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25 de novembro de 2011

O ÚLTIMO PÔR-DO-SOL (The Last Sunset) – MELODRAMA NO FAROESTE


Kirk Douglas havia acabado de produzir e estrelar “Spartacus” em 1960, trazendo de volta à cena cinematográfica o nome de Dalton Trumbo, autor do roteiro desse épico. Mais heróico que o próprio escravo-gladiador, Kirk Douglas foi o único homem em Hollywood que teve coragem de dar crédito a Trumbo, um dos dez roteiristas proibidos de trabalhar pela famigerada HUAC (House Un-American Activities Comitte). Colocado na lista negra de Hollywood pelo movimento perverso que ficou conhecido como “Caça às Bruxas”, Dalton Trumbo continuou a produzir roteiros porém tendo que usar ‘fronts’, ou seja, outros roteiristas obtendo os créditos por seus trabalhos. E foi assim que dois roteiros de autoria de Trumbo ganharam prêmios Oscar: “A Princesa e o Plebeu” (1953) e “Arenas Sangrentas” (1956).

Dalton Trumbo: vítima da sordidez humana
Ainda sob pseudônimos, são de Dalton Trumbo os roteiros dos faroestes “Como Nasce um Bravo” (Cowboy), de Delmer Daves, com Glenn Ford; “O Caçador de Fronteira” (The Deerslayer), de Kurt Neumann, com Lex Barker; “Reinado de Terror” (Terror in a Texas Town), de Joseph Lewis, com Sterling Hayden. Kirk Douglas se tornara um dos homens mais poderosos do cinema norte-americano e encomendou novo roteiro a Trumbo, desta vez baseado na história “Sundown at Crazy Horse”, de autoria de Howard Rigsby, um faroeste que se chamou “O Último Pôr-do-Sol” (The Last Sunset).


Rock Hudson, Dorothy Malone, Carol Linley
e Kirk Douglas
PAIXÃO E MORTE - O filme de Robert Aldrich conta a história de Brendan O’Malley (Kirk Douglas), personagem estranho que se dirige para o México para reencontrar Belle (Dorothy Malone), mulher com quem teve um relacionamento há quase 20 anos. Belle agora é esposa do rancheiro- pecuarista John Beckenridge (Joseph Cotten), padrasto de Melissa (Missy), filha de Belle. O solitário O’Malley é seguido por Dana Stribling (Rock Hudson), xerife de uma cidade texana que quer prendê-lo por haver assassinado o cunhado de Stribling. O’Malley tenta se envolver com Belle e para isso pede o consentimento do marido dela, John Beckenridge, mas é rejeitado por Belle. Stribling e O’Malley são contratados por Beckenridge para levar seu gado até o Texas. A prisão de O’Malley é então adiada por Stribling. John Beckenridge é morto numa discussão numa cantina no México e Stribling acaba se apaixonando por Belle. Por sua vez, Melissa se apaixona por O’Malley, envolvendo-se com ele. Desesperada Belle conta a O’Malley que Melissa é sua filha e que a relação deles é incestuosa. Após o gado ser levado a seu destino O’Malley se defronta com Stribling num duelo suicida.

UMA TRAGÉDIA NO VELHO OESTE - Vladimir Nabokov havia chocado o mundo com seu romance “Lolita”, lançado em Francês em 1955 e com versão autorizada para o Inglês somente em 1958. Nabokov mudou o universo da Literatura e certamente influenciou outros autores. O romance de Nabokov somente chegaria ao cinema em 1962 pelas mãos de Stanley Kubrik, abordando o tema da pedofilia. Antes disso, porém, Dalton Trumbo passou perto dessa questão com o personagem ‘Missy’, de apenas 16 anos e pela primeira vez abordou num faroeste o tema de incesto. Mas não é isso que faz de “O Último Pôr-do-Sol” um dos mais extraordinários roteiros já escritos para um western. Além dessa delicada questão o roteiro de Trumbo é um tenso melodrama digno daqueles que Douglas Sirk dirigiu para a Universal Pictures tendo Rock Hudson como ator principal. Mesmo com a ação se passando em cenários abertos, os personagens principais (Stribling, Belle, O’Malley e Melissa) parecem viver num ambiente claustrofóbico no qual incessantemente expõem as paixões que afloram, bem como o ciúme e o visceral antagonismo. O’Malley é o centro motivador de todas as reações culminando com a juvenil paixão que desperta em Missy (Melissa) e os momentos que passa com ela. O’Malley, homem, aparentemente sem princípios, é tomado repentinamente de dilacerante arrependimento com a descoberta de ser o pai da jovem. E vê apenas na própria morte a solução da tragédia em que se deixou envolver. Mais até que um sensível melodrama, “O Último Pôr-do-Sol” se aproxima das grandes tragédias gregas como nenhum outro western ainda o havia feito.

Chuck Roberson dublando Rock
Hudson (acima); briga encarniçada
entre Kirk e Rock Hudson (abaixo)
DETALHES DA VIDA RURAL - Mesmo que o roteiro de Dalton Trumbo não fosse tão rico em nuances psicológicas, “O Último Pôr-do-Sol” seria um belo faroeste, com bom ritmo entremeando os muitos diálogos com ótimas cenas de ação. As sequências de condução do gado durante uma tempestade são excelentemente dirigidas por Aldrich e fotografadas pelo húngaro Ernest Lazlo, assim como o duelo final entre O’Malley e Stribling, com tomadas de diversos ângulos e montagem nervosa que aumenta a emoção. Tudo isso embalado pela música do vienense Ernest Gold que venceria o Oscar de composição musical em 1961 por “Êxodus”. Esses aspectos técnicos emolduram os diálogos brilhantes escritos por Trumbo, especialmente nas falas poético-filosóficas ou cínico-jocosas de O’Malley. Kirk Douglas faz praticamente todas suas cenas, dispensando o uso de doublês, exceto na cena em que com animal violência segura um cão que está prestes a avançar sobre ele. E Rock Hudson é dublado em algumas cenas por Chuck Roberson como na sequência em que durante a luta com O’Malley cai sobre uma fogueira ficando com o colete em chamas. O cuidado de Trumbo com o realismo da vida dos cowboys leva o espectador a tomar conhecimento de situações inusitadas nos faroestes como a vaca ter as patas amarradas enquanto é ordenhada por Regis Toomey e Rock Hudson fazendo com que um bezerro recém-nascido adote Carol Linley como sua ‘mãe’. Carol Linley usando pela primeira vez o vestido amarelo que pertenceu a sua mãe e descalça por não haver ali um sapato adequado, enquanto Kirk Douglas canta a bela canção “Pretty Little Girl in the Yellow Dress”, de Dimitri Tiomkin e Ned Washington. Tantos cuidados com detalhes tornam imperdoável que o duelo ao pôr-do-sol ocorra próximo do meio-dia, como indicam as sombras de Rock e Kirk.

 
KIRK DOUGLAS E SEU FILME - “O Último Pôr-do-Sol” foi uma produção da Bryna, companhia produtora de Kirk Douglas, o que permite imaginar o quanto ele se impôs na realização deste western. Douglas chamou Rock Hudson para interpretar Dana Stribling em “O Último Pôr-do-Sol”, não sem razão pois Rock havia sido o campeão de bilheterias em 1959 e foi o segundo, atrás de Doris Day, em 1960. Rock, que havia interpretado com sucesso o fazendeiro Jordan ‘Bick’ Benedict em “Assim Caminha a Humanidade” (Giant), nunca convencera inteiramente como cowboy nos poucos faroestes que fez. Apesar de bom ator Rock parece bastante deslocado como sheriff neste filme de Aldrich. E Kirk Douglas, como dono do filme faz o que quer, a começar pelo estranho traje que usa na parte final do filme, vestido de preto com calças excessivamente justas, o cinturão mais esquisito dos westerns e a Derringer que não troca por nenhum revólver convencional. Uma figura! Ainda assim Douglas se ajusta perfeitamente ao personagem O’Malley e abre espaço até para cantar “Cucurucucu Paloma” em Espanhol, sequência que certamente ele como produtor exigiu ao diretor Robert Aldrich. Não houve um bom entendimento entre o bastante profissional Rock Hudson e Kirk Douglas durante as filmagens, culpa dos temperamentos diferentes e da costumeira arrogância de Douglas. A resposta do ator-produtor pode ser sentida no deboche com que Douglas faz um mexicano imitar Rock Hudson dançando após Rock haver dançado um fandango com Dorothy Malone. Nunca mais Rock Hudson ou Robert Aldrich trabalharam novamente com Kirk Douglas.

Joseph Cotten
 A IRRESISTÍVEL DOROTHY MALONE - Capítulo à parte em “O Último Pôr-do-Sol” é Dorothy Malone, cuja sensualidade foi excepcionalmente aproveitada por Aldrich. Maravilhosa, sedutora e irresistível atriz, Dorothy, aos 35 anos, espalha sua voluptuosidade em cada cena que participa. Dorothy não era uma atriz de grande talento dramático mas é um dos pontos altos deste western. O contraponto quase perfeito à lascividade de Dorothy é a presença angelical de Carol Linley, então com 20 anos durante as filmagens. A melhor interpretação do elenco de “O Último Pôr-do-Sol” ficou por conta de Joseph Cotten, como o amoral marido de Dorothy Malone. Seu desempenho na sequência em que é provocado por dois sulistas numa cantina é antológica dentro de uma carreira repleta de grandes atuações, carreira iniciada 20 anos antes em “Cidadão Kane”. Completam o elenco Regis Toomey e o trio de bandidos que ameaça os homens e as mulheres que transportam o gado, Rad Fulton, Jack Elam e Neville Brand, em papéis pequenos para que houvesse mais espaço para os excessos de Kirk Douglas. O seguidor deste blog Jurandir Bernardes de Lima defende a tese que Robert Aldrich só conseguiu fazer bons filmes quando teve em mãos bons roteiros. “O Último Pôr-do-Sol” é um roteiro de qualidade quase incomparável para um western e ainda assim Aldrich não conseguiu fazer de “O Último Pôr-do-Sol” uma obra-prima, mesmo que possa ser considerado um faroeste clássico pela temática complexa e bem desenvolvida. Talvez a explicação possa ser dada com uma pergunta: Como domar o ego de Kirk Douglas justamente no ápice de sua carreira como ator e produtor? E foi justamente esse ator indomável o responsável por trazer de volta ao cinema o grande e perseguido Dalton Trumbo no último pôr-do-sol do reacionarismo de Hollywood.