UMA REVISTA ELETRÔNICA QUE FOCALIZA O GÊNERO WESTERN
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11 de junho de 2013

HISTÓRIAS DO ÁLAMO - O HOMEM QUE VENDEU SUA ALMA


Em 1958 John Wayne se considerava (e era considerado) um homem rico e tinha muitas razões para isso. A partir de 1949 o Duke esteve sempre na lista dos dez atores cujos filmes mais arrecadavam nas bilheterias, tendo encabeçado essa lista nos anos de 1950, 1951 e 1954, sendo o segundo em 1956 e 1957 e terceiro em 1952, 1953 e 1955. Wayne cobrava 500 mil dólares por filme e ainda recebia porcentagem pelo lucro dos mesmos, isto além de produzir muitos filmes com a sua produtora independente, a Batjac. Depois de terminar “Onde Começa o Inferno” e “Marcha de Heróis”, John Wayne iria começar a filmar “O Álamo”, grande sonho de sua vida. Antes foi com a esposa Pilar para Nova York para fazer compras. Wayne gastou 3.200 dólares na Saks, famosa loja da Quinta Avenida, pagando essa despesa com um cheque. Semanas depois a loja ligou para John Wayne informando que não estava conseguindo descontar o cheque por falta de fundos. “Impossível!”, exclamou John Wayne que em seguida ligou para Bo Ross, o homem que cuidava de seu dinheiro, investindo-o das mais variadas formas. Ross foi evasivo nas explicações e John Wayne partiu furioso para o escritório de Ross exigindo explicações. Sem saída e ameaçado por Wayne, Bo Ross confessou dizendo que John Wayne não tinha mais nada pois todos os investimentos foram perdidos. Wayne tinha agora apenas a casa em que morava, os veículos e a Batjac. O mais rentável ator norte-americano fora levado à falência por Bo Ross, o mesmo homem que também desaparecera com a fortuna de Red Skelton.

O roteirista James Edward Grant e John Wayne.
Duke com o chapéu na mão atrás de dinheiro - John Wayne demitiu Bo Ross e mesmo em sérias dificuldades financeiras não podia adiar a produção de “O Álamo” pois já havia muita gente contratada pela Batjac trabalhando na pré-produção. “O Álamo”, mais que um sonho, era uma obsessão para John Wayne, obsessão que havia tido início há mais de dez anos quando em 1948 o ator-produtor e James Edward Grant visitaram San Antone, no Texas, para iniciar suas pesquisas. John Wayne queria fazer um grande filme e para isso não confiava em ninguém para dirigi-lo, a não ser ele próprio, abrindo mão até mesmo de estrelar o filme, já que seria o produtor e o diretor. Wayne cogitou filmar “O Álamo” inicialmente no Panamá e posteriormente optou pelo México para baratear a produção. As coisas começaram a piorar para John Wayne quando descobriu que nenhum estúdio queria se associar à Batjac, pois nenhum chefe de estúdio se aventuraria em colocar dinheiro num filme que teria John Wayne como... diretor, especialmente num projeto tão caro. A Warner Bros. chegou a propor ao Duke um acordo desde que John Ford ou Howard Hawks dirigisse o filme, mas Wayne não aceitou. Finalmente a United Artists topou colocar 2,5 milhões de dólares na produção de “O Álamo”. Mas impôs a condição de John Wayne interpretar Davy Crockett, coisa que o Duke não pretendia fazer. Wayne queria ter apenas uma pequena participação como o General Sam Houston. John Wayne acabou aceitando estrelar o filme que iria também dirigir e produzir.

James T. 'Happy' Shahan
E o céu mandou ‘Happy’ Shahan - John Wayne sabia que “O Álamo” custaria pelo menos 7,5 milhões de dólares e por isso teria que recorrer a investidores o que significaria participação nos lucros do filme. Toda Hollywood acompanhava o drama de John Wayne e a notícia chegou ao Texas, onde vivia James T. ‘Happy’ Shahan, um milionário que possuía 22 mil acres de terras. Shahan propôs ajuda a Wayne intermediando contatos com ricos texanos desde que Wayne fizesse o filme no Texas, mais precisamente em Brackettville, onde ficavam parte das terras de ‘Happy’ Shahan. Após conhecer o local, não muito distante de onde ficava a verdadeira missão espanhola em ruínas que virou uma fortificação chamada Álamo, John Wayne não teve dúvidas. Faria “O Álamo” ali em Brackettville. Wayne gostou do local e mais ainda dos três milhões de dólares dos irmãos McCullough e outros 2,5 milhões de Clint Murchinson, milionários exploradores de petróleo, que ajudariam a financiar o filme. Tudo por obra de 'Happy' Shahan que persuadiu os milionários.

John Wayne, o prefeito do Álamo.
Uma cidade chamada Álamo - Com oito milhões de dólares já era possível começar “O Álamo”. E o início do projeto se deu com a construção em Brackettville de uma réplica perfeita do Álamo original, sob o comando do mexicano ‘Chato’ Gonzalez e ao custo de 1,5 milhão de dólares. O Álamo e mais uma recriação da cidade de San Antone foram construídos numa área de 60 mil metros quadrados, empregando centenas de mexicanos que produziam os tijolos necessários. Muitos texanos foram também contratados para as obras dirigidas por ‘Chato’ Gonzalez. Próximo do local situa-se o desativado Forte Clark que foi transformado em alojamento dos atores, equipe técnica e figurantes permanentes, totalizando 342 pessoas. Haveria necessidade de 190 mil refeições durante os 81 dias programados para as filmagens, logo chegando a Brackettville 44 mil quilos de alimentos, 500 mil ovos e 400 mil litros de leite. Além disso, ingredientes para 1,5 milhão de pãezinhos. Cada dia de produção iria custar 80 mil dólares, num total de 6,5 milhões de dólares. Haveria ainda os inevitáveis gastos com publicidade, negativos e tudo que cerca a produção e lançamento de um filme, o que impedia de fechar a conta de “O Álamo” que teve inicio assim mesmo.

Momento de descontração entre Harvey,
'Happy' Shahan, Widmark e o Duke.
Reduzindo despesas com Widmark e Harvey – Além das centenas de pessoas envolvidas na produção de “O Alamo”, havia ainda 160 cavalos que foram alugados. Por sorte ‘Happy’ Shahan conseguiu que um amigo fazendeiro texano ‘emprestasse’ 200 cabeças de gado ‘Longhorn’ necessárias para sequências do filme. As despesas pareciam não acabar nunca e, caso Burt Lancaster (Bowie), Charlton Heston (Travis) ou Clark Gable (Crockett), primeiros atores cogitados para os três papéis principais tivessem sido contratados o dinheiro conseguido não bastaria. Lancaster estava comprometido com “Entre Deus e o Pecado”, Gable com “Os Desajustados” e Heston se recusou a ser dirigido por John Wayne. Marlon Brando foi sondado para fazer uma ponta como o Generalíssimo Santa Anna, mas assim como Charlton Heston, Brando também não aceitou trabalhar com John Wayne por razões obviamente políticas. Wayne pensou então em William Holden como Jim Bowie e Rock Hudson como Travis, mas recuou diante da pedida dos dois atores cujos prestígios estavam no limite máximo e seus salários beiravam o milhão de dólares. Bastante mais em conta foram os salários de Richard Widmark e de Laurence Harvey. Richard Boone, como se sabe, abriu mão do salário de 100 mil dólares pois sabia das dificuldades financeiras de John Wayne. Boone disse a Wayne que se sentia recompensado se ganhasse o casaco de couro que usara em “O Álamo”.

O eternamente carrancudo John Ford se
intrometendo no filme do amigo John Wayne.
A constrangedora presença de John Ford - John Wayne estava entre amigos na produção de “O Álamo”, gente como William H. Clothier (diretor de fotografia), Alfredo Ybarra (desenhista de produção e criador dos sets) e Cliff Lyons (diretor de segunda unidade). E ainda praticamente todo o elenco de coadjuvantes tinha relações de amizade com o Duke. Para o filme foram recrutados 28 dublês, entre os melhores de Hollywood, e todos eles recebiam um salário extra atuando também como atores. A presença de Frankie Avalon no filme se explica como forma de atrair os espectadores teenagers. Além de estar entre amigos, Wayne estava com a família por perto pois seu filho Michael Wayne era o produtor-executivo e Pat Wayne estava no elenco, assim como a filha Aissa. A esposa Pilar e a filha Toni também estavam alojadas em Forte Clark, acompanhando as filmagens. Só quem não podia ser chamado de amigo de John Wayne era Richard Widmark, que decididamente não nutria a menor simpatia pelo Duke. Mas pior que todos os problemas financeiros ou mesmo a hostilidade de Widmark, foi a inesperada chegada de John Ford a Brackettville. Ford importunou Wayne por 20 dias, até que se retirou das filmagens após constranger terrivelmente Duke. Ford chegou a filmar algumas cenas usadas no filme, ainda que John Wayne negasse esse fato.

John Wayne com 15 quilos a menos e
incontáveis preocupações a mais.
O desespero toma conta de John Wayne - O western mais caro do cinema havia sido “Duelo ao Sol”, que custara oito milhões de dólares em 1946. As colunas especializadas anunciavam que “O Álamo” superaria “Duelo ao Sol” pois seu custo já havia atingido os dez milhões de dólares. Os detratores de Wayne diziam que aqueles números não eram verdadeiros e que o filme havia consumido apenas 5,5 milhões de dólares. Mas o fato é que os oito milhões iniciais (da United Artists e dos investidores texanos) se mostraram insuficientes e a produção chegou a ser ameaçada de ser interrompida. Isso não aconteceu porque a Yale Foundation investiu mais 1,5 milhão de dólares na produção de “O Álamo”, atingindo até então 9,5 milhões de dólares. John Wayne trabalhou demais em “O Alamo” e dormia apenas quatro horas por dia, sendo o último a se deitar e o primeiro a se levantar nas acomodações de Forte Clark. Lembra-se muito que John Wayne perdeu 15 quilos durante as filmagens de “O Álamo”. Cita-se também que passou de três para seis maços de cigarros por dia. Mas isso certamente não aconteceu apenas pela desumana sobrecarga de trabalho (“O Álamo” foi filmado em apenas 81 dias) e sim pela possibilidade de ver seu sonho arruinado por falta de dinheiro para concluí-lo.

William H. Clothier e John Wayne.
John Wane hipoteca sua própria casa - Foi então que Wayne assinou novo contrato para estrelar três filmes para a 20th Century-Fox, recebendo um adiantamento por esses trabalhos. A esse montante Wayne juntou a hipoteca de sua casa em Encino, na Califórnia. Mesmo assim não chegou aos doze milhões de dólares que era a projeção final para “O Álamo”, incluídos já os gastos com publicidade para a campanha do Oscar. A solução foi vender partes do possível lucro do filme a investidores, deixando ele próprio de receber qualquer dividendo pelo filme. O custo de “O Álamo” foi sensivelmente elevado pelo processo em que foi filmado, o Todd-AO, em 70 mm, que supervalorizava as espetaculares imagens capturadas pelas câmaras de William H. Clothier. Esse processo permitia também que se fizesse cópias em 35 mm para os cinemas não aparelhados para exibir o Todd-AO. Depois de meses sendo editado, musicado e recebendo a estupenda trilha sonora com som que lhe valeu o único Oscar, “O Álamo” foi lançado numa première em San Antone, no Texas, em 24 de outubro de 1960. Dois dias depois o filme foi exibido em um único cinema de cada uma das maiores capitais, tendo recebido críticas que só não destruiram o filme de John Wayne porque ele tinha muitas qualidades e, inegavelmente, alguns defeitos também.

John Wayne inspecionando cada detalhe;
atrás dele Joseph Calleia.
Todos ganharam, menos John Wayne - Após o período de lançamento, a parte da imprensa que não gostava de John Wayne se deliciou divulgando que o filme fracassara nas bilheterias, não se pagando e que não se pagaria jamais. “Ben-Hur” custara 16 milhões de dólares em 1959; “Os Dez Mandamentos” custara 13 milhões de dólares em 1955 e “Spartacus” custou os mesmos 12 milhões de dólares que “O Álamo”. Porém esses épicos arrecadaram respectivamente 70 milhões, 80 milhões e 60 milhões de dólares em seus primeiros anos de exibição nos Estados Unidos. “O Álamo” arrecadou somente oito milhões de dólares e apenas conseguiu se pagar com as excepcionais bilheterias vindas do Exterior. Com os relançamentos em 1963, 1967 e 1970, a United Artists e demais investidores passaram a receber lucros que recebem até hoje. “O Álamo” foi dos raros westerns a merecer lançamento em disc-laser e sempre vendeu muito em VHS e agora em DVD. Após a aventura vivida em Brackettville, no Texas, John Wayne retomou sua carreira como ator e produtor e, muito mais cuidadoso com seus ganhos milionários, nunca mais teve problemas financeiros. Porém com “O Álamo” John Wayne não ganhou um único centavo, mas nunca reclamou desse fato. Para fazer esse filme o Duke entregou entusiástica e estoicamente não só tudo que tinha na vida mas também sua alma.



6 de junho de 2013

HISTÓRIAS DO ÁLAMO – A ACADEMIA VINGA-SE DE JOHN WAYNE


O mais cobiçado prêmio do cinema norte-americano é o Oscar, distribuído pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, com sede em Beverly Hills, Califórnia. Os membros da Academia são os responsáveis pela escolha dos premiados e nunca foram lá muito simpáticos com o gênero Western. Prova disso é que, ao longo dos 85 anos em que esse prêmio é distribuído (desde 1929), somente três faroestes foram premiados como Melhores Filmes do Ano. Foram eles: “Cimarron” (1930), “Dança com Lobos” (1990) e “Os Imperdoáveis” (1992). Na solenidade de entrega de 1961, referente aos filmes exibidos em 1960, um western obteve sete indicações, entre elas a de Melhor Filme. Esse western era “O Álamo”, dirigido e estrelado por John Wayne.

John F. Kennedy e Richard Nixon.
O grande reacionário - Se os membros da academia gostavam pouco de faroestes, em 1961 eles tiveram razões maiores para não premiar “O Álamo”. O contexto político da época mostrava o Partido Democrático no poder com a eleição de John F. Kennedy, em novembro de 1960. Kennedy venceu Richard Nixon num pleito acirradíssimo com porcentagens de votos de 49,7% para Kennedy e 49,6% para Nixon. Com Kennedy na Presidência os liberais, de modo geral, mostravam-se cada vez mais fortes, reivindicando e conquistando progressivamente direitos historicamente sonegados às diversas minorias. Enquanto Marlon Brando, Paul Newman, Burt Lancaster e até mesmo Charlton Heston lideravam passeatas por direitos humanos, John Wayne era visto, por suas posições políticas, como o grande reacionário do cinema. E a Academia tinha entre seus membros a chamada intelectualidade de Hollywood, a ‘esquerda’ política que representava um adversário para as intenções de John Wayne de ganhar prêmios com seu “O Álamo”.

Bette Davis, uma das candidatas a
Scarlett O'Hara.
O publicitário de “E o Vento Levou” - Há tempos havia-se concluído que o Oscar alavancava as bilheterias dos filmes e isso fazia com que as campanhas para tornar filmes e artistas vitoriosos na corrida por esse prêmio se tornassem rotina. “Ben-Hur” havia gasto uma fortuna em publicidade e arrematou nada menos que onze dos principais prêmios em 1960. John Wayne havia gasto todo dinheiro que tinha com “O Álamo”, sendo que seu filme, quando lançado em outubro de 1960, dividira as críticas. Apesar de ir bem nas bilheterias “O Álamo” estava longe de cobrir os 12 milhões de dólares gastos na produção. Wayne sentiu que era necessário fazer uma campanha para que seu filme tivesse o maior número de indicações possível para “O Álamo” arrecadar mais dentro e fora dos Estados Unidos. Para essa campanha Wayne contratou o publicitário Russell Birdwell, que já havia sido o responsável pela publicidade ‘normal’ do filme. A publicidade de “O Álamo” foi a maior até então feita para uma película. Russell Birdwell tornou-se uma lenda em Hollywood depois que inventou a famosa Escolha de Scarlett O’Hara, para “O Vento Levou”, criando uma expectativa inusitada na América para o filme de David O. Selznick. Birdwell foi também o responsável pela publicidade do filme "O Proscrito" com as famosas fotos de Jane Russell num celeiro, fotos que levaram muita gente a ver aquele western. Inteiramente descapitalizado, tendo de hipotecar a própria casa, John Wayne via no trabalho de Russell Birdwell a salvação financeira, já que não tinha mais onde pedir ajuda financeira e a própria United Artists se recusava a fazer novos gastos com “O Álamo”. Para ter algum dinheiro em sua conta bancária John Wayne foi para Tanzânia, na África, filmar “Hatari”, deixando sob a responsabilidade de Birdwell a criação da campanha de “O Álamo” visando a premiação da Academia na noite de 17 abril de 1961.

Russell Birdwell, o gênio do marketing cinematográfico que jogou
a Academia contra "O Álamo".

Duke, Dick e Laurence Harvey.
Primeira decepção de John Wayne - De início tudo parecia correr bem e os anúncios criados por Russell Birdwell sugeriam que “O Álamo” merecia concorrer às indicações nas seguintes categorias: Melhor Filme – Melhor Diretor – Melhor Ator (John Wayne, Richard Widmark e Laurence Harvey) – Melhor Ator Coadjuvante (Chill Wills) – Melhor Atriz Coadjuvante (Joan O’Brien) – Melhor Canção (“The Green Leaves of Summer”) – Melhor Trilha Sonora – Melhor Cinematografia em Cores – Melhor Edição – Melhor Direção de Arte em Cores – Melhor Vestuário (Costumes) em Cores – Melhores Efeitos Especiais – Melhor Som – Melhor Decoração de Set em Cores. Entre os contatos de Birdwell estavam as influentes colunistas Louella Parsons e Hedda Hopper e também William Randolph Hearst com sua cadeia de jornais espalhada por todo país. A campanha de Birdwell continuou com notas sobre o filme plantadas diariamente na grande imprensa e com anúncios de página inteira nos órgãos especializados como “The Hollywood Reporter” e “Variety”. Em 27 de fevereiro foi publicada a lista das indicações, decepcionando John Wayne, que ainda estava na África. “O Álamo” recebeu apenas sete indicações: Melhor Filme – Melhor Ator Coadjuvante (Chill Wills) – Melhor Cinematografia em Cores – Melhor Edição – Melhor Canção – Melhor Trilha Sonora – Melhor Som. John Wayne comentou que não entendia como seu filme não obtivera indicações para Melhor Roteiro, Melhor Ator e Melhor Diretor, prêmios mais cobiçados depois de Melhor Filme. O cenário do Oscar tornava-se tão sombrio para “O Álamo” quanto o próprio cerco da missão espanhola em ruínas.

Kirk Douglas, Jean Simmons, Tony Curtis e John
Ireland, parte do grande elenco de "Spartacus".
“O Álamo” vs. “Spartacus” - Todos acreditavam que a disputa pelos prêmios mais importantes ficasse entre “O Álamo” e “Spartacus”, ambas superproduções com tendências políticas. Kirk Douglas trouxera de volta a Hollywood para escrever o roteiro de "Spartacus" o escritor e roteirista Dalton Trumbo, um dos ‘Hollywood Ten’ que foram parar na cadeia por obra do odioso macarthismo, movimento por sinal defendido por John Wayne. “Spartacus” teve somente seis indicações e a grande surpresa foi “Se Meu Apartamento Falasse”, comédia dramática de Billy Wilder, com dez indicações. Russell Birdwell decidiu então partir para uma campanha mais agressiva visando influenciar os membros da Academia. Os textos dos próximos anúncios veiculados lembravam que “O Álamo” representava, como nenhum outro filme, o espírito patriótico dos norte-americanos. Birdwell chegou a publicar que “Quem não votasse no filme de John Wayne era anti-americano”. John Wayne, que havia retornado da Tanzânia, pressentiu que a campanha de Birdwell representava um tiro de canhão no próprio pé e despediu sumariamente o publicitário. A Batjac, produtora de John Wayne divulgou alguns anúncios quase em forma de desculpas, respeitando a liberdade de escolha dos votantes e contrariando assim o tom autoritário e pretensamente patriótico da campanha de Birdwell. A intenção de Wayne era reconquistar votos perdidos e conquistar outros ainda indecisos. O Duke não contava com o desastre que seu amigo Chill Wills estava armando.

Chill Wills, que sepultou de vez as suas chances
e as chances de "O Álamo".
“Primo Chill, vou votar em Sal Mineo” - Nos últimos dias que precederam o final da votação, Chill Wills publicou anúncios como representante dos “Texas Cousins” (Primos Texanos). Esse grupo conclamava os membros da Academia a votar em Wills para Melhor Ator Coadjuvante. Apelando para o sentimentalismo mais barato, um dos anúncios dizia: “Nós, da produção do filme ‘O Álamo’ estamos rezando mais pela premiação do nosso primo Chill Wills do que os texanos rezaram antes de morrer defendendo O Álamo. A atuação do primo Chill foi estupenda. – Ass.: Seus Primos do Álamo”. Quem coordenava essa campanha particular era um texano de nome W.S. Wojciechowicz, apelidado de ‘Bow Wow’. Assim como os outros dois mil membros da Academia, Hedda Hopper recebeu uma carta que dizia que ela votaria em Chill Wills. No dia seguinte Hedda Hopper anunciou em sua coluna que jamais votaria em Wills. Mais sarcástico que nunca, Groucho Marx, que também recebera uma carta, publicou um anúncio na “Variety” com estas palavras: “Caro Chill, fiquei contente de saber que sou seu primo, mas vou votar em Sal Mineo”. John Wayne desesperado postou outro anúncio informando que desconhecia o texto que conclamava a Academia a votar em Chill Wills, não concordava com o mesmo e jamais autorizaria a sua publicação, ainda mais ilustrada com a foto de todo o elenco diante da fachada d’O Álamo.

A foto que Chill Wills publicou em seu anúncio, na tentativa de ganhar um Oscar.

And the winner is... not The Alamo – John Wayne sabia que tudo estava perdido para seu filme, mesmo assim compareceu à noite de premiação. O Álamo resistiu treze dias, enquanto “O Álamo” de John Wayne foi derrotado fragorosamente nas poucas horas da cerimônia de entrega dos prêmios. Como consolação “O Álamo” recebeu um acachapante único Oscar de Melhor Som. O maior vencedor da noite foi “Se Meu Apartamento Falasse” que ficou com cinco prêmios Oscar, seguido de “Spartacus”, que ficou com quatro estatuetas. A Academia, numa votação claramente em represália à campanha de Birdwell e inegavelmente política, foi injusta com “O Álamo” e uma análise comparativa demonstra essa injustiça.
Melhor Filme – Nessa categoria “O Álamo” teria chances diante de “Entre Deus e o Pecado”, uma vez que “Spartacus” sequer foi indicado para Melhor Filme. Mas quem levou o prêmio foi “Se Meu Apartamento Falasse”. 
Melhor Diretor – Coerentemente a Academia premiou Billy Wilder, o diretor do filme vencedor, deixando de premiar Alfred Hitchcock por “Psicose”, um dos melhores filmes do Mestre do Suspense. Mas é discutível que o trabalho de John Wayne como diretor tenha sido inferior aos trabalhos de Jack Cardiff (“Filhos e Amantes”), Jules Dassin (“Nunca aos Domingos”) ou Fred Zinnemann (“Peregrinos da Esperança”). Essa clara ‘vingança’ da Academia deve ter doído muito no Duke.
Melhor Ator – Ainda que os três atores principais de “O Álamo” tivessem sido indicados, seria impossível Wayne, Widmark ou Harvey tirar o Oscar de Burt Lancaster (“Entre Deus e o Pecado”), ou mesmo de Spencer Tracy (“O Vento Será Sua Herança”).
Melhor Ator Coadjuvante – Em tempo algum Chill Wills poderia concorrer com o vencedor desta categoria que foi Peter Ustinov (“Spartacus”). E Chill Wills perderia fácil também para Charles Laughton (“Spartacus”) que nem indicado foi.
Melhor História ou Roteiro Original – O roteiro de James Edward Grant para “O Álamo” não foi indicado. Se fosse teria que enfrentar os roteiros de “Se Meu Apartamento Falasse” (vencedor), “Nunca aos Domingos”, “Hiroshima Meu Amor” (e pasmem!) os de “Momentos de Angústia” e de “O Jogo Proibido do Amor”. Teria a Academia desconsiderado o roteiro de Grant por entendê-lo não original por ser baseado num fato histórico?
Melhor Cinematografia em Cores – O prêmio ficou com “Spartacus”, num belíssimo trabalho de Russell Metty, mas ficaria melhor ainda se fosse entregue a William H. Clothier, por sua portentosa cinematografia em “O Álamo”. Aqui pode-se afirmar que a Academia reafirmou sua fama de injusta.
Melhor Direção de Arte – Outra vez “Spartacus” ganhou, mas sem ter a concorrência de “O Álamo”, que não foi sequer indicado. A Academia ignorou o maravilhosamente perfeito trabalho de Alfred Ybarra. “O Álamo” merece ser assistido várias vezes para que sua direção de arte e decoração de cenários sejam melhor admirados. Outra injustiça da injusta Academia.
Melhor Vestuário (Costumes) – Mais um prêmio para “Spartacus”, categoria na qual “O Álamo”, estranhamente, não foi lembrado. A Academia preferiu o bonito “Can-Can”, as roupas luxuosas de Doris Day em “A Teia de Renda Negra”, a deselegância de Cantinflas em “Pepe” e os tempos de Roosevelt na Casa Branca em “Dez Passos Imortais”.
Melhor Edição – Venceu “Se Meu Apartamento Falasse”, filme cujo roteiro intensamente dialogado determina a própria edição. Um filme em que o forte é o texto e que comparado aos perdedores “Spartacus” e “O Álamo” significa uma injustiça em dose dupla.

Categorias em que o "O Álamo"
concorreu.
As maiores injustiças – “O Álamo” recebeu um Oscar de Melhor Som e foi vitorioso numa categoria na qual o único concorrente possível seria o fraco “Cimarron”. Difícil entender por que razão não zeraram os prêmios do filme de John Wayne, o que atestaria a aversão da Academia a John Wayne. Não receber nenhum prêmio seria uma humilhação menor que atribuir a “O Álamo” este Oscar puramente de consolação. As maiores injustiças daquela noite foram sem dúvida os prêmios de Melhor Trilha Musical Dramática e de Melhor Canção, vencidos respectivamente por “Êxodus” (Ernest Gold) e “Nunca aos Domingos” (Manos Hadjidakis). A trilha musical composta por Dimitri Tiomkin para “O Álamo” é uma das melhores já feitas até hoje para o cinema e mais rica, inspirada e variada que a de Ernest Gold. Se pelo menos Tiomkin tivesse perdido para Elmer Bernstein, que compôs a excelente e inovadora trilha para “Sete Homens e Um Destino” seria aceitável a derrota, ainda que também injusta. E não é necessário ser músico para perceber que a canção “The Green Leaves of Summer” é melodicamente superior à deliciosa mas quadradinha canção grega. Na premiação do Oscar de 1961 John Wayne pagou, com “O Álamo”, o preço de defender vigorosamente uma visão política obtusa e radical. A isso foram somados os estragos feitos pela campanha desastrosa do ‘marqueteiro’ Russell Birdwell e pelos desatinos do desmiolado Chill Wills.

26 de maio de 2013

HISTÓRIAS DO ÁLAMO - O TIRANO QUE ROUBOU O SONHO DE JOHN WAYNE


As primeiras versões da história do
Álamo para o cinema.

A defesa da missão transformada em forte em San Antonio, no Texas, mais conhecida como Álamo, é um dos fatos históricos que mais orgulho traz aos norte-americanos. Como não poderia deixar de ser aquela passagem histórica foi levada algumas vezes ao cinema antes da mais famosa versão dirigida por John Wayne. A primeira delas foi em 1911, com o curta “The Immortal Alamo”, estrelado por Francis Ford, irmão de John Ford. Em 1915, desta vez como longa-metragem, David W. Griffith produziu “Mártires do Alamo”, dirigido por Christy Cabanne. O nome mais famoso do elenco era o de Douglas Fairbanks interpretando um soldado texano. Esse filme foi relançado cinco anos depois com o título “O Nascimento do Texas”. Em 1926 Robert N. Bradbury (pai de Bob Steele) filmou “Davy Crockett e a Queda do Álamo”, protagonizado pelo ator Cullen Landis e com Bob Steele no elenco. Em 1939 Richard Dix interpretou Sam Houston em “A Grande Conquista”, filme que contou com as participações de Joan Fontaine, Victor Jory, Robert Barrat, George ‘Gabby’ Hayes e Robert Armstrong, entre outros. O próximo filme sobre o Álamo com personagens que participaram das batalhas de três dias foi “A Última Barricada”, western épico que tem uma longa história.

O jovem John Wayne.
O início da paixão pelo Álamo - O primeiro filme que John Wayne assistiu sobre o Álamo foi “O Nascimento do Texas”, que despertou seu fascínio pelo assunto. Mais tarde John Wayne assistiu ao filme dirigido por Robert N. Bradbury, de quem viria a ser amigo anos depois. Wayne foi se apaixonando pelos acontecimentos ocorridos em San Antonio, paralelamente à medida que crescia sua ideologia política pendendo para a ala mais radical do Partido Republicano. John Wayne era contratado da Republic Pictures quando soube, em 1939, que o estúdio iria produzir “A Grande Conquista”. Wayne pediu a Herbert J. Yates, o dono da Republic, para participar de “A Grande Conquista”, mas Yates lhe disse que ele ainda era “muito fraco” como ator, isto apesar dos mais de 60 filmes que o Duke fizera depois de “A Grande Jornada”, em 1930. E Yates sabia que Wayne havia acabado de filmar um certo faroeste sob a direção de John Ford, filme chamado “No Tempo das Diligências”. A partir de então duas coisas aconteceram: John Wayne passou a sonhar em filmar uma versão definitiva daquele episódio histórico; e John Wayne se tornou um dos grandes astros do cinema. Ser grande astro não significava ganhar bem pois Yates dirigia um pequeno estúdio mas era tão sovina quanto Jack Warner (Warner Bros.), Harry Cohn (Columbia), ou qualquer outro diretor dos grandes estúdios .

Herbert J. Yates e Vera Helena Hruba
A primeira promessa de Yates - Após a II Guerra Mundial o desejo de John Wayne de fazer o filme de seus sonhos era conhecido de todos, inclusive de Herbert J. Yates. Querendo tirar proveito disso, Yates fez uma promessa ao Duke. Se John Wayne assinasse novo contrato com a Republic Pictures, Yates iria produzir o ‘Álamo’ que o ator tanto queria. Por esse novo contrato de sete anos Wayne deveria fazer pelo menos um filme por ano para a Republic, podendo atuar também em produções de outros estúdios. Depois do contrato assinado o tratante Yates não falou mais do assunto 'Álamo' com John Wayne. No início dos anos 40 Yates se enamorou por uma jovem patinadora tcheca chamada Vera Helena Hruba e decidiu fazer da moça uma estrela de cinema, uma nova Sonja Henie. Mas Yates acabou criando uma nova Marion Davies, a paixão de William Randolph Hearst que disfarçadamente Orson Welles mostrou em “Cidadão Kane”. A patinadora Vera era 39 anos mais nova que Yates, o que não impediu o produtor de cortejá-la abertamente, isto apesar de ainda ser casado e ter netos. A moça patinava razoavelmente, mas como atriz era péssima. Para ajudar a tchecoslovaca mal sabia falar algumas palavras em Inglês. Para impulsionar a carreira de atriz da namorada, cujo nome artístico passou a ser Vera Ralston, Yates decidiu que John Wayne deveria ser seu partner em alguns filmes.

John Wayne e Vera Ralston em "Dakota".
Duke e as cenas de amor com Vera Ralston (e Herb Yates) - Em meados da década de 40 John Wayne era o grande astro da Republic Pictures e, exercitando seu notório mau caráter, Herbert J. Yates quis se aproveitar da fama do Duke, chantageando-o.  Yates prometeu a John Wayne que se ele filmasse com Vera Ralston a Republic faria sim o filme sobre o Álamo. Wayne mais uma vez acreditou em Yates e teve Vera Ralston como leading-lady em “Dakota”, filme de 1945. Pior ainda que contracenar com Vera era ter que aguentar a presença constante de Yates nos sets de filmagem, atrapalhando com seu ciúme doentio as cenas de amor. Terminado o filme Wayne cobrou de Yates a promessa sobre o Álamo. Yates desconversou, o que faria todas as vezes que Wayne entrava em seu escritório para cobrá-lo. O prestígio de John Wayne não parava de crescer com filmes como “Sangue de Heróis” e “Rio Vermelho”. Outro filme de sucesso de John Wayne foi “O Anjo e o Malvado”, em 1947, escrito e dirigido por James Edward Grant. Wayne e Grant tornaram-se amigos particulares, inclusive porque ambos tinham as mesmas idéias políticas e gostavam de uma boa bebedeira. Grant era escritor e roteirista e Wayne pediu a ele que começasse a pesquisar e escrever um roteiro para o filme sobre o Álamo. Os dois foram até San Antonio, no Texas para conseguir maiores informações nos museus locais. Já com um pré-roteiro em mãos, Wayne mais uma vez procurou Yates.

Juntos pela segunda vez Duke e Vera Ralston
em "O Lutador do Kentucky".
O ‘muquirana’ mentiroso – A história se repetiu e Yates disse que só produziria o filme que Wayne queria se o ator trabalhasse mais uma vez com sua querida Vera Ralston. Se o Duke não desistia de seu filme, Yates também não desistia de fazer de Vera Ralston uma estrela. Outra vez Wayne acreditou na promessa até porque, apesar de má atriz, Vera era boa pessoa. E foi feito então “O Lutador do Kentucky” (Estranha Caravana) com Wayne e Vera Ralston. Nem bem terminou o filme e lá estava Wayne cobrando a promessa de Yates que, como sempre, desconversava sobre o assunto. Foi nesse tempo que, para tapear John Wayne, Herbert J. Yates contratou James Edward Grant como roteirista para que Grant produzisse novo roteiro sobre o Álamo.  Yates sabia que Wayne queria fazer um filme caro para os padrões da Republic e ‘mão-de-vaca’ como só ele, não iria gastar tanto com um único filme, quando podia fazer três ou quatro com o mesmo volume de dinheiro. Longe do Duke Yates dizia que jamais iria produzir um filme no qual o público sabe que “todos morrem no fim”.

John Wayne e Maureen O'Hara
em "Depois do Vendaval".
O ‘Sim’ de Herbert J. Yates - John Wayne perdeu de vez a paciência com Yates quando levou seu amigo John Ford para a Republic, onde Ford fez alguns filmes. Se Wayne tinha o sonho de filmar “O Álamo”, Ford tinha o sonho de filmar “Depois do Vendaval” na Irlanda. Ford e Yates se associaram para fazer esse filme, que era a produção mais cara da Republic. “Depois do Vendaval” ganhou Oscars e se transformou em um enorme sucesso de bilheteria e de crítica. Na hora de dividir os lucros, porém, Yates deu um cheque de 50 mil dólares a John Ford que teve que entrar na Justiça para receber o que tinha direito. Ford culpou John Wayne por tê-lo apresentado àquele biltre chamado Herbert J. Yates. Para agradar John Wayne e John Ford, Yates contratara Patrick Ford, filho do diretor para que este refizesse o roteiro de “O Álamo”. O pobre Patrick Ford escrevia, escrevia, escrevia e nada de prático acontecia com seus roteiros. Wayne achou então que era hora de decidir as coisas com o chefão da Republic, até porque com “Depois do Vendaval” Wayne havia cumprido o último filme do contrato com a Republic. Yates queria renovar o contrato com Wayne mas o ator deu o ultimato: “Só se o filme sobre o Álamo for feito imediatamente”. Sem saída Yates teve que ceder para a Republic Pictures não perder sua maior (e única) grande estrela. Quando tudo parecia resolvido e começaram os entendimentos para “O Álamo”, Yates deixou claro que o filme seria rodado com pequeno orçamento, em Trucolor e nos estúdios da Republic. Outra condição imposta por Yates era que Vera Ralston participasse do filme. João Wayne queria fazer o maior de todos os filmes e Yates apenas mais um filmeco no estilo do estúdio.

O dono da Republic Pictures, Herbert J. Yates.
O tiranete da Republic - Herbert J. Yates tinha pouco mais de 1,60m de altura mas era temido por todos no estúdio. A única pessoa que enfrentara Yates havia sido Gene Autry que se rebelou contra o tiranete e saiu da Republic. Agora era a vez de John Wayne fazer o mesmo. Sem chegar a um acordo com Yates, Wayne cumpriu sua promessa e abandonou o estúdio onde trabalhava há 15 anos. Yates vingou-se do Duke despedindo Patrick Ford e guardando bem guardadinho o roteiro que moralmente pertencia a John Wayne. Começou então a epopéia de John Wayne para conseguir fazer o filme que queria. O primeiro passo do Duke foi criar sua própria produtora para poder ter controle total sobre seu projeto. Em sociedade com Robert fellows, Wayne fundou a Wayne-Fellows Productions. Wayne associou sua produtora com a Warner Bros. que ficaria responsável também pela distribuição dos filmes produzidos pela Wayne-Fellows. Mas Jack Warner não queria nem ouvir falar daquele sonho de John Wayne chamado “O Álamo”. O Duke, porém, não desistia de seu projeto e enquanto guardava dinheiro para produzir seu filme, procurava investidores para ajudá-lo no projeto. O roteiro de James Edward Grant já estava pronto e até mesmo as locações já haviam sido definidas, e “O Álamo” seria filmado no Panamá ou em Durango, no México. John Wayne estava atuando em “Um Fio de Esperança” quando foi avisado que Herbert J. Yates decidira finalmente, como vingança, produzir um filme sobre o Álamo.

Sterling Hayden e J. Carroll Naish em
"A Última Barricada".
A vingança do dono da Republic - O roteiro do filme da Republic seria basicamente aquele rascunhado por James Edward Grant e revisto tantas vezes por Patrick Wayne. John Wayne queria processar Yates mas desistiu quando soube que perderia a questão pois o roteiro pertencia, por direito, à Republic Pictures, uma vez que Patrick Ford e Jim Grant eram contratados de Yates no tempo em que trabalharam no roteiro. O desespero tomou conta de John Wayne que não podia aceitar a idéia de um acontecimento tão importante como a defesa do Álamo ser filmado por alguém tão mesquinho como Yates. Só restava a Wayne praguejar contra Herbert J. Yates por ter roubado seu sonho e aguardar para ver como ficaria o filme da Republic. Yates mudou o título para “The Last Command” (A Última Barricada) e para atazanar ainda mais John Wayne o filme seria rodado no Texas, num lugar chamado Brackettville. “A Última Barricada” não foi bem nas bilheterias e apenas se pagou e logo foi esquecido pelo público, sem dar lucro a Yates. A Republic Pictures fechou as portas em 1958 e o tirano que comandava o estúdio faleceu em 1966, aos 85 anos, deixando viúva Vera Ralston, com quem se casara em 1952. Ter visto seu sonho ser roubado por Herbert J. Yates deu ainda mais força a John Wayne que após desfazer a parceria com Fellows, fundou sua Batjac e em 1960 legou ao cinema “O Álamo”, do jeito que queria. Seu algoz Yates viveu o suficiente para ver John Wayne realizar a superprodução que só mesmo um gigante como Wayne poderia fazer.

Poster da Republic Pictures feito para enganar John Wayne por mais algum
tempo. O título do filme seria "O Álamo", como o Duke queria.
À direita o poster de "A Última Barricada".

25 de novembro de 2012

JOHN WAYNE ENFRENTA UM INESPERADO ASSÉDIO EM “O ÁLAMO”



A obsessão de John Wayne em filmar “O Álamo” fez com que ele enfrentasse situações que só mesmo um homem com sua fibra seria capaz de superar. Desde a falta de dinheiro para começar e depois terminar o épico até as críticas negativas que quase destruíram o filme nas bilheterias, o que não faltou foram problemas de toda ordem. Alguns episódios da série ‘Histórias do Álamo’, contados aqui no WESTERNCINEMANIA certamente deixaram o Duke com muito menos cabelo do que sua peruca escondia. Mas a ‘saia justa’ que John Wayne teve que enfrentar com Laurence Harvey talvez tenha sido a mais inesperada de todas as situações que o afligiram durante a tumultuada produção do filme de seus sonhos.

No alto Hermione Baddeley e Margaret Leighton;
abaixo Joan Perry e Paulene Stone.
As esposas de Laurence Harvey - O lituano Laurence Harvey quando ainda era um jovem pretendente a ator viveu maritalmente por alguns anos com a atriz Hermione Baddeley. O detalhe curioso nesse relacionamento é que a atriz tinha mais que o dobro da idade de Laurence. Ele nascera em 1928 e ela em 1906. Para valer mesmo Laurence Harvey se casou por três vezes. A primeira delas com a atriz Margaret Leighton, seis anos mais velha que Laurence, casamento que durou quatro anos, de 1957 a 1961. Em 1968 Laurence se casou com Joan Perry (Cohn), a riquíssima viúva de Harry Cohn, o magnata da Columbia Pictures. Joan era 17 anos mais velha que Laurence e o casamento também durou quatro anos, terminando em 1972. Nesse mesmo ano em que se divorciou de Joan Perry, Laurence se casou novamente. Desta vez com alguém mais jovem que ele, a bela modelo Paulene Stone, com quem teve a filha Domino Harvey. Essa filha de Harvey ficaria famosa como uma moderna caçadora de bandidos cuja vida virou até filme (“Dominó – A Caçadora de Recompensas”). Porém durante todos esses anos de casamentos com mulheres, Laurence Harvey nunca abandonou o relacionamento homossexual com seu agente James Wolf. O mundo do cinema sabia da bissexualidade de Laurence Harvey, mas como ocorria com tantos outros atores, ninguém tocava no assunto.

Acima pose de Joan Perry sozinha e nos tempos em que era mocinha de
Charles Starrett; abaixo à esquerda Harvey com Margaret Leighton;
à direita o ator com sua última e bela esposa Paulene Stone.

Coronel Travis (Laurence Harvey) e Coronel Davy Crockett
(John Wayne), em cena de "O Álamo".
Admiração por Laurence Harvey - John Wayne, por seu lado, era o mais bem acabado exemplo do macho norte-americano, imagem reforçada pelos personagens que interpretava, todos muito parecidos com ele próprio. Nas locações de “O Álamo”, em Brackettville, foram muito notadas e comentadas a recíproca e nunca disfarçada antipatia entre John Wayne e Richard Widmark assim como a amizade desenvolvida entre Duke e Laurence Harvey. O esnobe ator que fizera carreira na Inglaterra conquistou a admiração de John Wayne. Essa admiração era de certa forma bastante estranha pois Laurence Harvey sempre esteve entre os atores mais antipáticos do cinema, raramente recebendo um elogio de colegas, especialmente das atrizes que o detestavam. O que despertou a admiração de John Wayne por Laurence Harvey em “O Álamo” foi o profissionalismo do ator lituano. Essa admiração é bem exemplificada na bastante divulgada cena em que a roda de um pesado canhão desliza sobre o pé de Harvey sem que este demonstrasse a dor que sentia para não estragar a tomada. Sabe-se lá como Harvey entendeu a admiração do Duke pois certo dia Laurence Harvey decidiu ter uma conversa estranha com John Wayne.

Duke e Harvey
Uma ‘cantada’ em Brackteville - Segundo contam os autores Randy Roberts e James S. Olson na biografia “John Wayne American”, Laurence Harvey andava atrás de John Wayne o tempo todo durante as filmagens de “O Álamo”. Todos no set percebiam que Harvey estava tomado por forte atração pelo ator-produtor-diretor. Certa ocasião Harvey acreditou que o clima era propício para uma conversa mais íntima e disse a John Wayne que queria passar uma noite inteira com ele. Segundo os autores do referido livro, Harvey falou assim: “Por favor, Duke. Esta noite. Somente uma vez. Eu serei a rainha e você será o rei”. A proposta, claro, irritou profundamente John Wayne que passou a evitar Laurence Harvey, apenas não o despedindo do filme porque àquela altura isso significaria um enorme prejuízo e mais publicidade negativa para seu filme. A nota explicativa dos autores de “John Wayne American” indica que o próprio John Wayne teria contado essa história a seu amigo Joe De Franco e este recontou a história em uma entrevista.

No set em Brackettville Harvey mostra sua filmadora para John Wayne;
o diretor Wayne ajuda Laurence Harvey antes de uma cena; nas fotos abaixo,
anos depois de "O Álamo" os dois amigos se reencontraram algumas vezes.

Laurence Harvey
A ousadia do lituano - Como Laurence Harvey era sabidamente bissexual, a história contada por Joe De Franco pode até ter ocorrido de verdade. Porém o mais surpreendente teria sido a ousadia do ator lituano criado na África do Sul. Laurence Harvey faleceu aos 45 anos de idade, em 1973, vitimado por um câncer no estômago, ele que nunca se livrou do tabagismo e do alcoolismo. Se o atrevimento de Laurence Harvey aconteceu mesmo, pode ser atribuído ao fato de ele ter exagerado nos copos de vinho que tomava. Quando chegou a Brackettville, causou espanto a quantidade de caixas de vinhos que Laurence Harvey trouxe na bagagem, não deixando nenhuma dúvida que ele era muito bom de copo. E John Wayne, que durante sua vida enfrentou críticos e a esquerda liberal que o combatia, tornou-se um dos nomes verdadeiramente imortais do cinema. Pensando bem, com a personalidade que John Wayne possuía, Laurence Harvey foi um probleminha que o Duke contornou com facilidade.

15 de abril de 2012

HISTÓRIAS DO ÁLAMO (9) – RICHARD WIDMARK, SURDO E POUCO SIMPÁTICO


Durante algum tempo contou-se uma história segundo a qual John Wayne, esgotado com tudo que acontecia durante as filmagens de “O Álamo”, teria pegado Richard Widmark para cristo num momento de nervosismo e o agredido. Naqueles três meses em que John Wayne dirigiu os trabalhos nas locações em Brackettville, no Texas, o Duke chegou a fumar cinco maços de cigarros por dia, perdendo cerca de 15 quilos. Aconteceu de tudo naqueles 90 dias, desde o assassinato da atriz LaJeane Etheridge, as mortes de dois técnicos num acidente de automóvel na estrada próxima a Brackettville, o incêndio que irrompeu no Forte Clarke (onde a equipe se acomodava) até as desgastantes visitas de John Ford ao local das filmagens. Mas se houve muita coisa ruim, houve também momentos de muita satisfação e amizade.

Aissa e o irmão Pat Wayne;
Guinn 'Big Boy' e Chill Wills;
Hank Worden e Ken Curtis.
FILMAGEM EM FAMÍLIA - John Wayne estava cercado por muitos amigos, especialmente atores da chamada John Ford Stock Company, grupo do qual o próprio Duke não deixava de ser membro. Da ‘JFSC’ lá estavam Hank Worden, Denver Pyle, Ken Curtis, Danny Borzage e Jack Pennick. Grandes amigos de John Wayne eram também os stuntmen (que atuaram como dublês e como atores em pequenas participações em “O Álamo”), gente como Cliff Lyons, Chuck Roberson, Chuck Hayward, Bob Morgan, Fred Graham, Eddie Juaregui, Boyd ‘Red’ Morgan, Joe Canutt e Tap Canutt, filhos do lendário Yakima. Participaram também daquela épica jornada cinematográfica em Brackettville os amigos Chill Wills, Guinn ‘Big Boy’ Williams e Richard Boone. E presentes às locações estiveram quase o tempo todo familiares de John Wayne, alguns inclusive fazendo pontas e podendo ser vistos no filme, como a esposa Pilar e as filhas Aissa e Toni. O filho Patrick Wayne interpretou o personagem do Capitão James Butler Bonham. O outro filho do Duke, Michael Wayne, atuou como produtor executivo e chegou a dirigir sequências de segunda unidade. O genro Don La Cava, marido de Toni também ajudou na produção de "O Álamo". 

Duke e Dick numa cena de "O Álamo"
DIFERENÇAS POLÍTICAS – As posições políticas de John Wayne e Richard Widmark eram antagônicas e é desnecessário lembrar a visão política radical e obtusa de John Wayne, que conflitava com a do democrata Widmark. Além de estar à frente das muitas campanhas pelos direitos civis apoiadas por muitos atores, Richard Widmark sempre condenou abertamente a Caça às Bruxas operada em Hollywood com o apoio, entre outros de John Wayne. Uma das muitas histórias que se contou sobre as relações entre John Wayne e Richard Widmark foi quando após a assinatura do contrato, foi publicado um anúncio com foto do ator e a frase "Welcome aboard, Dick" (bem-vindo a bordo, Dick).  Ao recepcionar Widmark em Brackettville, John Wayne teve que ouvi-lo dizer na frente e todos os presentes: "Diga ao seu pessoal de publicidade que o nome é Richard"como que deixando claro que não queria nenhuma intimidade com John Wayne. Estupefato Wayne conseguiu responder: "Eu vou dizer sim, Richard", enfatizando o nome do já declarado inimigo.  Widmark sempre negou esse fato lembrando que todos, em qualquer lugar o chamavam pelo apelido ‘Dick’.

Duke dirigindo Laurence Harvey e Widmark;
abaixo a visita indigesta do amigo John Ford.
O DIRETOR JOHN WAYNE - Outra história bastante divulgada foi a da agressão que teria ocorrido após uma discussão durante o ensaio de uma cena quando John Wayne teria agarrado Widmark segurando-o pela jaqueta de Jim Bowie que ele usa no filme, atirando-o de encontro a uma parede. Ambos sempre negaram que tal fato houvesse ocorrido e nunca houve uma única testemunha sequer que diga ter visto isso acontecer, mesmo porque apesar da diferença de tamanhos e por seu temperamento, certamente Widmark reagiria. John Wayne sempre reputou Richard Widmark como um admirável ator, enquanto o Duke não era um bom diretor de atores, segundo opinião de muitos que foram por ele dirigidos. O estilo de dirigir de John Wayne era o mais simples possível pois ele pedia aos atores que fizessem as cenas da maneira que achassem melhor e se a cena ficasse boa ele se dava por satisfeito. Sabidamente John Wayne não era um ator de grandes recursos interpretativos mas que tinha, porém, enorme poder de comunicação com o público. Daí, talvez, a razão de John Wayne ter sido um diretor pouco exigente e sem nenhuma habilidade para motivar os demais atores. O premiadíssimo John Ford, que dirigiu John Wayne em 14 filmes, era também um diretor que pouco orientava seus atores, porém Ford conseguia envolvê-los magicamente na atmosfera por ele criada nos sets de filmagem. Mas quando as interpretações desgostavam Ford ele não poupava críticas contundentes a ninguém, fosse um ator com o poder de John Wayne ou um iniciante como Harry Carey Jr. O próprio Carey Jr. conta que durante as filmagens de “O Céu Mandou Alguém” Ford passou o filme todo dizendo a ele, alto e bom som, que deveria ter dado aquele papel para Audie Murphy... John Ford por sinal era padrinho de Carey Jr. Que se saiba, o diretor John Wayne jamais destratou um ator a quem tenha dirigido nos dois filmes que dirigiu.

‘PROFESSOR’ WIDMARK - O que muito colaborou para que Richard Widmark não cultivasse a simpatia geral durante as filmagens de “O Álamo” foi o fato que ele estava sempre quieto, sozinho e concentrado num canto, estudando suas falas. Algumas pessoas que tentaram falar com ele disseram que não obtiveram resposta e Widmark acabou recebendo o apelido de “Professor”, sendo assim chamado pelas costas, claro. O que poucos sabiam é que Richard Widmark era completamente surdo de um dos ouvidos e se alguém falasse com ele pelo lado do ouvido surdo ele não conseguia escutar, deixando portanto de responder. Seja lá como for, Richard Widmark executou seu trabalho como profissional exemplar que sempre foi, recebeu seu salário da Batjac e após a última cena da qual participou retirou-se discretamente de Brackettville. Não conseguiu, e possivelmente não se esforçou para se tornar um membro do grande grupo de amigos (quase todos com pensamento político afinado com o Duke) que realizou “O Álamo” sob as ordens de John Wayne.