Quando penso nas ruas por onde andei,
nas ruas das cidades em que vivi
e recordo as janelas
que guiaram os meus passos
justamente até aqui, a hora tardia
de escrever estes versos sem dedicatória,
quando penso na teia emaranhada
onde me fui perdendo,
descubro na memória um clarão branco
e vejo desolado que não tenho uma cidade
a que pertença inteiro
e lhe devote as minhas palavras
de modo tão fiel como os choupos repartem
o sol com os seus bairros e dão sombra no estio;
não sei se o tempo apaga a origem,
a ilha que não é minha senão no sangue
de velhos capitães
que meu pai garantia correr-me nas veias
e o rio que foi meu, largo rio, mar
onde aquele que eu era se afogou.
Essa ilha naufragou sem a ver,
esse rio não corre mais,
e às vezes quando passo para norte
e o vejo não o sinto, é outro rio.
Se habitasse nas suas margens talvez
o exílio não tivesse surgido,
seria o mesmo rio que hoje flui ausente
na memória despida de sinais
e apinhada de rostos inúteis,
de mortos e de amigos que partiram
deixando as cidades por onde andei
desertas como o exílio que sinto esvaziar-me
de paisagens antigas,
de retratos de um velho álbum
nas folhas de um jornal ido há muito.
Autor : Nuno Dempster
Imagem : Brian Oldham