Anthony Quinn foi provavelmente o ator que teve a mais extraordinária das carreiras cinematográficas. Quinn era capaz de terminar sua participação em uma superprodução e começar a atuar em um filme classe “B” dos mais modestos como “Blefando com a Morte” (Man From del Rio). Essa é uma produção em preto e branco, com diretor inexpressivo, roteirista iniciante e elenco sem nenhum nome estelar, Nada disso, porém, impediu Anthony Quinn de proprocionar mais uma de suas grandes e costumeiras atuações. Produzido por Robert L. Jacks e distribuído pela United Artists, “Blefando com a Morte” foi, por certo, um dos filmes menos vistos na longa e bem sucedida carreira de Anthony Quinn. Para que se tenha uma idéia da pouca importância desse western, o crítico Leonard Maltin, famoso por seus “Movie Guides”, simplesmente retirou o filme das edições anuais mais recentes. Castigo imerecido para “Blefando com a Morte” que é um western diferente e com inegáveis qualidades.
ENFRENTANDO UM DES-PREZÍVEL VILÃO – David Robles é um pistoleiro mexicano que chega à pequena cidade de Mesa em busca de vingança. Após consumá-la é eleito sheriff, mas não é aceito pela comunidade local que precisa dele pela coragem e habilidade no manejo do revólver, mas por outro lado o despreza por sua origem. Robles não consegue sequer conquistar a também viúva mexicana Estella (Katy Jurado), que o despreza por ser pistoleiro. A estrela de lata no peito e as roupas novas que substituem seus andrajos pouco adiantam. Quem dedica falsa amizade a Robles é Ed Bannister (Peter Whitney), dono do saloon local. Ed é falastrão, mentiroso e ambicioso, visando unicamente tornar-se o dono da cidade. Para isso quer usar Robles que derrotara anteriormente pistoleiros que o inescrupuloso Ed Bannister havia contratado para ajudá-lo em suas torpes intenções. David Robles sabe quem é Ed Bannister e aguarda o momento de cumprir sua missão de sheriff e livrar a cidade também da nefasta presença de Ed. Quando ambos travam uma luta, Robles tem seu punho direito quebrado, o que o impede de sacar. Mesmo assim não se recusa a enfrentar Ed num duelo a bala. Ed, além de tudo é moralmente fraco, um verdadeiro covarde e incapaz de se bater frente a frente com Robles. (Ao blefar com a morte, vem a explicação para o curioso título em Português.) Ed Bannister usa o silêncio para encobrir sua covardia e acaba deixando a cidade. Robles nunca mais poderá usar seu revólver, mas ao final é aceito por Estella para viver longe dos covardes habitantes da cidade de Mesa, que usaram-no como sheriff mas não souberam respeitar seus direitos como cidadão.
QUINN CARREGANDO O FILME – Anthony Quinn amava a arte de interpretar e isso fica evidente em “Blefando com a Morte”, pois num perfeito tour-de-force, ele domina e sustenta o western criando mais um personagem fascinante entre tantos que criou. O diretor Harry Horner possivelmente não tenha conseguido conter os excessos de Katy Jurado que, como Estella, decidiu voltar aos seus dias de Churubusco. O cinema mexicano, como se sabe, levava aos extremos os melodramas e quanto mais dramática fosse uma interpretação mais sucesso o filme faria. O contraste entre as atuações de Quinn e Katy, ambos mexicanos, é flagrante. Douglas Spencer é sempre perfeito nos papéis de homem amedrontado, como já havia mostrado como o sueco de “Os Brutos Também Amam” e mais tarde em “O Diário de Anne Frank”. Também no elenco Whit Bissell interpretando o bêbado Breezy, além de John Larch, Douglas Fowley e uma ponta de Guinn William.
HERÓI FEIO E SUJO – O que torna “Blefando com a Morte” interessante é seu insólito roteiro. Ainda que sofra, como dezenas de filmes da época a influência direta de “Matar ou Morrer”, o grande achado deste western de Horner é ter como herói (Tony Quinn) um mexicano, atormentado, feio e sujo. Tão sujo que um vira-latas o adota como companheiro. E também uma mocinha (Katy Jurado) distante das lindas estrelinhas colocadas como interesse romântico nos faroestes. Isso, por si só bastaria para que o filme merecesse maior atenção. Mas além disso a ação é bem conduzida, prendendo a atenção do começo ao fim dentro de toda a simplicidade, melhor dizendo, da quase pobreza, com que “Blefando com a Morte” foi concebido. E para os fãs de Anthony Quinn, um programa saboroso em mais uma oportunidade para apreciar sua incrível habilidade como ator.