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domingo, 30 de setembro de 2018

TANCOS ─ PERGUNTAS AUSENTES.



Todos nos recordamos da eclosão do estranho caso das armas desaparecidas em Tancos. Passado algum tempo, miraculosamente , as armas reapareceram. Todos os perguntadores mediáticos exerceram exuberantemente o seu ofício. Há poucos dias explodiu no espaço público um início de solução do mistério que banalizou  as mais ousadas imaginações quanto ao evento. Uma das polícias envolvidas ( a não militar) prendeu gente de outras duas (militares) , dentro de um pacote em que um civil aparecia como exceção. Um civil que afinal era, ao que parece, o alegado ladrão.
O espaço mediático foi sulcado por  uma profusão de especialistas de segurança, de generais na reserva, de discretos polícias, de argutos juristas , de irrequietos jornalistas e dos habituais bonzos de ideias gerais, que emaranharam diligentemente os fios da meada, de modo a tornarem o caso completamente indecifrável. Provavelmente, a realidade , teimosa como é, seguirá o seu caminho e acabará por se vir a mostrar aos nosso olhos, quando a confusão instalada se cansar como nuvem que  passe.
Num programa de promoção de um semanário de referência, ouvi um general na reserva, que desempenhou, quando ativo, cargos importantes na hierarquia militar, dizer que este estranho caso começou meses antes do roubo com um aviso anónimo feito ao Ministério Público de que estava a ser preparado um roubo de armas em larga escala. Indicou mesmo que esse aviso dera origem a um processo.
Gostaria de saber, ou como costumam dizer os mediáticos mais habilidosos: os portuguese gostariam de saber, se o MP informou o Ministro da Defesa, ou o Estado-Maior das Forças Armadas, ou o Exército, ou a Polícia Judiciária, ou a Ministra da Justiça, ou o Presidente da República. Alguém.
Se sim; o que fizeram os informados com a informação? Se não, porque razão o não fez? E já agora porque razão os perguntadores de serviço não fazem, não insistem nestas perguntas?
É que mais importante do que avaliar a segurança dos arames de proteção e a regularidade das vigilâncias  será certamente saber-se qual a razão pela qual, tendo havido alerta de roubo,  não foi feito nada para o evitar.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

A SOMBRA DAS PALAVRAS


O BP, conhecido oráculo económico com sede em Lisboa, leu a bola de cristal, que tão recatadamente utiliza, e decretou que em 2011 vai haver uma quebra no PIB português de 1,3% e em 2012 um crescimento de 0,6%. São palpites, seguramente doutos, mas que, muito provavelmente, serão, uma e outra vez, revistos em alta ou revistos em baixa. Sim, porque os oráculos económicos nunca reconhecem os erros de previsão em que incorrem, mesmo que repetidos. Na sua qualidade de infalíveis, não erram. Eles limitam-se a rever, em alta ou em baixa, as rigorosas estimativas( afinal, erradas) por eles feitas anteriormente.


Mas nem era disso que eu vinha falar. Vinha, sim, partilhar convosco um elucidativo exemplo de como se pode ser tendencioso sem formalmente se faltar à verdade. Eis o que aconteceu.


Chegaram as notícias numa estação televisiva. Um jornalista fluente debitou num discurso ágil as últimas notícias do carnaval económico em curso. E foi aí que se revelou, falando-nos da significativa quebra de 1,3% anunciada para 2011 pelo BP e da ligeira subida de 0,6, anunciada para 2012. Ou seja, para essa voz imparcial, na presente conjuntura, toda a quebra na economia portuguesa é necessariamente significativa e toda a subida é obrigatoriamente ligeira.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Jornalismo e justiça

Um amigo que respeito e admiro, J. Hipólito Santos, chamou-me a atenção, através do ciberespaço, para a degradação que, segundo ele, tem vindo a fazer decair um jornal diário tido como de referência, o “Público”. Sem que disso pudesse saber, convergia assim com uma opinião idêntica sobre o mesmo jornal que me havia levado há uns largos meses a deixar de o comprar e de ler. E, no entanto, eu fora leitor do
"Público" , desde o seu primeiro número.

E, como estímulo a uma posição que se deu ao trabalho de expressar junto do jornal, invocou um texto que leu no dia 29 de Agosto passado, nesse mesmo jornal, da autoria do José Augusto Rocha, reputado e brilhante advogado em Lisboa. Li o texto e vou transcrevê-lo na íntegra.

Nos idos anos 60 partilhei com o José Augusto Rocha, posições e lutas, tendo tido a honra de, tal como ele, ter sido expulso da Universidade de Coimbra (embora com pena mais leve), na sequência da crise académica de 1962. Quem participou nas exaltantes Assembleias Magnas de então, não pode ter esquecido o seu papel como orador vibrante e contundente, na defesa das posições dos estudantes e da Direcção Geral da AAC de que era a voz liderante.

A vida afastou-nos. Falámos poucas vezes, desde então. Há bem mais de uma dezena de anos que não nos encontramos.

É com emoção que reconheço, quase meio século depois, o mesmo vigor argumentativo do José Augusto Rocha, o mesmo entusiasmo inteligente, a mesma capacidade para se incomodar com o que lhe parece errado ou injusto, o cuidado de não se calar.

A transcrição que se segue traduz um juízo de valor positivo sobre a qualidade do texto, mas também uma homenagem a um amigo distante e a um irredutível combatente pela liberdade e pelo direito.


Eis o texto:


Caso Freeport ou um jornalista disfarçado de “assistente”
[30 de Agosto de 2010]


Ao constituir-se assistente no processo Freeport torna-se parte no processo e contamina o próprio jornal nessa posição.
Não foi sem escândalo da sua consciência cívica que muitos cidadãos, leitores do jornal PÚBLICO, tomaram conhecimento da constituição do jornalista José António Cerejo (ora em diante só JAC) como “assistente” no inquérito judicial ao caso Freeport e, na sua sequência, têm assistido a um intenso e sistemático tratamento, descontextualizado e segmentado dos documentos e informações nele produzidas, em peças publicadas em várias edições do jornal.
A iniciativa de constituição de assistente, em si e por si, e ainda pelas consequências que desencadeia, merece solícita atenção de denúncia e os artigos publicados um exame crítico urgente e inadiável, pelo seu significado de um jornalismo impróprio de um jornal de referência que é (foi?) o PÚBLICO.
A peça do jornalista, publicada na edição do PÚBLICO do dia 10 de Agosto, sob manchete de primeira página, “Investigação ao Freeport não ouviu autor de DVD que fala de corrupção”, foi a insuportável gota de água que fez transbordar a minha vigilância cívica contra atentados a elementares princípios de legalidade democrática e infracção a regras deontológicas irrecusáveis.
Permita-se uma abordagem dos dois planos destacados como objecto da nossa preocupação: o caso da constituição de assistente e as infracções assinaladas.
Em jeito de proclamação ou manifesto, o senhor jornalista, após ter sido denunciado num canal de televisão, veio informar que se constituiu “assistente” por “razões de interesse público,” mas que verdadeiramente o estatuto de assistente nada lhe interessa, antes e só viu naquele meio legal uma forma de, assim, instrumentalizar a lei e ter acesso privilegiado – fácil e integral – aos documentos do processo.
Faz ainda a menção importante de que solicitou prévia autorização à Direcção do PÚBLICO e que tem, assim, a sua aquiescência. No mais, são visíveis as dificuldades explicativas em explicar o que não tem explicação possível, a não ser a de assumir o protagonismo de escrever uma página negra na história do jornalismo português, como já de seguida veremos.
A primeira consideração a fazer é a de que JAC, ao constituir-se assistente no processo Freeport, sob prévia autorização da Direcção do PÚBLICO, torna-se parte no processo e contamina o próprio jornal nessa posição, transformando-o – ele próprio jornal – em agente processual interessado no jus puniendi dos inquiridos e em posição parcial e irreversivelmente desfavorável para de futuro comentar e informar sobre o caso, como se constata veio a acontecer.
A constituição de assistente em processo penal torna o assistente em auxiliar do Ministério Público na prossecução do jus puniendi em relação ao delito cometido. O assistente não pode estar no processo disfarçado de outra qualidade sobreponível ou não, no caso não pode estar no processo na qualidade de jornalista disfarçado e para aí vir a ter acesso privilegiado a documentos nele produzidos, com a exclusiva intenção de os vir a tratar num processo paralelo de comunicação social e sem as regras inerentes à sua produção e contexto processual, em manifesta posição de fraude à lei e a valores como o princípio da legalidade, com ancoragem no ordenamento jurídico-penal e constitucional.
O acesso aos documentos de um processo pela comunicação social é legalmente transparente e de acesso igual e não preferencial a qualquer jornalista. JAC, ao constituir-se assistente no processo para nele assumir o papel de intruso e espião da documentação produzida, instrumentaliza a lei e coloca em sério risco a credibilidade da legeartis do exercício da profissão e em situação de prejuízo e alerta judicial restritivo futuro os direitos dos jornalistas ao seu acesso, nomeadamente com a adopção de medidas legislativas que evitem os abusos de direito configurados por actuações tão anómalas como a descrita.
Como se isto não bastasse, o jornalista em causa tem vindo a escrever no PÚBLICO, com base nessa intervenção e nesses documentos, um conjunto de artigos tendenciosos e de manifesta ausência de formação de respeito pela legalidade democrática, pretendendo, com eles e à viva força, tornar arguido quem no âmbito do processo nem sequer foi constituído arguido e, por isso, está completamente inocente.
Vêm as considerações precedentes, a propósito de um dos últimos artigos publicados e acima identificado, onde estão grosseiramente em causa dois comportamentos indesculpáveis. O primeiro, refere-se, num desesperado desejo de incriminação de José Sócrates, à questão da nulidade absoluta do DVD gravado clandestinamente e onde, segundo um depoimento anónimo de “um juiz que acompanhou de perto algumas fases da investigação e um procurador-geral adjunto, que pediram para não ser identificados, manifestaram a opinião de que essa questão [a da não audição do seu autor] podia ter sido ultrapassada a bem da investigação”. Afigura-se inacreditável que um jurista possa, perante um documento de prova absolutamente nulo e, por isso inexistente no processo, defender e sugerir a maneira enviesada e de grave fraude à lei da sua indirecta relevância e que um jornalista de formação democrática possa ser o lugar e meio da passagem de uma mensagem tão lesiva da vida privada, promovendo-a numa peça jornalística de ampla divulgação.
A segunda infracção a reter é o facto de em matéria de tanto melindre o jornalista ousar atribuir uma opinião juridicamente tão grave e desvaliosa a uma fonte anónima de juristas tão qualificados, com isso infringindo normas essenciais da deontologia profissional de jornalista, sabendo os efeitos devastadores que a mensagem produzida pode ter, junto do público, nos direitos de personalidade do cidadão que se pretende atingir.
Existe em José António Cerejo uma atitude que subliminarmente se comove com as representações de legalidade do passado e as estridentes proclamações do interesse público, que invoca, confundem-se com as ressonâncias da arcana fórmula do interesse público totalitário do antigamente, omnipresente e de triste memória no “A Bem da Nação”. Cultiva-se, assim, aquilo a que se pode chamar uma envergonhada sobrevivência da “polícia”, que no caso sobrevive não obstante todo o descrédito.
JAC procura, no caso Freeport, um processo de uma selecção de informação e documentos e no ambiente próprio e privilegiado de comunicação, de que dispõe, a sua transformação em opiniões e mensagens políticas em relação a ele, num quadro em que os leitores não têm uma informação contextual e um envolvimento cognitivo suficiente e necessário de resistência a mensagens unilateralmente persuasivas, mesmo em relação a argumentos inconsistentes, com as suas predisposições culturais e políticas.
A emergência de uma opinião pública do público, pelo público e para o público só se alcança a partir do reconhecimento da necessidade de apoiar a diversidade de opiniões, de forma a proteger o dissenso e a assegurar de forma permanente a riqueza do debate público. Subjacente a este entendimento está uma valoração positiva do pluralismo e da dialéctica da diversidade, porque só assim a esfera do discurso público pode ser desinibida, robusta e amplamente aberta.
Ao intervir neste debate, faço-o com a exclusiva preocupação de diurnamente actuar a promessa encerrada na letra e espírito do ordenamento jurídico-constitucional e ser o eco do grito de alarme contra as perversões da legalidade democrática e dos direitos de cidadania, sob qualquer forma de violação que assumam. É uma actividade cívica de tensão e intenção, um trabalho simultâneo de Prometeu e Sísifo. Sim, porque são comportamentos como os descritos que não raro conduzem às “aberturas de horror” e a processos sociais de clivagem onde contra o desespero não há medicina que impeça o recurso aos feiticeiros.


[José Augusto Rocha, Advogado “Público” 29 Ago 2010]

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Público - o imenso adeus


No site do Público de hoje, li um relato detalhado sobre projectos de engenharia assinados por José Sócrates, entre 1987 e 1991. Incluem alguns pormenores desqualificantes para o visado, com embrulhadas referências a censuras que lhe terão sido feitas por uma autarquia dirigida pelo PS. [ O jornal reconhece pelo menos que os "malandros" dos socialistas não trocam apenas entre si palmadinhas nas costas ]

Se o Público fosse um escarafunchador sistemático de toda a vida profissional de todos os políticos que tivessem desempenhado funções importantes neste país, talvez não tivesse leitores, mas revelaria um a atitude imparcial que nunca se poderia confundir como uma fixação persecutória.

Ora, sendo eu leitor do Público desde o seu primeiro número, sei que não é isso que acontece. Ele tem um reduzido leque de alvos. De facto, esse ex-jornal de referência, que tem vindo a conhecer uma deriva continuada rumo a uma tabloidização selectiva, tem porfiado num ataque sistemático ao actual ao primeiro-ministro, ao seu governo e ao PS.

Mas José Sócrates já tinha sido enlameado por vários lados, nomeadamente, pelo que hoje foi retomado, quando ganhou as eleições. O Público pode não ter gostado, pode achar até que se devia substituir o povo que somos por aquele que o jornal do Senhor Engenheiro gostaria que fossemos, mas tem que ter paciência. Para a próxima talvez ganhe um candidato mais ao seu gosto. Faça o seu trabalho, mas não se confunda a si próprio com um rafeiro tomba-governos, até para não engrossar o pelotão de tontos que querem derrubar o Governo, mas não sabem quem podem pôr no lugar dele.

É certo que até há neste episódio um elogio involuntário a José Sócrates. Realmente, o circunspecto periódico não encontrou nada de mais actual para combatê-lo do que um folhetim de umas obras assinadas por si há mais de vinte anos, quando ele estava ainda muito longe de vir a ser governo, e destinado a penar nas bancadas da oposição, durante mais uma legislatura completa.

Tenho vindo a resistir nos últimos tempos a recorrentes impulsos de deixar de comprar um jornal que tenho comprado todos os dias desde a sua fundação. Mas o episódio de hoje, que até talvez nem seja muito significativo, foi aquela pequena gota que fez transbordar o copo cansado da minha paciência.

A partir de hoje, o jornal português Público não será mais comprado por mim, juntando-se ao lote de periódicos que nunca compro. Pelo menos, enquanto não me cansar do meu cansaço, se me cansar...


Resta apenas a fraca consolação simbólica de haver um jornal espanhol com o mesmo título bem mais legível do que o seu predecessor português.

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Governo de Jornalistas


Aqui vai, com autorização sua, mais uma crónica do J.L.Pio Abreu, publicada como mais um afloramento do seu Estranho Quotidiano, que desta vez assumiu, no Destak de 25/2/2010, o rosto de uma proposta muito peculiar, um

Governo de jornalistas.


Depois do que tem acontecido, dei por mim a pensar no que seria um governo de jornalistas. Os governantes seriam conhecidos, quase íntimos, já que nos entram todos os dias pela casa dentro. O contacto diário com os cidadãos permitiria explicar e fazer aceitar as suas políticas. Nem teriam oposição, pois esta só poderia transmitir as suas mensagens através dos jornalistas, ou seja, através do governo.

Dir-se-á que os jornalistas são plurais nas suas opiniões e, por isso, não formariam um governo homogéneo. Mas o que se vê é que facilmente se põem de acordo uns com os outros. Defendem acima de tudo a liberdade de dizer o que lhes apetece sobre quem quiserem, um direito que lhes assegura a eficácia, pois qualquer opositor se pode transformar em bode expiatório.

Um governo de jornalistas podia poupar recursos. Trataria da saúde pela televisão, como se fez com as epidemias de gripe, e faria uma telescola que dispensasse os professores. O pesado e dispendioso aparelho de justiça seria substituído pelos julgamentos públicos sumários. Teriam apenas de manter polícias que fizessem escutas e outras invasões da privacidade, e talvez uns magistrados que escrevessem obras de ficção com impacto popular.

Um governo de jornalistas só teria um problema. Como eles não fazem auto-crítica, não diriam mal do governo, arriscando-se a ficar sem audiência. Sem audiência não teriam emprego e, portanto, não haveria jornalistas para formar governo. Ou seja: um governo de jornalistas tornaria impossível a existência de um governo de jornalistas.

[J. L. Pio Abreu]