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quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Flexigurança e reforma das leis laborais.









Ontem, decorreu no Auditório da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra um interessante colóquio sobre as alterações à legislação laboral e sobre a flexigurança. A iniciativa pertenceu ao CES da Fac. de Economia , ao IDET da Fac, de Direito. Os principais impulsionadores da iniciativa foram os Profs. Jorge Leite (FDUC/IDET) e António Casimiro Ferreira (FEUC/CES).
A conferência de abertura foi proferida pelo Prof. Bruto da Costa, da Comissão de Justiça e Paz e da Fac. de Teologia da Universidade Católica. Falaram depois três destacados especialistas em Direito de Trabalho: Prof. João Leal Amado (FDUC/IDET), Prof. Júlio Gomes (UCP) e Profª Regina Redinha (FDUP), que escalpelizaram os aspectos mais controversos da reforma das leis laborais em curso, com os quais articularam a problemática da flexigurança.
A primeira sessão da tarde foi aberta pelo Prof. Silva Lopes com uma intervenção dedicada ao enquadramento económico das questões em debate. Falou depois a Profª. Sara Falcão Casaca (ISEG/SOCIUS) que abordou alguns aspectos da vertente sociológica dos problemas em análise. O Prof. António Casimiro Ferreira (FEUC/CES) explicou com detalhe o sentido e o alcance do conceito de flexigurança, tornando claro o que ele tem de velho e de novo, bem como o que significa a sua aplicação prática para os patrões e para os trabalhadores.
Na Mesa Redonda de encerramento, moderada pelo Prof. Jorge Leite (FDUC/IDET), participaram representantes dos parceiros sociais (CGTP, UGT, CAP, CCP, CIP). As centrais sindicais fizeram-se representar, respectivamente, por Carvalho da Silva e João Proença.
Correspondendo ao interesse do tema e à qualidade dos participantes, o Auditório tinha uma boa assistência, tendo havido uma significativa participação nos debates.
Mencione-se a circunstância de os dois membros da Comissão de reforma das leis laborais que recentemente se demitiram da Comissão (Profs. Júlio Gomes e António Casimiro Ferreira) terem tido uma relevante participação no colóquio.
Predominou entre os oradores um forte cepticismo quanto ao sentido das alterações às leis laborais que se perfilam no horizonte. Foi mostrada surpresa perante o facto de o PS, que foi crítico do actual Código do Trabalho, por considerar que, em alguns aspectos, era lesivo dos interesses dos trabalhadores, em vez de rapidamente ter revogado os preceitos que criticara, quando estava na oposição, inventou uma Comissão que parece querer levá-lo a agravar ainda mais aquilo que, para ele, eram já antes os defeitos do Código.
Estranhou-se, aliás, que tenha escolhido uma Comissão para elaborar uma proposta de reforma das leis laborais na qual integrou representantes de todas os parceiros sociais e de um amplo leque de orientações políticas, tendo imposto como regra de decisão a unanimidade. Ou seja, quando não houvesse consenso não havia alterações. Se realmente assim aconteceu, até um aluno da 1ª classe perceberá que desse modo o mau Código dos governos de direita nunca seria melhorado em nada, por proposta desta comissão. Diga-se, no entanto, que o Governo e a maioria parlamentar estão muito longe de estar obrigados a conformarem-se com o parecer da Comissão. Recorde-se que, num caso semelhante, um outro governo socialista, o Governo Guterres, não seguiu a posição da Comissão do Livro Branco da Segurança Social.
Ao longo, de toda a sessão os únicos defensores da flexigurança foram os representantes das organizações patronais. Os sindicatos foram críticos, a CGTP mais fortemente.
Foi recordado o particularismo dinamarquês, sem ter sido esquecido que desde que implantaram a flexigurança os sociais-democratas dinamarqueses, que estavam no poder praticamente sem interrupção desde o fim da 2ª Guerra Mundial, nunca mais venceram as eleições legislativas.
Ficou claro que a flexigurança é uma designação nova de práticas antigas e uma tentativa de implantar de imediato as alterações que oneram os trabalhadores, sendo deixadas para depois as medidas compensatórias. Ou seja, a flexigurança perfila-se como uma manobra ideológica de propaganda e de anestesia social, para tentar minorar ou iludir a resistência dos trabalhadores a medidas que os prejudicam. Nas circunstâncias actuais de Portugal, parece ser mais um embrulho susceptível de disfarçar uma rendição quase incondicional aos interesses dos patrões do que uma verdadeira estratégia política de concertação.
Na verdade, foi salientado que para ser viável um tipo de equilíbrio compensatório entre as duas faces da flexigurança é indispensável um alto nível de desenvolvimento, um alto nível de educação e de cultura, uma elevada taxa de sindicalização e uma experiência prolongada de concertação social que suscite confiança entre os parceiros sociais. Todas estas condições, reunidas na Dinamarca, estão ausentes de Portugal, pelo que quem honestamente quisesse implantar a flexigurança em Portugal deveria primeiro percorrer o caminho necessário para que fossem alcançadas em Portugal condições próximas das que a Dinamarca preenchia, quando seguiu por esse caminho.
E não esqueçamos que a flexigurança sempre terá de ser no essencial um pacto social estratégico e prolongado entre sindicatos e associações patronais, responsabilizando-se o Governo pelas políticas de protecção social a ela inerentes. Nunca poderá ser uma política governamental imposta aos trabalhadores com o aplauso dos patrões.
Por mim, como militante do PS, saí deste colóquio bem mais preocupado do que para lá entrei. Mas ainda espero estar a ser demasiado pessimista, quando admito a hipótese de um Governo do PS vir a piorar leis laborais que a direita já antes estropiou gravemente. E piorá-las, ironia das ironias, com base numa fé inexplicável nos lugares comuns da vulgata economicista , deixando-se arrastar para uma espiral de medidas, cuja lógica mais funda é o regresso ao capitalismo selvagem, pela via sacra do neoliberalismo.
Estou a exagerar? Talvez... De facto, eu não duvido das boas intenções deste governo, no plano psicológico e no plano ético. Mas duvido, e muito, da utilidade para o povo português em geral, para os trabalhadores, para os excluídos, para o país, de qualquer política subordinada à vulgata neoliberal, mesmo travestida de ciência económica.