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segunda-feira, julho 03, 2023

Ser ou não ser: pedante

     Ouvir falar de assuntos que nos são familiares quando estamos integrados num grupo constituído maioritariamente por pessoas que não têm particular interesse nas matérias em análise pode tornar-nos um pouco pedantes. O grau e o nível de complexidade do discurso parece-nos abaixo de básico, reprimimos com dificuldade uma certa vontade de exibir o nosso conhecimento.  Ah, campeões!

    Escrevo este texto na primeira pessoa do plural, tento não ficar isolado no meu hipotético (e provável) pretensiosismo. Experimento arrastar-te para o pântano (limpinho) do meu ego, não quero parecer demasiado malvado. A verdade é que a coisa pode mesmo tornar-se penosa. É tão triste!

    Ser obrigado a frequentar acções de formação de professores é uma violência. Das poucas que não consigo evitar. Sinto-me demasiadas vezes perdido na mediocridade generalizada (da qual faço parte integrante). Não há como fugir-lhes. Há um leve bedum a falsa erudição, uma certa vertigem decadente que fazem destas coisas massas gordas e informes. Coisas vulgares, tão vulgares que a vulgaridade surge maravilha exótica.

    Sinto-me triste.

    

domingo, dezembro 12, 2021

Tempos modernos

     O mundo virtual é uma alucinação. A afirmação anterior talvez seja exagerada para pessoas como eu ou, eventualmente, para pessoas como tu, gentilíssimo leitor. É uma afirmação que decorre do facto de ter estado com um grupo de alunos de alunos de 13/14 anos durante 45 minutos numa sala de aula onde o meu único objectivo era o de evitar que eles saíssem porta fora e pouco mais. Tratava-se de uma aula de substituição de uma colega que faltara e fui para a sala munido apenas da minha proverbial boa vontade e da experiência acumulada ao longo de algumas décadas a lidar com grupos deste género.

    Aquilo que há alguns anos atrás seria como uma descida aos infernos tornou-se, nos dias que correm, um passeio pelo Jardim das Delícias. Todos os alunos tinham à sua frente um telemóvel e rapidamente mergulharam nos ecrans passando a surfar suavemente ondas de informação. Fui falando com um ou outro sobre aquilo que lhes captava a atenção. Entre jogos, Instagram e Tik Tok, havia algo de comum a todos eles: a sucessão meio alucinada de imagens contidas em narrativas de duração extremamente curtas.

    Fiquei a saber que, no Tik Tok, um vídeo não pode exceder os 3 minutos e que, os que atingem esse limite, são uma enorme seca. Que nas Insta Stories as imagens são exibidas durante 5 segundos e os vídeos não ultrapassam os 15, sendo que, após 24 horas, tudo é dissolvido no éter virtual perdendo-se para todo o sempre. Quem viu, viu, quem não viu e gostava de ver, tivesse visto. Também os jogos vivem da imagem em movimento contínuo, da variedade de pontos de vista e do resultado imediato. Não há narrativas que se prolonguem muito para lá da seca que é uma "longa metragem" no Tik Tok.

    Este universo narrativo aliado ao da publicidade e ao dos vídeo clips constituem uma frenética cosmogonia paradoxalmente simples. É por aqui que deambulam os cérebros dos nossos alunos. Ora, uma aula ministrada por um professor, com uma duração mínima de 45 minutos recorrendo frequentemente a processos comunicacionais pré-informáticos, ganha contornos de tortura insuportável e, pior ainda, tão desinteressante quanto incompreensível. Precisamos de olhar para o mastodonte dentro da sala.

    Alguma coisa terá de mudar e mudar radicalmente se pretendermos manter algum contacto com a criançada. 

segunda-feira, fevereiro 22, 2021

Pedagogia do cócó

Andamos todos tão enfronhados nesta coisa da pandemia do Covid que certas notícias de assinalável gravidade nos passam ao lado como bêémedablius a assapar na autoestrada. É ou não inquietante que, segundo estudo recente "cujos dados são relativos a 2020, 67% dos jovens consideram legítima a violência no namoro, dos quais 26% acham legítimo o controlo, 23% a perseguição, 19% a violência sexual, 15% a violência psicológica, 14% a violência através das redes sociais e 5% a violência física."? Caramba, quem é esta gente? São os miúdos que se sentam à minha frente na sala de aula?

Como é isto possível, com tantas campanhas de várias instituições estatais, com aulas de educação sexual, com a proibição de cantar o "atirei o pau ao gato" nos infantários, com vigilância constante sobre os conteúdos dos programas infantis nos canais televisivos, com psicólogos trabalhando em permanência  nas escolas, como é isto possível? Como é possível que tantas crianças que fazem cócó em vez de cagarem sejam tão permissivas à sordidez da violência no namoro?

Fico a pensar que algo tem corrido mal, que talvez estejamos a errar na forma como encaramos a infância. Fico a pensar nos resultados que um estudo deste género teria obtido se tivesse sido feito quando eu era miúdo. Na verdade, fico a pensar que, tal como o outro, "quanto mais conheço os homens (e as mulheres) mais gosto do meu cão". E eu não tenho cão.


terça-feira, outubro 06, 2020

Como se fôssemos ladrões

Sinto-me estranho nesta condição de professor mascarado perante turmas de alunos, também eles, de cara tapada. Bem posso sorrir, ninguém vê. A comunicação é engasgada, falta a leitura das expressões faciais, agora reduzidas a olhares. Quando um aluno fala sem levantar o braço torna-se difícil perceber qual deles foi. A sala é como um arquivo de pastas com etiquetas (cada aluno tem na mesa uma "placa" com o nome).

Não é fácil trabalhar nestas condições. A verdade é que ser professor nunca foi propriamente fácil. Após alguns anos de experiência, ser professor torna-se natural mas fácil, isso nunca. Seja como for estar na sala com a presença dos alunos, mesmo mascarados, como se fôssemos todos ladrões, é reconfortante após meses de confinamento e ensino a distância.

Deus nos guarde e permita que as aulas se mantenham nestes moldes.

domingo, setembro 13, 2020

Mascarada

 Os dias que faltam para regressar à escola vão caindo no calendário. Não sinto nada de muito especial, nem receio, nem anseio, nem uma expectativa particularmente forte que me ponha o coração a bombar de modo especial. Mas tenho alguma curiosidade em relação às aulas com máscara.

Pelo que pude verificar nas reuniões preparatórias, em aproximadamente 100 alunos que irei ter este ano lectivo, conheço apenas um pouco menos de 10. Todos os outros serão meus alunos pela primeira vez e estarão com a cara tapada por uma máscara desde o primeiro dia. Imagino se os reconhecerei sem máscara.

Este é o factor mais estranho e potencialmente transformador da minha experiência como professor. Enquanto escrevia este post recordei a polémica que estalou aqui há uns anos em França, relacionada com o uso de burca nas escolas. Não é a mesma coisa mas anda lá perto, só que ao contrário.Exige-se agora uma coisa que, à partida, era anteriormente recusada e proibida. 

O bicho humano é um animal que se adapta.

segunda-feira, novembro 18, 2019

Um momento de felicidade

Hoje senti um entusiasmo particular durante as aulas. Expor aos alunos (muito jovens, 14-15 anos) processos e esquemas de representação do corpo humano, começando pela expressão facial, abriu uma via de comunicação que se revelou surpreendentemente profícua.

Noto que um pouco de erudição ainda capta a atenção da plateia e, sobretudo, conhecimento de causa produz um efeito de quase encantamento capaz de proporcionar comunhão de pensamento reflexivo. Há momentos assim, momentos compensadores.

Sentir que estou de facto a comunicar algo que alarga os horizontes da plateia numa sala de aulas deixa-me perceber, por brevíssimos momentos, um certo sentido para a vida que trago dentro de mim. Foi bom. Para mim foi mesmo bonito!

domingo, novembro 03, 2019

Contra o chumbo, marchar, marchar!


Assistimos à enésima arremetida ministerial contra as retenções no ensino básico. A redução espectacular dos chumbos que se verificou desde que Brandão Rodrigues é ministro não basta, queremos mais, queremos melhor! Enquanto houver uma retenção que seja, descanso e auto-satisfação não serão opções.

Novos estudos fornecem velhas conclusões: a retenção é selectiva, é precoce e cumulativa, levando na enxurrada do insucesso os filhos de famílias mais pobres, menos estruturadas e com menor capacidade de acesso a bens culturais. Haja esperança, até ao final desta legislatura o salário mínimo aumentará para 750 euros.

Velhas conclusões sugerem velhas soluções: acompanhamento individualizado, sistematização de programas e currículos, envolvimento activo dos diferentes actores educativos mas, sobretudo, apostar no empenho de professores e directores escolares reforçando a sua autonomia. Desta vez é que é!

Nas salas de aula continuarão a reunir-se turmas demasiado numerosas, os programas e currículos serão, como sempre, extensíssimos e desajustados, a carga burocrática do trabalho dos professores continuará kafkiana e com tendência a contribuir para o enlouquecimento de uma classe profissional envelhecida e, dizem, desmotivada.

Não obstante, no final da legislatura os resultados serão animadores, verificar-se-á que as taxas de retenção diminuíram, que o abandono escolar recuou e o ministro poderá sorrir, confiante de ter realizado um bom trabalho.

No universo dos números e das percentagens tudo está bem quando acaba bem. Verificar se a luta contra a ignorância e a estupidez teve sucesso será algo mais difícil de avaliar e não interessa a (quase) ninguém.


Carta enviada ao Director do jornal Público a 3 de Novembro de 2019

quarta-feira, setembro 11, 2019

Da inutilidade

Parecemos cansados. Mais: parecemos enfastiados. Alguma daquela informação poderia ser passada em mandarim, soaria exactamente ao mesmo. Após assinadas e carimbadas e validadas, as actas poderiam ser enviadas para a República Popular da China, os resultados seriam, decerto, muito semelhantes.

Olho em volta discretamente. Somos apenas um grupo formado por gente moderadamente só a fazer de conta que o Caos pode organizar-se um bocadinho. Sinto-me inútil.

terça-feira, janeiro 15, 2019

Reciclagem

Os miúdos são barulhentos, confusos, desorganizados; quando se encontram numa sala de aula, quando estão no recreio. Imagino que sejam assim na maioria das situações que vivem. Reproduzem constantemente a javardeira que os rodeia na cidade que habitam. 

O silêncio incomoda-os, fá-los sofrer, quando o ambiente fica silencioso os miúdos sentem-se inquietos como se fosse um mau presságio. Na ausência de ruído fica a sensação de que algo perigoso se aproxima. Talvez um monstro tenha chegado às portas da cidade, não tarda o silêncio agoirento será rasgado por gritos desesperados, o horizonte recortado pela silhueta de um Godzilla patudo a destruir tudo a cada passo. Imagino que seja algo assim, talvez pior.

Há uma cada vez mais complexa fusão entre o Inferno e o imaginário infanto-juvenil, o que gera personagens estranhíssimas: coisas fofinhas com dentes afiados como facas ou coisas horrendas com cauda de coelhinho lãzudo. 

Se pretendemos manter abertas as vias de diálogo com a putalhada precisamos de reciclar profundamente as nossas galerias de heróis e respectivas correspondentes de vilões. 

sábado, junho 16, 2018

Notas para uma reflexão


Os professores perderam autoridade na sala de aula e os encarregados de educação perderam-na na sala de jantar. Há um desprezo generalizado pela experiência de vida, cada vez mais substituída pelo Google, esse oráculo infalível capaz de todas as respostas em fracções de segundo. Os velhos são descartáveis, são chatos e não encontram um lugar confortável na hierarquia social do mundo contemporâneo.

Por outro lado, a voracidade consumista alcandorou os putos à categoria de consumidores. Desde que são capazes de influenciar os hábitos de consumo passaram a ser levados a sério. Na maior parte das situações passaram a ser levados demasiado a sério. As sociedades actuais tendem a valorizar os designados direitos do consumidor em detrimento dos direitos de cidadania. São coisas diferentes e nem sempre compatíveis. Não é nada extraordinário ver putos a berrar porque sim, a falarem por cima dos pais, a reclamarem tudo e nada só porque lhes apetece. E porque podem. Educamos as criancinhas num vazio de valores que tudo relativiza. E os encarregados de educação, muitas vezes porque perderam o pé, encontram nos professores os bodes expiatórios perfeitos para diluírem as suas próprias insuficiências.

Vivemos na sociedade da casa dos segredos e dos brunos de carvalho; uma sociedade boçal, carente de valores que possam irmanar-nos. Perdemos a religião enquanto factor unificador e não fomos capazes de a substituir por nada. A Ética não faz sentido sem uma divindade capaz de castigar os maus e premiar os bons. Ficou o consumismo. O resultado é o que está à vista. Mais adiante nem daremos conta que já não somos livres. Nem nada que se pareça.

terça-feira, abril 11, 2017

La vida loca



As viagens de finalistas ao sul de Espanha funcionam como uma espécie de ritual contemporâneo de passagem à idade adulta da juventude lusitana. Tal como noutras épocas e noutras culturas, os nossos jovens são colocados à prova numa situação em que, muitos deles, estão pela primeira vez entregues a si próprios, longe do ambiente familiar, confrontados com a sua capacidade de responder a preceito a questões desafiantes. Talvez aquilo a que vamos assistindo nestas viagens, ano após ano, seja um reflexo da sociedade que construímos. O excesso, a boçalidade, a ausência de espírito crítico, a vontade de explodir, de ultrapassar os limites, sejamos justos, não são exclusivos desta geração, sempre fizeram parte da condição da adolescência. Apenas têm crescido de intensidade.

Desde que se tornaram um alvo para as campanhas publicitárias que excitam a vontade de consumir, os jovens são bombardeados com mensagens cada vez mais excessivas. O apelo à plenitude absoluta do prazer, a associação do prazer a situações extremas, são factores corriqueiros no quotidiano mediático, há uma idolatria da loucura que potencia comportamentos esquizoides. A coisa vai-se entranhando num crescendo ansioso, as expectativas da viagem de finalistas vão sendo colocadas em patamares altíssimos, a necessidade de viver tudo o que ainda não foi vivido no curto período de uma semana faz com que os filtros sociais sejam desligados; aqueles dias têm de valer a pena, têm de ser experienciados como se não houvesse amanhã!

Depois há a amplificação mediática (outra característica do tempo actual) e as notícias são marteladas em ritmo de hip-hop, a toda a hora, uma e outra vez, com especial ênfase na espectacularidade alarmista. Os meios de comunicação comportam-se como aqueles jovens: pintam manchetes com frases bombásticas, atiram os factos para dentro de serviços noticiosos que os mastigam como se fossem chiclete, todos os jornais se transformam em correios da manhã. Dentro de alguns dias tudo será esquecido, outros escândalos irão ocupar o espaço mediático, os jovens regressarão à vida académica, agora pressionados pela aproximação dos exames nacionais. Se tudo tiver corrido bem, as memórias destes dias loucos irão contribuir para que se entreguem com maior afinco ao estudo. Afinal de contas agora são adultos, já cumpriram o ritual.

quarta-feira, junho 01, 2016

Amarelices

Pode a educação ser um negócio? Sim, pode, tal como a produção e comercialização de carne de porco, a venda de indulgências ou o tráfico de estupefacientes. Tudo se pode produzir, colocar no mercado e ser passível de proporcionar lucros aos comerciantes. É uma questão de "olho para o negócio". Simplicíssimo.

Deve o Estado investir no negócio da educação? Alto e pára o baile! Num estado que se pretende democrático, o Estado não deve investir na educação enquanto negócio. Quem quiser arriscar uma tentativa de comercialização no campo da educação que o faça por sua própria conta e risco. Tal como fazem outros comerciantes e empresários, seja no campo da agropecuária, das drogas leves e pesadas ou no comércio dos favores divinos.

Num estado que se pretende democrático, as instâncias do poder têm outros deveres quando se trata de educação. Os amarelos que se lixem.

domingo, janeiro 17, 2016

Educação


Quando o tema é o futebol, sabemos bem, surgem milhentos “treinadores de bancada”, entendidos, capazes de engendrar as estratégias mais imprevistas e criativas que teriam impedido a derrota, que teriam potenciado a vitória à quinta casa ou seriam capazes de engalanar o empate com credenciais de feito extraordinário, o empate como sucesso último de uma inquestionável visão de futuro. Somos um país de poetas e de treinadores de futebol.

Mas, pasmemos cidadãos, há outro tema capaz de espevitar em todos nós uma inteligência adormecida, uma inteligência que aguarda indolentemente a mais leve oportunidade para espreitar a luz ofuscante de um prometido dia solarengo; falo da educação.

Quando o tema é “educação”, os especialistas, os profetas, os entendidos, saem debaixo das pedras a um ritmo próximo da alucinação. Sejam professores, catedráticos (ou nem por isso), comentadores mediáticos anquilosados, chefes de redacção sem assunto, políticos entediados, presidentes de junta, gente de maiores ou menores vistas, cidadãos anónimos chateados com a nota do seu educando no último teste realizado em contexto escolar, meros repórteres a quem foi distribuída a tarefa, ficamos confusos perante a insana capacidade de emitir opinião demonstrada pela sociedade portuguesa em tão complexo tema. Talvez por isso, a política de educação em Portugal continua a fugir para a frente de si mesma, sempre em passo acelerado, capaz das cabriolas mais estonteantes, aos saltos para trás, aos saltos para a frente, qual cabrito-montês perdido numa imensa planície.

O novo ministro da coisa veio desembestado, em sintonia com o seu predecessor, na linha de Maria de Lurdes Rodrigues: desfazer o que foi feito, fazer o que já tinha sido experimentado, numa confusão de gestos e intenções que, verdade seja dita, não traz nada de novo, apenas sublinha a proverbial confusão em que mergulham as mentes mais iluminadas quando o tema é “educação”. Acredito nas boas intenções de Tiago Brandão Rodrigues, tal como acreditei, à partida, em Nuno Crato. Mas, tal como o anterior ministro, também este tropeça nas próprias intenções, uma e outra vez, vem cambaleante ameaçando estatelar-se ao comprido.


A Educação não é coisa que se resolva de um dia para o outro. Qualquer medida implementada precisa de tempo para ser testada. Será isto difícil de compreender? Poupem os professores a esta girândola maluca que é a produção de legislação educativa. Até se me torce a língua, mas apetece dizer: “deixem-nos trabalhar”! Não façam de nós os palhaços deste vosso triste circo.

terça-feira, maio 20, 2014

Admirável país novo

Continuamos a tratar os nossos alunos como animaizinhos de circo. Treinamo-los na repetição de tarefas, oferecemos-lhes um doce quando cumprem com sucesso o comando que lhes é dado e ficamos todos satisfeitos (pais, professores, ministro, técnicos especialistas, auxiliares de educação, pessoal administrativo, tios, primos, avós, padrinhos e demais encarregados de educação) quando nos momentos de maior pressão, na realização de testes de exame, a maioria dos meninos alcançam médias a rondar a fronteira da negativa. 

É um triunfo, a marca do sucesso do nosso sistema educativo. Se a coisa funcionar assim, poucos cidadãos irão ficar incomodados com o facto de que a maioria dos meninos não seja capaz de argumentar a sustentação de um ponto de vista de forma lógica e fundamentada. 

Não é que eles não tenham essa capacidade, simplesmente não são estimulados a fazê-lo porque não há tempo. Há um programa a cumprir, muitos meninos na sala, alguma confusão, muito açúcar ao pequeno-almoço, não sobra espaço para grandes conversas que não se cinjam estritamente à “matéria”, preferencialmente a “matéria” de exame. 

Eles são treinados: primeiro para copiar o que o professor escreve no quadro e decorar os textos dos manuaizinhos, depois para perceber a melhor forma de debitar tal e qual a informação retida no local correcto. 

A coisa resume-se muito a isto; trabalha-se com os meninos como se trabalha com macaquinhos acrobatas ou leões anestesiados, faz-se da escola uma arena de circo, os professores são como domadores. Um dia mais tarde os meninos serão adultos e, com alguma sorte, continuarão a ser acríticos, a torcer o nariz sempre que lhes cheira a discussão de ideias, dóceis como carneiros de cada vez que os chefes e os poderosos lhes abram os olhos e os mandem obedecer. 

É este o desígnio do nosso sistema de ensino? Assim se constrói um admirável país novo.

sexta-feira, setembro 20, 2013

Desabafo

Ai caramba, ando com a cabeça feita em papas e não pára de andar à roda, como uma ventoínha!
Os primeiros dias de trabalho num novo ano lectivo nunca foram tão complicados de organizar. O que se passa? Porque é tudo tão confuso, tão pesado? Ponho-me a pensar no assunto e tenho as minhas suspeitas.

O ministério da educação tem reduzido brutalmente o número de professores nas escolas. Paralelamente continua a exigir o mesmo tipo de serviço burocrático, aumenta o número de alunos por turma e multiplica ordens e contra-ordens a uma velocidade que merecia multa por nítido excesso. As reuniões sucedem-se, os alunos enchem as salas, as aulas começam e têm de ser preparadas.

O corpo docente emagrece, muitos de nós pedem reforma antecipada apesar dos cortes nos ordenados (pensões) por já não suportarem tanta burocracia, tanta gente dentro da sala, tanta acção descabelada e sem sentido.

Menos professores para mais trabalho. Deve ser por isso que tenho a sensação de trazer um oceano a chocalhar-me dentro do crânio.

No meu caso particular torna-se quase impossível pensar em desenhar, pintar, trabalhar no Photoshop, postar nos blogues. Sou professor, não sou artista profissional (quase não tenho tempo para ser amador, quanto mais...).

Talvez dentro de uma ou duas semanas a coisa estabilize. Talvez. Até lá vou tentar manter a cabeça à tona. Preciso de respirar.

quarta-feira, abril 03, 2013

Tabelas, escalas e outras patranhas

Acabo de tentar explicar a um grupo de alunos a ideia de que os objectos não possuem um valor próprio. Uma mala não vale, "na realidade" 25 euros, é um valor que lhe é atribuído. A partir daí poderemos estabelecer uma escala de valores diferentes para diferentes tipos de malas, mas isso não faz com o preço seja uma qualidade do objecto.

Esta complexa teia de reflexões surgiu, como sempre acontece, a propósito do valor de mercado das obras da arte. Quem os estabelece, quais os critérios, porque-é-que-o-Picasso-faz-aquelas-coisas-e-valem-tanto-dinheiro-e-eu... e tu, nada, porque tu não és ninguém embora saibas que isso é mentira.

Após quatro horas nisto, com dois grupos diferentes de adolescentes, estou mais cansado do que se tivesse feito o Santuário de Fátima de gatas e a lamber o chão. Tenho a boca seca e sinto alguma frustração.

Com o 1º grupo penso que fui capaz de estabelecer um clima de debate interessante e teremos chegado a algumas conclusões bastante razoáveis. Já com o 2º a coisa não terá resultado tão bem. Tentei repetir a aula que, na minha óptica, tão bons resultados me havia proporcionado, esquecendo uma verdade verdadeira de tão indesmentível: uma aula é um acto de criatividade. Repetir fórmulas está longe de ser garantia de sucesso.

Cansei-me mais e consegui menos. Ou, pelo menos, é essa a minha impressão. E se, na verdade da realidade, a 2ª aula até foi mais eficaz do que a 1ª? Quem estabelece o valor de uma aula? Qual a escala a partir da qual podemos comparar resultados? Como posso eu tirar conclusões? Fazendo um teste? Estou em crer que, nesta situação, não chegaria a grandes conclusões com um teste. Para poder compreender o alcance das reflexões que fizemos será necessário viver a vida, deixar o tempo correr.

É para viver a vida que serve a educação artística. Na próxima aula vamos recortar, colar e desenhar, o resto... o resto é conversa.

quinta-feira, agosto 16, 2012

Merceeiros e bombistas


Dizem por aí que há menos crianças em Portugal logo é natural que haja menos professores, menos escolas, menos investimento na educação. Há quem queira reduzir o problema a uma questão de números. Regressa o velho espírito merceeiro que caracterizou a política nacional durante o tempo da Outra Senhora.

Quando Salazar governou não consta que houvesse falta de crianças. Nesses tempos, que tantos de nós recordam com um suspiro saudosista, havia muitas crianças. As aldeias do interior pululavam de vida, os portugueses não necessitavam de incentivos governamentais para se reproduzirem. 

Na época dourada do fascismo saloio ter filhos era uma riqueza familiar. Mal pudessem com a sachola, as crianças estavam aptas a entrar na idade adulta, cavando terra, semeando miséria. Não faltavam crianças nem faltavam professores ou escolas. O ditador sabia bem que a ignorância lhe facultava os cidadãos necessários à implementação da sua visão socioeconómica. Vivemos 48 anos de aposta contínua na pobreza, fosse pobreza material ou de espírito. 

Depois da Revolução acreditámos que o conhecimento e a educação seriam factores determinantes para equilibrar uma sociedade que se pretendia democrática. A Escola Pública passou a ser um direito e a qualidade do sistema educativo uma paixão declarada por sucessivos ministros pouco dados a investir nas coisas do amor. Com o passar dos anos começamos a compreender que nem a Escola Pública é encarada como um direito por aqueles que nos governam, nem Portugal conseguiu ultrapassar o estigma salazarista de gerações de crianças a quem sonegaram a infância. 

Ainda hoje a Educação é por muitos considerada mera ferramenta de ascensão social. Não interessa o Saber ou o Conhecimento, interessa, isso sim, o título de Doutor. Valoriza-se o “parecer”, dá-se muito pouca importância ao “ser”. Os nossos governantes parecem inteligentes. Afinal de contas não são, todos eles, doutores?

As medidas educativas que vão sendo largadas sobre a Escola Pública têm o efeito de um bombardeamento da 2ª guerra mundial ordenado por um general meio louco a quem faltasse também o mapa da zona a bombardear. Não se vislumbra um plano, uma estratégia, um objectivo. Quando um dia as bombas se esgotarem não vai haver pedra sobre pedra mas haverá sempre escolas privadas. Podem estar descansados.

quarta-feira, julho 04, 2012

Um parlapatão


A meu ver, o curso instantâneo do ministro Relvas em Ciência Política até se justifica (ver aqui) e não percebo o espanto nem a indignação que está a provocar. Basta olhar o seu percurso na vida partidária: dirigente da Jota, jovem deputado, elemento influente na máquina do partido, que mais se pode exigir a alguém que pretende ser cientista político?

Já a mediocridade constante de Relvas enquanto estudante, incapaz de conseguir classificações acima do 11 ou do 12, fosse no secundário ou no ensino superior, a justificação é evidente e só um cego não consegue ver. Como pode um cidadão ser cientista político num partido tão complicado como o PSD e, em simultâneo, conseguir resultados académicos a um nível suficiente? Mesmo o Super-Homem iria ter dificuldades, quanto mais Miguel Relvas, reconhecidamente um cidadão do mais comum que podemos encontrar.

Acho bem que o governo acabe com a mama dos oportunistas que pretendem fazer o ensino básico em apenas um ano à sombra do programa das Novas Oportunidades. Era o que mais faltava! Querem um diploma do 9º ano? Suem, estudem e trabalhem para isso que a coisa não se consegue num ano apenas!

Miguel Relvas tem demonstrado, na prática, que o seu grau académico é mais do que merecido, independentemente da forma como foi obtido. O homem é um portento na manipulação de informação e um governante assustador, qualidades que mais do que justificam o grau de licenciado em ciência política (ver exemplo das suas habilidades aqui). 

Na minha humilde opinião, observando a forma como Relvas tem arrumado com toda a limpeza as situações problemáticas em que se tem visto envolvido (ver aqui e aqui), deveria ser-lhe atribuído um doutoramento, quanto mais não fosse, Honoris Causa. Só assim poderia fazer-se justiça a sua excelência e à sua honra.

sábado, junho 16, 2007

Adeus, ó vai-t'embora!

Não era necessáro saber a decisão do Tribunal Constitucional sobre a trapalhada abjecta dos exames de Física e Química do ano passado. Qualquer cidadão com um mínimo de cultura democrática percebeu, desde o 1º minuto, que a medida imposta pelo secretário de estado fedia, de tão ilegal. Só mesmo o governo e a ministra são capazes de continur a defender a bondade da situação que provocaram. Mas já nada é de admirar, vindo dos cadeirões do poder em Portugal. O comportamento da maioria dos membros do governo é lamentável, diria mesmo, salazarista!
Querem, podem e mandam e, mesmo quando chamados à atenção pelos tribunais, não desistem e insistem em fazer de nós parvos de forma tão descarada que sou levado a concluir que parvos são eles. E dos grandes! Se não percebem a enormidade de certas medidas que nos impingem então é porque são mais que parvos. Ou são estúpidos inocentes ou malvados sem escrúpulos.
É inconcebível que a equipa do ministério da educação se mantenha intocável. Se tivessem a mínima noção do que andam a fazer já se tinham enfiado num buraco. Bem fundo.

quinta-feira, maio 31, 2007

Notas mais ou menos soltas

A informação circula pelo mundo a uma velocidade estonteante. Num momento estamos ligados ao outro lado do planeta. Abrimos uma página de um jornal de Hong Kong com a mesma facilidade que podemos ler a imprensa chilena. As questões são imensas, variadas, repletas de dramatismo ou bom humor. O mundo nunca foi tão complexo, apesar de sempre o ter sido.

No meio de tal catadupa informativa tentamos descobrir uma linha narrativa, algo que faça sentido para a nossa capacidade de compreensão. Construimos um ponto de vista pessoal de acordo com as nossas perspectivas. Escolher essa linha (ou descobri-la) é tarefa árdua e depende mais de nós, enquanto indivíduos, do que própriamente da "verdade" que nos é oferecida pelos meios de comunicação de massas. Nós próprios construímos o nosso modelo particular da realidade que nos envolve.

O mais complicado para muitos de nós é a capacidade de aceitarmos que aquilo em que acreditamos não é, necessariamente, a Verdade, mesmo que tenhamos provas irrefutáveis de que as coisas "são mesmo assim". A validade do nosso ponto de vista depende, na maior parte das ocasiões, da nossa capacidade de os expormos e defendermos perante as dúvidas que sobre ele se levantem. Quantas vezes uma pessoa cheia de razão acaba por perdê-la ao não conseguir passar eficazmente a mensagem aos outros?

Olhamos o mundo dentro de écrans, como se estivessemos a observar um aquário. A rua, o bairro, a cidade em que habitamos parecem-nos fastidiosas e desinteressantes, andamos enamorados de um mundo virtual. Mas, se repararmos bem, ali na rua, aqui no bairro, dentro desta cidade, está um mundo maior e mais real, repleto de pessoas de carne e osso, um mundo que tendemos a desprezar.

Preferimos construir a "verdade" a partir dos sinais da "realidade" que nos são fornecidos pelas agências noticiosas internacionais. Tentamos compreender o imenso "mundo exterior" para depois podermos enquadrar o mundo mais pequeno em que nos deslocamos quotidianamente. Fará isso sentido? De que modo a questão dos refugiados palestinianos no norte do Líbano pode afectar a minha existência? A Globalização é assim tão radical? Ou não?

Vou para a escola. Vou dar aulas a dois grupos de crianças que preferem ser consideradas pré-adolescentes. Têm entre 12 e 13 anos. Têm o mundo todo à sua frente. Espero ajudá-las a encontrar a sua narrativa particular na selva visual em que nos movemos. É para isso que trabalhamos só que a maior parte dessas crianças ainda não percebeu bem o nosso objectivo. Vou tentar explicar-lhes tudo, mais uma vez. Oxalá um dia compreendam.