sexta-feira, 31 de julho de 2020

ainda assim,

ainda assim,
tentar

rectificar
o sol:

um agasalho
interno
para o coração

Autor : Ana Luísa Amaral
in ÁGORA (Assírio & Alvim, 2019 
Imagem : Brooke Shaden

quinta-feira, 30 de julho de 2020

O espelho



Esse que em mim envelhece
assomou ao espelho
a tentar mostrar que sou eu. 

Os outros de mim,
fingindo desconhecer a imagem,
deixaram-me, a sós, perplexo,
com meu súbito reflexo. 

A idade é isto: o peso da luz
com que nos vemos."

Autor : Mia Couto Maputo, 2006
Imagem : Tyler Rayburn

quarta-feira, 29 de julho de 2020

Poema de vidro

Imagem : Svetlana Belyaeva
Tenho em pequeno poema de vidro...
de tão pequeno
o vidro partiu-se
para o poema para ficar inteiro.
.
Autor : Adriana Magalhães

Enviado por Adriana Magalhães em 12/11/2014
Código do texto: T5032073
Recanto das Letras

terça-feira, 28 de julho de 2020

Porque só me procuras em dias de chuva?



Porque só me procuras em dias de chuva?
Será talvez porque há setenta anos
ficávamos nesses dias em brincadeiras
tão irreais que nos pareciam reais.
Tanto tínhamos de igual
os três que éramos nesse tempo
as mesmas palavras, os mesmos aromas,
os sons tão iguais, a mesma luz.
Não herdámos nada, nem família,
atrás de nós não há ninguém,
nem gente, nem lugares, nem história
a pobreza memorial total
já nem de nós temos memória.
O que se passou connosco durante tantos anos
para ficarmos assim como desconhecidos
cada vez mais irreconhecíveis
embora gerados pelo mesmo útero?

Autor : Luis Rodrigues-

domingo, 26 de julho de 2020

Parti

Parti num dia de Setembro. Quase Outubro
Num fim de tarde com um saco na mão
Fui. Com umas sandálias que me magoavam os pés doridos, as únicas que tinha
Deixei-te na casa grande
Sabia que alguém trataria de ti
O jardim estava cheio de açucenas
O sótão estava limpo e a minha cama ficou vazia
Para sempre
Mais ninguém voltou a dormir naquela cama
Senão tu
Voltei algumas vezes
Depois, menos, cada vez menos
E depois perdi a vontade de regressar
Disseram-me que depois de eu partir
Nunca mais foste o mesmo
Tinhas ficado estranho
Agressivo, e que dormias sempre no sótão
Do lado direito em cima da minha cama
Como se me esperasses

Dizem que nunca mais foste o mesmo gato
Nem tu
Nem a casa

Autor : BeatriceMar 2013-07-21(reeditado)

sábado, 25 de julho de 2020

Irmão


É a ponte que atravessa
a estrada percorrida
e nos transporta de volta
lá pro começo da vida.
Irmão é a segurança
de que o tempo de criança
jamais será esquecido.
Basta um gesto, um olhar
pro coração recordar
de tudo que foi vivido.

Autor : Bráulio Bessa

sexta-feira, 24 de julho de 2020

os escombros da poesia

Passos apressados estendem as sombras
pelas veredas que as mulheres percorrem
desde a criação. O oriente oferece-lhes
o fósforo iluminado que desenha na terra
a semelhança de caminhos
mas é a ti que a pele do gamo cobre os ombros
e o sacro tirso pende das garras adormecidas.

Sei que chegaste pelo rufar dos tambores
que se confunde com o ondular das pernas
quando invocas a terra, incitas os cães
e o velho poeta abandona os escombros
para vir juntar-se ao vinho da poesia.

Cavafis escreve que deus abandona antonio
nesse mesmo café. Tentas reter a intimidade
que fizeste tua por instantes e se esvai
pela janela orvalhada onde vislumbras a cidade
que te oferece apenas o abismo das ruas
e algum ódio que escorre docemente pelo copo.

Pergunto-me se saberás escolher o chão que te há-de
sulcar os pés, a madeira seca para o sacrifício?
A cabeça do velho é a tocha que te dá alento
quando as portas do café se fecham uma a uma
e o medo inventa o festim da morte
que repetimos tantas vezes
em noites de incompreensível beleza.

A vocação da poesia enrola-se-te nas pernas
como um animal e já nada o distingue de ti,
nem o gamo, a sua pele sacrificada
nos teus ombros onde o ouro que diz o teu nome
é limalha de sombra em voo rasante sobre nada.

Autor Rosa Alice Branco
voo rasante
antologia de poesia contemporânea
mariposa azual     2015
Imagem:Logan Zilmer

quinta-feira, 23 de julho de 2020

Chorei com os cães


Conduzia na estrada do Barranco do Bebedouro - serpenteada, estreita, iluminada pela lua cheia.
De repente, um vulto na minha rota. Não pude evitar. Só o vi pelo retrovisor.
Saí do carro e ajoelhei-me junto do animal, um rafeiro alentejano, lindo, que ainda me olhou nos olhos e disse baixinho:
- É pá, mataste um cão sem dono.
A lua cheia inundava o silêncio e eu levei-o ao colo para dentro do carro.
Quando cheguei a casa, só pude fazer o que fiz.
Chamei o Dique e encarreguei-o de convocar todos os cães da aldeia. O funeral foi marcado para a meia noite.
Todos compareceram.
Solidários, quatro amigos mais corajosos ofereceram-se para cavar a sepultura, num canto da horta, onde espontâneas medravam hortelãs.
Todos reunidos no silêncio.
Um uivo comovido despoletou um choro colectivo.
Só o Dique não chorou. Trazia na boca uma papoila que largou
em cima da sepultura.

Autor : Eufrázio Filipe
http://mararavel.blogspot.com/2018/06/chorei-com-os-caes.html
Imagem kiki1

quarta-feira, 22 de julho de 2020

Abissal

entre o vazio e o nada
havia a sua morada
buraco desse tamanho
numa noite mui largada
chorou um mundão de lágrimas
as águas do oceano

Autor : Líria Porto

terça-feira, 21 de julho de 2020

Entre Dentes


Deitado sobre ti
ensinas-me a sair
da treva.

Com a boca dorida
por tanta palavra
ensanguentada
devoro o teu cabelo
ouro que se desfaz
por entre os dentes.

E o teu sorriso
quando te penetro
ilumina súbito
a noite do meu corpo.

Autor : Armando Silva Carvalho

domingo, 19 de julho de 2020

É domingo


Naquele tempo ao domingo 
ia sempre á missa das 9 horas 
com a minha mãe e o meu pai 

Depois o resto do domingo era só meu 
para inventar aventuras e correr pelos campos 
onde havia sempre sol. 

Algures perdido esse tempo 
onde fui livre e feliz 
e onde delineei a minha vida. 

Hoje, com os meus olhos embaçados 
e as minhas pernas entorpecidas 
só queria correr por esses caminhos. 

Mas hoje até as casas estão diferentes 
quem lá vivia já morreu 
e muitas já são de outras pessoas. 

Não me resigno, e embora 
já ninguém me conheça 
ainda posso inventar caminhos e aventuras. 

Autor : BeatriceM 2020/07/10

sábado, 18 de julho de 2020

O amor e o outro


Não amo
melhor
nem pior
do que ninguém.

Do meu jeito amo
Ora esquisito, ora fogoso,
às vezes aflito
ou ensandecido de gozo.
Já amei
até com nojo.

Coisas fabulosas
acontecem-me no leito. Nem sempre
de mim dependem, confesso.
O corpo do outro
é que é sempre surpreendente.

Autor : Affonso Romano de Sant'Anna
Imagem : Brian Oldham

sexta-feira, 17 de julho de 2020

Curso intensivo

Os sapatos vermelhos
rasos e sem hesitação,
a mesma presilha do dia
do casamento,
as solas lisas depois de tudo.
Esse calçado e não
um par de sapatilhas forrado a cetim,
provavelmente os pés
arranjados lá dentro,
em pontas,
as fitas que deviam subir pela perna
a desfiarem-se já antes do laço seguro.

Os sapatos vermelhos
permeáveis a todos os passos
escolhidos às cegas.
Vermelhos, hoje mais,
são do jardim e das pedras
da calçada. Servem-me
ainda no primeiro dia de aulas.

Autor : Margarida Ferra
Imagem : Katerina Plotrikova

quinta-feira, 16 de julho de 2020

talvez



talvez te encontre um dia
tarde, de noite, demais, 
rodeado de livros e de rugas
escritas uma a uma sangue a sangue. 

talvez eu chore, talvez tu.
seja qual for, terá valido a pena 
de pato, ainda plantada
na asa ou já gasta de escrever. 

virei nu.
hei-de atirar-ta 
à cara essa nudez
que trago sempre no fundo 
e me tem saído
caro. 

caro com um beijo.
à cara como um beijo 
depois.

Autor Manuel Cintra
in Bicho de Sede, Lisboa, Ulmeiro, col. Imagem do Corpo nº 31, 1986: 9, 28, 33 e 34.

quarta-feira, 15 de julho de 2020

Primeira Casa


Muitas vezes, por outras casas

e noutros países sonhava
com o soalho antigo e a varanda
onde um entardecer de plátanos
enchia o peito de uma secreta
ansiedade, sem motivo. O quarto
da Mãe, esse lugar de mistérios
fixara-se na sua memória, como
um quadro de autor irremediavelmente
perdido. Sempre que regressava
minguava-lhe a coragem adiada
para pedir aos ocasionais locatários,
a permissão provavelmente estranha de
uma visita. Um dia a velha casa
debruçada sobre os telhados,
apareceu-lhe quase demolida e agora
avultava como um dente postiço, com
uma loja de lingerie barata no
rés-do-chão e um par de janelas
com alumínio e sem mistério
onde os plátanos, há muito ceifados
pelo asfalto, recusariam entardecer.

Autor : Inês Lourenço
 in 'Antologia Poética'

terça-feira, 14 de julho de 2020

No fogo das estradas é que

No fogo das estradas é que
o medo de ter
tempo de mais as mãos pousadas
no amor nas espáduas
na amargura do rio
é que molhar as mãos
na água dos joelhos e andar
um pouco mais ainda sobre o fogo
das pernas e alcançar a terra
o ar do tronco o vapor o
movimento infindável do corpo em torno
do amor é que o mar as estradas
é que a locomoção por sobre a mágoa
no fogo das estradas é que tudo
se pode incendiar

Autor : Gastão Cruz
in “Poemas de Gastão Cruz”, Assírio & Alvim
Imagem : Hossein Zare

domingo, 12 de julho de 2020

Utopias

no meu mundo não há raiva
há apenas o mar que beija a areia
em dias ensolarados, e em noites alvas.

e há o abraço do vento
que me enlaça, quando
adormeço na areia ao relento.

Autor : BeatriceM 2020-07-11
Imagem : Jaroslaw Datta

sábado, 11 de julho de 2020

Se


Se por acaso você não conseguir caminhar
Se seus pés se enfraquecerem e a estrada se alongar,
Sempre haverá um alguém capaz de lhe carregar

Se por acaso você sentir a alma sangrar
E se a alma ferida fizer você chorar,
Sempre haverá alguém capaz de lhe consolar

Se por acaso você sentir o mundo lhe escapar
E tudo for solidão e a solidão lhe machucar,
Sempre haverá alguém capaz de lhe abraçar

Se por acaso você não conseguir enxergar
Perdido dentro de si vendo tudo se apagar,
Sempre haverá um alguém capaz de lhe encontrar

Se por acaso você sentir a vida açoitar
E na hora da agonia você se desesperar,
Sempre haverá um alguém capaz de lhe acalmar

Se por acaso você ver tudo se apressar
Se todo mundo correr se o tempo acelerar
Sempre haverá um alguém capaz de lhe esperar

Se por acaso você deixar de acreditar
Se a própria humanidade lhe decepcionar,
Sempre haverá um Alguém capaz de lhe inspirar

Se por acaso você sentir medo de amar
Se achar que não é mais capaz de se apaixonar,
Sempre haverá um alguém capaz de lhe conquistar

Sempre haverá amor, sempre haverá o bem
Numa via de mão dupla, com a força de um trem,
Alguém ajuda você e você ajuda alguém

Já que sempre haverá alguém para lhe entender
Lhe carregar, lhe acalmar, lhe abraçar quando doer,
Alguém para lhe confortar quando o mundo lhe bater

Já que sempre haverá alguém para lhe socorrer
Só é preciso ser justo e grato para perceber
Que sempre haverá alguém precisando de você.

Autor : Bráulio Bessa

sexta-feira, 10 de julho de 2020

quando o sol morre


Na linha rubra do horizonte, a serra,
como um monstro, adormecido,
tem o ar repousado e indefinido
de quem dorme há mil anos sobre a terra!

O arvoredo, os braços nus descerra

para o azul, já frio e diluído –
curvado o tronco negro e carcomido
rezando pelo sol que se desterra…

Ao longe os corvos, velhos e palreiros,
lá andam a contar pelos outeiros
feitiços de gigantes encantados!...

E o vento desvairado em seu fragor
vai pelos montes, repetindo a dor,
dos que andam pela vida, desgarrados.

Autor : Judith Teixeira outubro 1922
castelo de sombras 1923

quinta-feira, 9 de julho de 2020

Ensina-me a ouvir

Ensina-me a ouvir __ trinar os cantos
que soaram ditosos no passado:
essa harmonia que raiava quando
os gritos de crianças alcançavam
o céu que os acolhia __ deleitando-se.
Ensina-me a estender as mãos e ver
caírem nelas a brilharem estrelas
e espalhá-las depois pelos canteiros
do jardim tão florido e que no meio
tinha lagos, repuxos, cisnes tersos.
Ensina-me contando onde se cruzam
as ilusões __desilusões vividas
com frágeis confianças: que procuro
lembrar e perceber no farto livro
que fui ‘screvendo ainda que confuso.
Mas não te vou pedir que me devolvas
os cantos, as estrelas, o jardim
com lagos __ cisnes __ delicadas flores:
o que de mim agora se aproxima
é, no meio do livro, as secas folhas.
.
Autor : António Salvado
(Castelo Branco, n. 1936)
in “Repor a Luz”, Editora Fólio Exemplar, Lisboa, 2011
Imagem : Arno Rafael Minkkinen

quarta-feira, 8 de julho de 2020

atar-se aos segredos dos dias gémeos


Atar-se aos segredos dos dias gémeos 
não é tarefa fácil para o meu pobre amigo. 

Vem às vezes ver-me, 
para partir o silêncio de uma lenta agonia 
que na memória guarda. 

Atar-se tantos nós não servia para nada. 

Di-lo com os olhos afundados na chuva 
e assim nasce a sua sombra 
no céu quebrado que esconde o abandono. 

Autor : ana merino 
poesia espanhola, anos 90 
trad. joaquim manuel magalhães  relógio d´água 2000

terça-feira, 7 de julho de 2020

Um beijo

Um beijo em lábios é que se demora
e tremem no abrir-se a dentes línguas 
tão penetrantes quanto línguas podem.
Mais beijo é mais. É boca aberta hiante 
para de encher-se ao que se mova nela. 
É dentes se apertando delicados.
É língua que na boca se agitando 
irá de um corpo inteiro descobrir o gosto
e sobretudo o que se oculta em sombras 
e nos recantos em cabelos vive.
É beijo tudo o que de lábios seja 
quanto de lábios se deseja.

Autor : Jorge de Sena

domingo, 5 de julho de 2020

oração inventada

entrei numa igreja
olhei as imagens
queria orar e
agradecer com fé
as dádivas que a vida me deu
até hoje

formou-se um nó na garganta

esqueci-me de como rezar

inventei uma oração
olhando a imagem
e murmurando com os olhos

será que Ele me entendeu?!

Autor : BeatriceM 2020/07/04

sábado, 4 de julho de 2020

Cheguei ao fim.Andei descalço


Cheguei ao fim. Andei de pé descalço

sobre os calhaus do rio, senti
a água fria, as vozes de outro
lado. Ergui-me na cisterna, ouvi
pelo tabique o toque do relógio
e desci noutra casa, ao longe,
a escada estreita. Mas sempre
em tudo isso sentei-me na cadeira.
Deslustrei a fama que me deram,
Soluçei os soluços que passei
com risos importunos. Abri mão
dos trunfos que os anos me dariam
se os olhos pudessem reabrir-se.
As músicas tocaram, mas falei
de arremedos sortidos, da beleza
da mão com sardas brunas, e vazia.
Matei-me esfarelado, e hesitei
entre a folha da agenda e a falha
geológica. Puxei cordas diversas
e alterei assim o rumo dos teus olhos
com a vela que os vela. Sou ainda
o feto minutado que o planeta quis
no país, no país, no campo e na cidade,
entre dentes e datas, azar de bruxaria.
Vário, variei. Pra trás e pra diante
tropecei, empecilho, no teu entendimento.
Vim dos poentes tensos, rapidíssimos,
sobre a terra crestada de moléstia,
vazio de uniforme e de uma carta a chegar.
Engrossei a gravata, fiz sorriso
da careta que a alma me ditou,
pontuei o discurso. __ Vindimei.
Andei de flor em flor nos intervalos
de cantar muito a sério que sem asas
é na cadeira que tenho de sentar
o cu dorido de toda a eternidade:
e a mão, a mesma, a mão direita
mas sinistra, passa do corrimão
para a caneta, a preta, não descreve,
e escreve. Páro de percorrer.
Discorro.__ Mais: decorro, e sem saber
de que novelo saio.
Por sobre o ombro (dói!) lobrigo
tantas confusas coisas, falo delas.
Colo então à própria vista a escrita,
o peso, o contrapeso, a palavra que digo.
Sufoco o medo a medo, e olho a esteira
remudo e quedo, sentado na cadeira

Autor :  Pedro Tamen

sexta-feira, 3 de julho de 2020

...

Que o breve
seja de um longo pensar

Que o longo
seja de um curto sentir

Que tudo seja leve
de tal forma
que o tempo nunca leve.

Autor : Alice Ruiz
Imagem : Ragne Sigmund

quinta-feira, 2 de julho de 2020

Limites do Amor




Condenado estou a te amar
nos meus limites
até que exausta e mais querendo
um amor total, livre das cercas,
te despeça de mim, sofrida,
na direção de outro amor
que pensas ser total e total será
nos seus limites da vida.

O amor não se mede
pela liberdade de se expor nas praças
e bares, em empecilho.
É claro que isto é bom e, às vezes,
sublime.
Mas se ama também de outra forma, incerta,
e este o mistério:

- ilimitado o amor às vezes se limita,
proibido é que o amor às vezes se liberta 

Autor : AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA

quarta-feira, 1 de julho de 2020

Não há lugares seguros


Não estamos a salvo, ainda.
Nem dos desfazeres do mundo,
nem dos atrasos da paciência.
Não há lugares seguros onde guardar
equívocos. Nem âncoras que bastem
ao arrasto da solidão.
Não estamos ainda em terra. Não há
farol nem costa. E somos frágeis demais
para tanto mar. Para tanto abismo.
Para tanto.

Não estamos a salvo, ainda.
Nem das coisas inevitáveis.
Nem das coisas sérias e óbvias.
Não há lugares seguros neste mundo.

Autor : Virgínia do Carmo