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terça-feira, 4 de junho de 2013

DESIGUALDADE E CRESCIMENTO



A bárbara agressão,  contra os trabalhadores, a classe média e os excluídos, perpetrada pelo neoliberalismo,  por intermédio do capital financeiro e dos seus sequazes, tem procurado buscar alguma legitimidade, alegando estar a seguir os ditames de uma infalível ciência económica, objectiva e neutra. Obedecer ao que é de facto um verdadeiro esoterismo numerológico seria afinal garantir, a longo prazo, a melhor solução; que, pela sua exclusiva conformidade com a ciência, seria afinal a única possível. O breve texto que a seguir transcrevo contribui muito para desmontar  essa mistificação. Por isso, as instâncias  de poder do capitalismo financeiro internacional podem ainda reproduzir como autómatos as vulgatas ideológicas do neoliberalismo; mas fazem-no já como espectros de uma ideologia que a realidade tornou  obsoleta. 

Desta vez, achei que devia traduzir o referido texto, para que todos o possam ler sem serem embaraçados pela  barreira da língua. O texto foi publicado no jornal italiano  Repubblica (31 de  maio de 2013), sendo seu autor o jornalista Roberto Petrini . Trata-se de um comentário a uma recente descoberta do economista norte-americano Joseph Stiglitz, nome sobejamente conhecido que se tem imposto pelo rigor e desassombro crítico. O título alerta-nos desde logo :"A desigualdade mata o crescimento: eis a demonstração de Stiglitz". E acrescenta-se  de imediato:
"Com o teorema de Stiglitz foi infligido outro duro golpe à ortodoxia neoliberal dominante nos tempos da grande crise: se o índice de Gini ( ou seja, o indicador que mede a desigualdade) aumenta, o “multiplicador” dos investimentos diminui e assim o PIB abranda. Eis porque razão".
Segue-se depois o texto:


"É a desigualdade o verdadeiro “killer” do PIB. Nos países onde os ricos são cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres o produto interno bruto marca passo e às vezes cai. Nas nações onde existe uma grande “middle class” , pelo contrário, a prosperidade aumenta. O Prémio Nobel Joseph Stiglitz rompe com as demoras  e formaliza num verdadeiro teorema, como ele próprio o define, a síntese dos estudos que dirige há anos.

A ocasião para serem apresentados os extraordinários resultados da investigação de Stiglitz, numa espécie de antestreia mundial, é a convenção organizada em roma pela SIEDS ( la Società italiana di economia, demografia e statistica), iniciado ontem (30 de maio de 2103), onde o Prémio Nobel enviará as considerações conclusivas, escritas a quatro mãos com o seu próximo colaborador italiano da Università Politecnica delle Marche, Mauro Gallegati.
Assim o “mainstream” é posto a um canto. O teorema é claro e luminoso como uma fórmula química ou um relação física: se índice de Gini ( ou seja, o indicador de desigualdade inventado por um economista italiano, Corrado Gini) aumenta, logo aumenta a desigualdade, o “multiplicador” dos investimentos diminui e portanto o PIB trava.
A equação de Stiglitz arrisca-se a ser o terceiro golpe nas posições da teoria económica dominante agora vacilante. O primeiro, dado há alguns meses, foi aquele que pôs em causa o 2dogma2da austeridade: o FMI na verdade calculou que o corte do deficit num ponto percentual reduz o PIB em dois e não apenas  ̶  como se cria até hoje  ̶  em meio ponto percentual. O outro golpe desajeitado foi aquele que desmontou, desmascarando um erro “Excel”, a teoria da dívida de Rogoff e Reinhard, segundo a qual para além dos 90 por cento na sua relação com o PIB ela levaria inevitavelmente à recessão.


Mas o novo assalto de Stiglitz arrisca-se a ser ainda mais perigoso para as teses do “status” económico. A desigualdade, de facto para o Prémio Nobel, fere profundamente o PIB, não só através da queda dos consumos mas também porque o sistema é “ineficiente” se prevalecem rendas e monopólios. “Frequentemente a caça ás rendas  ̶ concluem Stiglitz e Gallegati  ̶  comporta um verdadeiro esbanjamento de recursos que reduz a produtividade e o bem-estar do país”.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

DERIVA LIGEIRA A PROPÓSITO DA IGUALDADE e um despropositado requerimento



Eles sabem que nós sabemos que eles sabem que as tretas de alguns notáveis filósofos mansos sobre a igualdade não passam, salvo o devido respeito, de rodriguinhos mentais destinados a embrulhar as vítimas das desigualdades num mar de confusões, que as impeça de ver de que lado está e como funciona a injustiça que as vitimiza.

Posso admirar a inteligência, a subtileza intelectual, a precisão discursiva, a agilidade vocabular de quem se ocupa denodadamente a fazer-nos esquecer que continua a funcionar em pleno a fábrica de desigualdade que é o capitalismo ( Os capitalistas ainda se zangam comigo. Como posso estar sempre a falar de uma coisa que não existe ?). Para isso, eles guiam-nos generosamente através de um labirinto de conceitos e de palavras que escorrem pela realidade como geleia . Escondendo-a, para a deixarem intacta. Ou quase intacta. Ou muito mais intacta do que ficaria se nos falassem, mesmo sem subtileza, das causas das coisas.

Por isso, prefiro a palavra simples da revolução francesa: igualdade. Sem enfeites, sem retoques, sem embustes, sem talvez, sem mas todavia. A palavra nascida nas ruas de sofrimento dos explorados, a palavra regressada em todas as revoluções, a palavra perdida na garganta dos pobres.

É nessa medida que venho respeitosamente requerer a todos os imensos vultos de todas esquerdas, mesmo das que se mostram por vezes excessivamente doces, mesmo das que se mostram por vezes excessivamente loucas; dirigindo-me também a todos os partidos que se consideram de esquerda, sejam eles imoderadamente moderados ou alucinadamente extremistas, para que nunca mais recorram a essa prisão subtil da igualdade, a essa sua esterilização arguta, a essa melíflua negação da luta pela igualdade, que é o sarcófago ideológico habitualmente designado por : " igualdade de oportunidades".

sábado, 12 de julho de 2008

Portugal, Europa e desigualdade



O gráfico que acima se reproduz reporta-se a 2004, ano em que Portugal era dirigido por um daqueles governos de direita que sempre se consideram fiéis depositários de uma nutrida competência na gestão da coisa pública.

Portugal surge aí, com larga vantagem, como o triste campeão da desigualdade. E devemos perguntar: os inefáveis bonzos de Bruxelas acharam por bem censurar-nos por tão deplorável proeza ? Dispõem de algum programa próprio para ajudar os países da União a combater essa grave disfunção social?

É claro, que nem uma coisa nem outra. Não se conta entre os seus objectivos o combate a esse aleijão social. Têm outras prioridades. Estão ali com outras funções. De facto, se virmos bem, o que têm feito é procurar manter, e não combater, a desigualdade, já que só assim podem salvaguardar verdadeiramente os privilégios que consubstanciam o modelo sócio-económico a que são fieis e que diligentemente guardam.
Realmente, eles são os guardas fiéis da Europa tal como ela é, cabendo-lhes activar uma ilusão de mudança em tudo que não belisque o essencial do capitalismo reinante: modificar vertiginosamente o que é secundário, para impedir que seja demasiado ostensiva a conservação do essencial.

Na verdade, a pobre convergência em três tópicos não se destina a encorajar o desenvolvimento humano da Europa, nem o bem estar dos europeus, mas apenas a manter o essencial do sistema vigente, se possível desembaraçado das cedências sociais e políticas, que em tempo de guerra fria julgou ter que fazer, mas que acha agora supérfluas.

Ou seja, quando olhamos para o quadro acima transcrito vemos uma Europa injusta. Entretanto, as carpideiras da história choram pelas vítimas dessa injustiça, lamentando a sua inevitabilidade, convidando-nos a aderir ao alegado realismo da resignação.Um realismo que para alguns é a chave do paraíso, mas para muitos é a porta do inferno. Um realismo que uns tantos se esforçam por blindar com o imaginário perfume da ciência.

Desde sempre , ao longo da história alguns se bateram para não perder privilégios e muitos se não conformaram com as vidas de miséria com que pagavam o conforto dos outros. O discurso do conformismo quanto ao essencial não é por isso novo. Tem uma longa tradição conservadora a precedê-lo ao longo da História.


Enfim, uma velha ladainha apologética do status quo que se esparrama pela comunicação social , com a sôfrega determinação de inculcar a ilusão que o mundo é como é, não havendo como mudá-lo.

No entanto, têm vindo a acumular-se os sinais de que, nem o mundo nem a Europa, podem realisticamente aspirar a uma vida longa e a um futuro que possa ser vivido, se durante muito mais décadas o capitalismo, continuar a reproduzir -se, na constância da sua gula predatória, numa desfilada vertiginosa para a inviabilidade democrática do dualismo social. Um dualismo, aliás, que alguns dos seus beneficiários estruturais nos querem fazer crer que é inevitável.

Por isso, é cada vez mais indispensável colocar, pelo menos ao nível dos itens do pacto de estabilidade, a construção da igualdade. De facto, não é possível vivermos numa democracia, de que nos orgulhemos, se continuarmos amarrados ao nível de injustiça, onde estávamos em 2004 e do qual duvido que já tenhamos, realmente, escapado.

Exijamos pois , para bem dos portugueses e dos europeus, que a nossa Europa seja também espelho de valores socialistas. Nomeadamente, da igualdade.

Sem isso, todos os êxitos parcelares ou circunstanciais de qualquer governação, estarão permanentemente vulneráveis, correndo o risco de se transformarem em cinza se continuar a pairar sobre todos nós a grande vergonha da desigualdade, acima ilustrada com amarga eloquência.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

A balança torcida: desigualdade e gestão



Um gestor de referência, com passagem altaneira pelo Olimpo da política, anunciou estratégias de internacionalização da sua empresa, um ex-serviço público convertido numa simples máquina de fazer euros. Como um Átila do século XXI, desenhou a expansão irresistível da sua empresa, país após país, numa sofreguidão de continentes.


O seu sorriso plano e impessoal brilhava na exuberância dos resultados.

Um incauto jornalista, ainda não devidamente polido, preocupou-se com o detalhe, sem importância de ter sido decidido pelos administradores dessa empresa um aumento a si próprios de mais do que 100%. Aumento particularmente esotérico, tendo em conta os modestos aumentos concedidos, na mesma circunstância, ao comum dos trabalhadores dessa mesma empresa. Aumento estranho, aliás, à luz da recomendação geral de que aos portugueses cabe apertarem corajosamente o cinto, para sofrerem solidariamente as dificuldades do país.

Luminoso, o gestor de referência deu displicentemente a chave do enigma: " Isso não é relevante. O que é relevante é o lucro que os super-aumentados geraram com o seu “trabalho” no bolso dos accionistas".

Estranho critério: o trabalho do punhado de dirigentes recebe a medalha de mérito de um super-aumento, mas o trabalho do comum dos trabalhadores da empresa recebe o modesto afago de um aumento esquelético.

E toda a gente adormeceu sobre este escândalo como se tivesse ocorrido uma trivialidade justa. Mas não foi o caso. Pelo contrário, sublinhou-se uma das raízes da verdadeira crise que assola a sociedade portuguesa: a desigualdade de repartição dos frutos do processo produtivo entre o trabalho , por um lado, e o capital, por outro ( incluindo neste, naturalmente, as despesas com os capatazes ). Veio assim à superfície o carácter injusto e imoral da lógica que move acontecimentos como aquele que acima se referiu.


E não se trata de um eco natural de uma suposta "natureza das coisas". Trata-se de uma vergonhosa injustiça. Não se trata de uma repartição justa dos frutos do trabalho de todos. Trata-se do sobre-pagamento de alguns, à custa do sub-pagamento de muitos. Trata-se de uma involuntária revelação da lógica de repartição inerente ao sistema vigente.


Na verdade, o iluminado gestor que revelou o aleijão apenas agiu nestes termos, por estar em posição de o fazer, por delegação voluntária do poder feita pelos donos do capital, que evidentemente não lhe teriam deixado sorver a gostosa fatia, se não tivessem assegurado uma bem mais apetecível.

O iluminado chama-se Mexia, mas podia ter outro nome qualquer. Se alguém ainda duvida da injustiça estrutural que inquina o tipo de estruturação económica das sociedades actuais, tem aqui um elemento de persuasão que o deveria esclarecer em definitivo.
( A imagem acima incluída foi retirada do blog Khyos.)