Acima o autor A.B.Guthrie Jr. abaixo Andrew V. McLaglen, Harold Hecht e Kirk Douglas. |
Foi, talvez, de Jack Elam o melhor
comentário sobre este filme, quando disse: “Foram
tão árduas as filmagens de ‘Desbravando o Oeste’ que me deu uma profunda
tristeza ler as críticas, quase todas negativas, e ver o público ter fugido do
filme. Enquanto filmávamos achávamos que seria um daqueles filmes inesquecíveis
e de grande sucesso...” Quando publicado em 1949, “The Way West”, de
autoria de A.B. Guthrie Jr., foi premiado com o Prêmio Pulitzer e passou a ser
disputado por produtores de Hollywood pois todos apostavam que aquele seria o
maior épico do gênero western. Quem ganhou a briga pelos direitos
cinematográficos foi a Hecht-Lancaster, produtora do grande ator que vinha
realizando uma série de excelentes filmes. Só com o roteiro encomendado a
Clifford Oddets foram gastos meio milhão de dólares e no projeto para o filme Burt
Lancaster teria a companhia de James Stewart e Gary Cooper. Ambos, porém, com a
agenda cheia e pelas dificuldades que se avizinhavam nas locações logo
desistiram. “The Way West” dormiu nas prateleiras até que o império que
Lancaster chegou a construir ruiu e o ex-cobiçado roteiro acabou nas mãos de
Harold Hecht quando a sociedade com Lancaster foi desfeita. Somente em 1966
Harold Hecht conseguiu reunir o dinheiro necessário para produzir o sonhado
épico, nada menos que cinco milhões de dólares, muito dinheiro naquele tempo.
Novo roteiro foi concebido, desta vez de autoria de Ben Maddow (“O Segredo das
Jóias” e “Johnny Guitar”), Andrew V. McLaglen, foi chamado para dirigir e o
trio central foi formado por Kirk Douglas, Robert Mitchum e Richard Widmark.
Belíssima imagem da caravana rumo ao Oregon; Kirk Douglas e Robert Mitchum. |
A
caminho do Oregon - Assim como outros autores renomados,
A.B. Guthrie Jr. preferiu se afastar de Hollywood, ele que chegou a escrever os
roteiros de “Os Brutos Também Amam” (Shane) e “Homem Até o Fim” (The
Kentuckian), após o que se dedicou a completar os seis episódios de sua grande
obra sobre a conquista do Oeste norte-americano. “The Way West”, o segundo
livro da saga foi levado ao cinema depois de “Rio da Aventura” (The Big Sky),
filme de Howard Hawks de 1952 estrelado por Kirk Douglas. No Brasil “The Way
West” teve o título “Desbravando o Oeste”, sendo filmado inteiramente em
locações, a maior parte no Oregon, com algumas poucas sequências bem mais
amenas rodadas em Tucson, Arizona. Conta como um grupo de centenas de colonos
parte, em abril de 1943, da cidade de Independence (Missouri) para tentar
chegar pioneiramente uma espécie de terra prometida, no Oregon. Lidera a
caravana o ex-Senador William J. Tadlock (Kirk Douglas), que contrata como guia
o experiente Dick Summers (Robert Mitchum). Aos obstáculos naturais somam-se
aqueles surgidos pelo convívio do não heterogêneo grupo e entre estes está Lije
Evans (Richard Widmark) que cedo se indispõe com a forma autoritária e por
vezes cruel de Tadlock conduzir a caravana. Após encontros com índios e
inúmeras mortes, entre elas a do próprio Tadlock, os colonos chegam afinal ao
seu objetivo, passando à história como verdadeiros desbravadores do Oeste.
Filme
mutilado - Andrew V. McLaglen queixou-se em entrevista no ano 2003
que Harold Hecht e a United Artists cortaram 20 minutos iniciais de seu filme,
prejudicando-o enormemente com isso. Pelo que se conhece dos 122 minutos de sua
metragem original, qualquer acréscimo teria tornado “Desbravando o Oeste” ainda
mais pesado. Tendo sido assistente de direção de William A. Wellman, Budd
Boetticher e John Ford, McLaglen demonstra enorme competência nas difíceis sequências
da infindável movimentação da caravana desde o Missouri até o Oregon. Porém, ao
tratar dos conflitos humanos falta a McLaglen maior habilidade e o grandioso
épico não produz a mínima emoção. Justo é dividir essa responsabilidade com os
fracos diálogos de autoria de Ben Maddow e Mitch Lindemann, este produtor
executivo que foi creditado como roteirista, sem falar em Kirk Douglas que,
como de hábito, interferiu o quanto pode no trabalho do diretor com suas ‘sugestões’.
Entre as muitas frases infelizes do roteiro temos esta do ex-Senador Tadlock que
diz a Becky Evans (Lola Albright) na tentativa de conquistá-la: “Eu ressurgi como Sansão em sua cegueira...”.
Não satisfeito Tadlock emenda: “Serei
como uma torre para seu refúgio na nova cidade que construiremos”. À
perplexa Becky só restou sair e correr para o marido Lije Evans, de quem não
ouvirá clichês tão terríveis e o assédio do líder da caravana à mulher casada
parou por aí mesmo em total inconsequência.
À direita alguns dos risíveis diálogos expressos por Kirk Douglas para Lola Albright.
Acima Michael Witney e Sally Field; abaixo Katherine Justice entre Paul Luthaker, Peggy Stewart e Elizabeth Fraser. |
Uma
grande novela - Outra trama paralela é o envolvimento da atrevida jovem
Mercy McBee (Sally Field) com Johnnie Mack (Michael Witney) homem casado com
Amanda (Katherine Justice) uma mulher frígida e que o evita compulsivamente. O
senhor Mack então cede à tentação que é possuir a jovem Mercy, engravidando-a e
criando aquele que seria um enorme problema. Ocorre que Mack mata
acidentalmente o filho de um chefe índio que providencialmente estava por perto
disfarçado de lobo e cujo pai clama por vingança. Diante daquilo que parecia
ser a reunião de todas as tribos de peles vermelhas no caminho do Oregon, Mack
confessa o crime e é enforcado por Tadlock. Brownie Evans (Michael McGreevey)
aceita se casar com Mercy e assumir a paternidade do filho bastardo que a moça
gesta. Aduza-se a isso a emoção de, durante o casamento celebrado pelo pregador
Weatherby (Jack Elam), ao ouvir o clássico ‘se alguém souber de algo
contrário...’ a histérica viúva Amanda Mack denuncia a gravidez de Mercy.
Têm-se a clara impressão de estar diante daquilo que os norte-americanos chamam
de ‘soap-opera’, a nossa conhecida novelona de TV. Como a intenção era comover
o espectador e dele arrancar lágrimas, o viúvo Tadlock ainda vê seu filho
morrer num estouro de búfalos. Penitencia-se pedindo para ser chicoteado pelo
negro Saunders (Roy Glenn) e diante de sequências trágicas como essas é que 122
minutos estão de bom tamanho para o filme de McLaglen.
Jack Elam; Lola Albright e Richard Widmark |
Patric Knowles; Roy Barcroft |
Pouco
espaço para tantos coadjuvantes - Diálogos ruins e tramas ingênuas
para não dizer banais, são compensadas com aquilo que “Desbravando o Oeste” tem
de melhor que é mostrar com perfeição os rigores da longa jornada. Travessias
de rio, de deserto e de cânion são esplendida e realisticamente capturadas pelas
objetivas de William H. Clothier e é aí que Andrew V. McLaglen se supera e faz
com que seu filme, apesar dos pesares, mereça ser visto. Os 20 minutos cortados
da edição final de “Desbravando o Oeste” passam-se no encontro em Independence,
ainda no Missouri, dos camponeses que almejam encontrar um dia a terra tão sonhada
quanto distante. Portanto a penosa jornada está intacta e o que se perdeu foi
uma melhor caracterização do enorme número de coadjuvantes que fazem parte da
caravana e isso é realmente uma pena. Esmerou-se a produção em reunir um cast
de qualidade que poucas oportunidades tem de mostrar seus talentos. Os irmãos
Henry (Timothy Scott, Hal Lynch e John Mitchum) têm participação pequena, assim
como Stubby Kaye, Roy Barcroft, Peggy Stewart, Nick Cravat, Roy Glenn e até
mesmo Patric Knowles, o ‘Will Scarlett’ do Robin Hood de Errol Flynn que
aparece quase num cameo. Sally Field, um tanto irritante, em sua estreia no
cinema e a Lola Albright têm os principais papéis femininos. Nas poucas sequências
em que aparece, Jack Elam comprova que era um especialista em roubar cenas.
Paul Luthaker, Peggy Stewart, Stubby Kaye e Elisabeth Fraser; à direita Sally Field, Connie Sawyer e Lola Albright. |
Mitchum,
Widmark e depois Douglas - Algo que sempre foi bastante
lembrado é Andrew V. McLaglen ter administrado bem as relações entre o trio central
de atores. Embora nenhuma crise maior tenha sido noticiada, sabe-se que Kirk
Douglas estava em fase de ego infladíssimo e tentou por todos os meios superar
os demais com seu desempenho. Interpretando mais uma vez um tipo detestável
(recentemente Douglas fez piada dizendo que viveu na tela tantos tipos sem
caráter que estava pronto para interpretar... Donald Trump) Kirk se esmerou
para compor o demagogo, visionário criador da ‘Oregon Liberty Company’. Para
atingir seu intento o obcecado Senador William J. Tadlock faz uso do que for necessário, mesmo de mentiras
e seu passado não é muito claro sabendo-se apenas que seu comportamento teria
levado sua esposa ao suicídio. Kirk monta, salta, luta, sofre e mesmo assim seu
tipo ignominioso não supera Robert Mitchum esplêndido como sempre e apertando
os olhos na briga particular contra a cegueira que acomete a visão do guia Dick
Summers. E Douglas não fica nem com o segundo lugar de destaque pois este vai
para Richard Widmark, igualmente excelente como sempre.
Fato
histórico inspirador - A melhor explicação para o fracasso
de “Desbravando o Oeste” talvez seja a própria concepção do filme. Destinado a
ser mais um espetáculo edificante enaltecendo a inquebrantável coragem do povo
norte-americano em seus projetos de construir uma grande nação, o filme de
McLaglen tem como líder um homem desprezível. Além disso o dramalhão em que se
transformam algumas situações, todas seguidas de mortes, conflitam com o escopo
cinematográfico imaginado para a obra de A.B. Guthrie Jr. Como lembrou Jack
Elam, “Desbravando o Oeste” traz uma
certa tristeza mesmo, especialmente pelos nomes importantes envolvidos e porque
poderia ter sido o grande filme de Andrew V. McLaglen, um dos últimos diretores
autênticos de westerns.