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9 de junho de 2008




(Marcha fúnebre para uma borboleta pisada.)

Pobre borboleta morta
que se desfez num sopro
de poeira de asas!

Que ficou de ti no mundo?

O desenho de um voo
com rasto de pólen?

Um corpo caído
de cores mais inúteis?

Uma nódoa apenas
sem a grandeza da morte
- porque a morte é só humana?

(Quero lá saber!... O que me dói
é tudo ser borboleta morta.)


José Gomes Ferreira, Poeta Militante I

9 de junho de 2007


José Gomes Ferreira (1900-1985)

Acendi o fogão
mas continuo gelado
no dia mais frio do tempo
ou, se quiserem, do ano.
Outra pá de carvão
e sento-me ao piano
para aquecer os dedos
nas pequeninas chamas que saem das teclas
e desenham com sons de outro lume
o perfume a da solidão.

A música tem os seus segredos,
como o de trazer do centro da terra
o fogo misterioso
do frio em combustão.

José Gomes Ferreira, Poesia VI

j

10 de junho de 2005


José Gomes Ferreira (1900-1984)



Viver sempre também cansa!
O sol é sempre o mesmo e o céu azul
ora é azul, nitidamente azul,ora é cinza, negro, quase verde...
Mas nunca tem a cor inesperada.
O Mundo não se modifica.
As árvores dão flores,
folhas, frutos e pássaros
como máquinas verdes.
As paisagens também não se transformam.
Não cai neve vermelha,
não há flores que voem,
a lua não tem olhos
e ninguém vai pintar olhos à lua.
Tudo é igual, mecânico e exacto.
Ainda por cima os homens são os homens.
Soluçam, bebem, riem e digerem
sem imaginação.
E há bairros miseráveis, sempre os mesmos,
discursos de Mussolini,
guerras, orgulhos em transe,
automóveis de corrida...
E obrigam-me a viver até à Morte!
Pois não era mais humano
morrer por um bocadinho,
de vez em quando,
e recomeçar depois, achando tudo mais novo?
Ah! se eu pudesse suicidar-me por seis meses,
morrer em cima dum divã
com a cabeça sobre uma almofada,
confiante e sereno por saber
que tu velavas, meu amor do Norte.
Quando viessem perguntar por mim,
havias de dizer com teu sorriso
onde arde um coração em melodia:
"Matou-se esta manhã.
Agora não o vou ressuscitar
por uma bagatela."
E virias depois, suavemente,
velar por mim, subtil e cuidadosa,
pé ante pé, não fosses acordar
a Morte ainda menina no meu colo..."

José Gomes Ferreira

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10 de setembro de 2004

Chove...

Mas isso que importa!,
se estou aqui abrigado nesta porta
a ouvir na chuva que cai do céu
uma melodia de silêncio
que ninguém mais ouve
senão eu?

Chove...

Mas é do destino de quem ama
ouvir um violino
até na lama.

José Gomes Ferreira, Poeta Militante

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