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domingo, 4 de dezembro de 2016

O POPULISMO COMO MISÉRIA IDEOLÓGICA.



                            De  GOYA : " O sono da razão cria monstros".

A vitória da Trump, as  eleições na Áustria e a força da srª Le Pen nas sondagens têm dado a dimensão de uma imensa  vozearia a uma alegada oposição à extrema-direita europeia, partilhada pelo complexo mediático dominante, pela intelectualidade do sistema, pelos partidos da direita alegadamente democrática e por uma parte desorientada dos partidos de esquerda.

De facto, esse coro heteróclito julgou  subir um degrau na  sua própria densidade teórica e deixou de chamar à extrema-direita aquilo que ela própria é  realmente : uma herdeira direta dos fascismos e uma via política reacionária e autoritária. Subtil, deu-lhe o rótulo de populista, limpando-a assim de uma penada de todas as  conotações nazi-fascistas que realmente são as suas. Ou seja, branqueamento!

E não se ficou por aí: esquecendo que a sua proeza teórica tinha sido apenas uma limpeza de imagem da extrema-direita, a matilha mediática e a grande luz sombria do pensamento instituído julgaram que tinham agora à sua disposição um rótulo sumário e insultante que podiam usar contra qualquer atrevido que ousasse sair do redil ideológico-político. Na mente líquida de tão apurado pirilampismo teórico desenhou-se um novo e luminosos caminho: também há populistas de esquerda!

No entanto, não foi  feita uma teoria política da alegada divisão em duas metades. Mais simplesmente, os neofascistas passaram a populistas ; as esquerdas que se revoltem passaram também  a fazer parte do novo âmbito conceitual, tornando-se também populistas.

Na luminosidade do seu intelecto, julgam assim neutralizar simbolicamente os recalcitrantes de esquerda, sem se darem ao trabalho de lhes inventariarem as razões e de as discutirem, cometendo assim a  canina mistificação de os meterem no mesmo saco com os neofascistas. Todavia, como estão desacreditados e deixam assim à  mostra a sua tacanhez, talvez nem consigam verdadeiramente desacreditar  os chamados populistas de esquerda. No que não falham  é no apagamento do seu lado mais negro  quanto aos chamados populistas de direita. 

Apanhando embalagem, vão mais longe: e assim  o “brexit” deixa de ser um resultado provocado pelo Partido Conservador  Britânico e passa a ser mais um artefacto populista.  E assim se escondem causas e culpas , deixando-se  na paz do senhor a política europeia desastrada, liderada nos últimos anos pelo Partido Popular Europeu e consentida  pela apagamento político do Partido Socialista Europeu.

Por tudo isto, a tarefa que cabe a quem confia na liberdade e na justiça e pugna pela democracia e pela igualdade não é inventar um espantalho, que realmente  não existe, para fingir que se lhe  bate furiosamente, mas combater o que realmente existe , ou seja,  a direita neofascista que, embora travestida, não perdeu a sua identidade nem esqueceu os seus desígnios.  Realmente, as esquerdas não podem julgar que, se consentirem ou forem cúmplices do agravamento das desigualdades sociais, da miséria e da exclusão, as vítimas de tudo isso continuem a confiar nelas, caminhando para a guilhotina com um conformado sorriso nos lábios, mas garantindo-lhes os votos enquanto vivas.

Por isso, ressalvando-se as justas boa vindas merecidas por futura reflexões, dignas desse nome, sobre o fenómeno histórico e variegado do populismo realmente existente, é urgente que aqueles que se querem de esquerda parem, de uma vez por todas, de continuar a desempenhar o papel de idiotas úteis ao serviço do ascenso da extrema-direita que dizem ( talvez com sinceridade) querer combater.

Quanto à direita confessa ou professa, há que desmascará-la sem grandes ilusões. Nunca devemos esquecer que o primeiro governo de Hitler, que não teve maioria absoluta, só foi possível porque uma parte da direita “democrática” alemã da altura se dispôs a apoiá-lo. É claro que não envolvo neste ceticismo os homens de boa-vontade que à direita pugnam pela democracia, mas não tenho qualquer ilusão quanto à esmagadora parte das suas expressões institucionais.

Numa palavra, a superficialidade e a burrice, em política, podem ser fatais..


sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

O suave caudilho


Os indícios de ontem não me enganaram. Acabo de ouvir na rádio palavras do candidato presidencial Fernando Nobre. Palavras destacadas pelo critério jornalístico da estação.

Lá disse o médico internacional que estava para lá do centro, da esquerda ou da direita, uma vez que valorizava a cidadania. Como se houvesse uma valorização genérica da cidadania que transcendesse a dicotomia esquerda/direita. Como se a esquerda e a direita valorizassem a cidadania nos mesmos termos. Na verdade, também neste caso me parece operativo o velho critério prático: quando alguém diz que não é de esquerda nem de direita, mostra que estamos perante alguém que sendo direita disfarça por manha o sentido das suas opções. Aliás, Nobre cortou a própria relevância de um centro ao recusar sequer admitir-se como tal.

Mas ou a sua argúcia política é limitada; ou então terá pensado à pressa. De facto, os extractos do seu discurso que a rádio difundiu, mostram com clareza um discurso anti-partidos, disfarçado pela habilidade de dizer que não é contra os partidos , é contra o sufoco partidário. De facto, quem assim se pronuncia está a dizer que a nossa democracia está sufocada pelos partidos, o que não sendo seguramente de esquerda está longe de espelhar as posições da própria da direita democrática. Se alguma coisa nos faz lembrar é uma deriva populista, de um populismo talvez suave, mas que, pelo facto de o poder ser, não deixa de ser populismo.

Noticiaram jornais de hoje que entre os mais entusiastas promotores desta candidatura estavam ex-apoiantes de Alegre que se afastaram dele pelo facto de não ter querido fundar um novo partido, a partir da sua primeira candidatura. Esses estranhos personagens , ontem auto-identificados como artefactos puros de uma esquerda sem mácula, absorvidos pelo paroxismo de uma radicalidade transviada desaguaram rapidamente num caldeirão difuso que, podendo vir a ser várias coisas, não terá decerto nada a ver com a esquerda, com qualquer das esquerdas. E, não sendo a lógica uma batata, se esses radicais se zangaram com Alegre, por ele não ter criado um novo partido e aparecem agora apoiando Nobre, isso parece significar que lhes foi prometido que a nova candidatura presidencial poderá vir a gerar um novo partido político.

Não bastava pois este “poujadismo” à portuguesa, este “qualunquismo” do século XXI, como marcas infelizes de uma iniciativa. Paira agora também sobre ela a hipótese de estarmos perante uma tentativa de aproveitar uma candidatura presidencial para constituir um partido populista.