Significado pessoal do livro
Cresci a
ouvir dizer e a verificar na prática, que Pataias era uma terra sem história.
Sem registos documentais ou edifícios que contassem como foi a nossa terra. De
onde partimos para chegarmos ao que somos hoje.
Há 9 anos,
iniciei um projeto digital porque estava longe de Pataias e, a quem estava
longe como eu, não se sabia nada do que se passava aqui. Em nove anos, houve o
Facebook, mas mais importante, livros sobre a Mina, as fábricas de vidro e a
freguesia, teses sobre a lagoa de Pataias e a evolução do litoral e um
manancial de outros documentos que a pouco e pouco ajudaram a descobrir e
difundir a nossa terra.
Este é o
livro que eu gostaria de ter escrito, mas que nunca teria conseguido. Não sei o
suficiente, não vivi o suficiente, não pesquisei o suficiente. O Turíbio, o Humberto
e o António passaram mais de 4 anos a escrevê-lo, depois de quase duzentos anos
(a soma das suas idades) acumulados de vivências intensas de Pataias. E se
alguém o conseguiria concretizar, eles eram dos poucos.
E assim, confesso
que com alguma inveja mas extraordinariamente feliz, vejo concretizado este
sonho de deixar inscrito na memória e para o futuro, a história de Pataias e
acima de tudo, das suas gentes. Porque Pataias vive das pessoas, com as pessoas
e – desejo – para as pessoas. E este é um livro sobre todos nós: pataieiros e
pataienses.
A importância da memória e da
história local
Este é um
livro que escreve, pela primeira vez, a nossa história, a história de Pataias,
através de documentos históricos, das vidas das pessoas e da memória.
A memória
nas Ciências Humanas pode ser definida como um fenómeno social, uma vez que as
relações entre os indivíduos são estabelecidas pelas formas como estes
interagem entre si, através de aspetos socioculturais como as famílias, a
política, a religião, as profissões, entre outros.
Jacques Le
Goff defende que a memória, esta memória definida como fenómeno social, pode
ser utilizada para reconstruir os factos históricos a partir de resignificações
individuais.
«A memória é
um elemento essencial do que se costuma chamar identidade, individual ou
coletiva, cuja busca é uma das atividades fundamentais dos indivíduos e das
sociedades de hoje, na febre e na angústia. Mas a memória coletiva é não
somente uma conquista é também um instrumento e um objeto de poder. São as
sociedades cuja memória social é sobretudo oral ou que estão em vias de
constituir uma memória coletiva escrita que melhor permitem compreender esta
luta pela dominação da recordação e da tradição, esta manifestação da memória»
Jaques Le
Goff, História e Memória
Esta memória
é constituída por acontecimentos, pessoas e lugares: os acontecimentos podem
ser vividos individualmente ou em coletividade; as pessoas podem ser
categorizadas por personagens encontradas durante a vida ou vividas
indiretamente; os lugares da memória, lugares de comemoração, ficam marcados na
memória do público e de cada indivíduo.
A memória é
assim o resultado de um trabalho de organização e seleção daquilo que é
importante para o sentimento de unidade, de continuidade e de coerência. Ou
seja, de identidade.
E o que
também fala este livro é da identidade de Pataias.
A construção
desta identidade implica dizer que tempo e espaço se associam para a construção
de experiências humanas. Mas precisar a identidade de Pataias, para além do
estabelecimento de uma relação entre o tempo e o espaço, exige o reconhecimento
da herança de tradições e das histórias das pessoas que aqui vivem e viveram.
É agrupada
nestas dimensões material e imaterial que se manifesta a existência deste lugar
de Pataias, com capacidade de construir um processo de identificação das
gerações atuais com a experiência vivida por outros sujeitos, noutros tempos.
Constrói-se um património vinculado aos saberes, às habilidades, às crenças, às
práticas, às pessoas. Um património que se pretende valorizado, peculiar, mas
não saudosista.
O livro
Este livro
conduz-nos assim por três caminhos: a memória, a identidade e o património
cultural. É esta fusão o cerne deste livro.
Independentemente
da forma como se apresenta o índice deste livro, eu vejo-o agrupado em 3
grandes grupos:
Num destes
grupos podemos encontrar as origens e a história do lugar e freguesia de
Pataias. Da alegada doação de Alcobaça aos monges de Cister, dos forais de D.
Dinis às Paredes, das memórias setecentistas ao século XIX, da evolução da
freguesia através dos tempos. Encontramos ainda os diversos lugares da
freguesia e a sua história.
Num segundo
grupo, o contexto social: as profissões, as tradições, os costumes, as
curiosidades, os conjuntos musicais. Uma visão sobre a freguesia desaparecida,
do alfaiate ao lavrador, do tanoeiro à empalhadeira, do carreiro ao resineiro.
Faltou o forneiro… Os conjuntos musicais, do “Conjunto Vaz” ao “Pingo Morango”,
dos “Encarnadinhos” ao “Análise”. As tradições.
Num terceiro
grupo: as pessoas. Quem, pelo critério dos autores, teve uma intervenção que
ajudou a freguesia a ser um lugar diferente. Goste-se, ou não.
Finalmente,
a reorganização do poder local e uma visão para o futuro.
Conclusão
Esta é uma
obra que não se discute o conteúdo. Podemos discutir a forma, mas não o
conteúdo. É um documento extraordinário de pesquisa histórica, um repositório
inigualável de tudo o que Pataias foi, de muitas das gentes extraordinárias que
aqui viveram.
E esse é o
grande mérito, o grande legado desta obra: as pessoas. Porque, como já disse
anteriormente, Pataias vive das pessoas, com as pessoas e – desejo – para as
pessoas. Este é um livro sobre todos nós.
Esta obra é
a mais recente, mas será a partir de hoje a primeira e fundamental referência
da nossa história e das nossas gentes.
Turíbio,
padrinho, Toino: por este magnífico trabalho que aqui nos deixam, muito
obrigado
Pataias, 3
de agosto de 2018