Há uma tendência recorrente nos sportinguistas em serem críticos ao ponto de serem os primeiros a desancar na equipa quando as coisas correm mal; por vezes mesmo quando correm bem. No jogo da taça contra o Aves as bilheteiras do estádio funcionaram miseravelmente e uma família – pai, mãe e vários miúdos, filhos e amigos – só se sentaram à minha frente no começo da segunda parte. O resultado estava em 2-0 e a equipa entrou no segundo tempo em poupança de esforços. De tudo o que se movimentava em campo, o pai da família, desatada a língua, só não disse mal da bola. Nani faz mais uma finta e “ganda c*****, queres levar a bola para casa?”; Custódio pega na bola e “pois, ganda pan******, passa pra trás, passa!”; Ricardo falha um passe longo e lá vai um “fdp do frangueiro; está-se mesmo a ver que és lampião!”; Paulo Bento faz uma substituição e vai disto “este c****** vai-me tirar o gajo que estava a jogar melhor!”, e assim por diante.
Com ou sem palavrões, é esta uma postura usual entre muitos adeptos do Sporting; dar tiros nos pés é o seu forte. Em vez de exaltarmos as qualidades que temos, entretemo-nos a chamar a atenção para tudo o que é menos bom.
Neste particular, um dos alvos preferidos é o treinador. Treinador que aguente dois anos, mesmo depois de ganhar um campeonato, é um milagre no Sporting.
Ora o nosso clube, depois de anos e anos a fazer despesas acima das suas posses, poderá estar no começo de uma fase de aposta mais consequente na formação. Isto exige maior continuidade dos treinadores, à semelhança do que é tendência nos grandes clubes ingleses, nomeadamente no actual Manchester United, com Alex Ferguson.
Se calhar, quando se tratou de substituir Peseiro, a minha opção não iria para PB; mas agora que é ele que lá está, é ele o treinador do meu clube. E, bem vistas as coisas, ainda bem! É que, apesar de “não ter conquistado nada de particularmente notável”, não concordo com a opinião de Master Lizard quando ele diz que “Paulo Bento não é (ainda) treinador. Nem é treinador para o Sporting. É um treinador imaturo, da navegação à vista.” Esta polémica com Peseiro só vem confirmar, pelo contrário, que PB está longe se ser um treinador “da navegação à vista”. Porquê? Porque a discussão se centra à volta dos méritos do modelo de jogo. O que significa que eles são diferentes. De facto, PB implantou no Sporting um modelo de jogo personalizado, bem definido, diferente do do antecessor. Se funciona ou não, é o que se poderá vir a constatar no futuro e não já. Até agora tem funcionado umas vezes e outras não. O que é natural numa equipa cujo núcleo construtor de jogo tem uma média de idades de 20 anos. Como refere Leão Verde (cujo comentário ao post de Master recomendo que leiam) “muito tem feito o Paulo Bento com o material humano de que dispõe”. Claro que PB ainda não tem a experiência que faz os grandes treinadores, mas está a fazer-se, a ganhar experiência, ao comando da também ela jovem equipa do Sporting. Como aqui há tempos escrevi, tenho esperança em que ele venha a ser o nosso Ferguson. Mas é preciso dar tempo ao tempo e não querer resultados imediatos, como exigem os adeptos mais coriáceos, secundarizando a razão à emoção.
É claro que essa tal aposta na estruturação da equipa a partir da formação também implica uma direcção que a sustente. Mas não confundamos as coisas, como me parece estar a fazer Master quando diz que PB “é, sobretudo, o treinador do ‘regime’”. Parece ser esta a verdadeira motivação de Master ao vir agora “deitar abaixo” o nosso treinador: opor-se à direcção do Sporting. Mas a frente de luta contra a política da actual direcção do Sporting terá de ser conduzida no campo da luta pelo poder executivo dirigente. Essa luta processa-se pela pressão que se consiga fazer no campo da opinião (como aqui a temos vindo a fazer) e na organização de alternativas que possam a vir a disputar o poder (aspecto em que, até agora, nunca conseguimos desenvolvimentos que se vissem).
Outro campo, aquele que aqui analiso, é o da equipa e do seu treinador. Este é um funcionário do clube que lhe paga, clube esse que tem uma direcção. Por mais que nos custe, é a esta direcção que ele tem de servir, o melhor que sabe e pode. Não é aquela de que nós gostaríamos, mas a que lá está (aliás eleita pelos associados). Não cabe ao treinador meter-se na política interna do clube e pronunciar-se a favor ou contra as medidas tomadas pela direcção; tem de as respeitar e servir o melhor que pode. O campo dele é o do trabalho, não o da política. É por isso que PB ao, por exemplo, conformar-se com a decisão dos seus superiores em não contratarem reforços em Janeiro, está a defender o grupo de trabalho. Ou acham que era motivador para os Buenos, os Alecs, os Yaniks, enfim, os jogadores que há, os que lá estão no balneário com o treinador todos os dias, ele vir dizer que os avançados que tem são uma merda, mas que infelizmente a direcção decidiu não fazer novas contratações e ele não tem outro remédio senão pô-los a jogar. Na defesa dos seus jogadores, os que lá estão, tem ele sido impecável, castigando-os quando tem de ser, mas estimulando-os sempre, contando com eles. Eles sabem que contam.
segunda-feira, 19 de fevereiro de 2007
Preso por ter cão...
Aproveitando o ensejo proporcionado pelo post de Master Lizard, venho também dizer a minha opinião sobre as recentes declarações de Paulo Bento (PB), em resposta a José Peseiro (JP).
A questão tem uma parte de circunstancial e outra que merece reflexão mais aprofundada. A primeira tem que ver com a oportunidade e a justeza das declarações; a questão de fundo tem que ver com o papel do treinador
Vou abordar, para já, apenas a primeira.
JP tem-se desdobrado em entrevistas desde que regressou da Arábia Saudita e, por mais do que uma vez, já referiu que o Sporting do seu tempo dava mais espectáculo do que o de Paulo Bento. Este podia fazer uma de duas coisas: ou se calava, ou respondia. Há um exercício que convém fazer nestas ocasiões: perguntarmos a nós mesmos o que faríamos nas circunstâncias em apreço. Acho que dificilmente alguém ficaria calado. E, se ficasse, ele que pretende passar uma imagem de firmeza (não hesitando em castigar jogadores, por mais importantes que estes sejam no desempenho da equipa, assim mantendo a disciplina no balneário, precisamente o aspecto em que Peseiro falhou), arriscava-se a ser acusado de cobardia. É um daqueles casos em que se aplica o ditado, preso por ter cão, preso por não o ter…
Primeiro ponto: acho que ele fez muito bem em responder.
Agora vejamos se o teor da resposta foi justo e correcto. Para tanto vejamos o que PB disse:
«Essa questão do espectáculo é uma questão que já começou há muito tempo, começou em Janeiro de 2006. A minha função é treinar o Sporting e a minha profissão é de treinador, não é de comentador. No dia em que deixar esta cadeira, a primeira coisa em que me vou preocupar é não cuspir no prato onde comi. Isso não vou fazer. Não tenho necessidade, não faz parte da minha forma de estar, não faz parte das minhas intenções ser comentador e passar todos os dias na imprensa e nas televisões. A única coisa que faltou esta semana foi, no “Tempo-extra”, fazer o programa com o Rui Santos. De resto foi a semana toda. Isso incomoda-me pouco, sei quais são as intenções, mas isso incomoda-me muito pouco. Um dia explico essas coisas do ambiente, mas não vou comentar agora. Tenho algumas histórias para contar e ele também. Não comento neste momento, mas mais tarde irei fazê-lo seguramente. Estou a proteger o Sporting, não estou a evidenciá-lo».
Antes de comentar, tenho de referir que defendi encarniçadamente Peseiro até à altura em que tive de reconhecer que a posição dele – face ao desagregar do balneário (com os casos de indisciplina a sucederem-se) e aos sucessivos maus resultados – era insustentável.
No caso presente, como sportinguista, não posso deixar de ser atingido pelas declarações de JP. E o que eu sinto é exactamente o que PB transmitiu: o gajo está, como certos cães, a morder a mão que lhe deu de comer. Ao dizer mal do futebol actualmente praticado pela equipa em comparação com o do seu tempo, JP está a entrar-me em casa. Teve o seu tempo, tenha fair-play, cale-se!
As palavras de PB podiam ser outras, podia ter falado menos (não precisava de falar no tempo extra) e muito menos em que tem coisas a dizer e que não as diz agora. Sendo embora bom que não as diga agora, por defesa do grupo de trabalho, o que faria sentido era que as venha a dizer em tempo oportuno, não tocando agora no assunto. E a resposta denota que, ao contrário do que diz, o assunto o incomoda mesmo muito. Mas isto são questões secundárias.
Em defesa da coesão do grupo de trabalho (ou, como ele diz, para “proteger o Sporting”), que me desculpem aqueles de quem discordo, Paulo Bento, treinador do meu clube, o Sporting, fez muito bem em falar.
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