UMA REVISTA ELETRÔNICA QUE FOCALIZA O GÊNERO WESTERN

12 de outubro de 2016

FIBRA DE HERÓI (BUCHANAN RIDES ALONE) – WESTERN ERRÁTICO DE SCOTT-BOETTICHER


Burt Kennedy e o livro de Jonas Ward.
São frequentes os comentários afirmando que os melhores westerns da celebrada parceria entre Budd Boetticher-Randolph Scott são aqueles quatro que tiveram histórias ou roteiros escritos por Burt Kennedy. E são comumente citados entre os mais fracos da série “Entardecer Sangrento” (Decision at Sundown), de 1957 e “Fibra de Herói” (Buchanan Rides Alone), de 1958. Coincidentemente ambos tiveram roteiros creditados a Charles Lang, sendo que quanto a “Fibra de Herói” o próprio Burt Kennedy fez certa vez um importante esclarecimento. Kennedy contou que Charles Lang adoeceu mal iniciado o roteiro deste filme e os produtores Randolph Scott-Harry Joe Brown pediram a ele Kennedy que concluísse o script. Se “Fibra de Herói” foge do clima sombrio dos demais faroestes da série Scott-Boetticher isso se deve, sem dúvida, ao inusitado tom pretensamente divertido que Burt Kennedy resolveu dar ao roteiro, ele que se tornaria um mestre dos westerns-comédia em seus próximos trabalhos como roteirista e diretor. “Fibra de Herói” foi baseado no livro “The Name’s Buchanan”, de autoria de Jonas Ward, que escreveria em seguida uma série de histórias com o mesmo personagem ‘Buchanan’.


Tom Buchanan chega a Agry Town.
A cidade dos irmãos Agry - Depois de lutar numa das revoluções mexicanas, onde ganhou dois mil dólares, o solitário Tom Buchanan (Randolph Scott) decide retornar ao Texas. Chega então a Agry Town, pequena cidade na fronteira entre México e Califórnia, lugarejo controlado pelos três irmãos Agry. Simon Agry (Tol Avery) é o juiz, Lew Agry (Barry Kelley) é o xerife e Amos Agry (Peter Whitney) dirige o hotel. Mal recebido em Agry Town, Buchanan testemunha quando o mexicano Juan De La Vega (Manuel Rojas) mata Roy Agry (William Leslie), filho do juiz Simon. Um júri condena Juan à forca mas Abe Carbo (Craig Stevens), amigo e conselheiro do juiz o orienta a salvar a vida do mexicano em troca de 50 mil dólares a serem pagos pela rica família De La Vega. Com a ajuda de Buchanan e de Pecos Hill (L.Q. Jones), um dos ajudantes do xerife que se torna amigo de Buchanan, Juan consegue escapar mas é recapturado em seguida. Os irmãos Simon e Lew disputam entre si a posse do dinheiro pago pelo resgate de Juan e nessa disputa acabam ambos mortos. Ao final Juan retorna ao México com os 50 mil dólares, Abe Carbo herda o poder em Agry Town e Buchanan ruma para seu amado Texas.

Manuel Rojas e Randolph Scott;
Randolph Scott e L.Q. Jones.
Herói desfibrado - Um dos mais queridos cowboys do cinema, Randolph Scott recebeu o apelido de ‘Rosto de Pedra’ pela impassividade de sua fisionomia, mesmo quando submetido a momentos de tensão. Scott, porém, sabia sim se mostrar descontraído, cínico e mesmo dramático se o personagem assim o exigisse. Difícil, porém, é interpretar um cowboy estúpido, quase idiotizado como o Tom Buchanan de “Fibra de Herói”, título em Português inteiramente inadequado uma vez que o herói do filme não chega a demonstrar muita energia e garra. Buchanan até que se mostra divertido ao chegar a Agry Town desmoralizando com seu humor pilhérico os irmãos que dominam a cidade que apelida de ‘Ten Dollars Town’. Tudo lá, seja um bife, uma garrafa de uísque, um ou mais dias no hotel, custa exatamente essa quantia. Conseguindo sair de uma enrascada quando já estava com a corda no pescoço, Buchanan quer reaver seus dois mil dólares que foram parar no cofre do xerife Lew Agry, mas se dá mal e assina nova sentença de morte ao ser convidado a sumir da cidade. Porém como texano com texano se entende, eis que Buchanan ganha a preciosa ajuda de seu conterrâneo Pecos Hill que o salva da morte certa sem que o desfibrado herói esboce qualquer reação. E Buchanan já havia sido salvo da forca por razões de marketing político arquitetado por Abe Carbo, o assessor do juiz Simon Agry. A esta altura ninguém mais acredita que o grande Randolph Scott, jocosamente reverenciado em “Banzé no Oeste” (Blazing Saddles), seja capaz de vencer os gananciosos irmãos Agry. E vale lembrar que na clássica comédia de Mel Brooks tudo na cidade dirigida por ‘Hedley Lemar’ pertencia a um certo Johnson, o Agry local.

Acima L.Q. Jones com Roy Jenson e
Al Wyatt Sr.; abaixo os mal amarrados
 Roy Jenson, Robert Anderson
e Al Wyatt Sr.
Western desorientado - Sem boas lutas e sem cavalgadas, “Fibra de Herói” provoca risos com o discurso de Pecos Hill ao ‘enterrar’ um bandido que matara, seu ex-companheiro, sobre uma árvore porque a cova aberta por Buchanan minava água. O personagem de L.Q. Jones diz então que o morto até que não era ruim, apesar de trapacear no jogo de cartas e lhe roubar dinheiro da carteira. Buchanan parece perder até nas falas engraçadas como essa, mas se recupera em alto e obtuso estilo ao dominar três bandidos dentro de uma cabana. O Randolph Scott, de tantas e gloriosas aventuras usa cordas para enlaçar levemente o trio e parte do local ali deixando as armas e cavalos dos malfeitores. Poucos segundos depois os bandidos que sem dificuldade alguma se soltaram das cordas estão a cavalo e armados no encalço daqueles que os dominaram. Nem Mel Brooks criaria um herói como Buchanan que, após a demonstração de total inépcia, deixa as coisas acontecerem segundo determinam os cobiçosos Agry, os valientes Juan De La Vega e Estebán Gomez e o misterioso e elegante Carbo. Morto o aparvalhado Pecos Hill, Buchanan passa a ser privilegiado espectador do desfecho deste decididamente western sem rumo.

Barry Kelley e Peter Whitney;
o barman é Nacho Galindo.
O estranho personagem da charrete - A sequência final com a disputa do alforje com 50 mil dólares sobre a ponte que separa Agry Town do México poderia resultar memorável em meio aos grandes momentos dos westerns de Scott-Boetticher. No entanto logo Buchanan se vê sem balas em seu Colt e do outro lado da ponte não há entre os bandidos nenhum Lee Marvin, Richard Boone, Claude Akins, Henry Silva ou Lee Van Cleef, homens maus que aterrorizaram os personagens vividos por Scott nos faroestes que fez com Budd Boetticher. Os bandidos de “Fibra de Herói” bem poderiam atender pelos nomes ‘Moe’, ‘Larry’ e ‘Curly’ e Peter Whitney, muito apropriadamente é chamado pelo irmão xerife de ‘frango sem cabeça correndo pelas ruas’. Sem vilões interessantes, com Randolph Scott aparentemente mais preocupado com suas partidas de golfe e com uma história que mais parece ter sido escrita por alguém que tomou algumas doses a mais, “Fibra de Herói” é o que se pode chamar de western errático. Deixa, ao final, no espectador a interrogação sobre o que pretendiam os autores com o personagem ‘Abe Carbo’, com seus trajes a la ‘Wilson’ criado por Jack Palance em "Shane", mas que não luta, não atira, está sempre ao lado de um pachorrento juiz e só anda numa reluzente charrete.

Craig Stevens na charrete; Stevens com Tol Avery.

L.Q. Jones
Filme sem heroína - O elenco deste western de Budd Boetticher possui apenas um destaque que é L.Q. Jones ainda novato e sem o brilho bestializado no olhar que o caracterizaria ao longo de sua carreira de muitos filmes, diversos deles sob as ordens de Sam Peckinpah. Neste western de Boetticher, Jones tem um de seus melhores papéis, possibilitando demonstrar o ótimo ator que ele era, nem sempre bem aproveitado e relegado invariavelmente a personagens irrelevantes. Randolph Scott não precisou se esquivar do beijo final, como tantas vezes o fez em seus filmes pois não há mocinhas neste western. Craig Stevens em seu trabalho seguinte se tornaria famoso como ‘Peter Gunn’, série imortalizada antes de tudo pelo incomparável tema musical criado por Henry Mancini. Atenção para a presença de Roy Jenson como um dos homens do xerife e de Al Wyatt Sr., desta vez como ator, ele que foi dublê de incontáveis cowboys do cinema.

Budd Boetticher
Ponto baixo - Inquestionavelmente Budd Boetticher merece ter seu nome entre os grandes diretores de westerns, mas quem quiser conhecer a obra desse aventureiro diretor não deve jamais começar por este fraco “Fibra de Herói”. Boetticher é reconhecido pela concisão e vigor de seus faroestes, todos eles produzidos com orçamentos pequenos mas que resultaram quase sempre em filmes brilhantes, quando não em pequenas obras-primas como “Sete Homens Sem Destino” (Seven Men From Now) e “O Homem que Luta Só” (Ride Lonesome). E são faroestes como estes que tornam “Fibra de Herói” quase indigno do nome de Budd Boetticher, ainda mais por ter contado com a colaboração de Burt Kennedy.



"Fibra de Herói" foi gentilmente cedido pelo cinéfilo e colecionador Marcelo Cardoso.

5 de outubro de 2016

SUBLIME TENTAÇÃO (FRIENDLY PERSUASION) – GARY COOPER, UM DIGNO PACIFISTA


Acima Jessamyn West e seu livro; abaixo
Katharine Hepburn, Ingrid Bergman,
Vivie Leigh, Jane Wyman,
Eleanor Parker e Maureen O'Hara.
A Allied Artists era um pequeno estúdio (sucessor da Monogram), especializado nos anos 50 em faroestes B, aventuras do jovem Bomba (Johnny Sheffield) e comédias com Os Anjos da Cara Suja. Pois foi a Allied Artists que acabou realizando um dos mais disputados projetos de Hollywood que era levar à tela o livro “Friendly Persuasion”, de autoria da escritora Jessamyn West. Lançado em 1945 e obtendo de imediato enorme sucesso, os direitos sobre o filme acabaram nas mãos de William Wyler que inicialmente pensou em Bing Crosby para interpretar o chefe da família Quaker do Sul de Indiana. Crosby não se interessou e Wyler foi atrás de Gary Cooper que, afirmando sempre ter outros compromissos, fugiu o quanto pode da proposta, até que em 1956 Cooper finalmente aceitou o trabalho, com a condição de ter Ingrid Bergman como sua esposa no filme. Devido a seus compromissos com as filmagens de “Anastácia, a Rainha Esquecida”, a atriz sueca teve que recusar, sendo então sucessivamente convidadas Katharine Hepburn, Jane Wyman, Viven Leigh, Eleanor Parker e Maureen O’Hara. Como não houve acerto com nenhuma delas Dorothy McGuire foi contratada para desgosto de Gary Cooper que não considerava Dorothy uma atriz à altura de seu prestígio de ator para ser sua leading-lady. Superprodução para os econômicos padrões da Allied Artists, “Friendly Persuasion” (“Sublime Tentação” no Brasil) foi indicado para o Oscar em seis categorias, obtendo razoável sucesso e é para muitos um dos mais belos filmes da década de 50. E muito se discute, até hoje, se “Sublime Tentação” pode ou não ser considerado um western.


Dorothy McGuire e Gary Cooper
Quakers e a Guerra Civil - Jessamyn West atuou como consultora durante a produção, sendo o roteiro escrito por Michael Wilson, cujo nome constava da lista negra de Hollywood. Nessa história passada em 1862, Jess Birdwell (Gary Cooper) e sua esposa Eliza (Dorothy McGuire) estão apreensivos com a aproximação de forças confederadas, então avançando sobre territórios nortistas. Os Birdwells são Quakers, religião que refuta qualquer prática de violência, mesmo quando suas propriedades estão ameaçadas por saqueadores membros de destacamentos sulistas. Mattie Birdwell (Phyllis Love), filha de Jess e Eliza se envolve amorosamente com Gard Jordan (Mark Richman), soldado da União. Quaker menos convicto, Josh Birdwell (Anthony Perkins), filho mais velho do casal, se defronta com o dilema de se juntar a um grupo armado para emboscar um destacamento que se aproxima das áreas próximas à fazenda de Jess Birdwell. Josh termina por empunhar armas, no que é seguido por seu pai, enquanto até mesmo a esposa Eliza se esquece momentaneamente de seus princípios religiosos.

Dororthy McGuire
Princípios religiosos acima de tudo - Para alguns críticos o estilo de William Wyler era ‘não possuir estilo’ pois esse diretor nascido na Alsácia (Alemanha), apesar de tantos excelentes filmes não deixava sua marca pessoal em nenhum neles. Com “Sublime Tentação” Wyler chegou bastante perto do que John Ford gostava de fazer no cinema, ou seja, escrever a ‘Americana’, a história e costumes do povo norte-americano, especialmente da gente das pequenas cidades e áreas rurais. Este drama rural é narrado de modo agradável, delicado e com muitos momentos de humor, mais até do que seria necessário. O clímax, que deveria ser a aguardada batalha entre uma guarda local formada por civis e um destacamento confederado, torna-se secundária diante da questão mais importante do filme que é a discussão de até onde princípios religiosos podem determinar as decisões pessoais. “Um homem deve ouvir a voz da sua consciência” diz Jess quando questionado a respeito de seu filho Josh empunhar ou não armas. Quando o motivo da guerra entre irmãos é aludido como argumento, nem mesmo para conseguir a liberdade de alguém um Quaker se disporia a matar um semelhante.

Gary Cooper e Dorothy McGuire
Tentações irresistíveis - O roteiro de Michael Wilson tem momentos brilhantes, menos com a muito focalizada hesitação do filho Josh, mas sim com as ‘desobediências’ do pai Jess. Como quando ele decide comprar o órgão, instrumento musical impensável para um Quaker. Ou ainda quando Jess se trai pelo gosto de disputar corrida de charrete com seu amigo Sam Jordan (Robert Middleton). Em outro momento o Jess se torna conivente com o assédio ao qual seu filho Josh é submetido pelas três ávidas filhas da viúva Hudspeth (Marjorie Main), há anos sem ver um homem e, ele mesmo Jess, percebendo a nada discreta insinuação da velha senhora. O melhor de todos esses episódios é quando a contrariada Eliza decide dormir sozinha no celeiro vindo a ter a companhia do marido que lhe traz cobertores. A noite que se anunciava angustiante termina tão prazerosa que Jess não se contém e diz à esposa pela manhã: “Vamos dormir lá outras vezes?”. Essa cumplicidade entre o casal Quaker é saborosíssima, mais ainda porque sua crença impede a senhora Birdwell sequer de esboçar um sorriso de aprovação.

Marjorie Main e Gary Cooper; Marjorie Durant, Anthony Perkins, Edna Skinner,
Frances Farwell, Marjorie Durant e Gary Cooper.

Dorothy McGuire, Gary Cooper e Walter Catlett; a corrida de charretes.

Dorothy McGuire
Surra de vassoura - Se Jess Birdwell passa por constantes conflitos íntimos, sequer pensa neles a filha Mattie, apaixonada pelo soldado Gard Jordan e para quem as convenções religiosas da família são de menor importância. O prazer da dança e a emoção de estar junto do namorado falam muito mais alto para a jovem Mattie. Resoluta em jamais usar qualquer forma de violência, mesmo verbal, Eliza Birdwell empunha uma vassoura como arma para defender Samantha, a gansa de estimação da família e, após surrar o soldado confederado que já imaginava a ave assada, percebe que mesmo ela havia esquecido e desobedecido seus princípios, em outra sequência deliciosa. São esses momentos e a descrição primorosa dos costumes daquela gente simples que tornam encantador o filme de Wyler. O cínico e intrometido Sam Jordan rindo dos apuros conjugais do amigo Quaker são igualmente ótimas e altamente críticas passagens de “Sublime Tentação”.

Samantha, Don Kennedy e Dorothy McGuire

Robert Middleton
Refinada persuasão - Há uma contradição no comportamento da senhora Birdwell tão ciosa ao não aceitar a violência mas permitir que os saqueadores sulistas levem tudo de sua fazenda. Chega ao extremo de, para não revidar, permitir que aquele bando de homens pratiquem selvageria, traindo sua gente, muitos deles arriscando suas vidas na improvisada emboscada no rio próximo. Essa é uma das rápidas sequências de ação que duram pouco mais de dez minutos na parte final do filme de Wyler. Numa delas Jess Birdwell não consegue disparar contra um soldado confederado que matara seu amigo metodista Sam Jordan e tentara também matá-lo. Essa que deveria ser uma cena de grande impacto torna-se fraca e inconvincente na tentativa de ser exemplar. Wyler desenvolveu seu filme com refinada persuasão, fechando-o infelizmente de modo pouco inspirado.

Richard Hale e Gary Cooper; Gary Cooper e Robert Middleton

Gary Cooper e Dorothy McGuire
Gary e Dorothy adoráveis - Consta que Gary Cooper insatisfeito com o que viu nas diversas etapas de filmagem se desinteressou de tal forma pelo filme que nunca o assistiu. Certamente é um exagero a autocrítica de Cooper achando que não tenha se saído bem como o cético e por vezes sarcástico Quaker. A ele “Sublime Tentação” deve muito de sua graça e emoção e esta é uma de suas excelentes interpretações moldadas na sobriedade, sem nenhuma afetação como deve ser o modo de um Quaker. À altura de Cooper está a magnífica atuação da esplêndida Dorothy McGuire, nunca menos que adorável como a determinada esposa Quaker. Eliza Birdwell chega a ser antipática ao negar a si e a todos um momento mínimo de felicidade e Dorothy assim se expressa formidavelmente. Anthony Perkins ainda não marcado pelo personagem de sua vida (Norman Bates) é apenas regular como o filho que tenta imitar os gestos e ideias do pai. Mesmo assim Perkins foi indicado ao Oscar de Melhor ator Coadjuvante. Do vasto elenco reunido para esta produção, destaque maior entre os coadjuvantes para o ótimo Robert Middleton, para Marjorie Main que faz divertida parceria com Gary Cooper, John Smith como um dos jovens Quakers e para Russell Simpson como o sisudo membro do comitê de anciãos. Consta dos créditos o nome da gansa Samantha, o que não é algo inusitado pois os cavalos de Roy Rogers, Gene Autry, Tom Mix e outros cowboys também mereciam esse destaque, assim como a Cheetah nas aventuras de Tarzan.

Anthony Perkins; Charles Halton, Russell Simpson e Everett Glass

Acima o roteirista 'blacklistado'
Michael Wilson e Phyllis Love;
abaixo álbum de Pat Boone contendo
o hit "Friendly Persuasion".
Seis indicações e nenhum Oscar - Entre as muitas curiosidades deste filme está o fato de Dorothy McGuire (nascida em 1918) interpretar a mãe da atriz Phyllis Love (nascida em 1925), sendo apenas sete anos mais velha. William Wyler fez questão que seu filmes fosse lançado no majestoso Radio City Music Hall, em Nova York, coisa que jamais havia acontecido com um filme da pequena Allied Artists. Wyler, cujo conceito como diretor era dos maiores conseguiu levar “Sublime Tentação” para a famosa casa de espetáculos. Pat Boone gravou a canção-título de autoria de Dimitri Tiomkin com letra de Paul Francis Webster, música que alcançou êxito na voz romântica de Boone. A canção “Friendly Persuasion (Thee I Love)” concorreu ao Oscar de Melhor Canção ao lado de outras cinco indicações (Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Ator Coadjuvante, Melhor Som e Melhor Roteiro Adaptado). O filme acabou não recebendo nenhum prêmio da Academia em nenhuma dessas categorias. Michael Wilson, o autor do roteiro teve seu nome retirado dos créditos do filme pela Allied Artists, isto devido a Wilson fazer parte da Lista Negra de Hollywood por não ter colaborado com o comitê presidido pelo Senador Joseph McCarthy. Mesmo assim Wilson recebeu a láurea de Melhor Roteiro Dramático do ano de 1957, outorgado pela associação dos roteiristas de cinema (Writers Guild of America). Quando “Sublime Tentação” foi lançado em DVD Wilson teve seu nome inserido nos créditos, forma de reparar uma das maiores injustiças cometidas por Hollywood. Este filme de Wyler foi o vencedor da Palma de Ouro do Festival de Cannes de 1957 e Wyler gostou tanto de trabalhar com a escritora Jessamyn West que a contratou como roteirista para sua produção seguinte que foi o western “Da Terra Nascem os Homens” (The Big Country)

William Wyler dirigindo Gary Cooper
e Marjorie Durant.
Western ou não western - O responsável pela bela fotografia foi Ellsworth Fredericks e a trilha musical teve a autoria de Dimitri Tiomkin, neste bem cuidado filme que é comumente classificado como western. Assim como ocorreu com “...E o Vento Levou”, a Guerra Civil surge como pano de fundo para uma história dramática. A melhor classificação para “Sublime Tentação” seria na categoria ‘Drama’, não deixando, porém, de ser um ‘Western impuro’, aquele ao qual faltam os mais autênticos elementos de um faroeste. A figura de Gary Cooper bastante ligada ao gênero na década de 50, na qual atuou em nada menos que uma dezena de faroestes, também ajudou na aceitação de “Sublime Tentação” como western. Agradável de se assistir, com história interessante e sentimental, o filme de William Wyler só não agradará àqueles que esperarem ver algo trepidante como o espetacular “Vera Cruz”.


Em primeiro plano, à esquerda, John Pickard, Anthony Perkins e Tom London

Dorothy McGuire

Anthony perkins, Richard Hale, John Smith e Robert Fuller, no canto à direita;
Peter Mark Richman, Gary Cooper e Robert Fuller.

Richard Eyer, Phyllis Lve, Gary Cooper, Dorothy Mcguire e Anthony Perkins;
Marjorie Durant, Frances Farwell e Edna Skinner.

21 de setembro de 2016

TRINDADE VIOLENTA (THREE VIOLENT PEOPLE) – CHARLTON HESTON EM BOM WESTERN


Rudolph Maté
Nem bem encostou o cajado e o manto usados por Moisés em “Os Dez Mandamentos” Charlton Heston rumou para Tucson, Arizona para interpretar um cowboy no western “Trindade Violenta” (Three Violent People). Anne Baxter, a Nefretiri do filme de Cecil B. DeMille se reuniu com Heston pois a Paramount entendeu que isso seria ótimo para atrair o público. Para dirigir esse faroeste melodramático passado no Texas foi escalado o austro-húngaro Rudolph Maté que dois anos antes havia realizado o vigoroso western “Um Pecado em Cada Alma” (The Violent Men). Maté começou no cinema como cinegrafista, na Áustria, ainda no cinema mudo, tendo sido o responsável pelas imagens de “O Martírio de Joana D’Arc”, o célebre filme de Carl Theodor Dreyer de 1928. Em Hollywood Rudolph Maté foi diretor de fotografia de dezenas de filmes, alguns deles clássicos como “Gilda” e “A Dama de Shanghai”, passando para a direção em 1947 sendo um de seus primeiros trabalhos como diretor o western “A Marca Rubra” (Branded). “Trindade Violenta” foi roteirizado por James Edward Grant, roteirista preferido de John Wayne e a bela cinematografia ficou a cargo de Loyal Griggs que três anos antes recebera um Oscar pela fotografia de “Os Brutos Também Amam” (Shane). Charlton Heston gostou do roteiro deste filme que encerraria seu contrato com a Paramount, especialmente porque seu personagem se distanciava em muito da bondade e dignidade de Moisés.


Charlton Heston e Tom Tryon;
Heston e Anne Baxter
Irmão contra irmão - Finda a Guerra Civil o Capitão Confederado Colt Saunders (Charlton Heston) retorna para o Texas para reassumir o comando do ‘Bar S’, sua fazenda. Chega também ao Texas, vinda de New Orleans a ex-prostituta Lorna Hunters (Anne Baxter), por quem Saunders se encanta e pede em casamento desconhecendo o passado da mulher. O Texas está sob as ordens de um governo provisório e o comissário Harrison (Bruce Bennet) é um dos muitos oportunistas que se aproveitam da devastação em que se encontra o Sul para se apropriar ilegalmente de terras dos sulistas. Antes do retorno de Saunders, havia se instalado na fazenda seu irmão Beauregard Saunders, apelidado de ‘Cinch’ (Tom Tryon), desafeto do irmão e a quem nunca perdoara pela perda acidental do braço direito. Cinch reivindica seus direitos no ‘Bar S’ e entra em conflito com Colt. Um dos homens de Harrison reconhece Lorna Hunters que tem seu passado revelado, ao mesmo tempo em que Cinch se alia ao comissário. Lorna dá à luz um filho e Colt lhe oferece 30 mil dólares para que ela desapareça de sua vida deixando-lhe a criança. Em conluio com Harrison Cinch trama matar Colt desafiando-o para um duelo, porém muda de ideia e permite que Colt ajudado pelo capataz Innocencio Ortega (Gilbert Roland) derrote o grupo armado de Harrison. Cinch é baleado mortalmente por Cable (Forrest Tucker), capanga do comissário e Colt descobre que ama Lorna, que havia recusado sua proposta, que merece ser perdoada por seu passado e continuar sendo sua esposa.

Charlton Heston e Tom Tryon
Onde as pessoas violentas? - Originalmente este western deveria se chamar “Maverick”, isto porque o personagem principal (Colt Saunders) é aquele tipo de homem que obedece seus próprios princípios e se comporta de modo diferente do costumeiro. No entanto a Paramount decidiu alterar o título para o inadequado “Three Violent People”, mesmo com a história girando em torno do antagonismo entre dois irmãos. Os cartazes de publicidade criam a falsa impressão que Lorna Hunters seria a terceira personagem brutal formando a trindade do título em Português. Certo que Lorna é uma impostora que se agarra à chance de ser uma ex-prostituta, mas a esperta moça revela possuir princípios morais que o soberbo Colt desconhece. “Trindade Violenta” é mais um western contrapondo irmãos inimigos sem que sejam eles o Caim e Abel de tantas outras histórias. O próprio Cinch que se diz a ovelha negra da família nada mais é que um homem revoltado e amargurado com seu único braço, não escondendo o ódio que nutre pelo irmão, aquele que se entende dono absoluto da propriedade familiar. Humilhado pelo aleijão e mais ainda pela altivez de Colt, Cinch redime-se de seus erros antes de morrer defendendo o ‘Bar S’ que havia traído. Quanto a Colt, ter passado “quatro anos perdendo uma guerra”, ainda que dela saindo como herói, não fez dele um homem exatamente nobre. Arrogante e brigão, mesmo Colt não pode também ser chamado de violento.

Charlton Heston e Anne Baxter
Roteiro falho - A discórdia familiar é a trama principal e mais interessante do filme de Rudolph Maté, embora possua alguns buracos no roteiro. Um deles é o mal explicado acidente de Cinch que teve o braço preso numa engrenagem e amputado por Colt, como se algum cowboy fosse capaz disso. E um homem com a personalidade de Colt Saunders se apaixonar perdidamente por uma astuta prostituta e pedi-la em casamento sem nada saber da vivaz mulher é também difícil de se aceitar. E a história se transforma num autêntico dramalhão com o nascimento do filho de Colt e Lorna, parto que ocorre abruptamente, rápido demais, imprevisto demais, forçado demais. Porém essas incoerências apenas demonstram que o roteirista James Edward Grant não estava em momento muito inspirado e Rudolph Maté não desenvolveu melhor a história. Consegue, no entanto o diretor delinear a contento os três personagens pseudoviolentos e um dos melhores momentos do filme é quando Lorna faz ver ao altivo Colt a pequenez de seu caráter, o que afinal permite que o casal se abrace e se beije ternamente antes do ‘The End’.

Charlton Heston e Anne Baxter; Anne Baxter

Gilbert Roland
Duelo psicológico - A trama secundária que é a sanha dos ‘carpetbaggers’ nortistas aproveitando-se da fragilidade dos sulistas nada mais é que uma variante dos métodos dos poderosos afligindo os mais fracos. Os vilões ao encontrar resistência sempre usam a força e neste filme a conjuntura política do pós-Guerra Civil coloca até mesmo o Exército a serviço dos ardilosos carpetbaggers, numa denúncia de autêntica pilhagem revestida de legalidade. Esse confronto resulta em alguns momentos movimentados em meio ao drama familiar de “Trindade Violenta”. Aí o western de Rudolph Maté melhora com Charlton Heston imponente como nenhum outro ator consegue ser e Tom Tryon cínico, provocante e misterioso. Há ainda a presença forte de Gilbert Roland não perdendo oportunidade para filosofar poeticamente em meio a seu quinteto de filhos. Forrest Tucker infelizmente aparece minimamente no filme, ele que personifica como poucos um homem mau. Maté criou um inusitado duelo com uma garrafa escoando o licor, sinal para o sacar dos revólveres para os dois irmãos, o que não acontece, ficando-se com um duelo apenas psicológico que  precede o autêntico showdown final.

O duelo entre Charlton Heston e Tom Tryon

Charlton Heston e Anne Baxter
Anne Baxter de cabeça para baixo - Reunir Charlton Heston e Anne Baxter deu certo pois ambos estão bem nos momentos dramáticos e nos românticos e melhor ainda nas altercações. Se “Trindade Violenta” fosse lembrado por uma única sequência seria quando Heston vira Anne de cabeça para baixo mostrando suas anáguas sob o elegante vestido. Consta que Heston não se entendeu muito bem com Tom Tryon durante as filmagens e talvez por essa e por outras razões Tryon abandonou cedo a carreira de ator tornando-se bem sucedido escritor. Além dos ótimos Gilbert Roland e Forrest Tucker, o elenco tem ainda a presença de Bruce Bennett, ator que como Herman Brix (seu nome verdadeiro), fez seriado como Tarzan e foi um dos cinco Lone Rangers do seriado “O Guarda Vingador” (The Lone Ranger), de 1938. Outro nome que posteriormente se tornou bastante conhecido do público é Robert Blake que interpreta um dos filhos de Gilbert Roland.

Forrest Tucker; Robert Blake e Anne Baxter; Tom Tryon


Charlton Heston
Trilogia melodramática - Rudolph Maté, como lembrado no primeiro parágrafo, foi um cinegrafista requintado e por isso mesmo muito requisitado. Tendo Loyal Griggs com as câmeras e mais o processo Vistavision da Paramount, Maté fez deste western um filme muito bonito capturando as belas paisagens do Arizona. O mesmo não pode ser dito da música bombástica e impessoal de Walter Scharf. Com “Trindade Violenta” Maté fez uma trilogia de westerns melodramáticos (“Um Pecado em Cada Alma”/1955 e “A Marca Rubra”/1950 são os outros dois). Pouco citado de modo geral este faroeste com Charlton Heston é daqueles que não deixarão de agradar aos fãs do gênero e deste grande ator em especial.

Charlton Heston e Anne Baxter; o pôster do filme; Tom Tryon

11 de setembro de 2016

OS CRUÉIS (I CRUDELI) / THE HELLBENDERS) – NORMA BENGELL BRILHA EM WESTERN DE CORBUCCI



Acima Sergio Corbucci e Albert Band;
Joseph Cotten e Gordon Scott em
"5 Pistolas de Sangue"
O produtor-diretor Albert Band, francês de nascimento, fez carreira nos Estados Unidos, onde chegou a ser ator (fez pequeno papel em “A Glória de um Covarde”/The Red Badge of Courage). Mudando-se para a Itália, Band escreveu, dirigiu e produziu em 1965 o western “5 Pistolas com Sede de Sangue” (Gli Uomini dal Passo Pesante), lançado nos Estados Unidos como “The Tamplers”. Nesse filme Joseph Cotten é um sulista que não aceita a derrota e faz desse fato uma bandeira motivada por seu fanatismo. Gordon Scott é um dos quatro filhos de Cotten e que contraria o pai. Parece que Band gostou do tema pois no ano seguinte, em 1966, o utilizou em “I Crudeli”, “Os Cruéis” no Brasil, faroeste que produziu. Para dirigir o novo western Band chamou Sergio Corbucci que estourara com “Django”, sucesso que fez dele um diretor apenas mesmo famoso que Sergio Leone no subgênero que arrastava multidões aos cinemas do mundo inteiro. O mesmo norte-americano Joseph Cotten repetiu o tirânico sulista e para interpretar seus três filhos foram contratados os espanhóis Julián Mateos e Ángel Aranda e o italiano Gino Pernice. O principal papel feminino coube à brasileira Norma Bengell que fora levada para a Europa após o grande êxito obtido com suas participações em “Os Cafajestes” e “O Pagador de Promessas”, filmes nacionais que ultrapassaram fronteiras. Só a presença de Norma bastaria para tornar este filme de Corbucci obrigatório, além, é claro da assinatura do consagrado diretor.

Acima María Martín e o caixão;
abaixo Norma Bengell e Júlian Mateos
Um caixão cheio de dólares - O Coronel Jonas (Joseph Cotten), ex-oficial do Exército Confederado, é um dos muitos sulistas que não aceitaram a derrota que lhes foi imposta. Para prosseguir na inglória luta o Coronel Jonas com seus três filhos ataca um comboio militar que transporta mais de um milhão de dólares que o Governo substituiu por notas novas. Dizimado o pelotão que escoltava o comboio, os sulistas se apossam do dinheiro e o escondem em um caixão de defunto que supostamente transportava o corpo de um Tenente sulista chamado Ambrose Allen. Kitty (María Martín) é uma prostituta que o Coronel Jonas contratou para se fazer passar por sua filha, viúva do Tenente morto e cujo destino seria um cemitério no Texas, sua terra natal. Ben (Julián Mateos), Nat (Ángel Aranda) e Jeff (Gino Pernice) são os três filhos do Coronel Jonas, sendo que Jeff mata Kitty quando esta tenta fugir com a pequena diligência com o caixão dentro. Ben vai à cidade mais próxima e contrata Claire (Norma Bengell) outra saloon girl para substituir Kitty como a viúva Allen. O grupo é procurado pela justiça e no trajeto se defronta sucessivamente com uma patrulha que os procura, com bandidos mexicanos, com uma tropa da União, com índios e com um mendigo traiçoeiro. Jeff e Nat se desentendem e matam-se um ao outro, ferindo no tiroteio o próprio pai que, ao chegar às margens do Rio Hondo descobre que o caixão fora trocado e que o dinheiro se perdera. O Coronel Jonas morre ao chegar ao Rio Hondo, restando vivos do grupo somente seu filho Ben e Claire

Acima Joseph Cotten, Gino
Pernice e María Martin; abaixo
Gino Pernice e Júlian Mateos
Drama e violência na medida certa - Mesmo repisando um tema já abordado recentemente, “Os Cruéis” é um dos roteiros mais ricos dentre aqueles considerados importantes entre os westerns spaghetti. Patriarcas em desavença com seus filhos resultaram em inúmeros faroestes famosos, entre outros “Almas em Fúria” (The Furies), “Duelo ao Sol” (Duel in the Sun), “A Lança Partida” (Broken Lance), “Um Certo Capitão Lockhart” (The Man from Laramie) e “Da Terra Nascem os Homens” (The Big Country), porém o roteiro de Albert Band e Louis Garfinkle não se limita aos conflitos entre pai e filhos, narrando uma aventura envolvente com suas reviravoltas imprevisíveis. Louis Garfinkle era um roteirista norte-americano cujo trabalho mais célebre foi o script de “O Franco Atirador”, pelo qual concorreu ao Oscar. Possivelmente deve-se a Garfinkel, creditado como autor de diálogos adicionais, algumas das excelentes frases deste western de Sergio Corbucci. Uma delas quando Claire exclama: “Basta de matar, basta de fugir, chega de medo”, contrariando a tônica principal dos westerns spaghetti que sempre foi a exacerbada violência. A narrativa mescla admiravelmente momentos mais dramáticos que exploram psicologicamente os personagens com aqueles em que Corbucci era um mestre, as sequências de ação. Com 90 minutos de duração “Os Cruéis” deveria ser um pouco mais longo e peca justamente por seu final apressado e mal desenvolvido, isto após absorver inteiramente o espectador em sua maior parte.

Acima Joseph Cotten
Pai e filhos em guerra - O Coronel Jonas é um homem enlouquecido em sua delirante determinação de formar um novo Exército Confederado e com ele reverter a vitória dos unionistas. Diz que sua ação promoverá “O início de uma nova era, um recomeço da guerra perdida”. Diz ainda que “O Exército sob meu comando nunca se deu por vencido”. Não sem razão Jonas escolheu uma salamandra como símbolo de sua tropa, réptil capaz de se defender de seus predadores e matá-los com sua toxina. Citando Deus a todo momento como guia de suas ações, quem rege os atos insanos do Coronel Jonas é o inconformismo com a derrota que o embruteceu a ponto de agredir aqueles a quem comanda, seus filhos inclusive, e matar impiedosamente quem não comunga com sua causa. Dos três filhos de Jonas o preferido é Ben que silenciosamente reprova a violência do pai, ao contrário dos sádicos Jeff e Nat. A maior simpatia por Ben deve-se a não ser ele cobiçoso como Nat ou não se excitar facilmente diante de uma mulher como Jeff. Num filme em que não deveria haver heróis, Ben é o único homem íntegro e por quem Claire acaba nutrindo afeição. A longa jornada em direção ao Texas faz com que se exacerbem as diferenças e a desagregação é inevitável, com o pai opressor precipitando o fim trágico de quase todo clã. Em meio a esses quatro homens emerge uma admirável personagem feminina, o que é pouco comum em faroestes e menos ainda nos westerns spaghetti.

Joseph Cotten; Júlian Mateos, Gino Pernice e Ángel Aranda


Norma Bengell
Uma Claire enternecedora - Enquanto Kitty é uma alcoólatra que quase põe a perder em seu início o projeto do Coronel Jonas, Claire é uma jogadora acostumada a lidar com homens de toda espécie como são os frequentadores de saloons. Assim chamada e imaginada em homenagem à esplêndida Claire Trevor de “No Tempo das Diligências” (Stagecoach) que interpretou a digna prostituta respeitada por John Wayne, a personagem vivida por Norma Bengell é uma mulher de sentimentos virtuosos e atitudes corajosas. É Claire quem evita que o caixão seja aberto por um xerife, numa das melhores sequências do filme. Por sinal quase todas sequências mais destacadas contam com a presença da atriz brasileira. Em outro momento brilhante Claire se sensibiliza diante do sargento cego que era amigo do verdadeiro Tenente Ambrose Allen. Singularmente, a beleza física de Norma Bengell é bem explorada por Corbucci, numa sequência em que ela sequer faz uso da irresistível sensualidade que a tornou famosa. É ela ainda quem provoca a inesperada e decisiva mudança na história ao se vingar do Coronel Jonas pedindo que o ‘corpo’ seja enterrado no Forte Brent, onde o finado oficial prestara serviço. Claire sabe que com esse pedido assinou sua sentença de morte, mas o imaginativo roteiro lembra, através de Jonas, que Claire desconhecia a obsessão do Coronel que coloca sua causa acima de tudo. Os diálogos entre Claire e Jonas estão, igualmente, entre os melhores deste filme sempre com Norma Bengell perfeita.

Tentativa de estupro feita por Gino Pernice; Norma Bengell com Júlian Mateos

Acima Aldo Sambrell; Al Mulock;
abaixo Cláudio Gora
Criativas frases e situações - O caixão de defunto que abrigara uma metralhadora no western anterior de Sergio Corbucci ganha em “Os Cruéis” um simbolismo notável pois com ele são enterradas as insensatas esperanças de que a guerra seja revivida. Dissipa-se assim a impressão de oportunismo no uso da macabra caixa de madeira tão comum em westerns spaghetti. Se a sucessão de frases marcantes – “Mortos já não têm com que se apressar”, diz o padre; “Você não respeita nem mesmo os vivos”, diz o mendigo. “Você é o homem honrado que atira numa bandeira branca”, diz o bandoleiro pedro – ratificam ser “Os Cruéis” um western esmerado em seu roteiro, a mão de Corbucci se faz presente nas boas sequências de ação. O assalto ao comboio yankee totalmente dizimado que abre o western é o momento maior da parceria Corbucci-Benito Stefanneli, este coordenador das cenas de ação, mas há ainda a bem elaborada luta no saloon e outra entre os irmãos dentro de um riacho. Menos criativos são o ataque dos bandidos mexicanos e o rápido tiroteio entre os irmãos Nat e Jeff. Destaque-se a primorosa sequência do enforcamento dos dois mexicanos e o humor negro do caixão que se abre e dele rola o corpo inerte de Pedro (Aldo Sambrell), um dos mexicanos enforcados. A bizarra, desnecessária e inconvincente presença do mendigo destoa do conjunto do filme, bem como a morte do Coronel Jonas, elaborada sem inspiração por Corbucci.

Acima Norma Bengell e Joseph Cotten;
abaixo Norma com Benito Stefanelli
Norma Bengell, a melhor do elenco - Mesmo nas obras-primas cinematográficas nas quais Joseph Cotten atuou, ele não deixou sua marca, pouco lembrando-se de suas participações. Cotten era assim mesmo, um bom ator sem maior carisma e com uma tendência a aborrecer o espectador com seus personagens, quase sempre fracos e hesitantes. Um de seus melhores momentos no cinema foi como o pusilânime e permissivo marido de Dorothy Malone em “O Último Pôr-do-Sol”, personagem que lhe caiu como uma luva por seu estilo interpretativo. Cotten que em “Os Cruéis” deveria ter o destaque maior no elenco vê Norma Bengell se sobressair e literalmente roubar-lhe o filme. Norma faz com que Claire entre para a galeria dos inesquecíveis personagens femininos dos westerns. Gino Pernice é o melhor entre os três irmãos e a espanhola María Martín se sai bem como a irritante Kitty. Mais uma vez Aldo Sambrell tem participação pequena, ainda que da maior importância na trama, ele que é um ótimo ator de quem muito mais poderia ser extraído. Al Mulock faz lembrar o velho Walter Huston de “O Tesouro de Sierra Madre”, evidentemente sem o talento deste.

O caixão fora da diligência; o caixão destroçado vendo-se Aldo Sambrell

Norma Bengell e Júlian Mateos
Sem herói no título - Enzo Barboni foi o responsável pela cinematografia e Leo Nichols (Ennio Morricone) assinou a trilha sonora musical. Desta vez Morricone ficou distante de criar uma trilha memorável e o tema principal salientando o trompete de Nunzio Rotondo é estridente e tedioso. O melhor desta trilha musical Morricone deixou para a sequência final da desesperada morte do Coronel Jonas, ouvindo-se o Coral de Alessandro Alessandroni e a etérea voz de Edda Dell’Orso. É um daqueles casos em que a música é mais forte que a imagem. Com “Os Cruéis” Sergio Corbucci abandonou a prática de personagens fortes no título do filme – ‘Silenzio’, ‘Django’, ‘Ringo’, ‘Navajo Joe’ e ‘Minnesota Clay’. Com isso perdeu o grande poder de atração que esses nomes faziam junto ao público e este seu western rendeu muito menos nas bilheterias e nunca foi dos mais lembrados. Mas não se impressione com isso o fã de faroestes pois “Os Cruéis” é um belo western em que o muito bom roteiro e Norma Bengell tornam imprescindível.


Este filme foi gentilmente cedido pelo cinéfilo e colecionador Thomaz Antônio de Freitas Dantas.

Norma Bengell

Pôsteres italiano, norte-americano e alemão de "Os Cruéis"