A propósito da existência de uma SAD no Sporting devo dizer que não estou nada de acordo com o que Master Lizard vem defendendo no KL.
Não porque eu seja um grande simpatizante da via do grande capital no seio dos clubes desportivos. Tenho aqui uma posição do tipo da que toma o aristocrata de “O Leopardo”, esse extraordinário filme de Visconti: o conde Tommaso di Lampedusa defende a nova tendência mais “democrático-burguesa”, o que parece completamente contra natura. Simplesmente o que ele tem é a clarividência de perceber que o que está em causa é a própria sobrevivência da aristocracia e que só assim é que a consegue garantir.
As SAD são, de facto, uma mistificação. É como se fossem instituições de capital de ponta, mas não passam de maneiras de angariar fundos junto dos adeptos. Estes contribuem para os respectivos capitais comprando acções, por amor ao clube do seu coração. Tirando os especuladores bolsistas, para quem nada interessa se uma acção está cotada acima ou abaixo (no nosso caso muito abaixo) do valor facial porque o que lhes interessa é comprar em baixa e vender mais alto que o que compraram (ou seja, a especulação), ninguém comprou acções do seu clube para com elas ganhar dinheiro. Comprar acções é, pois, uma espécie de esmola que os adeptos dão ao seu clube. (É por isso que afirmações do tipo das que Soares Franco proferiu, de que espera em breve distribuir dividendos aos accionistas da SAD, não podem ser encaradas senão como manobra propagandística; se não for assim, é pior, como tentarei demonstrar.)
Como é que começou a era das SAD? Estava-se numa época em que havia que dar o salto de clubes financiados pelos governos (à pala da “utilidade pública”) para entidades autónomas. No Sporting, foi o tempo de arranque do Projecto Roquette. Este projecto envolvia o investimento de avultados capitais. Como financiá-lo? O Projecto Roquette continha em si os meios de financiamento, que passavam pela constituição de uma Sociedade Anónima Desportiva (SAD). Também nisto, como em tantas outras coisas, o nosso clube foi pioneiro, graças a Roquette e ao seu projecto. A SAD do Sporting foi precursora de um movimento que se havia de tornar inelutável; foi por isso imitado pelos outros dois grandes clubes rivais e, em seguida, por muitos outros.
Foi, pois, com esta manobra de constituição da SAD que o Sporting angariou alguns capitais próprios e uma credibilidade para obter empréstimos junto da banca. O que lhe permitiu entrar na via moderna quanto a instalações desportivas: estádio e academia de futebol.
As SAD têm uma outra vantagem: ao contrário do que possa parecer pelo seu nome (Sociedade Anónima Desportiva), as SAD são instrumentos de controlo dos clubes pelos adeptos. Isto se, como é o caso no Sporting (nos outros clubes também, nuns mais, noutros menos), os estatutos previrem uma blindagem da maioria das acções afectando-as ao próprio clube. Não podendo ser vendidas, as acções estarão sempre nas mãos do clube, o que permite o controlo da SAD pelos sócios do clube, em Assembleia Geral. Isto é, no Sporting, mais de metade das acções não são anónimas: pertencem ao clube.
Há ainda outra enorme vantagem das SAD cotadas em Bolsa: é que a gestão se torna mais transparente em virtude de as administrações serem obrigadas a tornar públicos os actos de gestão mais significativos. É assim que os adeptos e o público em geral ficam a saber, por exemplo, quanto é que se deu por determinado futebolista.
Por último, não acho que seja possível, hoje em dia e face à actual legislação, regredir no caminho das SAD. Para lá do problema que seria, de repente angariar capital para devolver aos accionistas o valor das suas acções, o clube que fizesse essa regressão colocar-se-ia nas mãos dos futuros dirigentes que elegesse. Duvido que houvesse quem se candidatasse a isso: é que, por lei, os dirigentes de clubes que não têm SAD são pessoalmente responsáveis pelos eventuais prejuízos.
O que fica dito não significa que não tenhamos de estar atentos às manobras que os dirigentes tenham em intenção fazer com a SAD, o clube e o seu património.
O que Filipe Soares Franco apresenta como estratégia de recuperação financeira do clube passava pela alienação do património não desportivo, mas não só. Ele pretende fazer um aumento de capital (por outras palavras, solicitar mais esmolas junto dos adeptos) e alienar uma percentagem significativa das acções detidas pelo clube, pois diz que não é preciso deterem-se 51% das acções (como acontece hoje) para se garantir o controlo da instituição.
Para obter clientes para estas operações FSF pretende valorizar as acções, torná-las apetecíveis junto do mercado. Chegamos então ao mais grave disto tudo: o presidente quer descapitalizar o clube, passando o seu património (estádio e Academia) para a SAD!
Em vez de nos distrairmos com uma inglória luta pela reversão do caminho da SAD temos é de tomar atenção a este tipo de operação, a qual pode ser muito útil no imediato, mas representa o empobrecimento (irreversível?) do nosso clube.