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13 de outubro de 2013

ENTARDECER SANGRENTO (Decision at Sundown) RATIFICA O TALENTO DE BUDD BOETTICHER


Conhecido como ‘Ciclo Ranow’ a série de westerns produzida por Randolph Scott em sociedade com Harry Joe Brown é confundida com a série de westerns dirigida por Budd Boetticher e estrelada por Scott. Um dos mais cultuados filmes dessa série “Sete Homens Sem Destino” (Seven Men from Now), foi produzido não pela Ranow, mas sim pela Batjac de John Wayne. "Um Homem de Coragem" (Westbound) teve produção da Warner Bros. e não da Scott-Brown. E dos sete filmes dirigidos por Boetticher e interpretados por Randy Scott são considerados os melhores aqueles quatro cujos roteiros foram escritos por Burt Kennedy. Não é o caso de “Entardecer Sangrento” (Decision at Sundown), de 1957, que teve como roteirista Charles Lang, que se baseou numa história de Vernon L. Fluharty. No entanto “Entardecer Sangrento” merece figurar entre os principais westerns de Scott dirigidos por Budd Boetticher.


Acima Noah Beery Jr. e Randolph Scott;
abaixo Scott interrompendo o casamento.
Vingança injusta - Os westerns de Randolph Scott sob direção de Budd Boetticher têm em comum o tema da vingança e sempre com o personagem de Scott tentando vingar sua esposa morta. Em “Entardecer Sangrento” não é diferente e Bart Allison (Randolph Scott) chega a Sundown em companhia do amigo Sam (Noah Beery Jr.) decidido a matar Tate Kimbrough (John Carroll). Ocorre que Kimbrough se tornou o homem mais poderoso de Sundown e toda a cidade o teme e admira. E Allison encontra a cidade se preparando para a cerimônia de casamento de Kimbrough com Lucy Summerton (Karen Steele) a moça mais bonita do lugar. Quando o Juiz de Paz Zaron (Richard Deacon) profere as palavras “Se alguém souber de algo que impeça este casamento...”, Allison que adentrara a igreja diz a todos que se o casamento acontecer a noiva ficará viúva antes do anoitecer. Após essa ameaça trava-se um confronto entre os homens de Kimbrough liderados pelo xerife Swede (Andrew Duggan) contra a dupla Allison e Sam acuados numa estrebaria. Ao entardecer, depois de algumas mortes, inclusive a de Sam, Allison descobre que cometeria um erro ao matar Kimbrough. Allison considerava Kimbrough culpado pelo suicídio de sua esposa, sendo que os fatos ocorreram de forma diferente.

Randy Scott como Bart Allison.
O indisfarçável rancor - Em “Entardecer Sangrento” Bart Allison é um homem obstinado por vingar a esposa Mary que cometera suicídio uma semana antes de Allison retornar da Guerra Civil. Allison acredita que o causador do suicídio teria sido Tate Kimbrough, a quem persegue por três anos. Porém quem contou sobre a morte de Mary não disse a Allison que sua esposa era uma mulher frívola que cometera outros casos de infidelidade além daquele com Kimbrough. Esse fato, por si só, já é um surpreendente e diferente ingrediente na motivação da vingança de Bart Allison. Até a descoberta da verdade muitos outros fatos se sucedem em Sundown fazendo com que este filme com roteiro de Charles Lang e não de Burt Kennedy, como foi dito, seja um dos mais fascinantes da série Scott-Boetticher. De início “Entardecer Sangrento” dá a impressão de ser um western menos trágico e mais irônico, no mesmo tom que Boetticher imprimiria a seu filme seguinte que foi “Fibra de Herói” (Buchanan Rides Alone), de 1958. Passados os 20 minutos iniciais de “Entardecer Sangrento”, a cínica e risonha interpretação de Randolph Scott dá lugar ao herói de feições imutáveis e eternamente rancorosas.

Herói desconstruído.
Herói humilhado - Esplendidamente esboçado por Budd Boetticher, o herói de “Entardecer Sangrento” (Randolph Scott) passa por um processo de total desconstrução. Personagens principais de outros westerns, entre eles Will Kane de “Matar ou Morrer”, Jimmy Ringo de “O Matador”, George Temple de “Gatilho Relâmpago”, Howard Kemp de “O Preço de um Homem” e Ethan Edwards de “Rastros de Ódio” já haviam sido mostrados como seres humanos cujas personalidades iam da covardia ao racismo exacerbado. Boetticher descreve Bart Allison como um homem atormentado pelo desejo de vingança o que o leva a proceder como um estúpido, insensível e pior que tudo, traído humilhantemente pela esposa que adorava. E num insólito final de faroeste Allison parte de Sundown mais amargurado que nunca e derrotado por sua própria irascibilidade. Apenas o tratamento dado a esse personagem seria suficiente para fazer de “Entardecer Sangrento” um western importante não só na filmografia de Boetticher, mas no próprio gênero.

Acima os bandidos de Sundown: H.M.
 Wynant, Andrew Duggan e Bob Steele;
abaixo John Archer e Randolph Scott.
A superação de Sundown - O inteligente roteiro de “Entardecer Sangrento” destaca-se também por demonstrar como uma cidade dominada por um homem apenas pode se conscientizar e se livrar de sua covardia e conformismo. O Dr. John Storrow (John Archer), médico da cidade é a única pessoa a contestar o poder de Tate Kimbrough. Pacientemente consegue ele fazer com que o rancheiro Morley Chase (Ray Teal) e seus homens ‘nivelem’, como o médico diz, o covarde confronto entre Allison e os homens de Kimbrough comandados pelo xerife Swede Hansen (Andrew Duggan). Entre um gole de uísque e outro e diante dos acontecimentos, os cidadãos de Sundown se enchem de coragem para virar as costas a Kimbrough e encontrar a resiliência da cidade. Entre esses acontecimentos estão a cerimônia de casamento interrompida, o covarde assassinato de Sam, amigo de Allison e a iminente morte de Allison acuado como um rato pelo xerife Swede. Acaba o Dr. Storrow sendo o personagem mais importante de toda a trama, ainda que sem portar armas e usando apenas seu exemplo de coragem e as palavras que persuadem os covardes de Sundown.

James Westerfield e John Archer;
Karen Steele de noiva e Valerie French.
O aviso da cascavel - Quando o personagem Sam pergunta a Bart Allison por que este não consumou sua vingança dentro da igreja, Allison responde que “mesmo uma cascavel alerta sua vítima”. Allison queria prolongar através da tortura do medo o sofrimento de Kimbrough, mas não é o que acontece pois é Allison quem passa de caçador a caçado. “Entardecer Sangrento” tem poucas cenas de ação e em nenhuma delas as clássicas lutas do herói com os vilões. Quando muito há troca de tiros interrompendo os preciosos diálogos capazes de resultar em um western fascinante. É a magia de Budd Boetticher em outro belo filme conseguindo com que tantos personagens sejam perfeitamente delineados em poucas falas. Para aqueles que atentam aos muitos atores característicos dos pequenos filmes é prazeroso ver Noah Berry Jr., Ray Teal, James Westerfield, Guy Wilkerson e Richard Deacon em papéis de certo destaque. Vaughn Taylor, ator de tantas e pequeníssimas participações em faroestes, chega a se exceder na bela oportunidade de interpretar o barbeiro falastrão. E há ainda Bob Steele e até Pierce Lyden, ambos aparecendo em diversas sequências. Uma pena que todos eles coadjuvem a canastrice de John Carroll enquanto Karen Steele e Valerie Frech disputem durante o filme quem é pior atriz. E Randolph Scott mais uma vez dá prova de sua generosidade permitindo que o bom ator John Archer tenha papel até de maior importância que o seu. No elenco ainda o ótimo Andrew Duggan desempenhando o xerife a serviço do poderoso, a quem destemidamente contesta.

Randolph Scott e Vaughn Taylor;
Andrew Duggan e John Carroll.
Excelentes filmes com pequenos orçamentos - Na década de 50 (e na seguinte) Hollywood passou a produzir westerns cada vez mais caros, alguns deles verdadeiras superproduções como “Sem Lei e Sem Alma” e “Da Terra Nascem os Homens”. No entanto nem sempre foi alcançado um resultado artístico capaz de tornar esses filmes clássicos. Este terceiro western da parceria Budd Boetticher-Randolph Scott com apenas 77 minutos de duração é claramente um faroeste, assim como os demais da parceria, onde a economia de recursos foi fator primordial. Diferentemente de John Sturges, Anthony Mann e Delmer Daves, Budd Boetticher nunca teve oportunidade de trabalhar com orçamentos maiores e atores mais conceituados. Fica-se a imaginar como resultaria um western dirigido por ele com mais recursos e estrelados por um James Stewart, por exemplo. Além do campo da mera imaginação, há esta série de sete faroestes que comprovam a merecida fama que Boetticher passou a desfrutar, reconhecido como um dos grandes diretores do gênero. E “Decision at Sundown”, com seu belo e apropriado título em Português (“Entardecer Sangrento”) é exemplar como pequeno e primoroso faroeste.