De GOYA : " O sono da razão cria monstros".
A vitória da Trump, as eleições na Áustria e a força da srª Le Pen nas
sondagens têm dado a dimensão de uma imensa
vozearia a uma alegada oposição à extrema-direita europeia, partilhada
pelo complexo mediático dominante, pela intelectualidade do sistema, pelos
partidos da direita alegadamente democrática e por uma parte desorientada dos partidos
de esquerda.
De facto, esse coro
heteróclito julgou subir um degrau
na sua própria densidade teórica e
deixou de chamar à extrema-direita aquilo que ela própria é realmente : uma herdeira direta dos fascismos
e uma via política reacionária e autoritária. Subtil, deu-lhe o rótulo de
populista, limpando-a assim de uma penada de todas as conotações
nazi-fascistas que realmente são as suas. Ou seja, branqueamento!
E não se ficou por aí: esquecendo
que a sua proeza teórica tinha sido apenas uma limpeza de imagem da
extrema-direita, a matilha mediática e a grande luz sombria do pensamento
instituído julgaram que tinham agora à sua disposição um rótulo sumário e
insultante que podiam usar contra qualquer atrevido que ousasse sair do redil ideológico-político.
Na mente líquida de tão apurado pirilampismo
teórico desenhou-se um novo e luminosos caminho: também há populistas de
esquerda!
No entanto, não foi feita uma teoria política da alegada divisão
em duas metades. Mais simplesmente, os neofascistas passaram a populistas ; as
esquerdas que se revoltem passaram também
a fazer parte do novo âmbito conceitual, tornando-se também populistas.
Na luminosidade do seu
intelecto, julgam assim neutralizar simbolicamente os recalcitrantes de
esquerda, sem se darem ao trabalho de lhes inventariarem as razões e de as
discutirem, cometendo assim a canina
mistificação de os meterem no mesmo saco com os neofascistas. Todavia, como
estão desacreditados e deixam assim à mostra a sua tacanhez, talvez nem consigam verdadeiramente
desacreditar os chamados populistas de
esquerda. No que não falham é no apagamento
do seu lado mais negro quanto aos chamados populistas de direita.
Apanhando embalagem,
vão mais longe: e assim o “brexit” deixa
de ser um resultado provocado pelo Partido Conservador Britânico e passa a ser mais um artefacto
populista. E assim se escondem causas e
culpas , deixando-se na paz do senhor a
política europeia desastrada, liderada nos últimos anos pelo Partido Popular Europeu e
consentida pela apagamento político do Partido
Socialista Europeu.
Por tudo isto, a tarefa
que cabe a quem confia na liberdade e na justiça e pugna pela democracia e pela
igualdade não é inventar um espantalho, que realmente não existe, para fingir que se lhe bate furiosamente, mas combater o que
realmente existe , ou seja, a direita
neofascista que, embora travestida, não perdeu a sua identidade nem esqueceu os seus
desígnios. Realmente, as esquerdas não
podem julgar que, se consentirem ou forem cúmplices do agravamento das desigualdades sociais, da miséria
e da exclusão, as vítimas de tudo isso continuem a confiar nelas, caminhando
para a guilhotina com um conformado sorriso nos lábios, mas garantindo-lhes os
votos enquanto vivas.
Por isso, ressalvando-se
as justas boa vindas merecidas por futura reflexões, dignas desse nome, sobre o
fenómeno histórico e variegado do populismo realmente existente, é urgente que
aqueles que se querem de esquerda parem, de uma vez por todas, de continuar a
desempenhar o papel de idiotas úteis ao serviço do ascenso da extrema-direita
que dizem ( talvez com sinceridade) querer combater.
Quanto à direita confessa
ou professa, há que desmascará-la sem grandes ilusões. Nunca devemos esquecer
que o primeiro governo de Hitler, que não teve maioria absoluta, só foi
possível porque uma parte da direita “democrática” alemã da altura se dispôs a
apoiá-lo. É claro que não envolvo neste ceticismo os homens de boa-vontade que
à direita pugnam pela democracia, mas não tenho qualquer ilusão quanto à
esmagadora parte das suas expressões institucionais.
Numa palavra, a
superficialidade e a burrice, em política, podem ser fatais..