Miguel Torga (1907-1995)
Letreiro
Porque não sei mentir,
Não vos engano:
Nasci subversivo.
A começar por mim - meu principal motivo
De insatifação -,
Diante de qualquer adoração,
Ajuizo.
Não me sei conformar
E saio, antes de entrar,
De cada paraíso.
Miguel Torga
Também nascida a 12 de Agosto...
BRINCADEIRA INOCENTE
A minha casa tem sofás de estender a ouvir música; tem o cheiro do perfume matinal que infiltro nos cabelos, cheiro de madeira húmida e de bolo quente. Tem paredes brancas e manchadas nos cantos pela chava que entra; velas quase queimadas nos jantares de mesa posta, que imitam os romances. Nas paredes da minha casa há quadros que eu gosto e quadros com meninos a tocar violino; há pó constante e impressões carregadas de infância. E há uma certa eternidade que combate o fim do mundo. A minha casa tem espelhos rectangulares que me assustam, e tem uma memória que respira enquanto durmo e toma conta de mim. A minha casa é minha, com livros do meu avô em Latim; com secretárias do meu avô em madeiras eternas; com a filha do meu avô em Mãe eterna; com cheiros vindos do século dezoito, com cores comtemporâneas dos meus filhos; com as árvores que lá fora sustentam os pássaros, para que depois a minha gata os esmague numa brincadeira inocente. A minha casa é eterna, se eu escrever a minha casa. E tem sofás onde me estendo a pensar em ti.
.
3 comentários:
cheguei agora e gostei da brincadeira inocente: um mimo delicioso
e agradeço e volto a erguer a taça do dia
À tua!
Enviar um comentário