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sábado, 25 de janeiro de 2025

Sol de Janeiro


Nunca tanto como hoje reparei com atenção
na
luz do sol de Janeiro. Forte
mas delicada. Furtiva
mas
demorada. Não arde nem faz tremer.
Não é densa nem clara. A
luz
do sol em Janeiro:
assim é o nosso amor
oculto pela tinta dos dias apenas
espreita uma aberta
(uma distracção das nuvens)
para
luzir e irromper
(nunca antes como hoje precisei)
tanto que o vento lhe desse oportunidade).

O nosso amor
é Janeiro:
mesmo se o julgo esquecido
sei que
está sempre lá.

Autor : João Luís Barreto Guimarães
Imagem : Sanya Khomenko

sábado, 28 de dezembro de 2024

A decisao


Vem Janeiro e
hesitamos no que fazer ao pinheiro
mais antigo
do jardim. Janeiro tem duas faces. Por nobre
que possa ser o
seu sumptuoso tronco
as pinhas e a caruma que encobrem
a erva rasa vão
criando um paraíso (distante das leis do fórum)
nada menos que
anárquico. Há anos que
o jardineiro lhe promete a motoserra
(detido pelo mau juízo do nosso
sim
definitivo). Nem é tanto pela mágoa de
trocarmos a madeira por meros
instantes de cinza é
não sabermos depois onde a Sombra
da árvore cortada
habitaria.

Autor : João Luís Barreto Guimarães
In Os Poemas

quinta-feira, 13 de junho de 2024

Coisas à espera de vez

uma mão-cheia de coisas à espera de
acontecer. O copo
quase a
partir. O prazo quase a acabar. O vermelho
do semáforo (que reteve
um par de vidas) a instante de ceder
a sua vez à
cor verde. Um rapaz na margem esquerda (além
de calção caqui) parece
estar a segundos de decidir se se
atira. A
narcose que há num beijo- Pagar a conta
do gás. Um furo novo no cinto! A
coisa e o
seu contrário. Podia encher um poema com
uma lista de coisas que estão quase a acontecer. Uma a
uma a
todo o instante. A ordem
isso não sei.

Autor : João Luís Barreto Guimarães
Imagem : Noell S. Oszval

terça-feira, 23 de abril de 2024

Só o amor

Só o amor pára o tempo (só
ele detém a voragem)
rasgámos cidades a meio
(cruzámos rios e lagos)
disponíveis para lugares com nomes
impronunciáveis. É preciso conhecer os mapas mais ao acaso
(jamais evitar fronteiras
nunca ficar para trás)
tudo nos deve assombrar como
neve
em Abril. Só o amor pára o tempo só
nele perdura o enigma
lançar pedras sem forma e o lago
devolver círculos).

Autor : João Luís Barreto Guimarães
in Nómada
Imagem : Kristin Edmundson

terça-feira, 9 de abril de 2024

....


O casal da mesa do lado tocou nas palavras durante o
pequeno-almoço. Cumpriu-o indiferente sem incomodar o silêncio,
sem ter provado sequer uma curta vez que fosse do dissabor das
palavras.
O casal da mesa do lado já deve ter dito tudo.

João Luís Barreto Guimarães
in Poesia Reunida (Quetzal)

quinta-feira, 7 de março de 2024

Sentar-me

Sentar-me e
ver os outros passar é o
meu exercício favorito. Entretém.
Não esgota.
É gratuito. Neste meu jogo-do-não
são os outros que passam
(é aos outros que reservo a tarefa
de passar). Lavo daí os pés.
Escrevo de dentro da vida.
Pode até parecer que assim não
chego a lugar algum mas também quem
é que quer ir
ao sítio dos outros?

Autor :João Luís Barreto Guimarães
in Luz Última
Imagem : Martin Stranka

sábado, 13 de maio de 2023

Falsa Partida


Ainda estranho o lugar quando acordamos
no revés de já ser outro
o dia
porque espelhas o tempo à janela é
à face de teu rosto que decido
o que vestir.
O vento que molda a praia
é de todas as bandeiras:
há um silêncio talhado à substância do quarto
(o chão de madeira matiza o
frio que força uma fresta)
podia apostar comigo: hoje
de madrugada
um cão ladrou na voz do galo.
O meu sobrenome segue-te
pela véspera da casa
(fim de emissão no ecrã
cálices
meio hasteados) a
chuva desistiu de apagar o nosso amor embaciado
pelo lado negativo.
Tornas à cama e abres
aquele romance de sempre
(o descanso existe
noutro cansaço).

Autor : João Luís Barreto Guimarães in POESIA REUNIDA
Imagem : Tina Spratt