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Sam Peckinpah |
Quando tiveram início as filmagens de
“A Morte Não Manda Recado”, em janeiro de 1969, Sam Peckinpah não havia ainda
tido o reconhecimento da crítica por seu último filme, “Meu Ódio Será Sua
Herança” (The Wild Bunch). Esta obra-prima filmada em 1968 somente estreou em junho de 1969.
Mesmo assim a Warner Bros. deu mostras de uma inesgotável paciência com o
diretor que já havia estourado em muito o orçamento de seu filme anterior. Com
cronograma de filmagens previsto para 36 dias e orçamento de 880 mil dólares,
“A Morte Não Manda Recado” só foi finalizado em abril ao custo de três milhões
e setecentos mil dólares, ou seja, quase três milhões a mais do que o inicialmente previsto. Além das intempéries criadas por Peckinpah, foram
muitas as tempestades de areia que ocorreram nas locações no deserto mexicano e
muitos os dias em que as filmagens foram suspensas o que elevou as despesas e
também a conta na cantina em Sonora, onde Peckinpah e sua turma se encharcavam
de vodka e tequila. Sam estava mais enlouquecido, desumano e autoritário que
nunca, tendo despedido mais de 30 pessoas da produção aos quais humilhava antes
de demitir. Até mesmo sua filha Sharon, incumbida de fazer um documentário
sobre as filmagens, espécie de making-of, não suportou as atitudes do pai que
sadicamente sacrificou cobras, coelhos e lagartos. O lagarto mostrado no início
do filme foi morto com um tiro, o que definitivamente revoltou Sharon.
Problemas na produção, estouro de orçamento e comportamento opressivo de
Peckinpah ocorreram também em seu filme anterior que resultou num marco
cinematográfico. O mesmo, no entanto, não aconteceu com “A Morte Não Manda
Recado”.
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Jason Robards; Stella Stevens; L.Q. Jones e Strother Martin |
O
mais precioso bem do deserto - Peckinpah obtivera em 1967 os
direitos de filmar a história “The Ballad of Cable Hogue”, de autoria de John
Crawford e Edmund Penney. Pretendendo dar um tom de comicidade ao roteiro Sam
inseriu muitas situações que, entendeu ele, tornariam o filme mais engraçado ao
contar como o nômade Cable Hogue (Jason Robards) é abandonado no deserto por
seu ex-parceiros Bowen (Strother Martin) e Taggart (L.Q. Jones). Sem cavalo,
arma, comida e principalmente sem água, Hogue se vê diante da morte certa mas
milagrosamente descobre um poço justamente no trajeto por onde passam
diligências. Hogue registra a área em seu nome e torna o local uma parada
obrigatória onde passa a vender o tão precioso líquido. Indo à cidade Hogue
conhece Hildy (Stella Stevens), uma prostituta que perseguida pela população
acaba se juntando ao próspero empreendedor. O pregador Joshua (David Warner)
vive por um tempo também no posto de Hogue, mas tanto ele quanto Hildy não
permanecem ali. Ela há tempos tencionava viver em São Francisco e Joshua devia
seguir em busca de almas necessitadas de seu amparo espiritual, de preferência
mulheres bonitas. Tempos depois uma diligência faz uma parada e entre os
passageiros estão Bowen e Taggart. Este último acaba morto por Hogue que
consuma parcialmente sua vingança, nomeando Bowen como novo administrador da
parada, isto porque Cable Hogue decide abandonar o negócio. Essa decisão se deu
em razão de Hogue perceber que novos veículos passam a trafegar pela estrada
concorrendo com as diligências. São os automóveis e um deles atropela mortalmente
Hogue que sucumbe ironicamente aos novos tempos.
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Jason Robards |
Mudança
de estilo - O que levou Sam Peckinpah a se interessar pela história
do miserável que se torna empreendedor foi a narrativa original tocar em seu
tema preferido que é o fim dos tempos do tão decantado pelo cinema e literatura
Velho Oeste. O crepúsculo da existência daqueles homens endurecidos pela forma
de vida que levavam permeou “Parceiros da Morte” (The Deadly Companions), “Pistoleiros
do Entardecer” (Ride the High Country) e “Meu Ódio Será Sua Herança” (The Wild
Bunch). A triste história de Cable Hogue seria mais uma possibilidade de
Peckinpah discorrer alegoricamente sobre o assunto que tanto o atraia. Mas o
diretor queria mostrar que era também capaz de fazer um filme engraçado, uma quase
comédia com aspectos românticos sem deixar de lado o conflito de tempos em
transformação. E a violência que era a marca de seus filmes foi amenizada,
ainda que não totalmente eliminada, e sendo mostrada de forma mais pilhérica
que dramática. Afinal Peckinpah vinha sendo chamado de ‘o John Ford dos tempos
do Vietnã’, rótulo que lhe caiu admiravelmente após o violento e ao mesmo tempo
poético “Meu Ódio Será Sua Herança”. Ford emocionava as plateias com os
momentos românticos e engraçados de seus westerns e Peckinpah devia isso a seu
público.
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David Warner; Strother Martin e L.Q. Jones |
Pregador
e bandidos divertidos - Os pregadores dos filmes de
Peckinpah (quase sempre encarnados por R.G. Armstrong) eram irados fanáticos
religiosos e em “A Morte Não Manda Recado” o pregador interpretado por David
Warner é também fanático, mas não pelo que pregam os textos bíblicos e sim por
mulheres. Podem ser até casadas, mas a condição essencial é serem bonitas e
carentes de conforto espiritual que o libidinoso pastor de almas, com
facilidade transforma em conforto licencioso através de versículos que ele
mesmo cria. Não menos engraçada que o pregador é a dupla de escroques que
atraiçoa Cable Hogue e mais tarde lhe cai em mãos para consumar a vingança,
interpretados pelo pândego Strother Martin e pelo sempre psicótico L.Q. Jones.
Nem o mais imaginativo roteirista do mais grotesco western spaghetti seria
capaz de forjar a armadilha que Hogue prepara para ambos, no próprio buraco que
escavaram em busca de dinheiro e no qual Hogue atira sua coleção de cobras.
Completa a comicidade deste western a simbólica tragédia final com Hogue
desesperadamente tentando conter o pesado automóvel que teve os freios soltos e
que o atropela e mata.
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Stella Stevens e Jason Robards |
Interlúdio
romântico - Se Peckinpah foi bem sucedido com os momentos engraçados
da história de Cable Hogue, o mesmo não ocorreu com o romance entre o rato do
deserto e a prostituta de coração de ouro. Jason Robards e Stella Stevens
desempenham brilhan-temente seus personagens mas a história de amor entre ambos
não funciona a contento. Assim como ocorreu em “Butch Cassidy e Sundance Kid”,
filmado um ano antes e que será sempre lembrado pelo interlúdio romântico ao
som de “Raindrops Keep Fallin’ on My Head”, o idílio entre Hogue e Hildy é
emoldurado por uma canção. “Butterfly Mornin’s” é cantada por Hildy e Hogue e
nem de longe é palatável como o sucesso musical de Burt Bacharach e Hal David. Não
faltou atrevimento a Peckinpah que mostra Stella Stevens inteiramente nua numa longa
e deliciosa sequência de banho, para alegria dos espectadores, sequência que
pouco acrescenta à aventura amorosa do casal. Muito melhor que o encantamento
de Hogue e Hildy é o ciúme que toma conta dele quando o pregador volta seu
olhar impúdico para a prostituta.
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Stella Stevens e Jason Robards; Stella Stevens |
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Stella Stevens |
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David Warner e Jason Robards |
Western
arrastado e com pouca ação - “A Morte Não Manda Recado” tem
duração de 121 minutos que parecem se alongar em alguns momentos tornando o
filme um tanto arrastado. Mestre da ação, Peckinpah não cria nenhum momento
mais trabalhado de confronto, mesmo porque o roteiro não foi pensado para esse
tipo de filme. Em se tratando, porém, desse diretor este seu filme frustra as
expectativas e nem toda comicidade e enlevo dos momentos entre Hildy-Hogue são
suficientes para manter o ritmo ideal. Não faltam as belas paisagens que a
câmara de Lucien Ballard captura primorosamente mas ressente-se da música de
Jerry Fielding, compositor preferido de Peckinpah. As três canções ouvidas no
filme são de autoria de Richard Gillis, duas delas musicadas por Jerry
Goldsmith, que compôs a trilha incidental. Nenhuma das canções é inspirada o
suficiente para tornar marcante “A Morte Não Manda Recado”.
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Stella Stevens |
Inesquecível
Stella Stevens - Acusado muitas vezes de imitar Humphrey Bogart, a quem lembrava
bastante fisionomicamente, tendo inclusive se casado com Lauren Bacall, a viúva
de Bogey, Jason Robards é um magnífico ator que brilha como Cable Hogue. Faz esquecer
o empostado ‘Cheyenne’ de “Era Uma Vez no Oeste” (C’Era Uma Volta Il West).
Stella Stevens como Hildy tem o melhor desempenho de sua carreira não muito
pródiga em boas oportunidades como esta que Peckinpah lhe deu. Delicadamente sensual
e inocentemente divertida, Stella está inesquecível como a meretriz que
conquista Hogue. David Warner passa, por vezes, do ponto exagerando como o
pregador vigarista. Mas seu personagem é ótimo e seu discurso fúnebre
memorável. O grupo de atores que formava uma espécie de Peckinpah Stock Company
tem destaque maior para Strother Martin com seu olhar de covarde sempre pronto
para dar um bote traiçoeiro. L.Q. Jones, Slim Pickens, R.G. Armstrong e Gene
Evans completam esse time especial de coadjuvantes. Último filme de Peter
Whitney que viria a falecer em 1972, aos 55 anos de idade.
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Jason Robards |
Lançamento
de segunda categoria - Não poucos críticos consideram “A
Morte Não Manda Recado” o melhor filme de Sam Peckinpah, o que é um exagero. E assim
também não pensaram os executivos da Warner Bros. que relegaram este western a
uma distribuição em cinemas de segunda categoria e com insignificante
publicidade. Diante de seus melhores filmes, ambos faroestes – “Pistoleiros do
Entardecer” e “Meu Ódio Será Sua Herança” – este “A Morte Não Manda Recado” é
um filme menor e Peckinpah não tencionava repetir a grandeza de seu western
anterior mesmo porque sabia que o material que tinha em mãos não tinha a mesma
magnitude. Com a balada de Cable Hogue Sam Peckinpah fez aquilo que mais
gostava de fazer, falar do fim do Oeste mítico. Pena que com um filme que não
se tornou lendário como o Velho Oeste.
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David Warner, Slim Pickens, Jason Robards, Peter Whitney e R.G. Armstrong;Stella Stevens e Jason Robards |