domingo, 20 de julho de 2008

A família

É grande a soma de factos que me têm levado ao longo destes anos (o fenómeno não é recente e é seguramente bem mais antigo que o KL...) a questionar a minha participação no SCP. Quem segue este blogue pôde ir lendo os sinais e sentindo os motivos do meu crescente descontentamento e com o modo como as coisas se vêm processando no Clube, mas no espaço de cerca de uma semana dois acontecimentos, duas gotas, fizeram transbordar definitivamente a taça.
Em primeiro lugar, a questão do famigerado processo Apito Dourado. Os resultados de toda esta inenarrável saga são os que todos conhecemos. Parece provado agora que não há vontade nenhuma de resolver o problema suscitado por este processo e que, quiçá, o mesmo foi levantado para diluir os detritos acumulados. Está plenamente provado que ninguém quer tomar as medidas verdadeiramente profiláticas imprescindíveis para que os "apitos" não voltem a piar. Ninguém parece querer, de facto, agir no caso da corrupção no futebol português. Buscam-se bodes expiatórios, encontram-se pobres carneiros para o sacrifício, mas está amplamente demonstrado que não há coragem para atacar o problema de frente. Tudo vai ficar pelas meias tintas, pelas meias medidas e pelo compromisso comprometedor. Os tubarões continuam, a voz até se lhes engrossa, e não se pressente uma única medida política ou jurídica que permita concluir que o cancro foi ou vai ser definitivamente extirpado. O bagunça e os seus responsáveis vão continuar. O futebol português vai continuar a ter os mesmos personagens e o mesmo enredo. Não percebo, francamente, como é que os apaixonados do desporto e, em particular, dos amantes do futebol, podem dormir de consciência tranquila, sem reacção perante tudo isto.
Conseguimos ultrapassar as expectativas: atingiu-se hoje o ponto mais baixo da credibilidade do futebol português. É hoje, em 2008, que o futebol português demonstra ser menos credível do que jamais foi. E porquê? Porque hoje toda a gente conhece os factos sobre os quais dantes apenas se davam palpites. Hoje já não há suspeitas, há certezas. Já ninguém pode gritar, como tantas vezes ouvimos de forma cobarde: então provem!! É que hoje está tudo amplamente provado. Só cambalhotas jurídicas, actuações titubeantes e a inimputabilidade crónica de que gozam os protagonistas de toda esta badalhoquice permitem que o barco do futebol vá permanecendo à tona de água.
E há ampla margem de manobra de actuação e plena justificação para o fazer. Mas, pelo que conseguimos perceber, ninguém está de facto disposto a varrer a tal podridão. Até o paladino da vassoura decidiu voltar para ajudar, viabilizando com a sua presença a manobra de esconder o lixo para debaixo do tapete... A estrutura do futebol português é corrupta de alto a baixo. Não é um epifenómeno, nem uma questão marginal ou conjuntural. É um problema estrutural: futebol é corrupção!
O estado calamitoso do futebol português afecta e ajuda TODOS os clubes! O Sporting incluído. Como puderam os sucessivos dirigentes do Sporting viver com a "porcaria" que ia pelo futebol português sem provcar uma fractura total com todas as estruturas e pessoas que têm dominado o futebol português ao longo destes anos? Como pôde o Sporting sentar-se calmamente à mesma mesa com os personagens que hoje se sentam no banco dos réus? Terá sido por acaso que da parte do Clube, com excepção da voz corajosa, mas efémera, de Dias da Cunha, só ouvimos um silêncio oficial?
Por inépcia, certamente, mas também por conivência, por conveniência ou por estarem também, quem sabe, metidos no caldinho, os dirigentes do Sporting mantiveram-se sempre calados, ou, quando muito, fizeram simples declarações de circunstância, sempre inócuas. Na prática, ajudaram a montar, pelo menos por falta de comparência, premeditada ou não, o actual status quo. E beneficiaram dele. Quando se diz que o Sporting não foi afectado pela escandaleira do Apito omite-se este facto... Quando falo em benefícios, refiro-me, claro, aos dirigentes, porque os adeptos e sócios dos clubes são sempre lesados, mas isso é outra conversa.
A suspeição no futebol português não acabou. É hoje aliás maior do que nunca, e é também hoje mais claro que nunca que o mundo do futebol é fabricado pelos controleiros do negócio.
O futebol português vive da mentira, o Sporting está metido, por omissão, por falta de estatuto ou de força, por interesses escondidos, incapacidade ou conivência, nesta mentira. Não se vê, no plano da organização desportiva em Portugal possibilidade de pôr fim a isto, e não se vê nos actuais dirigentes capacidade, interesse ou independência para contrariar toda esta situação.
E, por falar em controleiros do negócio, isso leva-nos à segunda gota que fez transbordar a taça...
Recentemente concretizou-se a tal operação "Sporting SAD 2011". Quanto ao significado e consequências que todo este processo tem e terá para o Clube é matéria que já foi amplamente discutida aqui e noutros blogues. O que me chocou desta feita, profundamente, foram as declações do presidente do SCP, Filipe Soares Franco. Disse ele que esta operação foi "importante na medida é que se renova o empréstimo obrigacionista e é importante o número de subscritores que ultrapassaram a oferta, [porque] demonstra que há muito público dentro e fora da família sportinguista que tem confiança na SAD do Sporting e na performance que ela pode fazer" (meus sublinhados). "A empresa é credível (e) os bancos fizeram um trabalho extraordinário", acrescentou sua excelência.
Nem uma palavra para os Sportinguistas, sem os quais e sem o dinheiro dos quais a SAD não seria nem pó! Sem os quais e sem o dinheiro dos quais esta fantasia "comercial" em que andamos metidos não chegaria sequer à categoria de vaporware, quanto mais de negócio.
Claro que Soares Franco disse que um dos outros motivos pelos quais a operação tinha sido um sucesso seria porque o "produto é bom". Mas não creio que se estivesse a referir aos Sportinguistas... Acredito que para ele (pelo menos, assim, de forma explícita) os Sportinguistas ainda não sejam "produto"! Aliás duvido que os génios da gestão sportinguista saibam o que é o "produto" do Sporting...
Ou seja, estamos perante um sucesso viabilizado exclusivamente pelo facto de haver uma família Sportinguista, que directa ou indirectamente paga tudo isto, inclusivamente as situações de privilégio de que alguns beneficiam amplamente, mas nem por isso o presidente do Sporting teve uma palavra para... a família Sportinguista! Dignos de todo o crédito foram os bancos e a SAD... Caiu definitivamente a máscara.
Que significado terá a expressão "família Sportinguista" para esta criatura? E o que pensa a verdadeira família Sportinguista deste arauto das virtudes da banca e da empresa? Estará o presidente do Sporting a prestar tributo do respeito que deve totalmente à família quando elogia desta forma efusiva os bancos e a SAD? E, a propósito, o que restará para o Sporting Clube de Portugal, a galope do qual tudo isto cavalga, daqueles 19 milhões que vão ser encaixados?
Nós aqui bem andamos a avisar os Sportinguistas que insistem em deixar-se tratar como mercadoria que irão sofrer, mais tarde ou mais cedo, e pagar as consequências desta sua leviandade. Mas, a maioria parece querer olhar para o lado, ou manter uma posição profundamente hipócrita relativamente a tudo isto. Alguns até vieram papaguear a conversa da administração, elogiando a "credibilidade" da SAD. Esqueceram-se que a "credibilidade" da SAD somos nós!!
O Sporting é os Sportinguistas e estes andam desnorteados. Uma minoria de sócios aplaude este processo. Uma outra parte, não sabemos quantos, vive bem com tudo isto. Outros, finalmente, estão desgostosos com o caminho que o Sporting tomou. Eu também.
Mas, não posso, em consciência, pactuar com esta mentira. Para mim, o Sporting é um assunto demasiadamente sério para eu poder continuar a colaborar nesta fantochada toda.
Não posso admitir que os lucros deste negócio, que apenas tem viabilidade porque uns quantos trouxas engolem sapos, ou vão hipocritamente assobiando para o lado, vão parar ao bolso dos predadores do meu Clube de sempre.
Não posso ir viabilizando um negócio cujos lucros vão parar a bolsos desconhecidos, de gente de "fora da família Sportinguista" que acha que o meu Sporting e o meu Sportinguismo são uma boa oportunidade de negócio para eles.
Não posso dar o meu aval e deixar-me enredar nesta teia obscura do futebol e dos clubes nacionais que enriquecem à custa da nossa ingenuidade enquanto o futebol anda sem abrigo.
Não!
Por isso, no próprio dia em que se inaugura a época para a equipa do SCP, com a sua participação no primeiro torneio oficial, e para que não digam jamais que ando ao sabor dos resultados, a minha participação nas actividades e na vida do Sporting fica totalmente suspensa. Incluíndo este KL que suspende a sua actividade ao fim de 3 anos.
A decisão de me afastar e de romper com tudo isto é daquelas que até hoje mais me custou. Ninguém rompe com a família de ânimo leve. Mas é absolutamente inevitável. Há "tios" e "primos" que não suporto, nem ao longe. Não me posso continuar a deixar arrastar nesta mentira que eu e todos vocês pagamos, nesta mentira em que se transformou este futebol e este Clube, sem uma reacção sentida, sem demonstrar claramente o meu desagrado. É uma reacção perfeitamente individual, inevitável e na medida das minhas possibilidades. Eu sinto-me e portanto reajo como posso, sempre de acordo com a minha consciência!
Afastar-me-ei até sentir que, de facto, a porcaria foi varrida --da FPF, do futebol português e, sobretudo, do Sporting e até que surjam verdadeiras alternativas a tudo isto. Manter-me-ei afastado até que esteja demonstrada de forma inequívoca a solvibilidade e boa fé de todo este mundo.
Até lá, também eu vou andar por aí...