Aqui há tempos um leitor habitual do KL (rg54) pedia num comentário que tentássemos definir o conceito de “grandeza” do Sporting. Isto depois de um post em que exprimi algumas ideias sobre o assunto. Porque se trata de uma questão de facto séria, que se cruza com algumas recentes trocas de opinião que temos tido no blog, aqui ficam os resultados da minha reflexão sobre o assunto que vos deixo à consideração.
Em primeiro lugar de que Sporting estamos a falar, quando falamos em grandeza? Do Sporting Clube de Portugal ou da Sporting SAD?
Sobre o SCP podemos, sem qualquer hesitação, dizer que é um grande. Para mim sê-lo-á sempre e é sempre o maior dos grandes! Creio que esta questão não merece mesmo que sobre ela escrevamos mais uma linha sequer.
Mas, o que dizer da Sporting SAD? Para mim, é um grande... bluff! Falhou em toda a linha. Sublinho: TODA A LINHA! De grande, como já tive ocasião de dizer anteriormente, a SAD só tem o défice.
Os adeptos e sócios do Sporting, a sua seiva, o seu sangue, as suas moléculas --o que quiserem para ilustrar que são eles os elementos nucleares desta instituição que é o Sporting-- não mandam nada na SAD. Apenas servem para sustentar um défice bem gordo, que estabilizará, dizem eles, lá para Junho (se a presente comissão liquidatária tiver engenho e pachorra para o fazer) nuns míseros 150 milhões de euros. Nada mais, nada menos que cerca do triplo do défice que alegadamente, (digo-o assim porque nunca o conseguiremos saber com rigor) a actual dinastia de dirigentes foi encontrar em 1994. O défice actual, recordemo-lo, situa-se praticamente no quádruplo do défice original que levou a todo este tocar de sinos que se vem ouvindo desde essa altura.
Dir-me-ão que o mesmo se passa com os outros clubes e que o futebol, a nível mundial, atravessa um crise a que o Sporting também não é imune. Pois é, mas o Sporting é especialmente vulnerável a tudo isso porque a SAD não é uma “grande”. O Sporting é grande, mas a SAD é uma brincadeira, quase se diria, de mau gosto, baseada em princípios mesquinhos e constituída por gente medíocre. No fim de contas, a verdade é que a SAD não veio proporcionar grandes resultados desportivos, nem encontrou forma nem arte para manter e cativar (muito menos aumentar) os seus elementos nucleares, os sócios do Sporting Clube e os adeptos. Sem receitas provenientes de êxitos desportivos, sem gente a engrossar as suas fileiras, que possam ir aguentando os desmandos financeiros das direcções (os outros ditos “grandes” não sofrem deste mal), ao Sporting restará ir fazendo um jogo duplo de gestão da crise e de aproveitamento oportunístico das potencialidades que se vão revelando, por parte de uns quantos espertalhões que comem alguma da chicha que o Sporting ainda tem.
O Sporting Clube de Portugal (a instituição que nos move a todos neste espaço) está em perigo. Não adianta rodear a questão, nem perdermo-nos em conversas acessórias. Por muito que custe a entrar na cabeça de alguns que continuam a pensar que ainda vivemos na época do Sporting Clube, o Grande. Agora existe uma SAD, há dois poderes (um virtual e outro real) e uma enorme zona cinzenta que pode dar para tudo. Infelizmente, tendo em conta a relação de forças, o mais certo, se nada for feito, é que dê para o torto. O Sporting actual é bicéfalo e esquizofrénico.
Do “Projecto Roquette” resultou um estado de verdadeira catástrofe no Sporting. Num primeiro tempo existia um Clube, com um património rico e um passivo que, embora fosse relativamente elevado, não se assemelhava, nem de perto nem de longe, ao projectado passivo estabilizado, com o qual aparentemente o presidente do Sporting admite viver bem.
Os “salvadores” do Sporting prometeram tudo. Ele era estádio, ele era academia, ele era apostar na formação, ele era ter novas fontes de receita que o blindassem contra a tal bola na trave. Ele era também ganhar não sei quantos campeonatos, em não sei quantos anos e passar a ter uma equipa presente na Europa com carácter regular.
O fim desta história já todos o conhecem. O escândalo é de tal ordem que até FSF (actor de toda esta novela desde o início) admitia na sua bizarra entrevista, e talvez tenha sido essa a sua única afirmação com interesse, que esse projecto falhou.
Ora, pergunto eu: para que era afinal necessária a SAD? O que precisávamos, desde o início, era de introduzir bons critérios de gestão. Parece claro que não é preciso um MBA para gerir bem um clube como o Sporting. É preciso perceber de desporto e ter sensibilidade para a sociologia de um clube como o Sporting. E ser Sportinguista. Nada disto, creio, acontece com os personagens que nos dirigem desde há pouco mais de uma década.
No fundo, se tivessem sido simplesmente aplicados critérios de gestão sensatos, se o espírito do Sporting não tivesse murchado ou sido desvirtuado à força, esse passivo tinha sido debelado em três tempos, os tempos de glória teriam de facto surgido e hoje poderíamos continuar a ser Sporting Clube. Era essa a nossa expectativa e a energia para que isso acontecesse estava lá toda. O que aconteceu então?
Porque não foram os critérios de gestão sensata introduzidos? Foi culpa dos dirigentes? Sim, decisivamente. Foi culpa dos sócios? Sim, também. Mas, porque foram os sócios atrás do canto dos novos dirigentes? Não se trata de perguntas retóricas. Era interessante conhecer as motivações dos Sportinguistas para perceber o que se passa hoje. O que os terá levado a apoiar entusiasticamente a venda ao diabo do seu Clube? Mania das grandezas? Mania da grandeza? Frustração? Inveja? Ou será que queriam simplesmente ver o seu Clube, o Clube diferente, baseado em princípios, que se habituaram a respeitar na vitória e na derrota, a ocupar um lugar que estivesse, com justiça, de acordo com os seus pergaminhos?
Por uma razão ou por outra (talvez por todas estas razões...) o certo é que os “salvadores” tiveram o engenho de fazer passar um projecto que qualquer pessoa, se tivesse a oportunidade de, calmamente, sobre ele reflectir, nunca teria aprovado. Desferiram um golpe de morte no Sporting. O Sporting deixou de ser Sporting. Passou a ser SAD. Andamos a brincar às grandes empresas, com cotação na bolsa, regidos por princípios de comércio e de obras públicas. Deixámos de ser a instituição desportiva com um século de história para nos transformarmos numa travesti de empresa. Pelo caminho os Sportinguistas deixaram de mandar no Clube, passaram apenas a ter a ilusão de que têm algum controlo, mas quem manda, de facto, é a administração da SAD. E, neste novo figurino o Clube até dá um jeitão: explica a ausência de resultados e o aumento do défice. Rico modelo este...
Numa totalmente inexplicável acção de gestão esta comissão liquidatária, em vez de reduzir o passivo, aumentou-o significativamente (poderemos dizer como se viu que, no mínimo, o quadriplicou). Vendeu parte significativa do património existente deixando o Clube de mão estendida e agora pretende incorporar o pouco que resta na SAD. O controlo efectivo de tudo o que diz respeito ao Sporting passa para a SAD. Mesmo assim ainda querem mais: querem o controlo total! Quem não o permite são os sócios, malandros, que criaram esta cultura no Clube. Querem mandar no seu Clube! Se o Clube e os sócios pouco riscam neste momento (por agora ainda vamos podendo espernear...!) a partir do momento em que a SAD controle o património, os activos, detenha a maioria e possa implementar as decisões políticas a seu bel-prazer, nada mais resta do SCP. Não há mais o Sporting dos valores corporizados na disputa desportiva, não há mais o Sporting de utilidade pública. Não há mais nada senão um eco distante dos ideias do Visconde de Alvalade. Os adeptos, que para pouco mais servem neste momento do que pagar, transformam-se em “clientes”. Nesta lógica totalmente empresarial e perversa, no futuro, nem espernear poderemos. Restará o livro de reclamações. Se a nova cultura da empresa o implementar...
Mas, dir-me-ão, a lógica empresarial pode trazer os valores do Clube de volta, sustentá-los e dar-lhes uma expressão desportiva adequada e enquadramento financeiro saudável. Ora, aí é que a porca torce o rabo! Eu não creio que o esvaziamento do Clube tenha sido o resultado de um objectivo virtuoso. Serviu apenas para escancarar as suas portas ao mais reles oportunismo e aos mais sórdidos desígnios. Estava tudo, creio, pensado. Ninguém está neste Sporting para servir o Clube. Por isso é que eles não despegam nem à lei da bala! O Sporting não aterrou no “mercado” ontem e esta gente já o percebeu há muito...
Esvaziado o Clube, o que resta? Há muito que ando para aqui a escrever que o Sporting é uma espécie em vias de extinção. Não é um trocadilho fácil. É uma realidade que pode acontecer e que acontecerá, creiam-me, enquanto a discussão se situar ao nível do acessório.
Ao contrário do que se passa na ecologia, a espécie Sporting pode evoluir para uma coisa que não tem NADA a ver com o Clube que aprendemos a amar. Um “freak” qualquer, empoleirado neste nosso ideal ingénuo e generoso de um Sporting de princípios, feito de feitos desportivos (sobretudo) passados, cavalgando um pseudo vanguardismo de gestão insustentado, que caminha para o inevitável insucesso. As dificuldades tremendas que se fazem sentir, e que previsivelmente se continuarão a fazer sentir no futuro (FSF fala do tal passivo estabilizado de 150 milhões como se se tratasse, ou de um pacote de amendoins, ou de um feito notável... embora vá avisando que o Sporting se pode tornar ingovernável, sendo que, nessa altura, ele dará de frosques), são resultado do delírio de uns quantos dirigentes e do oportunismo de outros. Em nenhum caso se apuraram responsabilidades. E tudo isto atingiu um ponto tal que pode levar a que não haja --num futuro não tão longínquo como se possa pensar--, simplesmente, Sporting.
As AG do Sporting já são uma vergonha maior que as assembleias em pleno período do PREC. Totalmente manipuladas. Passa o que os senhores do poder e os seus esbirros quiserem, como e quando quiserem. Os mecanismos de participação e de democracia desta instituição estão abaixo dos limiares mínimos. Com uma cuidadosa preparação, com uma campanha bem feita nos orgãos de comunicação (parece que, aí sim, há engenho e arte), as ideias mais fantasiosas passam e a elas os Sportinguistas, daquela espécie em vias de extinção que ainda assiste a AGs, vão todos alegremente dar o seu ámen. São os mesmos que depois virão verberar os jogadores, o treinador e os dirigentes porque não obtiveram resultados. Recomeça o ciclo.
Já experimentaram ver qual é a reacção de qualquer pessoa que ouça uma marcha com uma batida forte e sincopada? Começa a marchar. Assim que o ritmo é dado, quem estiver para aí virado ou distraído, começa a marchar. Enquanto marcha não vê o que se passa de facto à sua volta. Obedece cegamente e sem se dar conta à batida.
Mas, enquanto uns marcham, a realidade do Sporting mostra que os Sportinguistas hoje estão a milhas de distância do Clube. O desencanto é total. Não se pode confundir a situação de desencanto com o entusiasmo que o ocasional brilharete proporciona. Dois campeonatos em, não tarda nada, 30 anos ou uma fugaz vitória perante um equipa fortíssima como é o FCP ao fim de dez (dez!) anos podem-nos dar uma satisfaçãozeca fugaz, mas a verdade é esta: o Sporting não vale hoje um caracol. E mantenho a minha: o Sporting é o primeiro dos “pequenos”. Se calhar era por isto que Roquette dizia que já não há grandes nem pequenos...
O meu Sporting era outro! O Sporting de hoje é uma caricatura. Hoje o grande objectivo é ser uma “clube de formação”. A salvação, diz-se, do Sporting é a formação. O fim de todos os problemas é a formação. Mas alguém conseguirá alguma vez explicar o que é isto de “ser um clube de formação”?! O Sporting abdicou dos seus objectivos desportivos e sociais e transformou-se numa fábrica ou agência de jogadores? Como é que funciona afinal de facto este modelo da formação? Quem é que beneficia dele? Pode um clube como o Sporting resumir a sua actividade a este modelo? A formação de jogadores ao mais alto nível é viável (financeiramente, para o Clube) sem uma componente desportiva, ela também, ao mais alto nível? Que modelo é este afinal? Receio que seja mais um conceito oco.
E chegamos, finalmente, a uma das outras questões que têm entretido por aqui alguns dos intervenientes no debate Sportinguista. A questão do comportamento dos sócios e dos adeptos. Em primeiro lugar, há que dizer que o pior que poderíamos ter era a completa indiferença. Quem se manifesta contra os jogadores ou o treinador faz parte de uma minoria que ainda vai dando sinais que está viva e que, mesmo em situação de desvantagem e mesmo em época má, teima em manter a sua presença. Mas, esta minoria está longe de constituir uma amostra significativa da massa adepta e sócia do Sporting. A maioria, essa, desligou-se do Clube.
Eu sempre achei um pouco estranho que alguém fosse a Alvalade para insultar os jogadores, o treinador, e mais quem estivesse à mão. Pessoalmente, nunca o faria nem o farei. Assisti a jogos em que se chegou a aplaudir o adversário face às paupérrimas exibições da nossa equipa. Chegou mesmo a haver “olés” a premiar os bailaricos dos adversários! Com o desenrolar do tempo e observando o quadro de participação na causa do Sporting que é hoje proporcionado aos sócios e adeptos, aos resultados e aos valores que são seguidos, comecei a compreender melhor o que significa tudo isto. No fundo, estamos perante um sinal claro de frustração, um grito de impotência, um desajuste entre os desígnios do Sporting e o modo como estão a ser implementados. De facto, nada mais (repito, nada mais!) resta a quem paga os balúrdios que paga para ser Sportinguista (FSF disse numa AG que para ser do Sporting era preciso ter algum poder económico, embora não tenha esclarecido se esse poder económico era só para exibir ou se servia também para benficiar o Clube) e a quem paga balúrdios para assistir aos jogos no estádio (FSF referiu também na sua homilía televisiva que o preço dos bilhetes --a “bilhética” como ele dizia-- era o mais baixo de todos, facto que, como é fácil demonstrar, não corresponde, nem de perto, nem de longe, à verdade!), nada mais resta, dizia, senão barafustar. E por enquanto ainda dá para barafustar...
Há quem veja nisto uma atitude anti-Sporting. Há quem pense que detém a virtude do Sporting.
Pensando eu como penso que o elemento central de um clube como o Sporting são os seus adeptos e sócios e que tudo o resto gira à volta deles (as receitas obtidas, os patrocínios, os ordenados, etc, etc, etc, tudo provem, directa ou indirectamente, do bolso dos espectadores!!) não posso deixar de exprimir o meu desagrado perante uma falta de empenhamento que não seja total, ou um comportamento fora dos cânones institucionais dos agentes e funcionários deste organismo que é o Sporting. Não há contemplações. Alguém tem de mostrar a que nível se situam os nossos padrões! E quem manda...
Ao Sporting hoje falta ambição e coragem. Os destinos do Clube situam-se algures em território que ninguém de facto conhece. O modelo vigente de gestão é um enorme fiasco. Tudo o que se anuncia projectado para o Clube não passa, ou de um logro, ou de uma assunção velada de impotência, ou de actos de mero oportunismo. Os resultados estão à vista. Quem é capaz de desmentir?