A estratégia de empobrecimento em curso preocupa-o? Um euro disfuncional incomoda-o? O assalto ao pote perturba-o? Uma comunicação social cada vez mais suave transtorna-o? Nem às paredes o confessa. Numa entrevista extensa à TSF e ao DN (quatro páginas), Rui Rio não arranjou uma oportunidade para expor o que pensa da situação económico-social do país, da Europa, do saque e da asfixia crescente.
O nicho de Rui Rio é o sistema político, a que ele chama regime. Quer mudanças profundas através «
de pequenas e de grandes medidas»: a substituição do financiamento dos partidos por uma fundação para arrancar os seus militantes do mundo das trevas; uma reforma dos partidos; umas cadeiras vazias na Assembleia da República em representação da abstenção; um reforço dos poderes presidenciais.
Não é a circunstância da direita no poder estar a virar do avesso o regime democrático que o tira do sério. É a descredibilização dos políticos que o aborrece: «
Temos as instituições a perder credibilidade. Não vou dizer que não têm nenhuma, mas estão profundamente abaladas no seu prestígio. A Assembleia da República, o Governo, os tribunais, os autarcas... Restava uma, que diversas vezes referi, a Presidência da República. Hoje, já nem essa resta.» É por isso que Rio não se coíbe de fazer um asséptico paralelismo entre o Estado Novo e a República: «
Quando o Estado Novo caiu, dizíamos: "Caiu de podre, estava velho." Tinha 41 anos: de 1933 a 1974. Este tem 40 anos.»
Perante um «
poder político fraco» que «
deriva da falta de credibilidade», Rio deseja que ocorram dois movimentos em simultâneo.
Por um lado, vindo de baixo, uma enorme pressão da sociedade e da «
base dos partidos [para] demonstrar um grande descontentamento interno» em relação aos políticos.
Por outro lado, vindo de cima, «
Era muito positivo se os partidos se conseguissem entender quanto a uma reforma do regime. Eventualmente para a governação também, mas acima de tudo para [a mudança d] o regime tem de ser! E, num quadro alargado, se esse entendimento, dada a relevância do Presidente da República para este efeito, passasse também por uma situação em que o candidato fosse comum entendimento, dada a relevância do Presidente da República para este efeito, passasse também por uma situação em que o candidato fosse comum (…).»
Rui Rio faz parte do sistema político, mas começa a falar de fora dele, acusando-o de ser composto de gente de «
qualidade» duvidosa. Segundo ele, é a impreparação dos políticos que conduz a uma «
governação [que] cria problemas, por ser má - e, acima de tudo, não consegue resolver os problemas que a sociedade tem, ou resolve-os mal.»
Os três mandatos à frente da Câmara do Porto puseram em evidência que Rio não convive sem sobressaltos com a lógica democrática, estando convencido de que, por graça divina, lhe foi revelado esse valor absoluto e algo difuso a que chama «
interesse público», cuja prossecução deve estar reservada a uma casta de iniciados na ciência da governação, que ele manifesta disposição para liderar. Para fazer o quê? Não diz. Mas eu recordo-me de que Rui Rio foi um campeão do austeritarismo
avant la lettre (aqui,
aqui,
aqui e
aqui).