientado.