O que me interessa aqui sublinhar é que, na prática, uma percentagem mínima de gente, num total já de si mínimo e nada representativo do universo Sportinguista, controla os destinos do Clube. Cerca de 50% dos participantes, nas já de si pouco participadas AGs do Sporting, controlam os acontecimentos. Dir-me-ão que são as regras da democracia. Dir-me-ão que é a democracia que temos no Sporting. Dir-me-ão que serão Sportinguistas, sem dúvida, alguns deles animados mesmo até da melhor das boas vontades. Mas, o que não deixa de ser totalmente verdade é que é esta minoria, é esta escassa percentagem, a quem falta notoriamente representatividade e na qual me não revejo de todo, que controla e dita o futuro do Sporting. Que compromete o Clube e os seus associados e adeptos numa política desastrosa, cujas verdadeiras consequências nunca foram abertamente discutidas e cujos responsáveis nunca foram apontados. São estas 500 ou 600 criaturas que, na prática, continuam a dar o aval ao grupo que esquarteja, da forma mais rápida e eficaz que é capaz, a instituição Leonina. Na prática, é esta minoria de 500 ou 600 pessoas que está a dizer: destruam o que resta do Sporting Clube de Portugal! Estão à vontade…
Bem pode o dr. Rogério Alves vir agora sugerir transformações dos Estatutos para assegurar uma maior participação. Foi numa AG dirigida por ele que se tentou, com sucesso, perante a sua total complacência e mesmo com a sua activa participação, desferir mais um golpe fatal no SCP. Quando e se as tais alterações aos Estatutos forem aprovadas (se alguma vez vierem sequer a ser discutidas...) já o quadro estrutural do Clube estará totalmente alterado e o controlo das coisas nas mãos dos predadores. Assim, também eu sou um grande democrata!
Não há, como nunca houve e como já aqui referi por diversas vezes, margem para meias tintas: hoje ou se está a favor desta destruição do Sporting Clube de Portugal como projecto associativo, ou se está a favor da criação de uma entidade mercantil, mais ou menos escondida e habilmente mascarada de associação desportiva, dirigida por mercenários a contrato e destinada a explorar a boa fé dos Sportinguistas. Destas 500 ou 600 criaturas, uma parte não sabe o que anda a fazer. São uns patetas, uns tontos. Hão-de chorar quando for tarde. Outra parte fá-lo por convicção. Destes, alguns saberão o perigo que o seu Clube corre, mas têm esperança (nunca fundamentada com seriedade!) que as coisas não sejam tão más assim. Outros, finalmente, uma parte ainda mais ínfima, saberão perfeitamente o que anda am fazer. São os controladores das AGs, os autores das moções fantasma, das intervenções que não chegam a ter lugar, são os traficantes de tempos de intervenção. A gente conhece-os. São sujeitos desprezíveis, só enganam os incautos.
Hoje o Sporting é constituído por uma massa de sócios e adeptos que, depois das vicissitudes pelas quais o Clube tem passado nos últimos anos, já não sabe bem o que é ser Sportinguista. São Sporting por inércia. São Sporting ao longe. São Sporting, porque não…? Hoje, no meio de uma crise sem paralelo e perante uma necessidade efectiva de mudança, uma parte significativa dos, mesmo assim, mais activos sócios não sabe ou não pensou ainda bem no que deseja para o seu Clube daqui para o futuro. Tem uma noção vaga do que é o Clube. Empresa? Associação recreativa? Passerele de vaidades? Emanação da Olivedesportos? All of the above? Hoje umas escassíssimas centenas de pessoas, muitas delas em estado adiantado de semi-mumificação, comandam totalmente os destinos do Clube que foi outrora grande e poderoso e que agora definha e negoceia de forma vil a sua sobrevivência.
600 criaturas controlam, pois, o devir de uma instituição que conta com milhões de aderentes. Chama-se a isto o quê? O SCP, Sporting Clube de Portugal, foi uma instituição criada para acolher todos os simpatizantes da causa do ideal do associativismo desportivo no quadro de um de “exemplar conduta moral e cívica na vida”. O ideal é de tal maneira forte que esta ideia está plasmada, assim mesmo, nos Estatutos em vários dos seus artigos. O Sporting Clube de Portugal transformou-se num Sporting Clube Privado. O presidente foi claro acerca disto quando afirmou que para se ser Sportinguista é preciso ter "disponiblidade financeira." Faz-se crer que o verdadeiro Sportinguista é aquele que está com aquela minoria de senhoritos que abanam os Rolex de fancaria e conspurcam com a cinza dos seus charutos os corredores de Alvalade.
Fancaria, sim, porque é de fancaria que estamos falar. É desta elite de fancaria, que viu aqui a oportunidade de sair da sua condição, que proclamou pimpona o fim da era do mecenato e que "mete" no Sporting o dinheiro dos bancos, que nós todos temos de andar a pagar. É desta elite de fancaria envolta também em alguns casos de duvidosa legitimidade, que quer ensinar os Sportinguistas a dirigir o Clube e se apresenta como seu salvador! E, mais grave, a quem uma minoria de Sportinguistas, ingénuos ou, quiçá, com vontade de participar também no banquete, dá o seu aval.
Se olharmos para a crise do Sporting, para as fragilidades e debilidades do Clube, se tivermos em atenção que meia dúzia de criaturas validam em AG as decisões que legitimam a destruição da instituição, que outros não sabem bem o que querem, e que outros ainda não conseguem distinguir o fundamental do acessório--, se olharmos para a mentira e para a miragem em que os Sportinguistas andam desde há muito mergulhados; se tivermos em atenção que o futebol se transformou no epicentro de toda a actividade do Clube, se olharmos para o estado de aparente paralisação sem retorno do futebol português (inaudito o que se passa e se deixa que se passe no futebol português!), se olharmos para o modo como as coisas funcionam nos outros países, não podemos deixar de sentir um súbito estremecimento.
De vez em quando a insónia vibra com a nitidez dos sinos, dos cristais. E então, das duas uma: partem-se ou não se partem as cordas tensas da sua harpa insuportável. No segundo caso, o homem que não dorme pensa: o melhor é voltar-me para o lado esquerdo e assim, deslocando todo o peso do sangue sobre a metade mais gasta do meu corpo, esmagar o coração.
E tal como o homem da insónia do poema “Sobre o lado esquerdo” de Carlos de Oliveira, o Sportinguista estremecido pensa. E quando se pensa nestas coisas está o caldo completamente entornado.
O Sporting é uma paixão grande demais para podermos encarar tudo isto com a alma leve. Não se pensa nas paixões. Vivem-se as paixões… com paixão. E não se pode dar expressão a esta paixão num quadro tão sombrio como este que neste momento se nos depara. Milhares e milhares de antigos sócios do Sporting deixaram de há muito o Clube, mais ou menos silenciosamente, por entenderem não poder conciliar a paixão clubística, aquele impulso inabalável, com as incertezas, a voz forçadamente calada, os abusos, o desrespeito, as nuvens negras e os obstáculos a que os Sportinguistas estão sujeitos. O Sporting neste momento não consegue dar dar corpo e acomodar a paixão dos Sportinguistas por ele. A tentação de esmagar o coração é grande, a tensão das cordas cresce.
O mal do Sporting é não ter sabido, ou não ter conseguido, criar os mecanismos para acolher a paixão Sportinguista. Para nos amparar quando nos deixamos ir. O mal do Sporting é ter-nos dado matéria para pensar. Parar para pensar nestes domínios, é mau sinal. Ninguém (ninguém!) no seu perfeito juizo pára para pensar sobre estas coisas. Quando tem de o fazer pode ser tarde...
Nestes tempos de canícula que correm, que convidam à leveza dos corpos e das almas, que suscitam e potenciam o interesse pelo acessório e pelo fútil, mas que não deixam de ser tempos de existência precária e difícil para a maioria, exorto os Sportinguistas a insistirem em continuar a pensar e a não se esquecerem do que é essencial: Franco, a camarilha franquista e os seus apoiantes têm que ser arredados do lugar que ocupam. Não se deixem ficar pelas palavras e pelos actos efémeros. Não deixem morrer os processos encetados. Não percam o rumo. Ajam! Nada mudou no quadro de dificuldades que o Sporting atravessa e o fim ou a transformação do Clube em algo que qualquer verdadeiro Sportinguista consciente e em normal estado de consciência deveria verberar, está iminente. Mas, esta transformação do Sporting Clube de Portugal não é ainda uma inevitabilidade.
“Partem-se ou não se partem as cordas tensas da sua harpa insuportável.” Podia ser a versão Sportinguista do dilema hamletiano. O que é que está a faltar aos Sportinguistas para passarem à acção? Vamos todos assistir ao esmagamento do coração do Leão?