Às vezes, encontro-me nas palavras dos outros. Mais raramente, nas minhas. Por pura coincidência. Em pura coincidência.
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27 de março de 2010
10 de julho de 2009
7 de novembro de 2008
É preciso não esquecer nada:
nem a torneira aberta nem o fogo aceso,
nem o sorriso para os infelizes
nem a oração de cada instante.
É preciso não esquecer de ver a nova borboleta
nem o céu de sempre.
O que é preciso é esquecer o nosso rosto,
o nosso nome, o som da nossa voz, o ritmo do nosso pulso.
O que é preciso esquecer é o dia carregado de actos,
a ideia de recompensa e de glória.
O que é preciso é ser como se já não fôssemos,
vigiados pelos próprios olhos
severos conosco, pois o resto não nos pertence.
Cecília Meireles
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8 de maio de 2008
Cantiguinha
Meus olhos eram mesmo água,
— te juro —
mexendo um brilho vidrado,
verde-claro, verde-escuro.
Fiz barquinhos de brinquedo,
— te juro —
fui botando todos eles
naquele rio tão puro.
Veio vindo a ventania,
— te juro —
as águas mudam seu brilho,
quando o tempo anda inseguro.
Quando as águas escurecem,
— te juro —
todos os barcos se perdem,
entre o passado e o futuro.
São dois rios os meus olhos,
— te juro —
noite e dia correm, correm,
mas não acho o que procuro.
Cecília Meireles, Viagem
7 de novembro de 2007
Cecília Meireles (1901-1964)
Encomenda
Desejo uma fotografia
como esta - o senhor vê - como esta:
Em que para sempre me ria
como um vestido de eterna festa.
Como tenho a testa sombria,
derrame luz na minha testa.
Deixe esta ruga, que me empresta
um certo ar de sabedoria.
Não meta fundos de floresta
nem de arbitrária fantasia...
Não... Neste espaço que ainda resta,
ponha uma cadeira vazia.
Cecília Meireles
7 de novembro de 2004
Cecília Meireles (1901-1964)
Canção
Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
- depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar.
Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre de meus dedos
colore as areias desertas.
O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio...
Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.
Depois, tudo estará perfeito;
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.
Cecília Meireles
Serenata
Permite que eu feche os meus olhos,
pois é muito longe e tão tarde!
Pensei que era apenas demora,
e cantando pus-me a esperar-te.
Permite que agora emudeça:
que me conforme em ser sozinha.
Há uma doce luz no silencio,
e a dor é de origem divina.
Permite que eu volte o meu rosto
para um céu maior que este mundo,
e aprenda a ser dócil no sonho
como as estrelas no seu rumo.
Cecília Meireles
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