Entrei para sócio do Sporting em 1941, com 13 anos, convencido de que o Sporting era um Clube de “príncipes”. Nos anos 60 fiz parte do Conselho Geral e colaborei activamente na redacção dos Estatutos que vigoraram até à criação da SAD. Deixei de ser sócio em 1966, desiludido com os “bastidores” do Clube quando a maior dor de cabeça na gestão do Sporting ainda era a dívida resultante da construção do Estádio, 10 anos antes. Como foi possível os dirigentes da nova vaga terem ignorado os problemas então surgidos e terem-se metido na construção dum campo de futebol de luxo e em aventuras imobiliárias que levaram a este passivo de 270 milhões de euros ?
Quando li, no Expresso, em Novembro, uma entrevista de Nicolau Santos ao actual presidente do Sporting fiquei convencido de que o “meu Sporting”, o tal “clube de príncipes”, da minha meninice estará em breve morto. Poderá ser comprado por um russo mafioso, ou por um árabe nadando em petro-dolares, mas esse já não será o “meu Sporting”. Só um milagre ou uma revolução o poderá salvar e eu tenho razões para não acreditar nem em milagres nem em revoluções. Mesmo assim, vou dar umas dicas para que alguns “revolucionários” menos pessimistas as possam aproveitar na tentativa de ressuscitar o Clube.
Há, em Portugal, milhares de rapazes com habilidade nata para jogar à bola. Não se justifica pagar ordenados e transferências exorbitantes que estão a levar o Clube à falência. Jogar à bola é tão fácil e natural que qualquer garoto de 3 anos é capaz de o fazer. Além disso, o futebol, por muito falseados que sejam os resultados dos desafios, ainda é um jogo. Gastar fortunas ao jogo é, pelo menos, uma parvoíce.
O empolamento nos ordenados e transferências de jogadores e da importância do futebol foi criado para benefício de políticos, de empreiteiros, de donos de jornais, rádios e televisões, de agentes-comissários, de dirigentes desportivos e, por arrastamento, dos jogadores e treinadores. Estes serão os menos culpados porque se limitam a receber (e alguns a escamotear…) os milhões que lhes oferecem. Milhões que são a fonte da corrupção. Se não se movimentassem fortunas nas transferências e ordenados e nos negócios à margem do futebol, não mereceria a pena ser corrupto… (Estão mesmo a ver que também fiquei contente com a nomeação de Maria José Morgado para o “Apito Dourado”)!
Há, por isso, que estabelecer uma política que restrinja ao máximo a compra de jogadores no exterior.
A Academia, a manter-se, pode fornecer jogadores em quantidade e qualidade suficiente para as necessidades do Sporting. Quanto à qualidade, o melhor testemunho são os “craques” nacionais que saíram do Sporting, quanto à quantidade, 26 jogadores serão mais do que suficientes para formar duas equipas, que alternariam na disputa dos jogos quer nacionais quer internacionais. Acho preferível criar duas equipas alternativas do que não criar equipa nenhuma que é o que está acontecendo. Ao fim das 15 jornadas da primeira volta, ninguém sabe qual é a equipa base do Sporting.
Os contratos de formação obrigariam os alunos da Academia a manterem-se no Sporting até que o Clube precisasse deles e tivessem atingido uma certa idade (por ex. 24 ou 25 anos). Os seus ordenados seriam reduzidos para níveis compatíveis com a situação económico-financeira do Sporting. Uma hipótese de compensação seria a comparticipação nas receitas de bilheteira. (Claro que o período de transição seria muito difícil…). Para uma tal revolução vingar, seria necessário um esforço muito grande de esclarecimento da massa associativa com meios humanos e materiais que será utópico julgar que poderão ser disponibilizados pelos actuais dirigentes do Sporting, ou outros com mentalidade semelhante.
Também teria que haver uma maneira mais credível de auscultar a massa associativa, consultando-a, por exemplo, por votação electrónica, no Estádio em dia de jogo grande…
Agora quanto à actual maneira de jogar da equipa principal do Sporting, (aliás semelhante à de quase todas as equipas que vou vendo pela televisão.)
Fui crescendo para o futebol embalado na convicção de que ganha um jogo de futebol a equipa que marcar mais golos. Culpa certamente dos jogos que vi à equipa dos 5 violinos e mesmo à anterior, menos badalada mas também com uma linha avançada que dava gosto ver jogar, com Mourão, Soeiro, Peyroteu, Pireza e João Cruz.
Hoje dá-se exagerada importância ao posicionamento dos jogadores, “à ocupação dos espaços” …. Li, há dias, que quatro treinadores de clubes da primeira divisão (Paulo Bento, Fernando Santos, Jorge de Jesus e Neca tinham ido ao Casino de Lisboa fazer uma palestra sobre os “sistemas” que utilizam. Lá apareceram o 4x4x2 em losango, o 3x4x3, o 4x3x3…Para mim são fantasias para armar ao “futebol científico”... Dir-me-ão que no meu tempo havia o W M. É certo, mas, como é fácil de ver, jogando todas as equipas no mesmo sistema o M encaixava naturalmente no W. E havia realmente o “quadrado”, que no Sporting era mágico…
Não há senão dois modos de marcação, ou homem a homem ou à zona. Actualmente com a subida dos laterais não se faz nem uma coisa nem outra o que redunda quase sempre no abrir de um buraco na defesa e é causa frequente de esgotamento prematuro dos jogadores que são obrigados a correr 50 ou 60 metros com a bola e voltar a correr outro tanto para tentar impedir um contra-ataque. Dois extremos, à moda antiga, seriam muito mais eficazes…
Há uma explicação para esta moda da subida dos laterais: a incapacidade que hoje a maior parte dos jogadores têm para fintar em corrida. É essa incapacidade de fintar que conduz também ao passinho lateral ou para trás, que só se justificaria se servisse para o atacante ir receber a bola mais à frente, o que raramente acontece.
Outra pecha constantemente cometida são os centros feitos antes de tempo, isto é, da linha lateral, sem os atacantes terem atingido a linha de cabeceira a meio caminho entre a bandeirola de canto e a baliza. Resultado: intercepção fácil dos defesas ou do próprio guarda-redes.
Por último, e mais grave, tem faltado à equipa do Sporting, (e a quase todas as que vejo na televisão…) o que no meu tempo se chamava “fio de jogo”. Os jogadores que recebem a bola ficam quase sempre sem saber que destino lhe hão-de dar. Por vezes saem coisas bonitas, mas é por mero acaso… Aí a culpa só pode ser do treinador. O caminho da bola para a baliza adversária é que deve ser estudado e treinado, automatizado, de molde a cada um saber, antes do adversário, para onde deve deslocar-se para a controlar.
Um dia, já o Zé Travassos tinha deixado de jogar, perguntei-lhe quem é que, para ele, tinha sido o melhor treinador. Esboçou um sorriso, como quem diz que eram eles que jogavam a bola, mas depois disse-me “Cândido de Oliveira”. Ora mestre Cândido tinha uma cantilena que ilustra como, para ele, o importante era a bola:
Tuca, tuca, tuca PUM ! E o PUM, dava muitas vezes golo, e o tuca, tuca, jogadas maravilhosas!
Mas Cândido de Oliveira era uma “besta”, treinou o Sporting de borla…
Desculpem lá o testamento.