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17 de junho de 2008




Já lentamente sofro a tua água, o sopro
da memória nas colinas.
deste-me um corpo, a casa
onde acordar o vento, e a terra, e a paz
desconhecida.
nesta cave de pele te implorei os dias
o óleo da manhã nas mãos desertas.
a cada instante me devora o gume
embotado da tua
luz sonora.

afasta do meu rosto a tua vã promessa. deixa
que seja brando o sono sem lembrança,
um chão de terra nua.
do teu jardim de chamas me despeço.

António Franco Alexandre, Visitação




17 de junho de 2006


António Franco Alexandre (1944)


deixo acesa, mas muda, a tv que derrama
uma luz submarina sobre a cama desfeita,
o corpo imaginado em que dormi.
Toda a noite esperei que me chamasse
a pancada das mãos numa mesa de galo,
ou do baralho gasto me saísse,
na lotaria universal, essa palavra incerta
quase a rimar contigo; e já
me esgueiro pelas frinchas da janela,
disperso na manhã leve e tranquila
como uma sombra mais incandescente.
Fora, a piscina do mar está lisa e fina
e apetece subir, pelas colunas de ar, ao céu
do deus desengonçado, ameaçá-lo
com a ignorância humana, a indiferença, a morte,
as coisas que não sabe nem pressente:
como um vampiro se não vê ao espelho,
como lobos vulgares são gente humana,
como os devora a imagem nunca vista,
como sempre se enganam a caminho
de um vago coração adormecido.


António Franco Alexandre

17 de junho de 2005


António Franco Alexandre (1944)



Syrinx, Ficção Pastoral (XVII)

Perdoa, não sabia que cantavas
Em sossego, silenciosamente. Neste calor
é preciso beber água gelada; também convém
não adorar ídolos, por exemplo a imagem
que aí trazes de ti e te atormenta
(ou me atormenta a mim?).
Outros exemplos incluem jardins de babilónia,
Erupções do etna, o efeito
afrodisíaco do diamante,
as ciências da educação.
Vou-me sentar aqui, respirar até doer
as coisas possíveis nunca reais,
aprender, nó a nó, como te soltas;
Vamos cair num poço, sem
bússola e pára-quedas, vamos ser o primeiro
amor a dois no mundo.

António Franco Alexandre

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