UMA REVISTA ELETRÔNICA QUE FOCALIZA O GÊNERO WESTERN

17 de dezembro de 2016

DESBRAVANDO O OESTE (THE WAY WEST) - UM ÉPICO QUE NÃO INTERESSOU AO PÚBLICO


Acima o autor A.B.Guthrie Jr. abaixo Andrew
V. McLaglen, Harold Hecht e Kirk Douglas.
Foi, talvez, de Jack Elam o melhor comentário sobre este filme, quando disse: “Foram tão árduas as filmagens de ‘Desbravando o Oeste’ que me deu uma profunda tristeza ler as críticas, quase todas negativas, e ver o público ter fugido do filme. Enquanto filmávamos achávamos que seria um daqueles filmes inesquecíveis e de grande sucesso...” Quando publicado em 1949, “The Way West”, de autoria de A.B. Guthrie Jr., foi premiado com o Prêmio Pulitzer e passou a ser disputado por produtores de Hollywood pois todos apostavam que aquele seria o maior épico do gênero western. Quem ganhou a briga pelos direitos cinematográficos foi a Hecht-Lancaster, produtora do grande ator que vinha realizando uma série de excelentes filmes. Só com o roteiro encomendado a Clifford Oddets foram gastos meio milhão de dólares e no projeto para o filme Burt Lancaster teria a companhia de James Stewart e Gary Cooper. Ambos, porém, com a agenda cheia e pelas dificuldades que se avizinhavam nas locações logo desistiram. “The Way West” dormiu nas prateleiras até que o império que Lancaster chegou a construir ruiu e o ex-cobiçado roteiro acabou nas mãos de Harold Hecht quando a sociedade com Lancaster foi desfeita. Somente em 1966 Harold Hecht conseguiu reunir o dinheiro necessário para produzir o sonhado épico, nada menos que cinco milhões de dólares, muito dinheiro naquele tempo. Novo roteiro foi concebido, desta vez de autoria de Ben Maddow (“O Segredo das Jóias” e “Johnny Guitar”), Andrew V. McLaglen, foi chamado para dirigir e o trio central foi formado por Kirk Douglas, Robert Mitchum e Richard Widmark.


Belíssima imagem da caravana rumo ao
Oregon; Kirk Douglas e Robert Mitchum.
A caminho do Oregon - Assim como outros autores renomados, A.B. Guthrie Jr. preferiu se afastar de Hollywood, ele que chegou a escrever os roteiros de “Os Brutos Também Amam” (Shane) e “Homem Até o Fim” (The Kentuckian), após o que se dedicou a completar os seis episódios de sua grande obra sobre a conquista do Oeste norte-americano. “The Way West”, o segundo livro da saga foi levado ao cinema depois de “Rio da Aventura” (The Big Sky), filme de Howard Hawks de 1952 estrelado por Kirk Douglas. No Brasil “The Way West” teve o título “Desbravando o Oeste”, sendo filmado inteiramente em locações, a maior parte no Oregon, com algumas poucas sequências bem mais amenas rodadas em Tucson, Arizona. Conta como um grupo de centenas de colonos parte, em abril de 1943, da cidade de Independence (Missouri) para tentar chegar pioneiramente uma espécie de terra prometida, no Oregon. Lidera a caravana o ex-Senador William J. Tadlock (Kirk Douglas), que contrata como guia o experiente Dick Summers (Robert Mitchum). Aos obstáculos naturais somam-se aqueles surgidos pelo convívio do não heterogêneo grupo e entre estes está Lije Evans (Richard Widmark) que cedo se indispõe com a forma autoritária e por vezes cruel de Tadlock conduzir a caravana. Após encontros com índios e inúmeras mortes, entre elas a do próprio Tadlock, os colonos chegam afinal ao seu objetivo, passando à história como verdadeiros desbravadores do Oeste.

Filme mutilado - Andrew V. McLaglen queixou-se em entrevista no ano 2003 que Harold Hecht e a United Artists cortaram 20 minutos iniciais de seu filme, prejudicando-o enormemente com isso. Pelo que se conhece dos 122 minutos de sua metragem original, qualquer acréscimo teria tornado “Desbravando o Oeste” ainda mais pesado. Tendo sido assistente de direção de William A. Wellman, Budd Boetticher e John Ford, McLaglen demonstra enorme competência nas difíceis sequências da infindável movimentação da caravana desde o Missouri até o Oregon. Porém, ao tratar dos conflitos humanos falta a McLaglen maior habilidade e o grandioso épico não produz a mínima emoção. Justo é dividir essa responsabilidade com os fracos diálogos de autoria de Ben Maddow e Mitch Lindemann, este produtor executivo que foi creditado como roteirista, sem falar em Kirk Douglas que, como de hábito, interferiu o quanto pode no trabalho do diretor com suas ‘sugestões’. Entre as muitas frases infelizes do roteiro temos esta do ex-Senador Tadlock que diz a Becky Evans (Lola Albright) na tentativa de conquistá-la: “Eu ressurgi como Sansão em sua cegueira...”. Não satisfeito Tadlock emenda: “Serei como uma torre para seu refúgio na nova cidade que construiremos”. À perplexa Becky só restou sair e correr para o marido Lije Evans, de quem não ouvirá clichês tão terríveis e o assédio do líder da caravana à mulher casada parou por aí mesmo em total inconsequência.
À direita alguns dos risíveis diálogos expressos por Kirk Douglas para Lola Albright.

Acima Michael Witney e Sally Field;
abaixo Katherine Justice entre Paul
Luthaker, Peggy Stewart e
Elizabeth Fraser.
Uma grande novela - Outra trama paralela é o envolvimento da atrevida jovem Mercy McBee (Sally Field) com Johnnie Mack (Michael Witney) homem casado com Amanda (Katherine Justice) uma mulher frígida e que o evita compulsivamente. O senhor Mack então cede à tentação que é possuir a jovem Mercy, engravidando-a e criando aquele que seria um enorme problema. Ocorre que Mack mata acidentalmente o filho de um chefe índio que providencialmente estava por perto disfarçado de lobo e cujo pai clama por vingança. Diante daquilo que parecia ser a reunião de todas as tribos de peles vermelhas no caminho do Oregon, Mack confessa o crime e é enforcado por Tadlock. Brownie Evans (Michael McGreevey) aceita se casar com Mercy e assumir a paternidade do filho bastardo que a moça gesta. Aduza-se a isso a emoção de, durante o casamento celebrado pelo pregador Weatherby (Jack Elam), ao ouvir o clássico ‘se alguém souber de algo contrário...’ a histérica viúva Amanda Mack denuncia a gravidez de Mercy. Têm-se a clara impressão de estar diante daquilo que os norte-americanos chamam de ‘soap-opera’, a nossa conhecida novelona de TV. Como a intenção era comover o espectador e dele arrancar lágrimas, o viúvo Tadlock ainda vê seu filho morrer num estouro de búfalos. Penitencia-se pedindo para ser chicoteado pelo negro Saunders (Roy Glenn) e diante de sequências trágicas como essas é que 122 minutos estão de bom tamanho para o filme de McLaglen.

Jack Elam; Lola Albright e Richard Widmark

Patric Knowles; Roy Barcroft
Pouco espaço para tantos coadjuvantes - Diálogos ruins e tramas ingênuas para não dizer banais, são compensadas com aquilo que “Desbravando o Oeste” tem de melhor que é mostrar com perfeição os rigores da longa jornada. Travessias de rio, de deserto e de cânion são esplendida e realisticamente capturadas pelas objetivas de William H. Clothier e é aí que Andrew V. McLaglen se supera e faz com que seu filme, apesar dos pesares, mereça ser visto. Os 20 minutos cortados da edição final de “Desbravando o Oeste” passam-se no encontro em Independence, ainda no Missouri, dos camponeses que almejam encontrar um dia a terra tão sonhada quanto distante. Portanto a penosa jornada está intacta e o que se perdeu foi uma melhor caracterização do enorme número de coadjuvantes que fazem parte da caravana e isso é realmente uma pena. Esmerou-se a produção em reunir um cast de qualidade que poucas oportunidades tem de mostrar seus talentos. Os irmãos Henry (Timothy Scott, Hal Lynch e John Mitchum) têm participação pequena, assim como Stubby Kaye, Roy Barcroft, Peggy Stewart, Nick Cravat, Roy Glenn e até mesmo Patric Knowles, o ‘Will Scarlett’ do Robin Hood de Errol Flynn que aparece quase num cameo. Sally Field, um tanto irritante, em sua estreia no cinema e a Lola Albright têm os principais papéis femininos. Nas poucas sequências em que aparece, Jack Elam comprova que era um especialista em roubar cenas.

Paul Luthaker, Peggy Stewart, Stubby Kaye e Elisabeth Fraser; à direita
Sally Field, Connie Sawyer e Lola Albright.

Mitchum, Widmark e depois Douglas - Algo que sempre foi bastante lembrado é Andrew V. McLaglen ter administrado bem as relações entre o trio central de atores. Embora nenhuma crise maior tenha sido noticiada, sabe-se que Kirk Douglas estava em fase de ego infladíssimo e tentou por todos os meios superar os demais com seu desempenho. Interpretando mais uma vez um tipo detestável (recentemente Douglas fez piada dizendo que viveu na tela tantos tipos sem caráter que estava pronto para interpretar... Donald Trump) Kirk se esmerou para compor o demagogo, visionário criador da ‘Oregon Liberty Company’. Para atingir seu intento o obcecado Senador William J. Tadlock  faz uso do que for necessário, mesmo de mentiras e seu passado não é muito claro sabendo-se apenas que seu comportamento teria levado sua esposa ao suicídio. Kirk monta, salta, luta, sofre e mesmo assim seu tipo ignominioso não supera Robert Mitchum esplêndido como sempre e apertando os olhos na briga particular contra a cegueira que acomete a visão do guia Dick Summers. E Douglas não fica nem com o segundo lugar de destaque pois este vai para Richard Widmark, igualmente excelente como sempre.


Fato histórico inspirador - A melhor explicação para o fracasso de “Desbravando o Oeste” talvez seja a própria concepção do filme. Destinado a ser mais um espetáculo edificante enaltecendo a inquebrantável coragem do povo norte-americano em seus projetos de construir uma grande nação, o filme de McLaglen tem como líder um homem desprezível. Além disso o dramalhão em que se transformam algumas situações, todas seguidas de mortes, conflitam com o escopo cinematográfico imaginado para a obra de A.B. Guthrie Jr. Como lembrou Jack Elam,  “Desbravando o Oeste” traz uma certa tristeza mesmo, especialmente pelos nomes importantes envolvidos e porque poderia ter sido o grande filme de Andrew V. McLaglen, um dos últimos diretores autênticos de westerns.



9 de dezembro de 2016

CENTENÁRIO DE NASCIMENTO DE KIRK DOUGLAS - 12 WESTERNS DO MAGNÍFICO ATOR


Kirk Douglas chega hoje, dia 9 de dezembro, ao seu centésimo aniversário, ele que foi um dos maiores astros de sua geração e que inscreveu com letras de ouro seu nome na cinematografia mundial. Esta postagem relembra os faroestes de Kirk Douglas resenhados no WESTERNCINEMANIA, homenagem a quem tantas emoções levou aos cinéfilos em geral e aos westernmaníacos em especial. 

18 de novembro de 2016

CONSCIÊNCIAS MORTAS (THE OX-BOW INCIDENT) - O MODESTO GRANDE WESTERN DE WILLIAM A. WELLMAN


Acima Walter Van Tilburg Clark e Lamar Trotti;
abaixo Darryl F. Zanuck e William A. Wellman
Publicado em 1940, o livro “The Ox-Bow Incident” de autoria de Walter Van Tilburg Clark chamou a atenção tanto de Henry Fonda quanto de William A. Wellman. Fonda era já um dos grandes astros de Hollywood e Wellman um cotadíssimo diretor depois do enorme sucesso de “Beau Geste” e outros filmes. Ambos pediram a Darryl F. Zanuck, então chefe de produção da 20th Century-Fox para comprar os direitos cinematográficos do livro para que Wellman dirigisse um filme nele baseado e tendo Fonda como ator. Percebendo que o potencial para atrair público daquela história era praticamente zero, Zanuck chantageou tanto Fonda como Wellman. A Fox produziria o western, desde que eles recebessem por escala, ou seja, aceitassem os salários-base do estúdio e ainda se comprometessem a participar de dois projetos comerciais do produtor. Além disso Zanuck avisou que “The Ox-Bow Incident” deveria ser rodado em 18 dias, inteiramente dentro do estúdio que possuía uma pequena cidade western vista em dezenas de filmes e sem nenhum outro grande nome no elenco para evitar maiores despesas. A única concessão feita por Zanuck  foi entregar a Lamar Trotti, um dos principais roteiristas de Hollywood, a incumbência de escrever o roteiro. Zanuck acertou em cheio em suas previsões pois “The Ox-Bow Incident” (“Consciências Mortas” no Brasil), com duração de meros 75 minutos, não conseguiu atrair o público, mas cedo ganhou o status de pequena obra-prima não só do gênero, mas do cinema norte-americano.


Acima Hank Bell e Frank Conroy ladeando
Anthony Quinn e Danna Andrews; abaixo
Quinn com Jane Darwell e outros.
Noite de terror - Os cowboys Gil Carter (Henry Fonda) e Art Croft (Harry Morgan) retornam a Bridger’s Wells em 1885 após algum tempo fora e se deparam com a cidade agitada pela notícia de um assassinato seguido de roubo de gado. Com o xerife ausente, seu assistente reúne de imediato um grupo formado pelos moradores, a maior parte deles disposta a fazer justiça enforcando o assassino. Lidera o grupo o Major Tetley (Frank Conroy), que se diz ex-oficial Confederado e que retira do armário uma farda para garbosamente comandar a turba. Na primeira noite de busca encontram três homens acampados e dormindo ao redor de uma fogueira. São eles o rancheiro Donald Martin (Dana Andrews), o mexicano Juan Martinez (Anthony Quinn) e o velho ‘Dad’ Hardwick (Francis Ford). Acusados de serem os assassinos mesmo sem evidências concretas e negando o crime, o trio é condenado por um júri formado pela maior parte do grupo que quer enforcá-los. Os três são sumariamente enforcados após o que surge o xerife informando que o homem supostamente assassinado está vivo e que, portanto, o grupo havia linchado três inocentes.

Anthony Quinn; Paul Hurst
Dominados pela fúria - Em diversas ocasiões Henry Fonda afirmou que, de sua longa filmografia, dois eram os filmes que mais gostava: “Consciências Mortas” e “Doze Homens e Uma Sentença”. Este segundo, realizado 14 anos depois, em 1957, tem pontos de semelhança com o western de William A. Wellman pois ambos tratam da irracionalidade que domina os homens diante da possibilidade de uma execução, mesmo que não haja certeza dos fatos. Pior ainda no caso de “Consciências Mortas” em que sequer ocorreu o suposto assassinato que motivou a barbárie. Este é um filme psicologicamente tenso, sem nenhuma sequência de ação, exceto uma rápida troca de socos entre cowboys logo no início. Um sombrio e perturbador estudo do comportamento de grupos que reagem com histeria diante de acusados aos quais não é dado o mínimo direito de defesa. Homens dominados pela fúria comum em grupos que se deixam levar pelo desvario desconsiderando a razão e a consequência de seus atos. Passado no Velho Oeste, o acontecimento e a tensão instalada no lugarejo não raro ocorre em pequenos e grandes centros em tempos menos remotos.

Frank Conroy; Marc Lawrence
Confederado reprimido - Entre todas as personagens de “Consciências Mortas” destaca-se a do ex-oficial Confederado que vê se apresentar a oportunidade de mostrar que, com mais homens como ele, o resultado da Guerra Civil ocorrida duas décadas antes seria outro. Pomposo, arrogante, autoritário, elege-se naturalmente como o líder tanto dos sedentos vingadores como daqueles que se conformam em ficar ao lado dos mais fortes, no caso a turba desatinada. Gil Carter chega a dizer que Tetley sequer teria lutado. Esconde-se por trás desse homem o nunca superado abatimento pela derrota, sentimento reprimido e que irrompe quando a ocasião se apresenta. Para seu desespero seu próprio filho não comunga de seu comportamento perturbado e, humilhado pelo pai, reluta a obedecê-lo. Sete são os homens que não perdem a lucidez diante da excitação da turba e reagem opondo-se ao linchamento, entre eles um negro que profere orações em forma de música, contraponto ao opressivo sulista fardado. E o racismo se manifesta também quando Jeff Farnley (Marc Lawrence) pede para chicotear o cavalo do mexicano (Anthony Quinn) e com ódio no olhar diz: “O mexicano é meu!”.

Henry Fonda
A opção de Henry Fonda - Conhecido por suas atuações que, mesmo contidas, atingem uma pungência incomum, Henry Fonda dá uma demonstração de como um ator talentoso como ele pode prescindir de seus direitos de astro. O personagem de Fonda é apenas mais um entre os tantos que se agrupam na busca dos criminosos que não existem. Embora seu drama pessoal seja abordado - foi trocado pela amada por outro homem - isto em nada altera sua atitude na história e mesmo sua participação vai pouco a pouco sendo reduzida à medida que a tensão se eleva. Somente ao final, lendo a carta escrita para a esposa por um dos executados, é que Fonda se destaca lembrando a angústia de Tom Joad em “Vinhas da Ira”, este sim, um extraordinário momento do ator. O humanismo de Fonda é tão imenso quanto seu talento, isto num meio em que se briga por closes por segundos a mais ou a menos na tela e por salários cada vez maiores. Fonda sabia que naqueles tempos de guerra o público norte-americano queria ver seus astros matando alemães ou se envolvendo em dramas românticos em lugares exóticos como Casablanca. Mais importante para Henry Fonda (e William A. Wellman também) era levar o público à reflexão com uma história como a de “Ox-Bow Incident”, infelizmente um dos poucos westerns rodados naqueles anos.

Acima Harry Davenport e Leigh Whipper;
os sete homens contra o linchamento. 
Excelente time de coadjuvantes - Western conciso, com diálogos sucintos diretos e eficientes, "Consciências Mortas" prescinde apenas da presença desnecessária de Mary Beth Hughes que interpreta numa rápida sequência a mulher que Gil Carter (Fonda) amava. Mary Beth foi uma aposta da Fox que não se confirmou como grande estrela. Para compensar, este western reúne um notável e numeroso elenco de apoio e William A. Wellman consegue que cada um deles tenha relevância mesmo com as poucas falas individuais, suficientes para caracterizar cada personagem. Destaque maior para Harry Davenport e Leigh Whipper entre os menos conhecidos. Harry Morgan limita-se a dividir com Fonda a tristeza diante da covardia e histeria coletiva. Dana Andrews a caminho do estrelato tem os melhores momentos dramáticos como o infeliz rancheiro que vive o aterrorizante drama. Anthony Quinn como o desafiador mexicano já dava mostras de seu enorme talento que faria dele, em curto espaço de tempo, um dos maiores atores do cinema. Atenção para a presença de Rondo Hatton, ator acometido por acromegalia e que viria a falecer poucos anos depois deste trabalho, em 1946.

Frank Conroy, Chris-Pin Martin, Anthony Quinn e Marc Lawrence;
à direita Dana Andrews.

Excepcional faroeste - Magnífico trabalho de iluminação criando a atmosfera precisa nas apavorantes sequências de enforcamento, a cinematografia de Arthur C. Miller é um dos pontos altos de “Consciências Mortas”, além da ótima música incidental de Cyril J. Mockridge. Mais até que o tema principal do filme, assunto poucas vezes focalizado por Hollywood, a virtude maior deste western de William A. Wellman reside em exemplarmente demonstrar que excepcionais filmes não se fundamentam necessariamente em produções dispendiosas. Certa vez Orson Welles declarou que esta era a película que mais admirava e Clint Eastwood afirmou que em sua adolescência este foi o faroeste que mais o fascinou. Mesmo tendo produção de western B, “Consciências Mortas” concorreu ao Oscar de Melhor Filme na premiação de 1944, perdendo para “Casablanca”; ganhou porém o então importante prêmio do National Board Review como Melhor Filme do Ano e ainda ficou com o segundo lugar na escolha do New York Film Critics Circle Awards em 1943. Um dos melhores filmes do gênero, “Consciências Mortas” nunca deixou de ser uma lição de coragem, humildade e talento de seu diretor, bem como de Henry Fonda.


5 de novembro de 2016

EU MATEI JESSE JAMES (I SHOT JESSE JAMES) – O DRAMA PESSOAL DE ROBERT FORD


Samuel Fuller
Trabalhando com pequenos orçamentos no início de carreira, Samuel Fuller construiu uma invejável reputação como diretor e como roteirista de seus filmes. Ganhando a confiança dos produtores, Fuller realizou mais tarde o admirado “Dragões da Violência” (Forty Guns) e o superestimado “Renegando Meu Sangue” (Run of the Arrow), ambos de 1957. Do que Samuel Fuller nunca abriu mão foi de criar alguma polêmica com seus filmes e isso pode ser comprovado já em sua estreia como diretor, em 1949, quando dirigiu “Eu Matei Jesse James” (I Shot Jesse James). Tendo assinado contrato com a produtora de Robert L. Lippert para dirigir três filmes (todos por ele próprio roteirizados), Fuller em apenas dez dias de filmagens e com elenco e técnicos que o orçamento podia pagar entregou este western que se interessa menos por Jesse James e mais por aquele que passou para a história como seu ‘covarde assassino’.


Barbara Britton com John Ireland (acima)
e com Preston Foster.
Tudo por uma mulher - Após um frustrado assalto comandando sua quadrilha, Jesse James (Reed Hadley) reassume sua vida disfarçado como o pacato Tom Howard, homem casado e pai de filho que vive em St. Joseph, no Missouri. Abrigam-se na casa de James seu irmão Frank (Tom Tyler) e os irmãos Ford - Robert (John Ireland) e Charles (Tommy Noonan) - seus amigos. Robert Ford pretende se casar com a atriz Cinthy (Barbara Britton) e vê na recompensa de 10 mil dólares estipulada pela captura ou morte de Jesse James a possibilidade do matrimônio e início de uma vida honesta. Mais ainda depois de o governador declarar anistia a todos os bandidos, menos aos irmãos James. Robert Ford executa Jesse James mas não obtém a recompensa esperada e sim adquire a fama de covarde, o que faz com que Cinthy repense a ideia de se casar com ele. Surge então Kelley (Preston Foster) que também se interessa por Cinthy. Robert enriquece descobrindo prata em Creede, no Colorado, ao mesmo tempo que perde Cinthy para Kelley. Os dois homens duelam em frente ao saloon Silver King e Robert Ford é morto.

Reed Hadley
Insólita narrativa - No início de “Eu Matei Jesse James” um letreiro informa sobre as liberdades que o roteiro de Samuel Fuller tomou com os fatos históricos envolvendo Robert Ford. A partir daí pode-se esperar por qualquer coisa e Fuller não deixa por menos surpreendendo com sua insólita narrativa. Esqueça-se a lembrança do formoso Jesse James de Tyrone Power pois o lendário bandido agora interpretado por Reed Hadley está mais para Abraham Lincoln, faltando apenas a cartola para completar o personagem. E este Jesse James nunca se cansa de praticamente pedir para ser alvejado pelas costas por seu amigo Robert Ford, mesmo após ter discutido com este as vantagens desse assassinato. Fuller transforma seu western num melodrama ao trazer para a história um certo Kelley que viria a formar um triângulo amoroso entre Robert Ford e sua amada Cinthy. Porém antes desse bem declarado triângulo, houve outro sugerido pelo provocador Fuller.


Reed Hadley e John Ireland
‘Eu matei quem eu amava’ - Se a consciência de Bob Ford não permitiu que ele tivesse um minuto de paz após seu ato covarde, não é menos verdade, ao menos neste “Eu Matei Jesse James”, que seu coração também esteve dividido entre a namorada e seu chefe, o esposo de Zee James (Barbara Woodell). Após o malogrado assalto a banco no início do filme, Jesse procura cuidar do ferimento de Robert Ford, um tiro que trespassa o ombro e do qual não se vê sangue pela pobreza da produção. Pressentindo perigo, Zee pede para o marido se afastar dos irmãos Ford, mas ao invés disso é Bob Ford quem esquenta e traz água e ajuda Jesse James durante o banho deste. É quando Jesse entrega um reluzente Colt 45 para o amigo avisando que a arma é linda e tem um cabo moderno. O mesmo John Ireland viveu cena parecida com Montgomery Clift em “Rio Vermelho” quando ambos trocaram e admiraram mutuamente seus revólveres com evidente simbolismo. Enquanto Bob Ford acaricia o revólver, Jesse James oferece suas costas para o amigo esfregar. E Jesse observa que “quando dou um presente, dou completamente”. A tentação é grande e afinal Ford assassina o amigo, ficando com a indesejável fama que acaba por lhe dificultar o casamento com Cinthy. Após cansativas idas e vindas com portas que nunca se cansam de abrir para compor o triângulo Kelley-Cinthy-Bob Ford, eis que o ‘covarde assassino’ é finalmente morto por Kelley (O’Kelley na história real e não na rua, mas dentro do saloon e com um tiro no pescoço). Antes de morrer nos braços de Cinthy, Bob Ford confessa à perplexa moça que “amava Jesse James”. Samuel Fuller em seu estado mais puro.

Barbara Britton e John Ireland

John Ireland; Preston Foster
Participações pouco interessadas - Este singular western poderia funcionar bem, não fosse o roteiro pouco claro, desconexo mesmo em alguns diálogos e que compromete toda a criativa versão do delirante Fuller. Some-se a isso a não disfarçada pobreza da produção, isto quando se sabe que o que faz a glória de cineastas como Samuel Fuller, Edgar D. Ulmer e Phil Karlson, entre outros, é a capacidade de superar com criatividade a falta de recursos. Há em “Eu Matei Jesse James” um excesso de planos fixos o que dá ao filme uma estaticidade que os muitos e prolongados close-ups pouco ajudam. Sem falar que, por estarem participando de um filme de diretor estreante e certamente por estarem recebendo ínfimos salários por suas participações, Preston Foster e John Ireland não dissimulam a má vontade. Foster vivia o declínio de sua carreira e Ireland, que no ano anterior se destacara no clássico “Rio Vermelho” (Red River), interpretaria em 1949 o repórter de “A Grande Ilusão”, atuação que lhe valeu uma indicação ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante.

Tom Tyler
Três momentos bilhantes - Em se tratando de Samuel Fuller, felizes imprevistos são perfeitamente previsíveis e eis que o diretor nos dá três grandes momentos neste pequeno faroeste. O primeiro é quando Bob Ford está em cena revivendo num teatro o já famoso assassinato e seu remorso o impede de repetir seu ato fatal, mesmo que numa encenação. Em seguida há a sequência em que um trovador (Robin Short) canta, diante de Bob Ford a balada que fala do assassinato de Jesse James, momento brilhante pelas excepcionais participações do cantor e também de John Ireland, aqui num raro momento de maior comprometimento com o filme. E outra sequência marcante e própria do diretor é quando Bob Ford aparentemente atira em direção ao velho garimpeiro Soapy (Victor Kilian), dando a impressão de tê-lo matado e na sequência seguinte é dito que Ford atirara num puma que estava atrás de Soapy e não no minerador. Três belos momentos, dignos da fama de Fuller, que não conseguem sustentar um roteiro inconsistente.

Robin Short; Victor Kiliam

John Ireland
O incansável John Ireland - Creditado em primeiro lugar nos letreiros, Preston Foster faz o que se espera dele com sua presença forte. John Ireland era então, aos 35 anos, um dos mais fortes candidatos à condição de astro em Hollywood, com excelentes participações especialmente em policiais noir onde se sentia bem à vontade. Entre 1948 e 1949 Ireland participou de nada menos que 13 filmes, sempre em papeis relevantes. No entanto Ireland não atingiu o estrelato como, por exemplo, seus contemporâneos Kirk Douglas e Burt Lancaster. A linda Barbara Britton é do trio principal quem parece levar este western a sério. No elenco ainda o conhecido Victor Kiliam e Tom Tyler e Reed Hadley, ambos astros de seriados da Republic Pictures. Robin Short, que interpreta “A Balada de Jesse James” era um cantor de folksongs que se acompanha ao violão, exatamente como é mostrado neste western. Curioso que Jesse James ficaria marcado no cinema pela imagem de Tyrone Power, mesmo após tantos e tantos filmes (e seriados) sobre o bandido. E não foi desta vez que a lenda sobre Jesse foi desfeita, mesmo sob o enfoque de um diretor abusado como Samuel Fuller.


A cena real do assassinato, com John Ireland e Reed Hadley.

O assassinato encenado em um teatro, com John Ireland (Bob Ford) e um ator

24 de outubro de 2016

CAVALEIROS DE SANTA FÉ (SANTA FÉ SADDLEMATES) – EXEMPLO PERFEITO DE WESTERN B


Sunset Carson
A categoria ‘Westerns B’ feitos em série, assim como qualquer outro gênero, possui também filmes que podem ser considerados clássicos. Um deles é “Cavaleiros de Santa Fé” (Santa Fé Saddlemates), quinto de uma série de 15 filmes que Sunset Carson estrelou para a Republic Pictures entre 1944/1946. Dirigido por Thomas Carr, “Cavaleiros de Santa Fé” tem em seus 58 minutos de duração todos os ingredientes que faziam a alegria das plateias das Saturday Afternoon, ou as nossas saudosas matinês, por aqui dominicais. Nos primeiros dez minutos deste filme Sunset Carson trava quatro lutas que servem de aperitivo para a incrível e contínua movimentação deste pequeno western. E entre os adversários de Carson estão alguns dos mais temidos vilões dos westerns B, gente como Roy Barcroft, Bud Geary, Robert Wilke e Keene Duncan. George Chesebro está no elenco mas desta vez do lado do bem. Sobra tempo ainda para Sunset Carson namorar a mais bela de todas as heroínas da Republic Pictures, Linda Stirling, que se tornou conhecida como a ‘Rainha dos seriados’. Imagina-se a algazarra que a gurizada deve ter feito nos ‘poeiras’ em que “Cavaleiros de Santa Fé” foi exibido e não sem razão.


Roy Barcroft e Sunset Carson
Agente disfarçado, outra vez - A história não difere muito das centenas que se viu em tantos pequenos westerns dos ‘Minors’, como eram chamados os estúdios da Poverty Row, em Hollywood.  Sunset Carson é um agente que, a pedido das autoridades de Santa Fé chega disfarçado à cidade que faz fronteira com o México. O objetivo de sua presença é desbaratar uma quadrilha chefiada pelo comerciante John Gant (Roy Barcroft) que pratica roubos e contrabando. Na cidade Carson conhece Ann Morton (Linda Stirling), repórter que disfarçada como saloon girl e que descobre que Sunset Carson é um Investigador Especial. John Gant aguarda a chegada a Santa Fé de um certo Brazos Kane para ajudá-lo na atividade criminosa, mas Sunset Carson se faz passar por Brazos Kane e descobre como Gant age, prendendo o bandido e colocando fim à quadrilha.

Sunset Carson socando um bandido.
Brigas e mais brigas -O mocinho se infiltrar em uma quadrilha usando identidade falsa é comum nos enredos dos pequenos faroestes. Difícil acreditar que um bandido experiente como Roy Barcroft não desconfie que Sunset Carson aparece em Santa Fé para prendê-lo. Certo que Carson dá uma demonstração de força ao enfrentar alguns dos homens de Barcroft, ocasião em que o saloon local é quase todo destruído. Pouco antes em outra luta Sunset Carson já havia arrebentado com mesas e cadeiras de um escritório, forma que o Governado encontrou para comprovar como Carson é bom com os punhos. E não só com os punhos pois o mocinho galopa garbosamente seu cavalo branco em perseguição aos bandidos acertando-os com sua pontaria certeira. Tanta ação tira o fôlego do espectador que só descansa quando Linda Stirling graciosamente canta “La Cucaracha” entre os cowboys do saloon. Originalmente “Cavaleiros de Santa Fé” tem 58 minutos e espaço para outra canção (“Oh Mister”), anunciada nos créditos e que deve ter sido excluída juntamente com os cinco minutos cortados na ótima cópia que circula no Brasil.

Sunset Carson em ação num escritório e no saloon.

Sunset Carson
Curta carreira - Sunset Carson teve curta carreira na Republic Pictures, isto apesar da simpatia que irradiava com seu rosto jovial, de ser bom cavaleiro pois atuou em rodeios antes de ser ator e do 1,96m de altura, que fazia dele o mais alto entre os mocinhos dos faroestes B. Numa das sequências de “Cavaleiros de Santa Fé” é mostrada uma identidade do personagem ‘Sunset Carson’, indicando ter ele 1,90m (6,3”). E sabe-se que a alturas dos atores de cinema sempre geraram controvérsias. Nascido em 1920, aos 26 anos de idade Sunset Carson foi despedido da Republic Pictures por Herbert J. Yates, o dono do estúdio. A alegação foi o ator ter chegado embriagado para o trabalho e ainda acompanhado de uma garota menor de idade. Ainda usando o nome Sunset Carson, o ator tentou prosseguir carreira na pequeníssima produtora Yucca Pictures, onde fez seus últimos westerns. Sunset Carson, cujo nome verdadeiro era Winifred Maurice Harrison, faleceu vítima de um câncer aos 69 anos de idade, em 1990.

Sunset Carson e Linda Stirling

Bud Geary
O bandidão Bud Geary - Entre os importantes nomes do elenco de “Cavaleiros de Santa Fé” está o de Bud Geary, rosto bastante conhecido dos fãs e que, como bandido, deu bastante trabalho a muitos mocinhos do cinema, isto desde os tempos de Buck Jones e Tom Mix. Geary faleceu em 1948 num acidente de automóvel, aos 48 anos de idade. O jovem Robert (J.) Wilke tem uma pequena participação, ele que viria a se firmar com um dos grandes vilões dos westerns A e ator em filmes de boa qualidade. Roy Barcroft dispensa apresentações e sua luta final contra Sunset Carson é espetacular, nada devendo àquelas travadas contra Allan ‘Rocky’ Lane. O ponto fraco é o sidekick interpretado por Olin Howland.

Roy Barcroft e Robert Wilke

Sunset Carson e Linda Stirling
A Rainha dos Seriados - Embora seu personagem seja inteiramente dispensável à história, Linda Stirling é uma festa para os olhos com sua beleza. ‘Rainha dos Seriados’ por suas tantas participações nas fitas em capítulos da Republic, Linda teve carreira relativamente curta na Republic Pictures pois seu primeiro e marcante seriado foi protagonizando a “A Mulher Tigre”, em 1944. Nesse mesmo ano Linda estrelou o seriado “O Chicote do Zorro”, seguindo-se outros seis, até encerrar suas participações nesse tipo de filme com “A Volta de Jesse James”, estrelado por Clayton Moore, em 1947. Nunca mais os seriados ou a própria Republic Pictures tiveram uma estrela como Linda Stirling. Valendo por Linda, por Sunset Carson e pela intensa movimentação, “Cavaleiros de Santa Fé” é imperdível.


20 de outubro de 2016

O DUELO (A GUNFIGHT) – KIRK DOUGLAS E JOHNNY CASH NUMA ARENA DE TOUROS


Lamont
Johnson
(acima)
O western spaghetti teve, inegavelmente, influencia sobre o gênero de modo geral revitalizando-o e rompendo com modelos consagrados em décadas. E não são poucos os faroestes norte-americanos que comprovam essa tese. Se o spaghetti chegou ao extremo da criatividade ao filmar admiravelmente um trielo num cemitério, por que o faroeste norte-americano não poderia filmar um confronto entre pistoleiros dentro de uma... plaza de toros? É isso que acontece em “O Duelo” (A Gunfight), western dirigido por Lamont Johnson em 1971 e escrito por Harold Jack Bloom. Este autor iniciou sua carreira escrevendo e roteirizando em 1953 nada menos que “O Preço de um Homem” (The Naked Spur), o melhor dos excelentes westerns de Anthony Mann. Este duelo levado à tela em 1971 teve como contendores um astro dos faroestes que era Kirk Douglas e o cantor Johnny Cash. Conhecido como ‘The Storyteller’ pelas histórias que narrava em suas canções, muitas delas falando do Velho Oeste e seus personagens, Johnny Cash até que demorou para levar para o cinema o ‘Man in Black’ com que conquistou tantos fãs nos palcos.


Kirk Douglas e Johnny Cash
Dois veteranos pistoleiros - Abe Cross (Johnny Cash) é um pistoleiro que faz uma parada numa pequena cidade do Texas, na fronteira com o México. Nessa cidade vive o também ex-pistoleiro Will Tenneray (Kirk Douglas) agora ganhando a vida no Reata Saloon da cidade. Tanto Cross quanto Tenneray são veteranos do gatilho que já tiveram melhores dias, mas os habitantes da cidade, assim que tomam conhecimento da presença de Cross, passam a fazer apostas num possível confronto de ligeireza e pontaria entre os dois. Francisco Alvarez (Raf Vallone), um comerciante local vê nesse duelo a possibilidade de ganhar dinheiro não só com as apostas, mas promovendo o embate como um espetáculo inusitado. O encontro ocorrerá em Bajo Rio, cidade vizinha além fronteira, dentro da arena onde ocorrem touradas. A princípio contrariados com a ideia, os dois acabam seduzidos pela possibilidade de ganhar um bom dinheiro, especialmente porque apenas um irá sobreviver e poderá começar vida nova com a pequena fortuna ganha no duelo. Tenneray é casado, tem um filho e sua esposa luta inutilmente para convencê-lo a desistir da contenda que afinal ocorre deixando-a viúva.

Raf Vallone e Keith Carradine
Bolsa de apostas - O diretor Lamont Johnson foi bastante premiado por seus muitos trabalhos na televisão, mas fazer cinema é outra história e “O Duelo”, apesar de alguns bons momentos, é um filme que jamais chega a empolgar. Francisco Alvarez representa o oportunista que momentaneamente se torna empresário e sua aposta maior é a possibilidade de Tenneray não sair vivo da peleja. Alvarez manteve durante anos um caso com Nora (Jane Alexander), a esposa de Tenneray e nutre a esperança de voltar a viver com ela. Nora tornando-se viúva em muito facilitaria seu objetivo, além é claro, dos 10% que Alvarez receberá pela promoção do ‘grandioso espetáculo’ que o Texas nunca presenciou. Mesmo percebido por Abe Cross o mal explicado triângulo amoroso, “O Duelo” minimiza essa subtrama que daria maior sabor ao filme e, ao invés disso, fixa-se longamente na preparação do duelo. O roteiro também não explora devidamente a comoção que se apossa dos moradores ávidos por conhecer quem é o mais rápido. O ponto alto deste western acaba sendo a sequência com a presença de um repórter sensacionalista que quer entrevistar os contendores. Estes espertamente cobram para serem fotografados (“25 dólares cada um”, diz astuciosamente Abe Cross) quando do nada surge um jovem pistoleiro em busca da fama (Keith Carradine) desafiando um dos dois. Tanto faz ser Cross como Tenneray pois o que interessa ao audacioso pretendente à fama é justamente a glória de haver derrotado um atirador famoso e ambos o são. É Tenneray quem se mostra mais rápido, matando o jovem pistoleiro e com isso fazendo com que sua cotação suba ainda mais nas apostas.

Jane Alexandre; Jane Alexander e Kirk Douglas

A arena de touros assiste a um duelo.
Aparato de grande evento - O circo em que se transforma a pequena plaza de toros de Bajo Rios tem o aparato dos grandes eventos. Marcado para as quatro horas da tarde, a quarta badalada do sino da igreja próxima é o sinal para que os contendores saquem suas armas diante de centenas e centenas de olhares sequiosos e que testemunham o embate que só faltou ser chamado de ‘o duelo do século’. Mesmo com todo esse presumivelmente interessante cenário e ainda os expressivos Kirk Douglas e Johnny Cash, o resultado é de uma frieza ímpar, perdendo-se o que poderia ser uma notável variação nos westerns norte-americanos. O mesmo Kirk Douglas que viveu em “Duelo de Titãs” (The Last Train from Gun Hill) e em “O Último Pôr-do-Sol” (The Last Sunset) grandes showdowns do faroeste, certamente se decepcionou com este duelo numa arena de touros. Para complementar, Lamont Johnson filma ainda um resultado diferente que se passa na aturdida imaginação da viúva Tenneray. Nada mais despropositado e desnecessário, ainda que a intenção tenha sido ressaltar a amargura da vitória para Abe Cross que como castigo escuta um tedioso discurso da namorada Jenny Simms (Karen Black).


Karen Black e Johnny Cash;
Robert Wilke
Johnny Cash vitorioso no duelo - Kirk Douglas cria seu personagem, como não poderia deixar de ser, com a característica dose de tormento pessoal, não deixando de ser vibrante e sem esquecer o exibicionismo no domínio do Colt e sobre um cavalo. Em sua última cena salta sobre a montaria mostrando-se em forma aos 56 anos de idade. Com tudo que Douglas e sua vasta experiência faz, é Johnny Cash quem vence o duelo de interpretações com seu desalentado Abe Cross. Uma pena mesmo que a carreira de Cash como ator tenha se resumido a apenas mais dois trabalhos como ator no cinema. Cash teve ainda diversas participações especiais em séries de TV. Jane Alexander deixa a impressão de ter sido subaproveitada como Nora Tenneray e Karen Black se sai bem como a simpática saloon girl que se envolve com o pistoleiro. Estranho ver o antigo galã italiano Raf Vallone num faroeste que tem ainda as pequenas participações de Robert Wilke e Keith Carradine. Este, da dinastia de John Carradine, ganharia um Oscar de Melhor Canção em 1976, com “I’m Easy”, de sua autoria, para o filme “Nashville”. O menino Eric Douglas interpreta o filho de Kirk Douglas, ele que era filho do ator na vida real. O destino aprontou uma tristeza para Kirk Douglas que viu, em 2004, o irmão de Michael Douglas morrer de overdose de drogas aos 46 aos de idade.

Kirk Douglas e Johnny Cash
Produção apache - Johnny Cash canta a canção-título “A Gunfight”, que ele mesmo compôs bem ao seu estilo de contador de histórias com suas narrativas canções. Um fato que diferencia “O Duelo” de todos os demais westerns é ter sido o filme produzido totalmente com recursos da tribo Apache Jicarilla. O dinheiro adveio dos investimentos que os Jicarillas possuíam, oriundo da exploração de petróleo e minério em suas terras. Mesmo avisados que no filme não haveria índios os Jicarillas não se importaram pois visavam mesmo era o lucro que porventura o filme rendesse, o que não chegou a acontecer pois pouca gente foi aos cinemas assistir “O Duelo”. Kirk Douglas teria que esperar até 1975 para voltar a fazer um western, quando atuou em “Ambição Acima da Lei” (Posse), este sim um faroeste à altura do renome do grande ator.


A cópia de “O Duelo” foi gentilmente cedida a este blog pelo cinéfilo e colecionador Marcelo Cardoso.

Note-se o originalíssimo título do filme em sua versão italiana.