Li hoje no blog, Politeia, do meu estimado amigo J.M. Correia Pinto um texto intitulado : « O Compromisso Histórico, Jardim e a Situação Política Portuguesa [O Que Faz Falta].»
O tema, que também eu glosei em “O Grande Zoo”, é o da apologia do compromisso histórico, feita recentemente por A.J. Jardim. No seu texto, Correia Pinto identifica como denominador comum de todas as oposições o que ele considera ser uma justificada rejeição de Sócrates. Nisso, parece convergir no essencial com o sentido da acção de todas elas.
Devo dizer que não apoiei Sócrates em nenhuma das eleições internas que o conduziram à liderança do PS, e depois nela o confirmaram. As minhas posições críticas estão bem identificadas nos documentos políticos que sustentei publicamente no quadro dos Congressos do PS. Faço parte da Comissão Nacional e da Comissão Política do PS, por força dos votos que a moção vencida obteve no último Congresso. Dito isto, quero sublinhar que estou muito longe de partilhar a posição acima mencionada, embora concorde com Correia Pinto, quando ele se mostra convencido de que o PS não cederá às pressões externas para substituir o seu actual Secretário-Geral.
Tal como não me imagino a pretender participar na indicação de quem deve liderar o PCP ou o PSD, também não concebo que se tenha a ilusão de que se pode ditar do exterior do PS quem o deve liderar. Provavelmente, em próximas eleições internas continuarei a estar num lado oposto ao de Sócrates, mas sou frontalmente contra qualquer tentativa de o remover da liderança do PS, por força de pressões exteriores, sendo claro que contra tal hipótese combaterei firmemente. Se quiserem derrubar o actual primeiro-ministro, ou formam um governo de unidade das oposições, ou fazem novas eleições. O PS nunca indicará outro primeiro-ministro sem novas eleições e está longe de ser provável que o fizesse, na sequência de novas eleições que viesse a ganhar.
Não vem, neste momento, ao caso uma discussão aprofundada quanto a esta questão. Por isso, passo ao que me levou a elaborar este comentário, e que não foi essa possível troca de ideias, mas o significado objectivo da parte do texto de Correia Pinto que vou transcrever de imediato:
“Há na acção dos quatro partidos um denominador comum que nesta legislatura já serviu, por mais de uma vez, depois de negociações verdadeiras e próprias, para derrotar o Partido Socialista. E esse denominador comum é a rejeição absoluta e completa de Sócrates como chefe do governo. Os quatro partidos podem não ter condições políticas para o destituir neste momento, mas sabem, e com eles a maioria da população, que Sócrates é hoje uma fonte permanente de problemas e de crispação da sociedade portuguesa. (… ) E não há igualmente dúvidas para ninguém que Sócrates e a sua gente – e por arrastamento o Partido Socialista – constituem hoje o grande problema do país. Em todos os domínios. Primeiro que todos, o da credibilidade, e depois Sócrates é um factor permanente de agravamento do défice e da divida, da situação política, económica, financeira e social do país.
Há assim uma inequívoca convergência nos partidos políticos da oposição e da maioria dos portugueses no sentido da rejeição de Sócrates. Só que, para governar, é preciso muito mais do que isso. É preciso um acordo de governo.
Não seria impensável um acordo de governo por três anos baseado em metas claras e acções concretas, negociadas ano a ano, com prevalência para a criação de emprego, apoio social, cessação do programa de privatizações, suspensão dos investimentos inúteis ou desnecessários nos próximos anos, ataque generalizado ao despesismo e ao desperdício e por ai fora.
Não seria impensável conversar sobre o assunto. Explorar as suas potencialidades.”
Como é fácil de ver, a partir do que tenho escrito neste blog, não partilho a perspectiva que suporta as ideias deste extracto. No entanto, acho que seria positivo que essa coligação “canguru” fosse governo. Por mim, defenderia que o PS deveria ser uma oposição clara e firme a esse governo, estando certo que o evoluir dos acontecimentos se encarregaria de decidir de que lado estava o futuro entre esses dois campos. E se ele ia identificar com a esquerda, que virá a ser, o PS pecador, mas em oposição a um governo liderado pela direita, ou os virtuosos BE e PCP, mas coligados num governo com dois partidos de direita.
Dito isto, chego ao cerne da razão por que fiz esta transcrição. Fi-la porque acho um facto, objectiva e exemplarmente, significativo que alguém com a inteligência e a sagacidade políticas do Correia Pinto, intelectualmente independente e honesto, admita a hipótese dessa coligação, apesar de ser céptico quanto à sua viabilidade prática. E acho isso significativo, nomeadamente, por mostrar que, quando eu próprio, conquanto num registo crítico, admito essa mesma coligação, não estou a ser insultuoso para o BE ou para o PCP. Estou apenas a mencionar uma das possíveis estações futuras do caminho que têm trilhado as oposições de esquerda, e que até qualificados expoentes dessa área política encaram como concebível.
São muitas e vêm de longe as raízes da diferença de posições que se reflectem no que aqui está em causa. Uma me parece ter apreciável relevo: os partidos da oposição de esquerda colocam no primeiro plano o combate ao Governo e num plano secundário a luta anticapitalista. Daí que não hesitem em aliar-se à direita contra o Governo, deixando assim que os objectivos tácticos da luta contra um governo corrompam o que deveria ser o seu objectivo estratégico do combate ao sistema.
É precisamente por isso que a minha crítica à actual direcção do PS tem contornos muito diferentes dos que subjazem à das oposições. De facto, identificando-me eu com uma estratégia reformista de saída do capitalismo, o que implica um processo longo, mas a presença permanente como horizonte de uma visão alternativa de sociedade, não posso desconsiderar os prejuízos causados a esse processo, por qualquer complacência em face do economicismo neo-liberal. Complacência que tem inquinado a política deste governo e que muito o tem enfraquecido politicamente.
Mas também não me posso identificar com um exacerbar de crispações tácticas tão absorvente como o que tem caracterizado as oposições de esquerda. É que, desse modo, elas acabam por se alhear, ideologicamente, de qualquer tonalidade anti-capitalista que pudesse impregnar a sua luta, sacrificando-a no altar de uma sofreguidão imediatista no combate ao governo.
De facto, a própria ideia de uma coligação “canguru”, concebível, a partir da lógica que tem impregnado o comportamento político das oposições, conduzirá necessariamente, em si própria, a uma subalternização estratégica da sua componente de esquerda, em face da sua componente de direita. Podemos pois dizer que se trata de uma escolha que, objectivamente, implica, por si própria, uma subalternização da estratégia em face da táctica.
Numa última observação marginal, uma outra coisa que me preocupa é o facto de ser muito duvidoso que o definhamento de uma qualquer das esquerdas se traduza no reforço automático das outras, como se estivéssemos perante um sistema de vasos comunicantes: em que os ganhos de uns compensassem as perdas dos outros.
Pelo contrário, pode muito bem acontecer (e tem acontecido noutras paragens e noutras conjunturas) que o enfraquecimento de uns estimule o enfraquecimento dos outros. Por isso, se, por absurdo, as actuais oposições vissem realizar-se o seu grande sonho de assistirem à destruição do Partido Socialista, muito provavelmente, a direita teria assegurado o poder institucional democrático por algumas décadas.
O tema, que também eu glosei em “O Grande Zoo”, é o da apologia do compromisso histórico, feita recentemente por A.J. Jardim. No seu texto, Correia Pinto identifica como denominador comum de todas as oposições o que ele considera ser uma justificada rejeição de Sócrates. Nisso, parece convergir no essencial com o sentido da acção de todas elas.
Devo dizer que não apoiei Sócrates em nenhuma das eleições internas que o conduziram à liderança do PS, e depois nela o confirmaram. As minhas posições críticas estão bem identificadas nos documentos políticos que sustentei publicamente no quadro dos Congressos do PS. Faço parte da Comissão Nacional e da Comissão Política do PS, por força dos votos que a moção vencida obteve no último Congresso. Dito isto, quero sublinhar que estou muito longe de partilhar a posição acima mencionada, embora concorde com Correia Pinto, quando ele se mostra convencido de que o PS não cederá às pressões externas para substituir o seu actual Secretário-Geral.
Tal como não me imagino a pretender participar na indicação de quem deve liderar o PCP ou o PSD, também não concebo que se tenha a ilusão de que se pode ditar do exterior do PS quem o deve liderar. Provavelmente, em próximas eleições internas continuarei a estar num lado oposto ao de Sócrates, mas sou frontalmente contra qualquer tentativa de o remover da liderança do PS, por força de pressões exteriores, sendo claro que contra tal hipótese combaterei firmemente. Se quiserem derrubar o actual primeiro-ministro, ou formam um governo de unidade das oposições, ou fazem novas eleições. O PS nunca indicará outro primeiro-ministro sem novas eleições e está longe de ser provável que o fizesse, na sequência de novas eleições que viesse a ganhar.
Não vem, neste momento, ao caso uma discussão aprofundada quanto a esta questão. Por isso, passo ao que me levou a elaborar este comentário, e que não foi essa possível troca de ideias, mas o significado objectivo da parte do texto de Correia Pinto que vou transcrever de imediato:
“Há na acção dos quatro partidos um denominador comum que nesta legislatura já serviu, por mais de uma vez, depois de negociações verdadeiras e próprias, para derrotar o Partido Socialista. E esse denominador comum é a rejeição absoluta e completa de Sócrates como chefe do governo. Os quatro partidos podem não ter condições políticas para o destituir neste momento, mas sabem, e com eles a maioria da população, que Sócrates é hoje uma fonte permanente de problemas e de crispação da sociedade portuguesa. (… ) E não há igualmente dúvidas para ninguém que Sócrates e a sua gente – e por arrastamento o Partido Socialista – constituem hoje o grande problema do país. Em todos os domínios. Primeiro que todos, o da credibilidade, e depois Sócrates é um factor permanente de agravamento do défice e da divida, da situação política, económica, financeira e social do país.
Há assim uma inequívoca convergência nos partidos políticos da oposição e da maioria dos portugueses no sentido da rejeição de Sócrates. Só que, para governar, é preciso muito mais do que isso. É preciso um acordo de governo.
Não seria impensável um acordo de governo por três anos baseado em metas claras e acções concretas, negociadas ano a ano, com prevalência para a criação de emprego, apoio social, cessação do programa de privatizações, suspensão dos investimentos inúteis ou desnecessários nos próximos anos, ataque generalizado ao despesismo e ao desperdício e por ai fora.
Não seria impensável conversar sobre o assunto. Explorar as suas potencialidades.”
Como é fácil de ver, a partir do que tenho escrito neste blog, não partilho a perspectiva que suporta as ideias deste extracto. No entanto, acho que seria positivo que essa coligação “canguru” fosse governo. Por mim, defenderia que o PS deveria ser uma oposição clara e firme a esse governo, estando certo que o evoluir dos acontecimentos se encarregaria de decidir de que lado estava o futuro entre esses dois campos. E se ele ia identificar com a esquerda, que virá a ser, o PS pecador, mas em oposição a um governo liderado pela direita, ou os virtuosos BE e PCP, mas coligados num governo com dois partidos de direita.
Dito isto, chego ao cerne da razão por que fiz esta transcrição. Fi-la porque acho um facto, objectiva e exemplarmente, significativo que alguém com a inteligência e a sagacidade políticas do Correia Pinto, intelectualmente independente e honesto, admita a hipótese dessa coligação, apesar de ser céptico quanto à sua viabilidade prática. E acho isso significativo, nomeadamente, por mostrar que, quando eu próprio, conquanto num registo crítico, admito essa mesma coligação, não estou a ser insultuoso para o BE ou para o PCP. Estou apenas a mencionar uma das possíveis estações futuras do caminho que têm trilhado as oposições de esquerda, e que até qualificados expoentes dessa área política encaram como concebível.
São muitas e vêm de longe as raízes da diferença de posições que se reflectem no que aqui está em causa. Uma me parece ter apreciável relevo: os partidos da oposição de esquerda colocam no primeiro plano o combate ao Governo e num plano secundário a luta anticapitalista. Daí que não hesitem em aliar-se à direita contra o Governo, deixando assim que os objectivos tácticos da luta contra um governo corrompam o que deveria ser o seu objectivo estratégico do combate ao sistema.
É precisamente por isso que a minha crítica à actual direcção do PS tem contornos muito diferentes dos que subjazem à das oposições. De facto, identificando-me eu com uma estratégia reformista de saída do capitalismo, o que implica um processo longo, mas a presença permanente como horizonte de uma visão alternativa de sociedade, não posso desconsiderar os prejuízos causados a esse processo, por qualquer complacência em face do economicismo neo-liberal. Complacência que tem inquinado a política deste governo e que muito o tem enfraquecido politicamente.
Mas também não me posso identificar com um exacerbar de crispações tácticas tão absorvente como o que tem caracterizado as oposições de esquerda. É que, desse modo, elas acabam por se alhear, ideologicamente, de qualquer tonalidade anti-capitalista que pudesse impregnar a sua luta, sacrificando-a no altar de uma sofreguidão imediatista no combate ao governo.
De facto, a própria ideia de uma coligação “canguru”, concebível, a partir da lógica que tem impregnado o comportamento político das oposições, conduzirá necessariamente, em si própria, a uma subalternização estratégica da sua componente de esquerda, em face da sua componente de direita. Podemos pois dizer que se trata de uma escolha que, objectivamente, implica, por si própria, uma subalternização da estratégia em face da táctica.
Numa última observação marginal, uma outra coisa que me preocupa é o facto de ser muito duvidoso que o definhamento de uma qualquer das esquerdas se traduza no reforço automático das outras, como se estivéssemos perante um sistema de vasos comunicantes: em que os ganhos de uns compensassem as perdas dos outros.
Pelo contrário, pode muito bem acontecer (e tem acontecido noutras paragens e noutras conjunturas) que o enfraquecimento de uns estimule o enfraquecimento dos outros. Por isso, se, por absurdo, as actuais oposições vissem realizar-se o seu grande sonho de assistirem à destruição do Partido Socialista, muito provavelmente, a direita teria assegurado o poder institucional democrático por algumas décadas.