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quarta-feira, maio 02, 2018

Presidente-criança

Há aquele filme (aquele conto, aquela história) em que uma família inteira se encontra refém de uma criança caprichosa que detém estranhos poderes para moldar a realidade de acordo com os seus desejos infantis.

Não interessa de que forma o monstrinho adquiriu tão inquietantes poderes, é a situação que importa focar e explorar em termos narrativos.

Neste conto (neste filme, nesta história) os adultos e os irmãos do fedelho vivem em estado do mais puro terror, indefesos que estão perante os poderes absolutos que  a criança detém sobre o espaço que habitam. Ou bem que lhe agradam e satisfazem todos os seus caprichos, por muito grotescos que sejam, ou arriscam-se a ser castigados. Os castigos assumem proporções entre o previsível e o inimaginável. É uma criança-deus!

Quanto mais poder amealha, mais embirrenta, imprevisível e perigosa se torna a criança. Já não me recordo como acaba esta narrativa mas tenho cá a impressão que não acaba bem.

Pode a metáfora desta história (deste conto, deste filme) aplicar-se à realidade actual da nossa cidade? Está Almada a ser governada por uma presidente-criança? Uma presidente a quem ofereceram inesperadamente um brinquedo com o qual não lhe apetece brincar mas que se vê a isso obrigada para não desagradar aos mais velhos?

Até ver, não tem sido particularmente agradável viver dentro da realidade manipulada pela presidente-bebé. Tem sido aborrecido.

segunda-feira, abril 23, 2018

Cantoria

Há dias assim. Hoje, ao fazer o caminho de casa para o local de trabalho, reparei no canto dos pássaros. Ao longo destas ruas há bastantes árvores que, como toda a gente sabe, são como prédios de apartamentos para a passarada.

O dia estava um pouco acinzentado mas os pássaros cantavam. Distingui diferentes linguagens; um pombo, um melro, um pardal? Como era bastante cedo ainda os carros não tinham feito a habitual invasão do espaço urbano, o chilreado bailava límpido, quase estranho.

Duas horas depois, o sol ganhou força em luz e em calor. Os carros já estão por todo o lado, os ruídos da cidade instalaram-se, abafando tudo numa amálgama pastosa que nos tapa os ouvidos como se fosse algodão. Os pássaros devem andar por aí, nos seus afazeres costumeiros, mas não os ouço a menos que apure o ouvido a ponto de tentar isolar algum chilreio.

Perante o poder do sol compreendo agora a cantoria matinal.

quinta-feira, janeiro 02, 2014

Roma


Palazzo, chiesa, pizza, spaghetti, spaghetti, pizza, chiesa, palazzo. Haverá país no mundo com mais igrejas do que Itália? Sendo Roma a capital, haverá cidade no mundo com mais igrejas do que Roma? Pizzarias e spaghetterias. Palácios... caramba, quantos palácios tem Roma?

Ruas estreitas, igrejas e palácios. Ristorantes aos molhos e milhares de turistas caminhando. A cidade está repleta de pormenores artísticos. É uma coisa esmagadora e deslumbrante. Palácio, igreja, igreja, palácio. Entrar numa igreja ou outra, assim, ao acaso, é uma experiência estonteante. Encontram-se coisas magníficas! E, de vez em quando, um rasto de Deus.

O Panteão, as piazzas, bom, as piazzas... a Piazza Navona é uma feira permanente, a Piazza dei Fiori é uma feira ocasional, a Fontana dei Trevi não percebi o que é. Fiquei com a impressão que é um portal para outra dimensão mas não posso afirmá-lo com toda a certeza.

Enfim, alguns dias a percorrer as vias romanas deixaram-me com vontade de o fazer de novo. Um dia voltarei e talvez veja o Papa. Desta vez fui ver a Capela Sistina. Para a próxima vou fazer-te uma visita, Chico, fica combinado.

Arrivederci Roma.

quinta-feira, agosto 30, 2012

NYC

Nos últimos dias tenho tido esta imagem na janela do quarto. Nova Iorque, rua 46 com a nona avenida. Nova Iorque, a cidade das ruas perpendiculares às avenidas (o contrário também é válido), pejadas de gente em movimento e táxis amarelos. Gente que resume o mundo todo dentro desta cidade, gente de todas as cores, formas e feitios, gente com todos os aspectos e imagens. Nova Iorque.
Amanhã é dia de viajar no regresso a Portugal. Viagem longa e demorada que me vai pôr a cabeça um tanto retorcida. Quando se voa de um continente para outro o tempo fica confuso e quem paga é a nossa cabeça.
As férias aproximam-se do seu fim, voando sobre as nuvens.

terça-feira, julho 17, 2012

Ceder espaço

Quando se conduz dentro da cidade há umas quantas regras não escritas que convém guardar e observar a todo o momento. São questões de civilidade, quase cavalheirismo, na medida em que seja possível continuar a imaginar a figura difusa e recalcitrante do Cavalheiro.

Quando estamos a sair de um estacionamento directamente para a estrada e vem uma daquelas filas de carros que parecem materializar-se apenas para nos irritar e atrasar, carros que não estavam ali mas agora parecem brotar do alcatrão como que por magia negra, vamos metendo o nariz (ou o cú) do nosso veículo, ganhando uns centímetros, até que alguém abranda e nos dá passagem.

É de bom tom, quando entramos finalmente no fluxo de trânsito, agradecer com um gesto que tanto pode significar reconhecimento quanto serve para apaziguar a possível fúria do outro condutor por nos estarmos a atravessar à sua frente. O gesto deita água na fervura e não há buzinadelas nem gritos de filho-da-puta, como acontece com tanta frequência, apesar de tudo.

Da parte que me toca faço-o sempre e gosto que, quando sou eu a dar passagem, o outro condutor gesticule da mesma forma. Os homens, invariavelmente, fazem o gesto mas as mulheres... não.

É raro haver uma mulher, uma senhora, que agradeça a cedência de passagem mesmo quando as regras de trânsito não obrigam, como se fosse um direito que lhe assiste pelo simples facto de trazer agarrado ao corpo o sexo que a caracteriza.

Isto irrita-me com alguma profundidade. Prometo a mim próprio que da próxima vez não serei cavalheiro, que porra! Porque carga de água as senhoras não fazem o gesto? Não lhes ensinaram isso na escola de condução? Talvez não, mas estas coisas aprendem-se na vivência do quotidiano.

Ainda agora me aconteceu exactamente isso. Por três vezes seguidas. De todas elas cedi a passagem jurando a mim próprio não voltar a fazê-lo.

segunda-feira, agosto 29, 2011

Não morri (na blogosfera) estive de férias

Após uns dias de férias na cidade de Paris, França, estou de regresso a casa e ao 100 Cabeças.
Paris, a Grande, a Enorme, a desmesurada cidade imperial das avenidas infinitas e dos milhentos palácios. Paris, a cidade do Louvre e de centenas de museus e catedrais e dos comedores de baguettes, Paris, capital, apenas, de França e não do mundo inteiro como por vezes os parisienses parecem imaginá-la.

Este regresso à Cidade Luz permitiu-me revisitar locais e rever objectos dos quais já só guardava memórias. Memórias agora reavivadas, memórias revigoradas que irão, com o passar do tempo, perder outra vez o seu brilho e voltar ao estado de vagas recordações que é a forma como conseguimos recuperar à distância o que guardamos nas prateleirazinhas do nosso cérebro.

Uma das coisas que trouxe de volta no avião foi a constatação de que prefiro a arte que é janela à arte que é espelho. Prefiro portas que se abrem no espaço e no tempo a objectos que me devolvem o olhar e me fazem reflectir sobre o que vejo sem me oferecer a contemplação de algo mais, algo mágico para lá do objecto.

Este é um tema que pede mais conversa e exige novos posts sobre ele. Por agora fico-me assim mesmo, a curtir apenas o regresso que é uma das grandes conquistas que se fazem quando viajamos.

terça-feira, maio 17, 2011


O estranho caso do senhor DSK tem ocupado todos os noticiários e põe a cabeça a andar à roda aos socialistas franceses. Tem todos os ingredientes para proporcionar uma reflexão trepidante: sexo, dinheiro e muito poder. Mas não foi esse o assunto que hoje me fez pensar na vida. Não. O que me fez pensar na vida hoje foi um assunto de merda.


Leio no jornal uma notícia que fala de um movimento de cidadãos preocupados com a merda dos cães nos passeios das cidades portuguesas (ler aqui). Pedem os promotores desse movimento (que tem uma página no Facebook aqui) que lhes sejam enviadas fotos de poias abandonadas pelas ruas. Apresentam umas ideias curiosas, se bem que algo bizarras, relacionadas com a falta de civismo de muitos cidadãos, incapazes de recolher as caganitas deixadas pelos seus animais de estimação.

Mas o que me faz escrever estas linhas é outra coisa. Lembro-me bem, aqui há uns anos atrás havia muitos cães vadios, alguns deslocando-se em matilhas quase selvagens, deambulando por todo o lado. Em algumas situações chegavam mesmo a colocar as pessoas em situações embaraçosas. Quantas vezes não tive de me defender à pedrada ou ao pontapé ou tive mesmo de correr para me pôr ao fresco! Com a crescente organização dos serviços municipalizados essa bicharada foi desaparecendo de circulação, enfiada em canis. As ruas tornaram-se mais seguras.

Agora só há cães com dono, bichos fechados em casa que saem ao caír da tarde para fazerem os respectivos chichis e cócós, a maior parte das vezes seguros por trelas e com um ar pouco feliz.

Aconteceu algo semelhante com as crianças. Quero dizer, deixei de ver bandos de putos a correr ou a jogar à bola ou, simplesmente, aos pinotes e aos gritos pela rua. Agora jogam futebol em escolas especiais para aspirantes a Cristianos Ronaldos e jogam jogos de consola, enfiados nos seus quartos, com bonequinhos virtuais que correm por eles, saltam por eles e gritam por eles.

Nas ruas passam carros incessantemente, o vozear da petizada substituído pelo ronco dos motores, a cidade a deixar-se dominar pelo poder das máquinas. Mas, ao que parece, ainda com muita merda nos passeios.

quarta-feira, março 30, 2011

Ver a vida viver


A banalidade é uma coisa maravilhosa quando a olhamos com atenção. É espantoso verificar como a banalidade ganha contornos de coisa extraordinária quando a isolamos no nosso pensamento. Uma mulher que cospe para o chão na paragem de autocarro, três outras que conversam num grupo com grande atenção à que fala e que parece crescer por ter ouvidos abertos às suas palavras, um homem magro com o ombro na parede e o telemóvel encostado ao ouvido num gesto de descontracção absolutamente ofuscante. Rolar nas ruas da cidade com banda sonora dentro do habitáculo do automóvel, sem destino certo nem angústias de urgência, é algo banal que proporciona momentos de uma beleza rude e suja, uma beleza que talvez não chegue a sê-lo. Hoje roubei uns minutos ao meu dia para ir ver a vida a viver no meio do betão, do metal andante e do lixo esvoaçante. Sem palavras, com Lou Reed em pano de fundo.

quinta-feira, novembro 18, 2010

O deserto está vazio


É a partir de amanhã que se reúne em Lisboa a tão badalada cimeira da NATO. Que vai ser histórica, dizem os polítiquitos tugas, sempre a tentarem enfiar os respectivos nomes nas páginas dos livros que contam como as coisas foram, esquecendo-se de tentar inscrever os nomes nas páginas dos livros que propõem como as coisas vão ser; que é uma reunião importantíssima para o futuro desta santa aliança, dizem os analistas, que vai ser uma grande merda, digo eu (que sou um chato).

As medidas de segurança em volta do pessoal que voa de todas as partes do mundo em direcção a Lisboa como limalha de ferro atraída por um íman poderoso, fazem da capital portuguesa um local em aparente estado de guerra. As fronteiras da nação estão fechadas durante o tempo que durar esta coisa, há polícia por todo o lado, carros revistados, pessoas revistadas, como nota Miguel Esteves Cardoso no Público de hoje, a Lisboa que os visitantes ilustres vão ver parece-se mais com a célebre Green Zone de Bagdad que com a menina e moça daquela canção que por vezes ainda se ouve por aí.
Todo este aparato marcial faz pensar. Mas, deixando de lado os tais pensamentos que, só por si, davam material para um post que nunca mais acabava, deixo apenas uma pergunta: porquê em Lisboa, meu Deus?

Porque se faz uma reunião destas no meio de uma cidade que tem o seu ritmo de vida diário normalzinho, o seu quotidiano delirante bem oleado e em funcionamento, que vai parar na sexta-feira; uma cidade que é posta em estado de sítio num dos países mais pacíficos deste mundo (há quem diga que é um país em estado de coma andante). Até parece que se está a convidar um bando de demónios para reunir na capital do paraíso! Porque não fazem estas merdas em lugares onde não haja uns milhões de pessoas a atrapalhar os figurões? Os desertos estão sempre tão vazios...

domingo, maio 30, 2010

Lixo


Os graffiters que emporcalham as paredes com tags têm razão quando perguntam porque ficam tão indignados os demais cidadãos perante o resultado dos seus devaneios individualistas.

A publicidade nas ruas é outro tipo de emporcalhamento visual mas não parece incomodar tanto o povinho. Placards, cartazes, panfletos, lixo!

Lembro-me vagamente de ser uma criança e de não compreender muito bem o significado da palavra poluição. Naquele tempo a sociedade de consumo era ainda uma miragem e Portugal um país demasiado pobre para produzir os milhões de toneladas de lixo que agora produz alegremente.

O significado da palavra poluição ganhou sentido quando, consultando um livro de Educação Visual, deparei com uma imagem (não recordo qual) que explicava o conceito de poluição visual. Assim era fácil de perceber.

A foto que ilustra este post foi tirada perto de minha casa. As árvores ainda disfarçam um pouco mas o lixo tudo conquista de forma triunfal. Vivemos envoltos numa pesada nuvem de poluição visual que nos intoxica o pensamento e nos deixa a alma maltratada.

Nem sempre nos apercebemos disso, mas a intoxicação é um facto.

sexta-feira, julho 10, 2009

Nova Iorque - Parte 4.1 (As festas)




Quis o destino que a viagem que a minha família fez a Nova Iorque coincidisse com as duas maiores festas lá do sítio. Primeiro foi a Parada do Orgulho Gay, no dia 28 de Junho, se não estou em erro. Depois o 4 de Julho, no dia 4 de Julho.

A Parada nunca mais acabava. Foram umas 4 ou 5 horas de desfile dos mais variados grupos e organizações. Desde os que pedem que o casamento homossexual seja legal (why not?) aos que pedem votos para serem eleitos. Ele eram candidatos a mayor, candidatos a senador e candidatos a mais não sei o quê, que nao sou de lá e não percebo tudo como se fosse.

Foi um espectáculo do caraças. Figuras bizarras e coloridas davam largas à sua alegria por lhes ser permitido manifestarem-se livremente, mostrando a diferença (que começa a ser semelhança, tantos são os gays e as lésbicas). O povão que assistia sob um sol inclemente aplaudia, ria, uivava, participando da festa. Para mim, que sou um homem da Beira Alta, tudo aquilo me pareceu uma mascarada bem disposta, a lembrar, por vezes, os corsos de carnaval trapalhão que por aí se fazem quando não tentamos imitar o carnaval do Rio em pleno Inverno. A normalmente arrumadinha 5ª Avenida parecia um rio de maluquice, umas vezes histérica, outras vezes apenas extraordináriamente bem disposta.

No fim parecia um rio de detritos. Tudo e todos haviam distribuído panfletos, rebuçados, preservativos (femininos e masculinos... para que servirão os preservativos femininos numa relação lésbica? Ha, já me esquecia, há também os "gilletes", aqueles que dão para os dois lados!) saquinhos de plástico, papelinhos, eu sei lá que mais. Uma confusão tremenda. Após o último carro alegórico perfilavam-se os carros da limpeza municipal.

Já o 4th of July foi outra história. Conto amanhã.
Quis-me parecer que aquela infinita parada de personagens espampanantes revelava bem o espírito de NYC. A cidade é uma espécie de portal entre dimensões da realidade. Aquilo não existe. Não pode existir. É demasiado grande, demasiado excessiva mas, ao mesmo tempo, demasiado organizada e lógica. A lógica de Nova Iorque não demora nada a ser apreendida pelo mais distraído dos visitantes; é fácil de perceber. Como diz a canção do Jorge Palma, "na terra dos sonhos podes ser quem tu és, ninguém te leva a mal, na terra dos sonhos toda a gente trata a gente toda por igual"... mais ou menos.

quinta-feira, julho 09, 2009

Nova Iorque - parte 4 (Uma provocação)


A tela de Van Gogh no Guggenheim, ao vivo não parece tão bela.


Até que ponto a arte e os artistas contemporâneos são meros produtos de consumo para as massas? E os velhos mestres? Começo a pensar que a forma como os grandes museus estão "equipados" se baseia em amontoar nomes, independentemente da qualidade das obras.
Em Nova Iorque é até um pouco ridículo verificar que todos se esforçam por terem expostos um Pollock, um Rothko, um Franz Kline, um Jasper Jones e um De Kooniguezinho, como se isso fosse, por si só, garantia de publicidade positiva. Mas, o Turista Cultural atento e menos avisado, poderá até pensar que está a ver as mesmas obras em espaços diferentes.
No museu Guggenheim (um hino de espectacular e estranha harmonia à arte arquitectónica) havia um amontoado de pessoas defronte a uma tela de Van Gogh. Mas tratava-se de um fraco Van Gogh. Os espectadores estavam muito próximos uns dos outros, em poses mais ou menos bizarras, fixados na imagem como se dela esperassem retirar alguma magia.
Fiquei a pensar que todos eles (aqui eu já estava de fora, a olhar as pessoas) esperavam ansiosamente sentir alguma coisa. Estavam assim, hirtos como uma Vénus de Milo, na expectativa de que o contacto com uma obra de um dos maiores pintores da História da Arte lhes proporcionasse uma sensação extraordinária. Olhando as suas expressões pareceu-me ver apenas estupefacção, talvez, por não sentirem nada de especial. Seria isso possível? Penso que sim. Um nome não representa nada. O que poderá representar alguma coisa é a obra em si e aquela tela de Van Gogh é, apenas, um exercício de pintura, uma experiência entre duas obras-primas.
Para o consumidor de arte as telas são todas mais ou menos a mesma coisa. O que importa, acima de tudo, é o nome na assinatura. O nome vale pelo resto. Vale pela nossa falta de conhecimento, pela ausência de sensibilidade e, acima de tudo, é o nome que nos impede de classificar adequadamente tantas e tantas obras expostas nos grandes museus por esse mundo fora. No Guggenheim há um conjunto de telas de Cézanne simplesmente assustadoras de tão cruas no trato pictórico. Mas, tal como perante o Van Gogh atrás citado, os espectadores consomem-se tentando explicar a si próprios no silêncio interior que os apoquenta porque razão aquilo lhes parece pouco mais que uma valente merda, apesar do nome no canto inferior direito. E ali ficam(os), especados, como árvores tristes numa floresta queimada.

Nova Iorque-Parte 3 (O Turista Cultural)


Ser Turista Cultural é complicado. Quando um Turista Cultural se aproxima de uma coisa como o Metropolitan Museum of Art tem de cerrar os dentes e avançar com coragem e determinação. É quase como pegar um touro desembolado ou ler de uma assentada a imortal obra de Proust "À Procura do Tempo Perdido" (coisa que eu nunca fiz, mas conheço quem tenha feito e tenha sobrevivido).

Um gajo pode perder-se, ficar confuso, nauseado, sem saber muito bem para que lado se haverá de voltar. O melhor é centrar a atenção em algo específico e tentar desfrutar apenas uma parte do monstro já que pretender abarcá-lo todo numa visita seria trabalho digno de Hércules.

Foi o que fiz. Dirigi-me ao piso dedicado à pintura europeia e por ali me perdi mais uma vez. Para finalizar visitei a retrospectiva de Bacon e já me dava por satisfeito. Mas... não podia abandonar um local pejado de tantos tesouros. Resolvi deambular sem grande sentido nem destino pelas salas e diferentes pisos do Museu. Gregos, romanos e egipcios, povos daqui, dali e dacoli, tudo misturado por uma enorme e invisível varinha mágica. Fiquei fascinado com as espectaculares peças oriundas do Pacífico, principalmente as da Nova Guiné. Caminhei, caminhei, olhei para todos os lados e senti-me perdido. Tinha sido apanhado pela terrível síndrome do turista cultural. Resolvi sair dali, afastar-me daquele antro de perdição intelectual. A custo lá consegui dirigir-me para a saída. Uma vez cá fora fui encontrar-me com a família que já descansava calmamente na relva do Central Park. Sentei-me, descalcei as sandálias e o contacto dos pés com a frescura verde da relva trouxe-me de volta a mim próprio e à realidade do mundo real.

Rai's partam aquele maldito lugar! Agora, tentando recordar o que vi, sinto um aperto no coração. Tenho a sensação de que não vi nada. Estou cheio de dúvidas em relação ao que perdi tal como tenho dúvidas de ter ganho alguma coisa. Já me tinha acontecido algo de semelhante no Louvre que visitei duas vezes no espaço de uma semana. Prometo a mim mesmo não voltar a vestir a pele do Turista Cultural. É uma pele muito apertada. Incomoda-me.

quarta-feira, julho 08, 2009

Nova Iorque-Parte 2.2 (Pollock)

Ainda no MoMA, depois de deixar a família para trás (a minha filha e a minha mulher não têm paciência para me aturar quando estou num sítio assim, eu próprio sinto dificuldades em lidar com a minha pessoa perante tal enxurrada de informação) continuei a minha cavalgada heróica no meio daquela floresta encantada.

Cada nova sala produzia em mim um efeito de estupidificação ou, pelo contrário, de desapontamento. É absolutamente impossível dar notícia de todas as sensações, sentimentos, ideias, vontades e etecetera e tal que me arrepanharam o cérebro. Transcrevo apenas algumas das notas que registei no meu bloquinho.

Parece haver um Pollock tridimensional nos formatos menores. A técnica pictórica sugere, pelo empastelamento, um Van Gogh completamente passado (se tivesse viajado no tempo, acordando em plenos anos 50 do século XX, Van Gogh haveria de ter pintado mais ou menos daquele modo). Depois há um Pollock mais liquído nos formatos mais avantajados, onde o gesto se solta, se alarga e inventa numa liberdade cambalenate e gotejante. Nesses formatos grandes nota-se bem a zona dos pézinhos em volta do ambiente central, mais massacrado e saturado de sinais gráficos, a zona de deslocação do artista.


É como se as telas tivessem uma moldura feita de vazio. Nem gesto, nem tinta; nada. Sente-se ali a presença do fantasma de Pollock.

Há ainda um Pollock antes de Pollock, aquele que primeiro me fascinou nos livrinhos com fotos. O expressionista abstracto que não conseguia impor-se na cena artística, talvez por não ser suficientemente esquisito para os padrões da época.

Fico a pensar que se Pollock pudesse regressar do Além e ver as suas pinturas e as refizesse hoje, talvez fosse mais excessivo. Há qualquer coisa nas telas expostas no MoMA que me parece resultado de uma certa timidez, uma falta de capacidade para se superar a si próprio. Talvez a consciência de estar a inventar um planeta artístico completamente inovador possa ter condicionado o instinto criativo do velho Jackson. Talvez isso tenha acontecido com Pollock. Talvez isso tenha acontecido a Deus quando criou o Universo.

O Expressionismo Abstracto vive muito da dimensão da obra e do gesto que a superficíe proporciona ao artista. Numa escala reduzida corre o risco de se tornar algo mesquinho e, simplesmente, pretensioso. Olhem-se os casos de Rothko e Franz Kline.

terça-feira, julho 07, 2009

Nova Iorque - Parte 2.1


Já estou em casa. Cansado como um canguru que tivesse andado perdido no Alaska, devido à diferença horária. Não durmo já não sei há quantas horas. Mas não há-de ser nada.


8 dias em Nova Iorque mais dois para ir e voltar já bastavam para desorganizar a cabeça que me resta. Este dia, que parece ter outro escondido dentro do relógio, é fogo! Tenho a cabeça a cozer em fogo lento.


Muitas coisas aconteceram. Há histórias mais ou menos interessantes para contar, como a do gajo que deitava salsichas para o lago no Central Park no dia 4 de Julho ou o estranho grupo que se reuniu uma noite no Higline Ballroom para assitir a um concerto do quarteto de Jazz de Charles Lloyd, mas, para o 100 Cabeças, parece-me adequado dar conta de algumas coisas que vi penduradas nas paredes dos museus de Nova Iorque.


Quando visitei o MoMA tive um vislumbre da dimensão da coisa. Se calhar não percebi nada mas fartei-me de tirar apontamentos.


Uma coisa que salta à vista é que os mestres da Arte Moderna aboliram o erro abrindo uma verdadeira Caixa de Pandora. Confirmei a impressão de que algumas pinturas de Picasso ou de Matisse (para citar apenas dois monstros sagrados) são simplesmente abomináveis. Coisas feias, desgraciosas, desiquilibradas, mal pintadas, sem chama nem o mínimo interesse. Mas isso não parece ser relevante. Estão nos livros de História da Arte e nos postaizinhos de "recuerdo" portanto... claro que estes artistas produziram obras-primas mas também deitaram ao mundo muito lixo, muita poluição visual.


De Chirico, por exemplo, aldraba alegremente nas sombras projectadas e nem sempre satura a superficíe com a tinta necessária para cobrir a tela ou organizar algumas pinceladas malucas que destoam nítidamente do espírito da obra. Mas isto só pode constatar-se "in loco". As reproduções nos livrinhos de arte são muito lisongeiras.


As esculturas de Brancusi (expostas num conjunto de 5) parecem uma metáfora da sobrepopulação da cidade. Atravancadas num pequeno espaço anulam-se umas às outras. Decerto que separadas teriam outra dignidade mas, caramba, há que mostrá-las, há que exibi-las a todas.


Muitas pinturas estão velhas, ganharam uma sujidade pouco saudável e têm o aspecto de um trapo de limpar o pó. Nas telas de Mondrian o amarelo está quebradiço e estalado. As outras cores não apresentam este sintoma de doença, apenas o branco está mais triste que o espantalho do Feiticeiro de Oz por não ter um cérebro que o alumie.


Isto não acontece na pinturinha de Dali (A Persistência da Memória) na sua sumptuosa técnica de óleo de linhaça. Brilhante e mais perfeita que a perfeição de um sonho impossível de ser sonhado. Ao lado o espectacular "Rouxinol Ameaçando Duas crianças" de Max Ernst mostra aquilo que cada vez mais prezo num artista: a sua versatilidade e capacidade de não ter um "estilo" definido. A capacidade de o indivíduo se inventar e reinventar constantemente a si próprio através da criação artística.


Bom, o post já vai longo e há muito mais para dizer. Por exemplo, o guarda da sala anterior estava a comer um chupa-chupa, com o pauzinho fora dos lábios, produzindo um ruído guloso, enquanto duas senhoras com ar de senhoras tiravam fotos com um flash radioso como o sol. O guarda (aquele guarda) não esboçou outro gesto que não fosse mais uma chupadela ruidosa. Parecia não estar ali, parecia uma daquelas personagens patuscas de uma tela de Miró.


Continuei a minha caminhada por aquela floresta artística.

sexta-feira, julho 03, 2009

Nova Iorque (parte 1)


Estou em Nova Iorque há uns dias. Dificilmente voltarei a encontrar um lugar onde haja gente de tantos lugares diferentes, falando tantas línguas diferentes (mesmo o inglês ganha milhares de sonoridades) e movendo-se em tal harmonia. A cidade é estranha de tão grande e de tanta gente que se move nas ruas. Uma amálgama de ferro, betão, vidro e carne em movimento.

O que salta à vista é a extraordinária organização. Tudo é feito de modo a que o dolar possa fluir como a água do Amazonas desembestada em direcção ao imenso oceano. Li há pouco que a bolsa desceu ali em baixo, no Financial District. Cá mais para cima não se notou nada, garanto-vos!

Não há sinal da crise económica nem da gripe-A. Não se passa nada. É como se Nova Iorque fosse a capital do Mundo Extrasuperterrestrial, uma foleirice do género. Esta cidade é imbatível, nada a pode atingir. É assombrosa nos contrastes, extraordinária de tão vulgar. VVou continuar a passear por estas bandas até à próxima 2ª feira. Depois disso terei umas quantas considerações a fazer. Até lá, amigos meus, vou ter de me desconectar.

terça-feira, janeiro 01, 2008

Por exemplo: Barcelona. Por outro lado: Barcelona


Ainda trago alguma poeira de Barcelona nas botas de tanto subir e descer ruas e mais ruas por aquela cidade fora. Barcelona seduziu-me, a grande maluca, e deixou-me assim a dar para o confuso. Os posts que se seguem decerto terão a ver com esta viagem. Enquanto as recordações forem frescas. Depois que se lixe. Viva Barcelona!
Por exemplo: durante a tarde podes descobrir a arte românica no estonteante Museu Nacional d'Art de Catalunya http://www.mnac.es/ e à noite dás um salto ao IMAX, no Port Vell http://www.imaxportvell.com/ para assistires a um filme em 3D. Mil anos de distância, a mesma estranha paixão pela criação de imagens que é a marca da nossa civilização. As pinturas murais extraordináriamente recriadas nas salas do MNAC e o fundo do mar a envolver-te numa espécie de alucinação, mil anos aos trambolhões para dentro do teu cérebro. Barcelona não se cansa nunca, nós, os visitantes, é que podemos descobrir que não temos pedalada suficiente para tanta cidade dentro de uma cidade apenas. E não estou a referir-me à extensão física do espaço urbano, é a vida de Barcelona que acaba por cansar. É o ruído constante das pessoas que sobem e descem as Ramblas, a simpatia inesgotável dos barceloneses, a ladaínha babilónica das falas que se ouvem por todo o lado: italiano, castelhano, francês, catalão, português, inglês... o mundo todo a acanhar-se para encontrar o seu lugarzinho na barriga, nas costas, no coração de Barcelona. E a cidade não se faz rogada, acolhe o mundo todo dentro dela e tudo faz por seduzi-lo com ares de grande senhora.
Por outro lado: toda a gente sabe que não há bela sem senão. O senão desta cidade maluca pela vida chegou na noite de passagem de ano. Durante a tarde adivinhava-se festa. Por todo o lado a festa ia crescendo. No burburinho, nos sorrisos, nas musiquetas ocasionais ao virar da esquina, a sensação de festa crescia, crescia, crescia. À noite, subindo as Ramblas em direcção à Plaça Catalunya com uma garrafa de champanhe na mão, sofremos uma tremenda decepção; um polícia acabava de tirar uma garrafa a um rapaz e atirava-a para o lixo. Bruscamente, com cara de pau e maus modos. O rapaz nem refilou. A entrada para a praça era controlada com barreiras metálicas e poibia-se a passagem de latas ou garrafas. Uns gajos com coletes fluorescentes deitavam o liquído em copos de plástico, desajeitadamente. Resolvemos ir guardar a nossa garrafa no apartamento em que estávamos alojados, numa Carrer mesmo junto à Rambla. Havia uma tensão pesada a abafar o ambiente, como se toda a euforia do quotidiano barcelonês estivesse ali acumulada e prestes a provocar, sabe-se lá o quê! Fomos até à Plaça. Chegou a meia noite e... nada! Um foguetezito aqui, outro ali. Putos bêbados aos pinotes, grupos de homens árabes (sabe-se que as suas mulheres não são, propriamente, gente para sair com estes gajos à rua!) a catrapiscarem grupos de raparigas loiras com ar de estarem a pastilhar, enfim, a Plaça estava cheia de gente e... nada. Resolvemos descer as Ramblas, até à Plaça Colón, talvez houvesse qualquer coisa mais animada. Foi aí, ao entrarmos na Rambla (mais polícias com maus fígados a sacarem garrafas inteirinhas de champanhe que atiravam para o lixo) que percebemos melhor a razão dessa atitude pouco recomendável. Uns 20 metros mais abaixo, uma garrafa voou sobre a multidão compacta. Decerto caiu nalgum sítio. Coisa feia, coisa má, muito má mesmo. De súbito gerou-se uma enorme agitação e a multidão moveu-se, naquele seu incomodativo jeito compacto. Lá estavam eles, porra: os polícias de choque! Por sorte estavamos mesmo junto à entrada da rua do nosso apartamento e a sensação de insegurança não disparou. Apesar dos empurrões, apesar daquele movimento ondulatório da massa que foge assustada, conseguimos afastar-nos com alguma calma. A nossa filha era principal preocupação. Mas as coisas acabaram por acalmar e a noite prosseguiu com os incidentes do costume. A polícia lá surgiu mais uma vez ou outra (agora assistíamos ao desfile incessante de pessoas da varanda, com um copo de champanhe na mão, tal como os nossos vizinhos de ocasião) mas não me apercebi de nenhuma cacetada, apenas ameaças. E a coisa foi assim nas ruas de Barcelona onde estive na noite de passagem de ano: uma Fiesta de Mierda. Um anticlímax estranho numa cidade tão cheia de vida... ai Barcelona!