Nada é mais engraçado que um inglês se
fazendo passar por cowboy. Está certo que Richard Harris e Stewart Granger até
que se saíram bem nas diversas oportunidades em que atuaram em westerns, mas a
fleugma britânica fazia deles estranhos no ninho. Victor McLaglen que também
era inglês era sempre um irlandês na Cavalaria. E como esquecer John Cleese
como o esquisito Sheriff Langston em “Silverado”? Um inglês, no entanto, passou
sem problemas por homem do Velho Oeste e demonstrou como poucos seu amor pelo
faroeste, não só como fã do gênero mas e principalmente participando de filmes
na condição de dublê e muitas vezes como ator. Esse inglês ainda escreveu
livros essenciais sobre as séries westerns de TV e ao completar 70 anos
mantém-se em invejável atividade se fazendo presente em praticamente todos os
eventos que envolvem a Velha Guarda do Western nos Estados Unidos. Seu nome
pode ser menos conhecido, mas o rosto com formato de roedor de Neil Summers todo fã de faroeste
conhece.
atores ingleses em faroestes: Stewart Granger, Richard Harris, John Cleese e Victor Mclaglen. |
Neil Summers com o dublê de John Wayne, o grande Chuck Roberson. |
Aos
20 anos com John Wayne - Neil Summers nasceu em 28 de abril
de 1944 emKent, próxim a Londres, na Inglaterra. O pai de Neil, Walter Summers era um conhecido esportista campeão de ciclismo Em 1958 sua família se mudou para Phoenix,
no Arizona e a grande diversão do adolescente Neil era assistir faroestes pela
TV. Justamente nessa temporada foi atingido o ápice do número de séries
westerns produzidas pelas três grandes redes de televisão norte-americanas
(NBC, CBS, ABC), com 48 programas exibidos semanalmente. O adolescente Neil
assistiu ao melhor que o gênero apresentava na telinha dos televisores e ainda
havia o cinema com John Wayne comandando uma elite de atores que nos brindava
com grandes westerns, secundados pelos incansáveis Randolph Scott e Audie
Murphy com os saborosos westerns de menor orçamento. Aos 18 anos, após concluir
a Camelback High School, em Phoenix, Neil Summers já havia decidido que iria se aproximar
de seus ídolos e a melhor maneira seria conseguir trabalho substituindo-os nas
cenas arriscadas, tornando-se dublê. Afinal de contas seu pai, Walter Summers beijara
o chão muitas vezes, ciclista famoso que fora na Inglaterra. O primeiro filme
em que Summers atuou como stuntman foi “Quando um Homem é Homem” (McLintock),
de 1963, estrelado por John Wayne. Esse faroeste teve grande número de stuntmen
para as muitas cenas perigosas, algumas delas filmadas num autêntico lamaçal.
Summers teve nessa produção da Batjac a companhia de dublês famosos como Tap e
Joe Cannut, Jerry Gatlin, Boyd ‘Red’ Morgan, Hal Needham, o ‘Bad Chuck’ Roberson, o ‘Good Chuck’ Hayward e o lendário Tom Steele
dos seriados da Republic Pictures. Melhor início de carreira impossível!
Summers acima em "Roy Bean, o Homem da Lei" e abaixo em "Meu Nome é Ninguém". |
Chance
pelas mãos de Sergio Leone - Aos 20 anos de idade Neil Summers
teve a honra de trabalhar como dublê num filme de John Ford, mais precisamente
o último faroeste do Mestre das Pradarias que foi “Crepúsculo de uma Raça”
(Cheyenne Autumn), de 1964. Vieram a seguir trabalhos arriscados, entre outros
filmes em “Shenandoah”, “Duelo em Diablo Canyon” (Duel at Diablo), “Eldorado”,
“A Noite dos Pistoleiros” (Rough Night in Jericho) e, dirigido por Monte
Hellman, em “A Vingança de um Pistoleiro” (Ride in the Whirlwind). Nesse
western que tinha Jack Nicholson no elenco o diretor Hellman deu a primeira
oportunidade como ator a Neil Summers, percebendo que ele poderia ser mais que
um simples stuntman. Summers começou a aparecer mais vezes como ator entre os
muitos trabalhos que fazia como dublê, um deles em “Roy Bean, Homem da Lei” (The
Life and Times of Judge Roy Bean), protagonizado por Paul Newman e que foi assistido
por Sergio Leone. O notável diretor italiano notou a presença de Neil Summers
interpretando um personagem chamado ‘Snake
River Rufus Krile’ e fez contato com Summers convidando-o para uma
participação especial em sua nova produção intitulada “Meu Nome é Ninguém” (Il
mio Nome è Nessuno). Entre diversos atores norte-americanos que participaram
desse filme, cuja direção é atribuída a Tonino Valerii, estavam Henry Fonda,
Geoffrey Lewis, R.G. Armstrong e Leo Gordon e mesmo assim Neil Summers se
destacou numa sequência que foi dirigida pelo próprio Leone que inventou para
Neil o engraçado personagem ‘Squirrel’ (Esquilo).
Dois volumes do primeiro livro escrito por Neil Summers. |
O
autor Neil Summers - Bastante conhecido entre os
stuntmen, não faltava trabalho para Neil Summers que também era contratado como
ator, como aconteceu em diversos episódios das séries “Gunsmoke” e “Bonanza”.
Com isso Neil realizou outro sonho, o de trabalhar com seus ídolos da TV James Arness,
Lorne Greene e os demais ‘Cartwrights’. E nos anos 80 Neil apareceu em “Duro na
Queda” (The Fall Guy), em que o protagonista Lee Majors vive as aventuras de
um... dublê como o próprio Summers. A literatura sobre cinema ou mais
especificamente sobre o gênero western era crescente nos Estados Unidos nos
anos 80, mas o mesmo não se podia dizer de livros editados sobre séries de
televisão. Apaixonado pelas séries de TV, clássicas ou não, Neil Summers se
propôs a preencher essa lacuna editorial com a publicação do “The Official TV
Western Book”, trabalho gigantesco diante do número enorme de séries a serem
pesquisadas. Em 1986 foi lançado o volume 1 que seria seguido pelos
lançamentos de outros três volumes, num trabalho que só alguém duro na queda
poderia completar. Os quatro livros compõem um dos mais ricos levantamentos fotográficos
já editados e têm como bônus fotos recentes dos veteranos atores das séries,
muitas delas na companhia do autor (ator e dublê) Neil Summers. E não é demais
afirmar que poucos fizeram tantos amigos em Hollywood quanto o inglês Neil
Summers.
Livros de autoria de Neil Summers. |
Prosseguimento
na carreira de ator - O sucesso desse primeiro projeto
editorial levou Neil Summers a editar nos anos seguintes “Candid Cowboy,
volumes I e II” (1989) e “The Unsung Heroes” (1996), este último sobre os
anônimos dublês que substituem os personagens dos filmes nas cenas de perigo. O
preço desse livro é quase proibitivo pois custa (novo) a bagatela de 306
dólares na Amazon. Em 2002 novo lançamento falando sobre séries de TV: “The
Official TV Western Round Up Book”, capa dura ao custo de 122 dólares. Neil
Summers não lançou outros livros desde então, mas mantém-se em plena atividade
como dublê em dezenas de filmes de gêneros diversos e também como ator. Neil
Summers teve pequenas participações em filmes de sucesso como “Coração
Selvagem” (Wild at Heart), “RoboCop, o Policial do Futuro” (RoboCop), “Dick
Tracy”, “Lucky Luke”, “Quatro Mulheres e um Destino” (Bad Girls), “Um Sonho de
Liberdade” (The Shawshank Redemption), “A Volta de Trinity” (Botte di Natale) e
“Appaloosa – Uma Cidade Sem Lei” (Appaloosa). Em 2010 Neil Summers participou
dos filmes “Jordan” e “Rancho do Amor”, até agora seus últimos trabalhos como
ator.
Neil Summers, que acabou na companhia de John Wayne... |
Memorabilia
e muitos amigos - Neil Summers é dono de uma das
maiores ‘memorabilia’ cinematográfica (coleção de objetos relacionados ao
cinema, TV e filmes em geral) voltada para o faroeste. Grande parte dessa
memorabilia está exposta no Gene Autry Museum of Western Heritage, em Los
Angeles. O público fica fascinado ao se deparar com Colts, cinturões, chapéus e
todo tipo de objetos que pertenceram aos mocinhos da TV, itens que são,
geralmente, presenteados a Neil Summers. Ativo participante dos encontros entre
os remanescentes dos filmes do gênero western, nenhuma dessas reuniões está
completa sem a presença de Neil Summers, uma verdadeira enciclopédia viva. E
mais que isso, Neil é uma figura extremamente simpática e que conviveu com os
grandes nomes do faroeste do cinema e da TV. Segundo suas próprias palavras, “Tudo
que eu queria era estar na tela com meus heróis Roy Rogers, Gene Autry, The
Lone Ranger, Matt Dillon, Ben Cartwright e outros. Não só tive a felicidade de
conseguir isso como ainda estive ao lado de John Wayne, Clint Eastwood e outros
grandes da tela. Só o Duke me matou cinco vezes em seus filmes...” Essa vida
venturosa foi um prêmio para Neil Summers que foi um verdadeiro ás entre os
dublês do cinema norte-americano. Neil Summers reside em Albuquerque com sua
esposa Karen. A ele os parabéns pelos 70 anos excepcionalmente bem vividos
próximo de nossos maiores ídolos.
Aspectos do Museu Gene Autry, no qual muitos itens expostos vieram da coleção particular de Neil Summers. |
Neil Summers em "Robocop"; em "Quatro Mulheres e um Destino" e em "Dick Tracy. |
Neil Summers com seus amigos Victor French, Randolph Scott e Al Wyatt; Summers muito bem acompanhado por Penny Edwards e Vera Hruba Walston. |
Neil Summers fazendo figuração em "Nevada Smith", em cena com Steve McQueen e Martin Landau. na foto menor numa pose clássica segurando uma Winchester. |