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terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

Nao vou pôr-te flores de laranjeira no cabelo


Não vou pôr-te flores de laranjeira no cabelo
nem fazer explodir a madrugada nos teus olhos.

Eu quero apenas amar-te lentamente
como se todo o tempo fosse nosso
como se todo o tempo fosse pouco
como se nem sequer houvesse tempo.

Soltar os teus seios.
Despir as tuas ancas.
Apunhalar de amor o teu ventre.

Autor : Joaquim Pessoa

sábado, 4 de janeiro de 2025

A Tonalidade das Palavras

aynur Guçlu

As palavras também têm sábados e dores de cabeça e uma história real na construção do mundo.
As palavras entristecem com a nossa fala. E nós enlouquecemos sem elas. Porque o mundo são palavras.
As cores são palavras. A palavra primavera floresce em nossa boca. E a palavra mar faz de quem a pronuncia, uma ilha encantada.
Quando parto sem palavras, uma tristeza vai comigo a doer-me no sangue, na raiz da fala e do afecto.
Só elas podem explicar o mistério do amor.
Delas retiro o ouro, o trigo, a fala e a esperança. Nelas vive o tigre e a esmeralda. Delas sopra o vento.
São curandeiras. Feiticeiras. Mensageiras. Deusas.
São o canto da alma e a voz que falta às andorinhas.
E o sorriso do anjo. E a única coisa que Deus não inventou.
São essas palavras que ficam mudas no coração da gente para que os beijos possam dizer o que elas não dizem.


Autor : Joaquim Pessoa,
in “Guardar o Fogo”

quinta-feira, 28 de novembro de 2024

Eu sei, não te conheço, mas existes


Eu sei, não te conheço, mas existes.
Por isso os deuses não existem,
a solidão não existe
e apenas me dói a tua ausência
como uma fogueira
ou um grito.

Não me perguntes como mas ainda me lembro
quando no outono cresceram no teu peito
duas alegres laranjas que eu apertei nas minhas mãos
e perfumaram depois a minha boca.

Eu sei, não digas nada, deixa-me inventar-te.
Não é um sonho, juro, são apenas as minhas mãos sobre a tua
nudez
como uma sombra no deserto.
É apenas este rio que me percorre há muito e desagua em ti,
porque tu és o mar que acolhe os meus destroços.
É apenas uma tristeza inadiável, uma outra maneira de habitares
Em todas as palavras do meu canto.

Tenho construído o teu nome com todas as coisas.
Tenho feito amor de muitas maneiras
docemente,
lentamente,
desesperadamente,
à tua procura, sempre à tua procura
até me dar conta que estás em mim, que é em mim que devo
procurar-te,
e tu apenas existes porque eu existo
e eu não estou só contigo
mas é contigo que eu quero ficar só
porque é a ti
que eu amo.

Autor : Joaquim Pessoa
125 Poemas Litexa Editora, 1990
Foto: Cristina Coral

segunda-feira, 17 de abril de 2023

Abraça-me

 


Joaquim Maria Pessoa
Barreiro 22 de Fevereiro de 1948
Lisboa 17 de Abril de 2023



Abraça-me. Quero ouvir o vento que vem da tua pele, e ver o sol nascer do intenso calor dos nossos corpos. Quando me perfumo assim, em ti, nada existe a não ser este relâmpago feliz, esta maçã azul que foi colhida na palidez de todos os caminhos, e que ambos mordemos para provar o sabor que tem a carne incandescente das estrelas. Abraça-me. Veste o meu corpo de ti, para que em ti eu possa buscar o sentido dos sentidos, o sentido da vida. Procura-me com os teus antigos braços de criança, para desamarrar em mim a eternidade, essa soma formidável de todos os momentos livres que a um e a outro pertenceram. Abraça-me. Quero morrer de ti em mim, espantado de amor. Dá-me a beber, antes, a água dos teus beijos, para que possa levá-la comigo e oferecê-la aos astros pequeninos.
Só essa água fará reconhecer o mais profundo, o mais intenso amor do universo, e eu quero que delem fiquem a saber até as estrelas mais antigas e brilhantes.
Abraça-me. Uma vez só. Uma vez mais.
Uma vez que nem sei se tu existes.

Autor :Joaquim Pessoa, in 'Ano Comum'


quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

...


Houve uma Ilha em Ti
Houve uma ilha em ti que eu conquistei.
Uma ilha num mar de solidão.
Tinha um nome a ilha onde morei.
Chamava-se essa ilha Coração.
Que saudades do tempo que passei.
Nenhum desses momentos foi em vão.
Do teu corpo, de ti, já nada sei.
Também não sei da ilha, não sei, não.
Só sei de mim, coberto de raízes.
Enterrei os momentos mais felizes.
Vivo agora na sombra a recordar.
A ilha que eu amei já não existe.
Agora amo o céu quando estou triste
por não saber do coração do mar.

Autor : Joaquim Pessoa , in 'Ano Comum'

quinta-feira, 21 de outubro de 2021

Amei Demais

Madruguei demais. Fumei demais. Foram demais
todas as coisas que na vida eu emprenhei.
Vejo-as agora grávidas. Redondas. Coisas tais,
como as tais coisas nas quais nunca pensei.

Demais foram as sombras. Mais e mais.
Cada vez mais ardentes as sombras que tirei
do imenso mar de sol, sem praia ou cais,
de onde parti sem saber por que embarquei.

Amei demais. Sempre demais. E o que dei
está espalhado pelos sítios onde vais
e pelos anos longos, longos, que passeià procura de ti.
 De mim. De ninguém mais.

E os milhares de versos que rasguei antes de ti, eram perfeitos.
 Mas banais.

Autor : Joaquim Pessoa, in 'Ano Comum'

sábado, 11 de setembro de 2021

És linda

 

És linda. E nem sabes quantos pedaços de beleza tive de juntar para chegar a esta conclusão. Para te construir, tive de misturar a conspiração das searas com a tristeza do choupo, a inquietação da cotovia com o cheiro lavado do vento do ocidente. E a firmeza repartida dos livros, com a alegria explosiva dos miosótis e a luz escura das violetas. Juntei depois um pouco de ansiedade das estrelas, a paciência das casas à beira da falésia, a espuma da terra, o respirar do sul, as perguntas de gesso que se fazem à lua. Acrescentei-lhe a canção das margens e pequenos pedaços da angústia do olhar. Não esqueci a intimidade do frio nem a dor branca que habita o coração dos muros. Por fim, deitei na tua pele o sono dos alperces, aos teus músculos prometi a violência das cascatas, no teu sexo acordei a memória do universo.
A tua beleza está no meu desejo, nos meus olhos, na minha desigual maneira de te amar. És linda, repito. Mas tenta não encarar o que te digo como um elogio.

Autor : Joaquim Pessoa, in 'Ano Comum'
Imagem : Xénia Lau

quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Canção da Minha Tristeza

Saul Landell


Meu coração não está nas largas avenidas
nem repousa à tarde, para lá do rio.
Nada acontece. Nada. Nem, ao menos, tu
virás despentear os meus cabelos.

Nem, ao menos, tu, neste tempo de angústia
vens dizer o meu nome ou cobrir-me de beijos.
Ah, meu coração não está nas largas avenidas
nem repousa à tarde, para lá do rio.

A cidade enlouquece os meus olhos de pássaro.
Eu recuso as palavras. Sei o nome da chuva.
Quero amar-te, sim. Mas tu hoje não voltas.
Tu não virás, nunca mais, ó minha amiga.

Nada acontece. Nada. E eu procuro-te
por dentro da noite, com mãos de surpresa.
Meu coração não está nas largas avenidas
nem repousa à tarde, para lá do rio.

E tu, longe, longe. Onde estás meu amor,
que não vens despentear os meus cabelos?
Eu quero amar-te. Mas tu hoje não voltas.
Tu não virás, nunca mais, ó minha amiga.
.
Autor : Joaquim Pessoa.
in "Canções de Ex-Cravo e Malviver"

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

...



Quando me deito contigo
respiro apenas pela pele.

E digo-te tudo
sem uma única palavra.

Autor: Joaquim Pessoa
"GUARDAR O FOGO"

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

CHAMAR-TE MEU AMOR


Dizer que tudo em ti é movimento
e que há corças nas selvas em redor
do amor que às vezes faço em pensamento
... ou do que eu penso quando faço amor.

Dizer que em tudo escuto a tua voz
... no mar no vento na boca das searas
o maior amor do mundo somos nós
cobrindo a solidão de pedras raras.

Dizer tudo o que eu digo nunca basta
pois para ti não chegam as palavras
"meu amor" é uma expressão que já está gasta
mas tem sempre um aroma de ervas bravas.

É por ti tudo o que faço e digo e chamo
por ti eu tudo invento e tudo esqueço
dou tudo o que há em mim quando te amo
mas nem sei meu amor se te conheço.

Autor : Joaquim Pessoa

sexta-feira, 26 de junho de 2015

ESTAVA PRECISAMENTE A DIZER-TE

Jonni Avri

Estava precisamente a dizer-te
que o meu coração tem um sorriso ao qual não
me oponho porque esse sorriso tem a forma de
um barco que desliza sobre qualquer mar
de lágrimas. Fico satisfeito por teres perdoado
as minhas palavras. Cada uma delas quer ser melhor
que a outra. Sabes?, isto de ser poeta não é de facto
coisa que se recomende, e um verbo é como o vento.
Se alteras o tempo verbal, mudas a direcção do
vento, quero eu dizer, a direcção do pensamento. O que
canto não é o que cantei, e também decerto não será
o que cantarei um dia. Por isso estava a dizer-te
que o meu coração sorri. E não sorri
apenas. Adora andar por aí, a assobiar
o futuro. Fazendo justiça
a quem me lê.

Autor : Joaquim Pessoa
in O POETA ENAMORADO
Prefácio de Guilherme Antunes.

Editora Edições Esgotadas, 2015.

quinta-feira, 7 de maio de 2015

O Amor é o Elixir da Juventude


O amor é um poema. Dói e canta cá dentro. Tem a filosofia das árvores, a lição do mar, os ensinamentos que as aves recolhem quando migram para lá dos desertos, de onde hão-de regressar mais sábias e seguras. O amor é uma causa. Uma luta excessiva com a divindade dos dias e a sua fogueira obscura. Mas também contra o mistério de si mesmo, uma paz que nos dá o cansaço e a loucura infeliz da felicidade, esse primitivo terror dos sinos que tocam como um aviso aos densos nevoeiros súbitos do mar.

O amor é uma casa. Erguida com os beijos, com os versos da noite e o gemido das estrelas. Casa cujas paredes vestem o nosso júbilo, a nossa intuição, a nossa vontade, sobretudo o nosso instinto e a nossa sabedoria. Onde se acende e brilha a luz suplicante da pele comprometida dos amantes. O amor é um gigantesco pequeno mistério, uma estranha generosidade que faz com que, quanto mais damos, com mais ficamos para dar.

Só o amor é o elixir da juventude. Não esse que sempre se procurou nas indecifráveis formulas dos antigos livros de magia e de alquimia, mas aquele que está tão perto de nós que, por vezes, o pisamos sem reparar.

Autor : Joaquim Pessoa
in 'Guardar o Fogo'

domingo, 3 de maio de 2015

Ó mãe


Gustav Klimt

Ó mãe, regressa a mim. Embala-me no tempo em que os teus lábios rebentavam de ternura. Ó mãe, ó minha mãe, ó rio de água pura, correndo pelas veias. Pelo vento.

Ó mãe, que és mãe de Deus, que és mãe de mim e mãe de Antero e de Camões, e mãe de quem lhe faltam as palavras como se faltasse o ar. E são assim uma espécie de filhos de ninguém. Abre o teu ventre, mãe. Acorda. Vem parir-me. E vem sofrer a minha dor uma vez mais. Morrer de amor por mim. Vem impedir-me o medo. Ensinar-me a amar a luz dos animais.

Ó mãe, ó minha mãe. Ó pátria. Ó minha pena. Que me pariste, assim, temperamental. Mãe de Ulisses, de Guevara e mãe de Helena. E mãe da minha dor universal.

Autor : Joaquim Pessoa,
in 'Ano Comum'

quarta-feira, 29 de abril de 2015

Canção Erótica


Alegria é este pássaro que voa
da minha boca à tua.  É este beijo.
É ter-te nos meus braços toda nua.
Sentir-me vivo.  E morto de desejo.

Alegria é este orgasmo.  Esta loucura
de estar dentro de ti.  E assim ficar.
Como se andasse perdido e à procura
de possuir-te.  E possuir-te devagar.

Autor : Joaquim Pessoa
in CANÇÕES DE ex-CRAVO E MALVIVER.

domingo, 22 de março de 2015

Estou mais perto de ti porque te amo

 Oleg Oprisco


Estou mais perto de ti porque te amo.
Os meus beijos nascem já na tua boca.
Não poderei escrever teu nome com palavras.
Tu estás em toda a parte e enlouqueces-me.
Canto os teus olhos mas não sei do teu rosto.
Quero a tua boca aberta em minha boca.
E amo-te como se nunca te tivesse amado
porque tu estás em mim mas ausente de mim.
Nesta noite sei apenas dos teus gestos
e procuro o teu corpo para além dos meus dedos.
Trago as mãos distantes do teu peito.
Sim, tu estás em toda a parte. Em toda a parte.
Tão por dentro de mim. Tão ausente de mim.
E eu estou perto de ti porque te amo.


Autor © Joaquim Pessoa

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Canção Erótica


Alegria é este pássaro que voa
Da minha boca à tua.
É este beijo.
é ter-te nos meus braços toda nua.
Sentir-me vivo.
E morto de desejo.
Alegria é este orgasmo.
Esta loucura
De estar dentro de ti.
E assim ficar.
Como se andasse perdido e à procura
De possuir-te.
E possuir-te devagar...


.
Autor:Joaquim Pessoa
Foto;

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Porque escondes a noite no teu ventre?


Porque escondes a noite no teu ventre?
Nesse país de sombra onde se calam as palavras.
Aí, no escuro lago onde estremece a flor da amendoeira
E onde vão morrer todos os cisnes.

Eu desvendo a tua dor, o teu mistério
De caminhares assim calada e triste,
Quando viajo em ti com as mãos nuas e o coração louco
No mais fundo de ti, onde só tu existes.

Oh, eu percorro as tuas coxas devagar
Dobrando-as lentamente contra o peito
E penetro em delírio a tua noite
Esporeando éguas no teu sangue.
De onde me chegam estas palavras?
.
Autor:Joaquim Pessoa
in Os Dias da Serpente Moraes Editores, 1981
Foto:meore