Mostrar mensagens com a etiqueta ser humano. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta ser humano. Mostrar todas as mensagens

sexta-feira, maio 27, 2022

Narciso ao fundo

    O mundo em que vivemos não me parece muito nosso amigo. São demasiadas as ocasiões em que fico com a sensação de que o mundo nos está a empurrar para o lado, a por-nos à beira do prato, como se fôssemos coisas intragáveis. E não é apenas o mundo inteiro, aquilo a que também chamamos planeta, é o mundo por nós construído para nele vivermos.

    Criamos leis, traçamos fronteiras, damos nomes específicos a espaços virtuais e dizemos que aquilo são nações. Plantamos um orgulho imbecil no peito cada indivíduo que regamos com discursos inflamados e histórias-de-ir-ao-cu, fazemo-los acreditar que a sua honra e a sua felicidade dependem do grau de entusiasmo com que entregam a sua alma à tal nação. O extraordinário é que a maioria das pessoas acredita nestas patranhas. E temos o mundo entornado.

    Gostamos de nos imaginar melhores do que somos. Narciso é que sabia! Ele compreendeu a essência das coisas todas ao olhar-se no espelho das águas. Acabou afogado na morbidez do seu desejo. Não acabamos todos? Não é esse o atroz destino da Humanidade?

domingo, agosto 02, 2020

Os bichos

Cada vez mais sinto que a espécie humana é uma espécie usurpadora deste mundo em que vivemos. Tomamos tudo o que podemos violentando a natureza, assassinando outras espécies animais, alimentando-nos delas com prazer; pretendemos acreditar que estamos no nosso direito, que Deus criou o mundo para proveito da Humanidade fazendo do planeta Terra uma espécie de reserva natural para o Ser Humano. Talvez Deus nos visite de tempos a tempos para nos observar como fazem as nossas crianças em visita ao jardim zoológico.

A nossa dimensão animal é, de todas as que compõem o espírito, a mais expressiva. Sensibilidade e inteligência são meros adereços; somos bichos. O senso comum acredita que somos os únicos bichos inteligentes mas já percebemos que isso não é verdade. Então, se não temos o exclusivo da inteligência, justificamos a nossa existência com o conceito de civilização: somos os únicos civilizados, o que é, igualmente, muito discutível. De cada vez que percebemos ser impossível olharmo-nos ao espelho sem ver um monstro tentamos uma nova maquilhagem que nos dê um aspecto menos odioso. Trabalho árduo e inglório.

Que nos resta senão aceitarmos que somos bichos?

segunda-feira, novembro 18, 2019

Um momento de felicidade

Hoje senti um entusiasmo particular durante as aulas. Expor aos alunos (muito jovens, 14-15 anos) processos e esquemas de representação do corpo humano, começando pela expressão facial, abriu uma via de comunicação que se revelou surpreendentemente profícua.

Noto que um pouco de erudição ainda capta a atenção da plateia e, sobretudo, conhecimento de causa produz um efeito de quase encantamento capaz de proporcionar comunhão de pensamento reflexivo. Há momentos assim, momentos compensadores.

Sentir que estou de facto a comunicar algo que alarga os horizontes da plateia numa sala de aulas deixa-me perceber, por brevíssimos momentos, um certo sentido para a vida que trago dentro de mim. Foi bom. Para mim foi mesmo bonito!

domingo, janeiro 13, 2019

Humanidade

Os olhos, por si sós, não vislumbram a alma das coisas; como fariam os cegos para poderem saber? Falta o coração, junta-se-lhe a mente, de tudo junto se constrói a máquina que vê, com mais ou menos peças, um ou outro método de funcionamento. Eis a poderosa possibilidade de haver deslumbramento.

As coisas mais banais, as aparentemente simples, as artificialmente complexas ou afectadas, o mundo abarca tudo com as nossas almas lá dentro. O mundo é constituído pelas coisas que podemos perceber e por aquelas que, sem o sabermos, nos escapam. Nessas coisas também estamos nós.

Compete-nos viver.

domingo, junho 05, 2016

Dúvida existencial

Ter convicções pode tornar-se cansativo. Uma maçada! Talvez o melhor seja fechar os olhos, suspirar, atirar a cabeça para trás e deixar a indiferença a ocupar-lhe o lugar.

Incomodo-me de cada vez que sou levado a reconhecer que os meus inimigos até podem ter razão num ou outro ponto, por vezes um ou outro ponto muito importante. Que fazer nestas circunstâncias? Admitir a visão alheia? Rebater, mesmo que sem convicção? Foda-se esta merda.

Ser Humano é a coisa mais complicada com que um Ser Humano se debate. De momento essa é a minha única certeza.

Hoje não quero pensar mais nisso. 

sexta-feira, junho 29, 2007

Pessoas

Honoré Daumier, Third Class Carriage 1862

As pessoas têm uma necessidade de comunicação impossível de explicar. Sentadas em volta de uma mesa jogam palavras, olhares, gestos, sempre à procura de reconhecimento, esperando um pouco de amor. Mesmo quando não há laços particularmente fortes e a situação que as reune é algo formal, a conversa deambula em busca de pequenas portas, frestas de entendimento mútuo, possibilidades de comunhão. Se, por acaso, a oportunidade se oferece e as coisas ganham uma limpidez inesperada é ver as barreiras ruirem, os preconceitos a derreter no calor das palavras, o mundo a reogarnizar-se num sentido completo, como as raízes de uma árvore que encontram o lugar exacto que garante a vida e o crescimento do tronco, dos ramos, a encontrar a forma de dar vida às folhas e às flores da próxima Primavera.
Estou a falar de pessoas simples, como é a maioria das pessoas, sem falsidades escondidas no fundo dos bolsos nem espertezas saloias no risco do penteado. Hoje estou em maré de acreditar que é possível ser-se humano sem mais nada, só assim, coração nas mãos e vontade de gritar uma canção no final de cada frase. Gostava mesmo de saber cantar.

sexta-feira, maio 11, 2007

Homem-Macaco-Homem


Tal como nós, também o chimpanzé começa a ser (é agora) reconhecido por muitos como um patamar evolutivo em direcção a uma espécie mais desenvolvida. A nossa espécie não pode ser o "fim do caminho" da inteligência animal. Isso seria demasiado cruel.

Os chimpanzés estão aí para nos permitirem sonhar com algo melhor do que nós próprios. «Os chimpanzés têm vocalizações para assinalar estados emocionais, identificar frutas, situações de ameaça ou para se referirem a outros chimpanzés, como se os chamassem pelo nome próprio. "até têm vocalizações para saudarem um indivíduo que não viam há muito tempo", conta a primatóloga Catarina Casanova. "Está-se a descobrir que eles têm uma linguagem."»
Na minha desavisada opinião basta acreditar que isto é possível para que não levemos muito tempo a incluir os chimpanzés na grande família humana. E há opiniões bem mais avisadas a afirmá-lo sem vacilar. As provas da sua inteligência são mais que muitas e só o velho preconceito que nos coloca no Éden com um Deus barbudo, vestido com uma combinação cor-de-rosa, como o do tecto da Capela Sistina, a dizer-nos que criou aquilo tudo para nós curtirmos pode evitar que olhemos os nossos irmãos chimpanzés com olhos de familiares simpáticos, ainda que desconfiados. Se os chimpanzés são humanos talvez tenhamos que recriar o estereótipo da imagem divina... mas isso já é conversa de outra aventura.

«O que se julgava ser característico dos Homo Sapiens foi-se descobrindo nos chimpanzés(percebeu-se, por exemplo, que fabricam ferramentas e organizam guerras genocidas!) , ao ponto de a comunidade científica começar a considerá-los humanos.» Lindo. Utilizam plantas como medicamentos e passam esse conhecimento de geração em geração. «Em más condições de cativeiro, desenvolvem patologias do foro psíquico como os condenados a prisão perpétua(...) Sofrem da mesma maneira que nós e têm percepção da dor.»

Etc., etc., as semelhanças são tantas que até se observa que «Os chimpanzés têm danças rituais da chuva, só feitas em alturas de grandes trovoadas. Talvez estejam a agradecer a chuva por trazer mais frutos.» É bonito, mostra gratidão! «É uma proto-religião. Provavelmente foi assim que surgiu a religião entre os nossos antepassados humanos.» Alguém duvida que tenha sido qualquer coisa deste género que trouxe até nós Deus e os restantes deuses?

Basta olhar as divindades egípcias para perceber como os fenómenos naturais e os animais selvagens, representativos das forças bestiais da natureza, estão na base da crença humana em seres fantásticos que lhes são superiores e organizam o andamento das coisas do Universo inteiro. E o cristianismo é bem um clone das antigas religiões da beira do Nilo em alguns aspectos dos quais a crença na vida para lá da morte não será o menos evidente. Oferecer uma forma humana a estas forças misteriosas não é mais que uma cortesia de civilizações mais requintadas e narcisistas, como a nossa.

Este post é baseado no artigo "Eles já são humanos" de Teresa Firmino, saído na edição do P2, o suplemento diário do jornal Público de 10 de Maio que termina explicando que [os chimpanzés são, pelo menos, humanos como nós?]«Humanos, no sentido em que devem pertencer ao género Homo, mas de uma espécie diferente da nossa» diz Catarina Casanova.
Estou tentado a acreditar que há por aqui um fundo de verdade. Tu não?