Andy Devine e Guy Madison na série de TV "As Aventuras de Wild Bill Hickok". |
Em 1953 o cinema tentou uma reação
contra a televisão que, concentrando as famílias ao redor da telinha, ameaçava
esvaziar rapidamente as salas exibidoras. Foram então criados o Cinemascope e a
3.ª Dimensão, processos que a incipiente televisão, ainda em preto e branco,
não possuía recursos técnicos para imitar (a primeira transmissão em cores
ocorreria somente em 1954). Um dos programas de maior sucesso da televisão
norte-americana em 1953 era “As Aventuras de Wild Bill Hickok”, série western
com meia hora de duração estrelada por Guy Madison. A carreira de Madison no
cinema, iniciada em 1944, não indicava que ele poderia vir a se tornar um nome
nacionalmente conhecido, mas a série em que protagonizava o lendário Bill
Hickok fez do simpático ator um astro então cobiçado pelo cinema.
Paradoxalmente Guy, que prendia o público em casa com “As Aventuras de Wild
Bill Hickok”, estrelaria um western em 3.ª Dimensão para ajudar ‘salvar’ o
cinema. O filme produzido pela Warner Bros. e dirigido por Gordon Douglas
recebeu o título de “The Charge at Feather River” (Investida de Bárbaros) e
cumpriu o que dele se esperava, sendo o western mais visto pelo público naquele
ano, atrás apenas de “Os Brutos Também Amam” (Shane). E é bom lembrar que 1953
foi um ano pródigo em excelentes westerns, a começar pelo também produzido em
3D “Caminhos Ásperos” (Hondo). O tema de “Investida de Bárbaros” – soldados da
cavalaria sitiados por índios em pé de guerra – esteve presente também em “O
Sabre e a Flecha” (Last of the Comanches) e “A Fera do Forte Bravo” (Escape
from Fort Bravo), outros dois ótimos westerns naquele mesmo ano e que perderam
longe em público para o faroeste 3D de Gordon Douglas.
Dick Wesson e Henry Kulky, parte da 'Brigada da Cadeia'. Abaixo treinamento da Brigada. |
A ‘Brigada
da Cadeia’ - “Investida de Bárbaros” é uma história criada por James
R. Webb narrando como um grupo de soldados cumpre a missão de resgatar duas
mulheres brancas, as irmãs McKeever, capturadas pelos Cheyennes. Como a tropa
do Forte Bellow foi toda destacada para proteger a construção de um trecho de
ferrovia, o comandante do forte entrega a liderança da missão de resgate a
Miles Archer (Guy Madison) um ex-capitão que após a Guerra Civil se tornou
fazendeiro. Archer aceita a tarefa unicamente porque as duas brancas que estão
há cinco anos em poder dos Cheyennes pertencem a uma família amiga do
fazendeiro. O que Archer não esperava é que a brigada que o Coronel Kilrain
(Fay Roope) lhe indicou fosse composta toda ela por soldados que cumpriam pena
na cadeia do forte. Archer teria que comandar soldados bêbados, ladrões e
negligentes com as obrigações da caserna. Para a missão o grupo recrutado não
se trajou com uniformes mas sim como caçadores de búfalos, sendo completado pelo
Sargento Baker (Frank Lovejoy) e pelo escritor-desenhista Grover Johnson
(Onslow Stevens). O resgate das irmãs McKeever em pleno território hostil não apresentou
dificuldades, mas sair das terras indígenas com as duas é que se tornou missão
quase impossível. Isto porque Jennie estava prometida para ser esposa do chefe
Thunder Hawk. Enraivecido com a ousadia Thunder Hawk atacou o grupo comandado
por Archer. O Sargento Baker é enviado para pedir socorro no Forte Darby. Durante
os ataques índios muitos dos soldados morrem e tudo indicava que nenhum
deles escaparia da investida final. Porém Archer consegue matar o chefe índio e
a Cavalaria chega para salvar o que restou do grupo apelidado ‘The Guardhouse
Brigade’ (A Brigada da Cadeia).
Guy Madison orienta Neville Brand que atira a faca (em direção à Câmara). |
História
revisitada - Em 1956 o cinema ganharia a mais famosa história de
resgate de uma mulher branca com a obra-prima de John Ford que foi “Rastros de
Ódio” (The Searchers). 20 anos depois, em “Os Doze Condenados” (The Dirty
Dozen), um grupo de condenados durante a II Guerra Mundial será perdoado se
cumprir uma missão arriscada, num filme de enorme sucesso estrelado por Lee
Marvin. Ambos os filmes remetem ao roteiro de James R. Webb, autor dos roteiros
de “Vera Cruz”, “O Último Bravo” (Apache), “Mercadores de Intrigas” (South of
St. Louis), “Da Terra Nascem os Homens” (The Big Country), “Crepúsculo de uma
Raça” (Cheyenne Autumn) e “A Conquista do Oeste” (How the West Was Won) para
citar apenas os westerns mais importantes. Em 1961 um menos inspirado John Ford
dirigiu “Terra Bruta” (Two Rode Together), outro western no qual mulheres
brancas capturadas pelos índios devem ser resgatadas. E falando em inspiração,
o sucesso de público de “Investida de Bárbaros” deve muito à direção de Gordon
Douglas que, com parcos recursos financeiros, realizou uma aventura repleta de
momentos de ação.
A Brigada da cadeia entrando em território Cheyenne. À direita Helen Westcott e Vera Miles. |
Guy Madison e Helen Westcott. |
Branco
igual a índio - Desde o início do filme com a preparação do pelotão no
Forte Bellow, “Investida de Bárbaros” é mostrado de forma interessante com
problemas de comportamentos que passam longe do heroísmo comum aos filmes de
Cavalaria. Quando partem para a missão tem início uma sequência de ações de
tirar o fôlego do espectador. Elogiando Miles Archer o Coronel Kilrain diz que
ele é o homem certo para comandar o grupo porque ele conhece os índios e sabe
agir como se fosse índio. Porém em
certos momentos os Cheyennes são mostrados como atrapalhados e presa fácil da
Brigada da Cadeia. Ainda assim os 95 minutos de “Investida de Bárbaros” são
exemplares como entretenimento, até chegar à carga Cheyenne comandada por
Thunder Hawk no Rio Feather, com direito a uma singela história de amor entre
Miles Archer e Anne McKeever (Helen Westcott).
O sargento Baker surpreende sua esposa à vontade com o soldado Ryan; Baker (Frank Lovejoy) e Ryan (Steve Brodie) em ação. |
Cusparada
na cascavel - O processo 3D não durou mais que um ano e os filmes
feitos nesse processo são facilmente reconhecidos pela profusão de objetos atirados
contra a tela. Mas nenhuma outra produção em 3D superou “Investida de Bárbaros”
na saraivada contra as câmaras, tantas foram as lanças, flechas, facas,
espadas, cadeiras, corpos e... uma consistente cuspida com tabaco mascado. Numa
sequência em que o Sargento Baker e o soldado Ryan (Steve Brodie) estão prestes
a ser atacados por uma cascavel e sem poder fazer uso de suas armas de fogo para
não atrair os índios, Baker desfere duas potentes cusparadas em direção à
câmara, atingindo o réptil que assustado recua e se esconde em sua toca. A
sequência pode parecer cômica mas bem filmada que foi por Douglas, é um dos
momentos de maior emoção do filme e um achado do roteiro de Webb. A piada da
época dizia que o público nunca mais entraria num cinema para assistir a um
filme em 3D depois da repugnante cusparada levada nos rostos... Desafetos, Baker
e Ryan passam grande parte do filme ameaçando-se mutuamente pois Baker descobrira
que sua esposa aceitava as investidas nada bárbaras do soldado conquistador. No
mesmo ano de 1953 situação similar foi vista em “A Um Passo da Eternidade”, com
o envolvimento adúltero dos personagens de Burt Lancaster e Deborah Kerr,
esposa de um capitão na base de Pearl Harbor. O caso entre a esposa do sargento Baker e
o soldado Ryan demonstra que a vida nos fortes não era assim tão respeitosa
quanto a maior parte dos filmes sobre a Cavalaria faz crer.
Frank Lovejoy afugenta a cascavel com uma cusparada certeira (que deveria assustar os espectadores). |
O oficial posando para o desenho. Abaixo Helen Westcott, Vera Miles e Ron Hagerty acompanhados por Madison, Lovejoy e Brodie. |
Castigo,
preconceito e discriminação - Além dessa interessante subtrama, “Investida
de Bárbaros” cita ainda o castigo que é uma mulher branca retornar à sua gente
após ter sido transformada em ‘mulher dos índios’. Anne McKeever sabe que será
alvo da discriminação das mulheres brancas que por sorte não tiveram igual
destino. O final feliz com Anne e Miles Archer se enamorando só ocorre por ser
Archer um homem de formação (estudara Engenharia) e cultura diferentes daquelas
típicas do Oeste ainda a ser desbravado. Menos convincente é a presença da mais
nova das irmãs McKeever, a adolescente Jennie (Vera Miles), escolhida e
preservada em sua sexualidade para ser a esposa do chefe Thunder Hawk. Bonita e
loura, o chefe fez uma boa escolha, mas é difícil aceitar Vera Miles aos 24
anos de idade passando por uma jovem de 15 ou 16 anos. Outro destaque do
roteiro de “Investida de Bárbaros” é a presença do escritor-desenhista Grover
Johnson, que entra em cena desenhando o Coronel Kilrain sobre um cavalo de
madeira, esboço para um futuro quadro com o imponente oficial montando uma
garbosa e fogosa montaria. Johnson jamais abandona seu caderno e antes de
morrer pede que ele seja encaminhado para publicação. A história do Velho Oeste
deve muito a figuras como o Johnson deste filme, ainda que no mais das vezes
tenham deturpado a realidade.
Guy Madison com Vera Miles e com Helen Westcott. |
Dick Wesson e Henry Kulky empenhados em fazer graça. |
Max
Steiner e suas mazurkas - “Investida de Bárbaros” foi filmado
sem a pretensão de se tornar um clássico e prova disso são algumas sequências
que denotam o ritmo rápido da produção. A luta entre Miles Archer e Thunder
Hawk, que mereceria muito maior destaque, é rápida e mal se percebe habilidade
no herói mas sim a inépcia do chefe índio num embate travado a facas. A preocupação
maior foi com o trabalho dos dublês sempre caindo o mais próximo possível das
câmaras. Com os espectadores munidos dos óculos próprios, o efeito seria como
se os atores caíssem em seus colos. Com elenco sem nenhum nome de peso,
estranha-se que a trilha sonora musical tenha ficado a cargo do premiado Max Steiner.
Como é comum em suas trilhas, Steiner não poupa os ouvidos do público de
acordes bombásticos com pretensões épicas, em completo desacordo com a simplicidade
do filme nada pomposo de Gordon Douglas. E bem que John Ford criticou parte da
trilha que Steiner compôs para “Rastros de Ódio”, dizendo que não queria mazurkas
em seu filme. E ritmo de mazurkas é o que não falta em “Investida de Bárbaros”,
o que dá um ar de comicidade ao filme. Aquilo que não conseguiram Dick Wesson
(como o desastrado recruta Culley) e Henry Kulky (como o beberrão recruta
Smiley), responsáveis pelas gags, conseguiu Max Steiner com sua trilha
grandiloquente com toques de mazurkas.
Frank Lovejoy e Helen Westcott |
Destaques
para Lovejoy e Westcott - A ‘Brigada da Cadeia’ traz além de
Dick Wesson e Henry Kulky os nomes de James Brown (antes de Rin-Tin-Tin),
Neville Brand como o único homem traiçoeiro do grupo e Steve Brodie como o
recruta galanteador. Lane Chandler como o ex-confederado está excelente nesta
que foi uma das poucas vezes em que obteve crédito e destaque em um filme.
Fraco o jovem Ron Hagerthy e sem graça Dick Wesson parodiando Stan Laurel ao
lado do pseudo Oliver Hardy interpretado por Henry Kulky. Guy Madison é um ator
que viveu de seu físico privilegiado e boa estampa, sem maiores recursos
interpretativos, não sendo páreo neste filme para o ótimo Frank Lovejoy como o
sargento Baker, o cuspidor. Helen Westcott (de “O Matador”/The Gunfighter) foi ótima
escolha, pela fora com que interpreta a mais velha das irmãs capturadas. Fraca Vera
Miles como a branca que sabota as ações do pelotão, não deixando ninguém
imaginar que brilharia anos depois no cinema pelas mãos dos Mestres John Ford e
Alfred Hitchcock.
Ralph Brooks solta o 'Wilhelm Scream'. |
O
mais famoso grito do cinema - “Investida de Bárbaros” ganhou
inesperada notoriedade com o ‘Wilhelm
Scream’, grito dado pelo recruta Wilhelm ao ser atingido por uma flecha na
perna. O filme de Gordon Douglas é sempre lembrado por ter sido o lançador
desse grito que foi repetido mais de 200 vezes em outros filmes e que merecerá
um artigo aqui no WESTERNCINEMANIA mostrando como foi criado e a trajetória do
famoso ‘Wilhelm Scream’. Filmado
inteiramente na Califórnia (Santa Clarita, Escondido Cayon e Santa Ana River),
a bela cinematografia de J. Peverell Marley diminui a perda com o colorido da
Warnercolor, muito inferior ao arrebatador Technicolor. Excelente diversão, “Investida
de Bárbaros” é um dos melhores trabalhos de Gordon Douglas, pontificando em sua
filmografia ao lado de “Rio Conchos”. Com inteira justiça, um grande sucesso de
bilheteria e que merece ser visto com a melhor das imagens, isto se for lançado
em DVD aqui no Brasil.
Vera Miles |
Guy Madison em ação. |
A destreza do cavaleiro Guy Madison. |
Vera Miles cercada por Steve Brodie, Henry Kulky, Lane Chandler, Neville Brand e Dick Wesson; Vera Miles e Neville Brand. |
A carga Cheyenne e a resistência da Brigada da Cadeia. |