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sábado, 8 de novembro de 2014

Meu Henrique querido - por Cecílio Elias Netto


Meu Henrique querido - por Cecílio Elias Netto


Ele foi uma das mais doces e generosas pessoas com quem convivi. Não houve, em Piracicaba, quem não amasse Henrique Spavieri. O homem bom morreu de dor.

Morte e luz

A de Henrique Spavieri foi morte anunciada. Mais dramaticamente ainda, morte generosamente desejada por seus amigos, que não mais suportavam ver aquele todo e injusto sofrimento. Os últimos anos de vida de Henrique abalam crenças, convicções, credulidades. Pois foram tão amargos e doloridos, tão realmente injustos pela visão humana que – mesmo aos que têm fé – é quase impossível pensar em desígnios de Deus.

Há muito, nesse sofrimento de Henrique, da purgação de Jó. Como pode alguém tão generoso, tão decente, tão bom, tão cordial ser vítima de tamanhos sofrimento e injustiça?

Sabemos, os mais próximos de Henrique – que somos muitos, desde as velhas e heróicas batalhas em O DIARIO – não ter sido, ele, levado pela enfermidade física, que o câncer não foi a causa de seu fim, mas o efeito.

Henrique Spavieri começou a morrer de tristeza, de amargura, da insuportável angústia da injustiça que foi corroendo-o dia a dia. Antes de ser atingido no corpo, Henrique foi ferido na alma. Ferimento mortal. Sem piedade. Sem qualquer compaixão.

O grande fotógrafo, o extraordinário profissional, o generoso homem viu sua história ser tratada como um chinelo usado e imprestável que se joga fora. Para um novo mundo de crueldades, Henrique Spavieri – uma criatura enriquecedora de todos de quem se aproximou, de tudo a que pertenceu – foi considerado apenas um objeto descartável.


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segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Laudelina - Por: Cecílio Elias Netto


Laudelina - Por: Cecílio Elias Netto 

 Sempre estiveram abertas e viçosas as flores de Laudelina. Quem passasse pela antiga casa, na esquina da 15 com José Pinto de Almeida, poderia vê-las, ainda que protegidas por grades, pedindo para serem roubadas. Pois as flores de dona Laudelina Cotrim de Castro surgiram para ser roubadas por moços enamorados.

Eramos uma cidade sem grades, num tempo sem prisões morais e sustos. Em noites de serestas, as flores de Laudelina ficavam assanhadas à espera de quem as roubasse para levar às janelas das namoradas, noites de serestas sob céus enluarados.

Pulava-se a mureta do jardim num fingimento comum: ela fingia não ouvir passos mansos no jardim, nós fingíamos que a estávamos enganando.

Quando passo por lá, não consigo deixar de pensar nas flores de Laudelina. E, talvez por essa tristeza que surge não se sabe de onde ou porquê, dá-me uma vontade danada de pular o muro, roubar rosas em plena tarde chuvosa, sair caminhando em busca de um violão e, então, sentar na sarjeta e chamar os amigos para cantar modinha de coisas de amor.

Pois estão muito feios os nossos tempos e parece que vão enfeiando até mesmo o amor.

E, na tristeza repentina de uma tarde chuvosa, as flores de Laudelina pareceram aqueles «psius» que ela sabia dar quando se deparava com tolices das pessoas.

Um «psiu» que permanece no ar, diante das tolices que vimos fazendo nesse ir sem saber para onde, nesse vir sem ter para o quê voltar.


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sexta-feira, 19 de setembro de 2014

A menina e a metralhadora - Texto de Cecílio Elias Netto


A menina e a metralhadora - Texto de Cecílio Elias Netto

 Quando crianças – estimuladas pelos pais – aprendem a atirar com metralhadoras, descortina-se o sombrio futuro da humanidade.

 Lenda ou realidade, passou à história a resposta de Einstein, a um jornalista, a respeito de guerras. Foi logo após o término da II Guerra Mundial. O repórter ter-lhe-ia perguntado como, em sua opinião, viria a acontecer a Terceira Guerra Mundial. A resposta de Einstein, surpreendente, aterradora: «A Terceira eu não sei. Mas a Quarta será com arco e flecha». Verdadeira ou não, a previsão ainda é válida.

 Desgraçadamente, a história da humanidade continua sendo escrita pela história das guerras. A paz entre os povos acontece em intervalos tão fugazes que quase não importa. Sendo já veterano jornalista – e muito tendo caminhado na vida – estou entre as testemunhas de que, desde a II Guerra Mundial, não houve paz no mundo.

Guerras continuaram pipocando de um lado e de outro. Terminado o horror contra o nazismo, veio a Guerra Fria, vieram as guerras na Coreia, no Vietnam, na Africa, no Oriente Médio, no mundo todo. Revoluções, golpes militares e políticos, ditaduras.

 Qualquer estudante de política internacional sabe que o mundo apenas encontra algum equilíbrio quando houver a bipolaridade de poder, um grupo de nações equilibrando-se diante do grupo contrário. A hegemonia do poder – como ocorre agora com os Estados Unidos, após o desaparecimento da União Soviética – é a implantação da tirania. E a multipolaridade – muitos poderes espalhados e contrapondo-se entre si – cria a desordem.




quarta-feira, 3 de setembro de 2014

árabes e judeus, aqui - Texto / Crónica de Cecílio Elias Netto


árabes e judeus, aqui - Texto / Crónica de Cecílio Elias Netto 

 A harmoniosa convivência entre árabes e judeus em Piracicaba impede-nos de entender a estupidez do fratricídio no Oriente Médio.

A história humana – contada pelos chamados livros sagrados – foi e continua sendo escrita com sangue e discórdias. O Deus monoteísta – de judeus, cristãos e islamitas – causa muito mais espanto por sua cólera do que pela misericórdia. Pelo menos, para mim. Desde o Eden, as coisas são complicadas. Criando o homem, Eva e Adão, eis que, por uma desobediência, os expulsa do paraíso. Coitados, cuja única culpa foi a de serem humanos.

 E os conflitos seguem em frente: Caim mata Abel; os filhos de Noé brigam entre si. E Abrahão – pai da nova fé – é testado de uma maneira brutal, quase inacreditável. Deus ordena que ele mate o próprio filho, Isac, que se tornaria Jacó. Por que isso? Para assustar o velho Abrão, para judiar dele? E esse mesmo Abrão que, sem qualquer piedade, expulsa o filho Ismael, gerado por sua amante Agar, a escrava? Por capricho e ciúme de Sara, que gerou Isac, Abrão divide a sua própria carne e divide a humanidade. Isac, o judeu, é irmão de Ismael, o negro filho da escrava Agar. E ambos são semitas, descendentes de Sem. Desde o início, pois, a luta é fratricida.

Uma história complicada e penso ser melhor não escarafunchá-la muito, para não nos perdermos em perplexidades e confusões. Abrão tenta matar o próprio filho, Deus não socorre Jesus, que lhe pede socorro ao ser crucificado. Que pai humano pode entender essa loucura divina? Vai daí que, pelo visto, até hoje a história continua complicando-se, na estupidez familiar entre árabes e judeus. E na chamada Terra Santa. E em todo aquele universo oriental onde a história judaico -cristã - muçulmana começou. Quem se lembra que Abrão nasceu em Ur, onde está o Iraque?



domingo, 29 de junho de 2014

A charrete e a égua - Texto de Cecilio Elias Netto


A charrete e a égua - Texto de Cecilio Elias Netto

 Acreditem ou não, a vida tem o eterno retorno. Trata-se da sobrevivência do belo e do bom. E já está acontecendo.

 Por muitos anos, morei num local distante da cidade, entre chácaras e sítios. No início, nem sequer tinha iluminação pública. E essa não era uma deficiência, mas algo que beirava a bênçãos. Pois, numa noite de temporal intenso, quando tudo amainou, foi-me dada a graça de presenciar um dos mais belos e inesquecíveis espetáculos da natureza. Miríades de vagalumes piscavam luciluzindo uma penumbra de luz azulada. Não precisávamos de postes ou de lâmpadas nas ruas.

O lugar mais próximo para compras era um supermercado que parecia um daqueles armazéns de filmes de faroeste. Com travessão para amarrar cavalos também. Pois havia, sim, quem fizesse compras a cavalo. Certa tarde, vi o moço atlético – morador de uma chácara requintada – sair do armazém com uma grande sacola, amarrando-a na sela junto ao quadril do cavalo e lá se indo a cavalgar. Fiquei com inveja, acho que por minhas lembranças de John Wayne. E, doutra feita, inveja ainda maior, tive-a ao ver, em meio ao pequeno bosque que nos cercava, um garoto – peito nu, de calção, descalço – passando em disparada montando a pelo um garboso garanhão. Senti-me fora do mundo. E enciumei-me daquela visão plena de liberdade.

Chamavam-me de ermitão. E há, ainda hoje, quem pense em homem solitário, recluso, num tempo em que a opção pelo silêncio parece absurda. Como ficar ausente do espetáculo do cotidiano? Como não participar de todas as festas anunciadas? Como suportar a magia do silêncio, se é, o mundo, uma orquestra de ruídos? Nenhum comentário me incomodou ou incomoda, pois foi a escolha que, ainda agora, me pacifica. E não me esqueço de um sobrinho meu, garotinho e morando em São Paulo, que viu, naquele lugar, galinhas ciscando o chão, cavalos pastando. O garoto, excitado como se tivesse visto Papai Noel, gritou para a mãe, chamando-a: «Mãe, mãe… Venha ver a Knor.»Galinhas, ele apenas as vira em propaganda de televisão.

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quarta-feira, 28 de maio de 2014

Macacos e gente - Por Cecílio Elias Netto


Macacos e gente - Por Cecílio Elias Netto 

 Acho estranho alguém se ofender por ser chamado de macaco. Pois, em tempos tão cruéis, macaco é que deve se ofender se for chamado de gente, de certa gente.

 Não creio que a questão – ainda em nível universal – seja de preconceito. Pelo contrário, acredito seja falta de conceitos. Jamais teria, eu, a audácia de escrever a respeito dos profundos significados de conceito. Digamos – superficialmente como cabe a um cronista de jornal – seja, o conceito, um signo, uma marca, a essência da coisa. Seria mais ou menos assim: uma coisa não pode ser de modo diferente daquilo que é. Logo, abacaxi não pode ser banana.

 A referência a frutas não foi acidental. Pois estamos em momentos tão malucos que jogamos todas as frutas numa mesma cesta, misturando maçãs, peras, abacates, bananas, uvas, mangas – não mais sabendo aquilo que é o quê. E, na vida em sociedade, acontece o mesmo: vale tudo, não se sabe quem é quem, a diferença entre valor e preço, entre moral, imoral e amoral. Ora, faltando conceitos, é estupidez falar-se em preconceitos. Em especial, em relação ao chamado ser humano, ignorantes que nos tornamos do conceito e do significado de humano.

 Chamam-se pessoas de vaca, de cadela, de égua, de cavalo, de veado, de porco, de cachorro, de burro. E, também e obviamente, de macaco. Mas o homem não percebeu, ainda, que os conceitos se perderam ou se confundiram na bagunça geral. Falar-se, hoje, por exemplo, em «vida de cachorro», é referir-se a uma vida privilegiada, leve, fácil, feliz. Pois cães e gatos – em alguns setores da sociedade – estão mais bem protegidos e cuidados do que milhões dos antes chamados «seres humanos», transformados em rebotalhos incômodos, descartáveis.




sábado, 17 de maio de 2014

«…o avental todo sujo de ovo.» - Por Cecílio Elias Netto


«…o avental todo sujo de ovo.» - Por Cecílio Elias Netto 

 Para idosos, a orfandade de mãe é ainda mais dolorosa. A saudade de um colo onde se abrigar torna-se necessidade.

 Um fradezinho santo – velho confessor de doentes e moribundos – contava-nos da agonia final dos enfermos. E dizia que – nos últimos momentos e se ainda podiam balbuciar algo – eles diziam, quase todos, uma só palavra: mãe. E ele, o fradezinho, nunca conseguiu saber se era alegria do reencontro ou um apelo final, um pedido de ajuda e de socorro.

 Não ousaria, eu, opinar a respeito desse momento final misterioso e solitário de nós, humanos. No entanto, penso em mim mesmo, imaginando-me naquele último instante mágico. Como seria se eu, então, ainda pudesse ver algo ou algo falar? Ver, penso que já vi – ou foi um delírio? – quando minha mãe nos deixou. Médicos haviam-na declarado inconsciente, finalmente derrotada pelo câncer contra a qual lutara durante quase dois anos. Haviam-lhe previsto apenas três meses de vida. Tanto ela amava vida que dominou a morte por todos aqueles longos e longos meses.

 Revezávamo-nos em sua vigília. E aquela noite foi a minha vez. Fiquei ao lado dela, na penumbra, vendo-a imóvel como se dormisse. O fiapo de vida revelava-se na leveza da respiração. Ela estava bela, abatida mas bela. E acontecia conforme ela desejara, que tanto pedira: «Não permitam que o seu pai me veja feia…» Eles se amavam tanto que minha mãe queria estar sempre bela para ele. Ao longo de suas vidas em conjunto, ela acordava antes para se arrumar, compor-se ou recompor-se, para que meu pai não a visse amarfanha. Vaidosa até o último instante.



sábado, 5 de abril de 2014

Cornélio Pires - Um caipira ilustre - Autoria: Cecílio Elias Netto


Cornélio Pires - Um caipira ilustre - Autoria: Cecílio Elias Netto

Quando se fala em folclore, fala-se, também, de alguns caipiras ilustres. Cornélio Pires foi um deles. Poeta, humorista, folclorista, trovador, músico, repentista, Cornélio Pires nasceu em Tietê (SP) em 13 de julho de 1884, falecendo em São Paulo no dia 17 de fevereiro de 1958. Por sua vontade, foi sepultado no Cemitério Municipal de Tietê.

De família pobre e protestante, era, porém, descendente de figuras ilustres como Pedro Taques e Brás Cubas. Viveu a infância em bairro rural onde aprendeu as primeiras letras com professores particulares. Para sobreviver, exerceu as mais variadas atividades: ordenhava vacas, entregando o leite na cidade, foi caixeiro, aprendiz de tipógrafo, mestre-escola, agente de negócios, rábula, revisor, professor de ginástica, oleiro, plantador de algodão, comerciante, industrial, sempre ganhando muito pouco.

Ainda criança, montou um circo em sua própria casa. Era naturalmente engraçado, sendo lembrado, pelos que o conheceram, como uma figura quase cômica. Ele próprio se retratou: «feio, de testa curta, cabelos à Gorki, nariz pequeno e arrebitado, maxilar inferior saliente, beiçudo e de olhos muito azuis, uns olhos de criança.»


Foi levado a São Paulo, em 1904, por uma tia, Belizária Ribeiro – viúva do escritor e filólogo Júlio Ribeiro («A Carne») – que lhe garantiu os estudos. Foi na casa da tia que escreveu «A Musa Caipira», com a qual estreou na vida literária ainda que seus primeiros trabalhos tenham sido publicados no semanário «O Tietê».

Colaborou, nesse tempo, com a famosa revista «O Malho», do Rio de Janeiro, onde sua irreverência chamou a atenção dos críticos. Trabalhou, ainda, na revista «A Cigarra» e em jornais de São Paulo, Santos, Botucatu, São Manuel e Piracicaba. 




 

segunda-feira, 24 de março de 2014

A hora e vez do Romi-Isetta - Texto de Cecílio Elias Netto


A hora e vez do Romi-Isetta - Texto de Cecílio Elias Netto 

 Em 1955, a indústria Romi (barbarense) construiu o carro mais inteligente que podia existir. Mas foi esmagada pela estúpida indústria de carrões.

 Foi em 1956 que surgiu, no Brasil – e fabricado pelas Indústrias Romi, barbarenses – o revolucionário carro Romi-Isetta. Era o primeiro veículo produzido nacionalmente. O visionário Emílio Romi conseguiu, em 1955 – da empresa italiana Isso, que o idealizara – o direito de construção no Brasil. Tratava-se de um veículo de praticidade espetacular, mais ainda do que o já minúsculo Fusca. O automóvel de Emílio Romi era para duas pessoas, com portas que se abriam pela frente, atingindo velocidade de até 85km/h, com consumo de combustível de 25 km. por litro.

 Seus idealizadores, ainda no pós-guerra, haviam imaginado um veículo pequeno, seguro, barato, que atendesse as necessidades de famílias pequenas, de estudantes, de operários. Tratava-se de um carro mais para circulação urbana, digamos que para uso individual. E o sucesso foi imediato na Europa. Foi como se a Isso italiana – e o barbarense Emílio Romi – tivessem previsto o que haveria de acontecer, com a desvairada fabricação de carrões imensos e pouco inteligentes. Aliás, o próprio Henry Ford – há 90 anos – advertiu e reconheceu: «A cidade está condenada».

O Romi-Isetta durou muito pouco tempo. Acho que até 1961. Foi esmagado pelo poderio das bilionárias empresas automobilísticas que se instalavam no Brasil após a abertura dada por Juscelino Kubitschek. O preço daquele desenvolvimento alucinado foi a morte da razão em favor da ambição. A realidade foi construída para um crescimento desordenado no qual a pessoa humana não foi levada em conta. Como o próprio Marx previra, o capitalismo – depois de conseguir o máximo de onde se instalou – iria em busca de novas oportunidades, novos povos, novas terras. Nos 1960, a América do Sul tornou-se cobiça internacional. Em relação à mobilidade urbana e interurbana, as grandes vítimas foram: os trens, os bondes e o Romi Isetta.

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sexta-feira, 7 de março de 2014

Um pequeno matador - Por Cecílio Elias Netto - Viver vive-se vivendo (11)

 
Um pequeno matador - Por Cecílio Elias Netto - Viver vive-se vivendo (11)
 
As almas são bordadas com filigranas estranhas. Nunca, talvez, haveremos de saber qual o segredo, mas é como se, ao abrir os olhos para o mundo – escapando do aconchego do útero – a criança já visse a história escrita por antecipação. Conforme a alma que recebe, tal será a sua caminhada.
 
Para escritores, os céus tecem almas de porcelana. Frágeis. Uma brisa pode transformá-las em estilhaços. E, de estilhaço em estilhaço, lá se vão essas almas construindo histórias pessoais.
 
Contei-o muitas vezes, conto sempre, mas parece, ainda hoje, não bastar-me conta-lo. E é como se o primeiro estilhaço de alma ainda me acompanhasse. E, então, lá estava eu, nos meus seis anos de idade, transformado em pequeno matador. Eu, matador – eis como me vi, como ainda me vejo. E, nas minhas mãos trémulas, um passarinho também trémulo, aquele tremor de medo ou de morte de que, ainda agora, não me esqueço. E, em minhas mãos, a mancha de sangue, gotículas apenas, mas o sangue da morte, o sangue do inocente.
 
Matei o passarinho. E de maneira tão gratuita e sem sentido e sem explicação que aquela morte me acompanha. O nome de um outro amiguinho meu, filho da lavadeira do Hotel Lago, era Zezo. Um dia, uma de nossas vizinhas – impaciente, infeliz, envenenada de seus preconceitos arianos – enxotou-nos do muro onde estávamos pendurados, talvez fugindo dos «bandidos» ou querendo encontrá-los.
 

domingo, 22 de setembro de 2013

Os «Anos Dourados» em Piracicaba (5): Quem «aconteceu?» Ora, «depois eu conto…» - «Acontecer» na coluna social era ser reconhecido socialmente - Por Cecílio Elias Netto

 
Os «Anos Dourados» em Piracicaba (5): Quem «aconteceu?» Ora, «depois eu conto…» - «Acontecer» na coluna social era ser reconhecido socialmente - Por Cecílio Elias Netto
 
«Acontecer», «depois eu conto»
 
Os verbos «acontecer» e «receber» – usados, por Ibrahim Sued, para identificar pessoas que eram notícia, que «aconteciam», ou que davam recepções, anfitriãs – foram assumidos, com o mesmo significado, por Mauro Vianna - Marco Aurélio. A influência de Ibrahim Sued era flagrante, mas o novo colunista de Piracicaba não fez, em nenhum momento, questão de dissimulá-la. Na realidade, era como se Mauro Vianna tivesse, assumidamente, querendo criar, em Piracicaba, requintes da «Corte» brasileira, então e ainda no Rio de Janeiro.
 
De repente, «acontecer» – isto é: simplesmente estar, freqüentar – no Café Haiti, na «calçadinha de ouro», no Clube Coronel Barbosa, no Clube de Campo passou a ser muito mais do que a simples e corriqueira alternativa, por falta de opções, de uma sociedade que estava mergulhada em sua monotonia, talvez num destino de marasmos conservadores.
 
Ir àqueles lugares passou a significar estar sob observação, ser alvo de juízos, de críticas. No dia seguinte, a simples passagem pelo Café Haiti poderia significar, no «Café da Manhã», um destaque, uma definição de personalidade e de elegância – ou significar o simples anonimato. De início e por longo tempo, intelectuais e pessoas ideologizadas diziam tratar-se de um elogio à vaidade, às futilidades.
 
O historiador e latinista Guilherme Vitti, em defesa do purismo da Língua, aborrecia-se do sentido dado ao verbo acontecer. O próprio Sebastião Ferraz – então diretor e um dos proprietários do «Diário de Piracicaba» – era avesso ao colunismo social.


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domingo, 11 de agosto de 2013

Reflexões no meu outono (XXII) - Cecílio Elias Netto - O centenário de Eduardo Fernandes Filho

 
Reflexões no meu outono (XXII) - Cecílio Elias Netto - O centenário de Eduardo Fernandes Filho
 
Cemitérios passaram a ser – além de «campos sagrados» – também sítios históricos. Neles, jazem o bandido e o herói, o anônimo e o celebrado, o sábio e o ignorante, na confirmação da admirável sabedoria dos livros sagrados: «Tu és pó e ao pó voltarás».
 
A verdadeira humanidade começou no dia em que o primeiro homem foi enterrado após sua morte. Antes disso, os mortos eram deixados pelo caminho, lançados em buracos, expostos e desprezados. Quando enterrou o primeiro morto, o homem começou a construir a humanidade a partir de sentimentos próprios apenas do ser humano: respeito, solidariedade, memória, consciência da dignidade da vida e do mistério da morte. Somos, os homens, os únicos animais que sabem haverão, um dia, de morrer.

Se, no entanto, todos nos igualamos pela implacável chegada da morte, há – durante a existência – homens e mulheres que se elevam em dignidade por seus feitos, conquistas, sabedoria, testemunhos de honradez, de fraternidade, de humanismo. Nos cemitérios – mesmo que enterrados ao lado de seus semelhantes e assemelhados – seus túmulos e jazigos são locais de reverência, de inspiração e de admirado reconhecimento.

Quem quiser conhecer uma cidade basta ir ao seu(s) cemitério(s). Povos civilizados sabem disso e criam como que panteões para aqueles que se destacaram não por sua fortuna, mas por suas virtudes, seus serviços à comunidade, seu amor à terra e ao povo. Ou por suas obras, sejam materiais ou espirituais.
 
Visitar cemitérios é o mesmo que ir a templos, espaços sagrados que contam a história humana. Quem souber beber do silêncio de cemitérios, olhar túmulos com os olhos da alma, sentir a espiritualidade que deles emana – quem souber fazê-lo ver-se-á enriquecido como ser humano. Não apenas pelo fortalecimento da noção de finitude, mas, em especial, pela história que pode ser ouvida e sentida a cada passo.


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sexta-feira, 12 de julho de 2013

Pedaço de pão e maçã - Autoria: Cecílio Elias Netto - Jornal A Província - Piracicaba - Viver vive-se vivendo (5)

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Pedaço de pão e maçã - Autoria: Cecílio Elias Netto - Jornal A Província - Piracicaba - Viver vive-se vivendo (5)
 
A frugalidade da vida, penso tê-la cultivado a partir da primeira infância. Eram frugais, os tempos. Não por virtude, mas por necessidade. A Guerra revelara a face cruel do existir: viver era apenas sobreviver. Não sei como, foi-me um aprendizado. Antes de viver, sobreviver. E, mais do que isso, sobreviver rapidamente para, então, usufruir da aventura da vida, da graça da existência. Aprendi, desde os primeiros dias, que a vida é dom. Chego próximo do fim acreditando nisso.
 
Carências podem matar ou estimular à criação. Os sonhos, penso eu, nascem de ausências. Quando se tem em abundância, não se sonha: farta-se, enjoa-se, não se aprecia. Se os tempos, neste início de terceiro milênio, são de esbanjamentos, de excessos, de emoções e de prazeres descartáveis, o mundo que conheci, a Piracicaba de meus olhares primeiros foram de necessidades, de miudezas. E de fome. Pois já havia a fome, maldição humana diante da perda do Paraíso.
 
A penúria tem o poder de transformar carentes em gourmets. Pequeninas coisas tornam-se tesouros. E são petiscos e comida de reis até mesmo as sobras que nos chegam à boca. Encontrar o sabor delas, aprender com isso, dessa experiência podem surgir gourmets. Pois os gourmands nem sempre saboreiam. Apenas comem. Piracicaba vivia na pobreza da Guerra, prazeres poucos, medos muitos. Viver com o não - ter, mais do que sobrevivência, foi uma arte.
 
 
 

 

domingo, 16 de junho de 2013

Dois monstros sagrados - Autoria: Cecílio Elias Netto - Jornal A Província - Piracicaba

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Dois monstros sagrados - Autoria: Cecílio Elias Netto - Jornal A Província - Piracicaba
 
Entre muitos outros grandes motivos, ninguém terá vivido em vão se viu e ouviu, nos palcos do país, monstros sagrados como Nana Caymmi e Maria Bethânia.
 
Nunca me queixei de amargores e amarguras da vida, que são muitos para toda a família humana. Se há problemas, isso é bom, pois problemas existem para ser resolvidos. O que se não pode resolver faz parte da aventura humana. E confundir simples contingências da vida com questões insolúveis é, no mínimo, imaturidade intelectual. E espiritual.
 
Desde cedo, aprendi que ter nascido foi um privilégio. Plantado no ventre de minha mãe, foi-me respeitado o direito de nascer. O depois – ou seja, a própria vida, a existência – não é direito, mas conquista. Ninguém tem direito puro e simples à felicidade. No entanto, a ninguém pode ser negado o direito de, legitimamente, ir em busca dela. Essa, certamente, é a grande aventura do homem, algo profundamente íntimo, pessoal, que resulta de suas escolhas. De qualquer maneira, porém, nascer é um privilégio, vir à vida é uma graça. Viver é aprendizado de sabedoria.
 
Mil vezes, acho eu, ao longo de minha carreira de escrevinhador, confessei que – fosse, eu, mais humilde – andaria de joelhos, tais os privilégios que me foram concedidos. Mas, também, conquistados. Escolhas equivocadas, paguei por elas e deixei-as no passado, como um jornal de ontem que não tem mais qualquer serventia a não ser para simples consulta ou embrulhar objetos.
Encontrei, na vida – e ainda os encontro – momento epifânicos, mesmo quando as borrascas pareciam insuportáveis. E, muitas vezes, deparei com o Inefável quando fui apresentado ao Nefando.





sábado, 4 de maio de 2013

Reflexões no meu outono - Trabalho, o custo humano - Autoria: Cecílio Elias Netto

 
Reflexões no meu outono - Trabalho, o custo humano - Autoria: Cecílio Elias Netto 
 
A formiguinha, acabrunhada, quase sem entender aquele paradoxo da vida, perguntou: «Você irá morar em Paris?» A cigarra, exultante, confirmou: «Sim, querida. Em Paris, mantida por meu amante.»
 
Toda vez que se reflete sobre trabalho – ou quando se comemora um dia para homenageá-lo e ao trabalhador – acabo por me lembrar da fábula de La Fontaine, sobre a formiga e a cigarra. Não a versão verdadeira, a dele. Mas uma outra, que surgiu – partindo da clássica – com uma reflexão moderna.
 
E é o seguinte. Como na versão clássica, a formiguinha trabalhava muito, esfalfava-se, cumpria todos os seus deveres, cansava-se, enquanto a cigarra ficava na folga, divertindo-se, indo a baladas, boêmia e preguiçosa. A cada inverno, lá se ia a cigarra pedindo abrigo e asilo à formiga que, generosa, lhos dava. E assim correu-lhes a vida. E assim passava-se o tempo.
 
Em certo inverno, a formiguinha ouviu baterem-lhe à porta. Ao dirigir-se para abri-la, pensou na cigarra, certamente com frio e com fome. E era mesmo a cigarra. Só que, vestindo um maravilhoso casaco de peles, com pérolas no pescoço, diamantes nos dedos. E, na rua, uma limusine com motorista. Toda feliz, a cigarra abraçou a formiguinha contando-lhe: «Amiga querida. Vim aqui para lhe agradecer tudo o que você fez por mim nestes anos todos. E, também, para me despedir. Estou indo para Paris, no jatinho particular de meu amante, com quem irei morar.»
 
A formiguinha, acabrunhada, quase sem entender aquele paradoxo da vida, perguntou: «Você irá morar em Paris?» A cigarra, exultante, confirmou: «Sim, querida. Em Paris, mantida por meu amante.» E a formiga: «Então, vou lhe fazer um pedido. Se você, lá, encontrar o tal de La Fontaine faça-me o favor de lhe dizer que eu o mandei para a p… que o pariu.»
 
 
 
 
 

 

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Reflexões no meu outono (I) - Retorno à trincheira - Autoria: Cecílio Elias Netto

 
Reflexões no meu outono (I) - Retorno à trincheira - Autoria: Cecílio Elias Netto
 
Piracicaba está assistindo ao plantio ganancioso, ilógico, descompromissado de couves. Há, ainda, uma elite pensante? Se houver, está cansada, amedrontada, acovardada.
 
Movimento é mudança. Os seres vivos movimentam-se. Logo, todos eles mudam. Pessoas, plantas, animais e – se bem pensarmos – também as pedras mudam, movidas pelos ventos e pelo homem, enfeitadas por ervas boas ou daninhas. Para o ser humano, mudança tem sabor de tragédia. Porque desestabiliza, tira sossegos, exige posicionamentos ou obriga a inércias. E, diante da tragédia inelutável, fica o desafio: o movimento promove mudanças para pior ou para melhor? Nesse cenário, há que se posicionar o homem.
 
Vi, quando menos esperava, meu universo pessoal ser, todo ele, invadido, agredido, violentado. Eram pobres moços, destruídos por drogas, sem qualquer noção moral. A eles submetido naquelas horas de perplexidade, não consegui vê-los como bandidos, nem como imorais. Neles, estava impressa a amoralidade de um tempo, de uma época. Os rapazes, fazendo-se agressores, não sabiam distinguir certo de errado, bem de mal, bom de mau. Foi-me uma experiência pessoal totalizante. Pois vivi a teoria na prática.
 
Algum tempo depois – e por longos meses – graves problemas abalaram-me a saúde. Foi uma longa e árdua luta. Mas resisti, ainda que com dificuldades que permanecem. Um dos meus médicos, com sua sabedoria oriental, me falou: «'O Criador ainda espera alguma coisa de você.» Pensei muito nisso. Não sei se é o Criador, se um compromisso que assumi perante a vida, se um destino. O fato é que me é impossível ficar alheio à minha terra e à minha gente. Retorno, pois, à trincheira, lembrando-me do que, com raiva, um ex-amigo – tornado feroz inimigo – costuma dizer: «Ele é como a Fênix. Quando se pensa que morreu, retorna.» Assim seja.
 
Diante de dificuldades e lutas – que, na verdade, foram momentos especiais de acerto de contas comigo mesmo – limpei-me de equívocos e entrei, por fim, na reta final que tanto procurei. E é um outro o papel que, agora, me reservou a vida. Não tão diferente de quantos já vivi. Mas mais maduro e, talvez, o definitivo.
 
 
 
 
 

 
 

sábado, 2 de fevereiro de 2013

Padrinho árabe e curueiro - Por: Cecílio Elias Netto - VIVER VIVE-SE VIVENDO (31)

 
Padrinho árabe e curueiro - Por: Cecílio Elias Netto - VIVER VIVE-SE VIVENDO (31)
 
Quando precisei de meus comprovantes de curso primário, não encontrei ninguém com o meu nome, confusão que me acompanhou pelo resto da vida. Eu era Toni, Toninho, como alguns parentes e amigos me chamam ainda hoje. E, na escola primária, não há nenhum Cecílio, mas um certo Antônio Elias. Esse era meu nome.
 
Disseram-me ter sido excesso de alegria de meu padrinho de batismo, o inesquecível Manoel Chaddad, entusiasmado por, finalmente, na família de Tuffi e de Amélia aparecer um homenzinho, o primeiro menino. Quatro meninas tinham-me antecedido: Marlene, Sally, Amely e Tânia, as duas últimas retornando ao infinito ainda pequeninas. E eu — chegando na manhã de uma véspera de São João, logo após Santo Antônio e aguardando São Pedro – mereci, segundo Manoel Chaddad e os alegres machos da família, um nome composto de todos os santos: Antônio João Pedro.
 
Há divergências quanto a isso. Dizem que Manoel Chaddad – depois de uma longa noite de cantorias de cururu, à minha espera – resolveu que meu nome seria apenas dos dois santos já celebrados no mês, Antônio (12 de junho) e João (24). O fato é que, nos documentos da Cúria, está um certo Antônio João, batizado naquela manhã do dia 23 de junho de 1940. Sou eu. Não se chegou a um acordo para colocar-se o nome Pedro. E como Antônio me matricularam no curso primário. O nome Cecílio estava esquecido num cartório de registro civil, como nascido em 24 de junho. Foi «bene trovato», apesar de «non vero» e assim ficou.
 
Não descobrirei, jamais, como meu pai pôde pagar os estudos de todos os filhos em escola particular, o então «colégio das freiras», o «Assunção». Era, até meados dos 1940, escola mista, ainda que meninas e meninos ficassem separados. Fui levado ao Externato São José. E nunca me esqueci de minha primeira professora, meu primeiro grande amor, mocinha ainda, recém formada: Romilda Casale.
 
As primeiras das muitas flores que roubei na vida, eu o fiz para deixar na mesa de dona Romilda. Cheguei antes do início das aulas, pulei a janela, deixei sobre a mesa dela. Minha prima, Ataly Petrocelli Sampaio, presenciou o desatino e contou para as freiras. Generosa, dona Romilda me olhou com carinho, acho que com compreensão. E eu, pobrezinho, não entendi toda aquela ternura, pois as freiras eram mulheres de uma severidade que, a meus olhos, as tornavam figuras de filmes de horror.
 
Para mim, sequer eram mulheres. Se me tivessem servido de modelo feminino, tenho certeza de que jamais teria vivido amores tão belos como os que vivi. A Irmã Rosa – a disciplinadora – tinha um buço tão acentuado que parecia ter bigodes. E batia nos alunos com os sapatos negros, como negros eram os hábitos das freiras, com uma que outra mancha branca, talvez para dizer que havia pureza naquele negrume todo. Nunca acreditei.
 
 
 
 

 

sábado, 5 de janeiro de 2013

Festanças e tradições caipiras - Autoria e Fonte: Cecílio Elias Netto (A Província - Piracicaba)

 
Festanças e tradições caipiras - Autoria e Fonte: Cecílio Elias Netto (A Província - Piracicaba)
 
O «fandango» teria sido herança dos mouros, havendo, ainda, quem afirme ser flamenga a sua origem. Uma dança profana na qual a viola é o instrumento fundamental.
 
Uma das festanças caipiras que começam a desaparecer, sobrevivendo apenas no litoral e sob outras formas, é o «fandango», cujas origens são controvertidas. Existente em Portugal e Espanha, o «fandango» teria sido herança dos mouros, havendo, ainda, quem afirme ser flamenga a sua origem. Uma dança profana na qual a viola é o instrumento fundamental.
 
Há o «fandango rufado - bailado» com batidas de pés e de palmas, que deve começar apenas após a meia-noite, encerrando-se por volta das três horas da manhã. E o «fandango valsado», conjunto de danças onde não há batidas de pés ou de mãos, mas o estalar de dedos como que imitando castanholas. São danças que chegam até o raiar do dia.
 
 Fenômeno caipira, no entanto, que desperta a atenção de historiadores e de estudiosos é o Cururu, como dança e como música. O Cururu Paulista ainda sobrevive no Vale do Tietê Médio.
 Cururu Paulista
 
 As origens do Cururu são, também, discutidas. Há divergências entre os folcloristas Câmara Cascudo e Alceu Maynard de Araújo. São Paulo, no entanto, adotou a tese de Maynard, que foi corrobada por outro folclorista de renome, João Chiarini. Segundo eles, o Cururu – dança e cantoria popular – sobreviveu de uma adança ameríndia usada pelos jesuítas para a catequese. Assim, seria mesmo dança paulista, diferentemente do Cururu de Mato Grosso que teria origens religiosas mas seguindo a «dança do sapo», pois «cururu» é o nome do sapo em língua tupi.
 
 
 
 

 

Cansaço das gentes - Por: Cecílio Elias Netto

 
Cansaço das gentes - Por: Cecílio Elias Netto
 
Por que as pessoas não mais assobiam nas ruas? E por que deixaram de conversar, de ver, de olhar, de ouvir?
 
Viver é um processo permanente. Só a morte o interrompe. E, mesmo assim, deixa consequências e provoca transformações nos que ficam. Vida, pois, é movimento. Que, no entanto, deveria ser harmónico, para não se confundir com o caos inicial. Logo, causas produzem efeitos. E estes se tornam causas de outros efeitos. E assim vai.
 
Há cerca de 30 anos, meu pai – conversando comigo na calçada – me chamou a atenção: «Filho, você já percebeu que ninguém mais assobia nas ruas?» Eu ainda não tinha percebido. Foi quando, então, me dei conta de que a musicalidade das pessoas estava sendo substituída por rugas de preocupação nos rostos, por ruídos que superavam outros sons, pela pressa, pelo perda do olhar. Pois, antes, pessoas caminhavam pelas ruas com mais calma e prazer – era o flanar por aí – assobiando músicas baixinho. E cumprimentavam-se e se diziam palavras agradáveis.
 
Estou querendo dizer que essa loucura absurda dos nossos tempos não aconteceu de repente e nem abruptamente. Resulta de um processo de perdas, de desleixos, de descuidados. Civilização é ordem e são regras. Quando as rompemos ou permitimos sejam rompidas, quebramos cristais. Gentilezas, delicadezas, pequeninas atenções, elegância nos gestos e nas palavras eram parte de um universo civilizado onde as coisas eram definidas: havia, sim, o bom e o mau, o bem e o mal, o certo e o errado. Até mesmo os tabus e preconceitos – que existiam, menos escondidamente do que hoje, quando ainda existem – eram importantes, desafios a ser vencidos, obstáculos a ser superados.
 
A pouco e pouco, pois, fomos descuidando do que pensamos fosse indispensável mas que, agora, sabemos ter sido essencial. Não há sociedade sem regras, a não ser essas que adoram e idolatram o mercado, onde tudo tem preço, incluindo pessoas. Mas será que tem valido a pena, mesmo com esse fantástico mundo tecnológico que, ao mesmo tempo, melhora a qualidade de vida e desumaniza o humano?
 
 
 
 

 
 

sábado, 24 de novembro de 2012

Coisas de «fazer bem», de «fazer mal» - Autoria e Fonte: Cecílio Elias Netto (A Província - Piracicaba) - Viver vive-se vivendo (10)

 
Coisas de «fazer bem», de «fazer mal» - Autoria e Fonte: Cecílio Elias Netto (A Província - Piracicaba) - Viver vive-se vivendo (10)
 
Neste início de século XXI, há, ainda, quem acredite em benzedeiras, benzeções, simpatias. Pode-se, então, imaginar como tenha sido naqueles já distantes anos 40, 50, até mesmo os 60 do século passado. Eram crenças que – diante do pragmatismo e da racionalidade fria que tomou conta do mundo – parecem bonitas.
 
Isto é: que, sendo lembradas e revistas, revelam a verdadeira beleza de um jeito, de um estilo de viver. Ora, todas as gerações falaram de tempos anteriores, que seriam melhores do que os do presente. Sempre foram melhores. Pois as dores são esquecidas e ficam quase que apenas as lembranças cada vez mais doces, como se a doçura delas aumentasse com o tempo que passa.
 
Piracicaba foi uma cidade de doçuras, um mundo onde crenças, superstições, lendas, mentiras contadas por gente adulta às crianças, histórias de carochinha e da beira-rio acabaram criando um universo por assim dizer mágico. Podia-se ir em busca do pote de ouro com a certeza de encontrá-lo. Eram tempos de parteiras, de benzedeiras, de rezadeiras.
 
Uma das mais famosas e respeitadas, em meados do século passado, foi, com certeza, dona Carolina Martins, a Carolina Benzedeira, também conhecida como Carolina do Inácio. Ela benzia verrugas, nó de tripa, vermes, lombriga, fazia partos, orientava as mulheres sobre higiene, saúde, prevenção de doenças.
 
Aqueles eram tempos, também, de coisas que «faziam bem» e de coisas que «faziam mal». Dona Carolina sabia de todos esses segredos e mistérios da vida. Havia coisas que «faziam bem» e ninguém, no entanto, falava delas. Namorar, por exemplo.
 
Sempre foi bom namorar, «fazia bem», mas os pais sonegavam a informação aos filhos, especialmente às filhas. «Fazia bem» comer banana com aveia. E «fazia bem» o insuportável óleo de fígado de bacalhau – a odiada Emulsão de Scott – que os pais, para horror das crianças, nos enfiavam boca a dentro. Uma colher de Emulsão de Scott, ainda que «fizesse bem» martirizava as crianças. E ai de quem vomitasse! Pois teria que tomar outra dose.
 
 
 Leia este tema completo a partir de 26/11/2012