quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Poética da música


Ao escrever
escrevo como quem canta
no encanto da minha imaginação
de um poema surge a canção.

E ao cantar
Não se ouve a mais pura melodia
Lêem-se apenas palavras
Que ao escrever eu não sentia.

Autor:Tiago Oliveira http://wakeupmovement2009.blogspot.com/
Foto: Ertu

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

À chegada do Inverno


Nem sempre
a vida acolhe ou alimenta
os nomes do passado, o seu abismo
repetido num sonho, na mais lenta
assombração, no mais íntimo sismo

Do que chamamos alma. Não existo
sem essa febre mansa que relembro
enquanto as nuvens cobrem tudo isto
com o frio escuro de um dezembro

Longe de mim, de ti, de qualquer lei
ou juízo a que dêmos um sentido:
o que finjo saber é o que não sei
e as palavras colam-se ao ouvido.


Autor:Fernando Pinto do Amaral
Foto:papajedi

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Natal


Acontecia. No vento. Na chuva. Acontecia.
Era gente a correr pela música acima.
Uma onda uma festa. Palavras a saltar.

Eram carpas ou mãos. Um soluço uma rima.
Guitarras guitarras. Ou talvez mar.
E acontecia. No vento. Na chuva. Acontecia.

Na tua boca. No teu rosto. No teu corpo acontecia.
No teu ritmo nos teus ritos.
No teu sono nos teus gestos. (Liturgia liturgia).
Nos teus gritos. Nos teus olhos quase aflitos.
E nos silêncios infinitos. Na tua noite e no teu dia.
No teu sol acontecia.

Era um sopro. Era um salmo. (Nostalgia nostalgia).
Todo o tempo num só tempo: andamento
de poesia. Era um susto. Ou sobressalto. E acontecia.
Na cidade lavada pela chuva. Em cada curva
acontecia. E em cada acaso. Como um pouco de água turva
na cidade agitada pelo vento.

Natal Natal (diziam). E acontecia.
Como se fosse na palavra a rosa brava
acontecia. E era Dezembro que floria.
Era um vulcão. E no teu corpo a flor e a lava.
E era na lava a rosa e a palavra.
Todo o tempo num só tempo: nascimento de poesia.

Autor:Manuel Alegre

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

cançao do mar


Esta mulher é formosa
como uma flor da montanha,
mas é fria, fria, e é fria
como a margem de neve
onde fria floresce.

Autor: Herberto Helder
Foto: pararirararara

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Paradoxo


Deixaste em minhas mãos o gelo da ausência
Banhaste o meu corpo de um sopro gélido
Mas, tão só, ficou a capa, a aparência.

O corpo (meu)
Continua possuído pelo calor
Do corpo (teu).
.
Autor : Helena Domingues http://orionix.blogspot.com/
Foto: tycjana

domingo, 19 de dezembro de 2010

Ausência


Meu amor, como eu sofro este tormento
da tua ausência!... Ando magoada
como a folha arrancada pelo vento
ao carinhoso anseio da ramada...

Procuro desviar o pensamento...
mas oiço ao longe a tua voz molhada e
em lágrimas, vibrando o sofrimento
da nossa vida asim, tão separada!

Os meus beijos escutam os teus beijos
exigentes - perdidos de saudade...
crispando amargamente os meus desejos!

E dia a dia essa canção de dor,
ritornelo sombrio de ansiedade,
exalta ainda mais o meu amor!


Autor Judith Teixeira in «Poemas»,
Foto:Żaba-Ewa

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

É mais fácil partir quando o silêncio


É mais fácil partir quando o silêncio
transpõe a tua voz.
Mais simples celebrar a tão efémera
certeza de estares vivo.

A música do ar esvai-se nas sombras,
tu sabes que é assim,
que os dias correm céleres, não tentes
perseguir o seu rasto - repara
como em abril as aves são tão felizes.

Sê como elas: não perguntes nada,
deixa que o sol responda à flor da tarde
e esquece-te do mundo.
.
Autor : Fernando Pinto do Amaral Eco de Acédia, Poesia Reunida, Lisboa, Assírio&Alvim, 1990


quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Corpo de Mulher

A pele

os olhos densos
húmidos do reflexo da lua

o corpo acolhedor
materno-terno

a boca que de tão macia
se torna água

e o regaço morno
onde as mãos
um vago odor
a canela
repousam.

Autor : Angela Leite In Metáforas spbre o amor Pág 61

Foto: anchor

domingo, 12 de dezembro de 2010

Gostava de ser o espelho que te olha



Ainda persiste, onde te disse adeus, aquele terrífico espaço tão lúgubre. Eu nunca digo essa palavra. Mas nesse dia, disse! Fazia frio. Esse adeus não foi definitivo, mas é o mesmo frio que me acompanha desde então. Nunca será definitivo, enquanto um de nós viver.

Respiro, imóvel, o ar da manhã cheia de nevoeiro. Sabes, há vida na laranjeira porque as flores querem desabrochar. Sinto que as pétalas me sobrevoam e os meus cabelos rebeldes esvoaçam numa luxúria alucinada de voos lunáticos. No fundo do poço há águas espantadas, sem patos a nadar, já não existem. O vento, agora, penteia-me no términos de um sono que me avassalou pelas colinas de um tempo embriagado, que me acaricia na leveza em forma de espelhos líquidos, que me percorre numa fracção de tempo esgotado, que me abraça nas asas em que me transporto para além de mim e do (teu) espelho em que te contemplas pelas manhãs.

Gostava de ser o espelho que te olha, logo pela manhã, antes de saíres para o dia agitado. Para de ti guardar os olhares, os cheiros, as cores. Tudo numa miscelânea que tu nem ninguém pode entender.
.
Foto:Marta Ferreira olhares com

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Paixão


Ficávamos no quarto até anoitecer, ao conseguirmos
situar num mesmo poema o coração e a pele quase podíamos
erguer entre eles uma parede e abrir
depois caminho à água.

Quem pelo seu sorriso então se aventurasse achar-se-ia
de súbito em profundas minas, a memória
das suas mais lonquínquas galerias
extrai aquilo de que é feito o coração.

Ficávamos no quarto, onde por vezes
o mar vinha irromper. É sem dúvida em dias de maior
paixão que pelo coração se chega à pele.
Não há então entre eles nenhum desnível.

Autor:Luís Miguel Nava
Foto:
Jowita Kubowicz

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

A palavra

Ah como eu queria
encontrar a palavra
que mesmo calada
tivesse a força
de ser tudo
sem dizer nada


Autor: Isabel Solano, in Errância 15-11-207
Foto:netiee

sábado, 4 de dezembro de 2010

A voz


Da tua voz
o corpo
o tempo já vencido

os dedos que me
vogam
nos cabelos

e os lábios que me
roçam pela boca
nesta mansa tontura
em nunca tê-los...

Meu amor
que quartos na memória
não ocupamos nós
se não partimos...

Mas porque assim te invento
e já te troco as horas
vou passando dos teus braços
que não sei
para o vácuo em que me deixas
se demoras
nesta mansa certeza que não vens

Autor:Maria Teresa Horta
Foto:Petrus olhares com

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

?

Não sei se isto é amor. Procuro o teu olhar,
Se alguma dôr me fere, em busca d’um abrigo;
E apesar d’isso, crês? Nunca pensei n’um lar
Onde fosses feliz, e eu feliz contigo.

Por ti nunca chorei nenhum ideal desfeito.
E nunca te escrevi nenhuns versos românticos.
Nem depois de acordar te procurei no leito,
Como a esposa sensual do Cântico dos Cantos

Se é amar-te não sei. Não sei se te idealizo
A tua côr sadia, o teu sorriso terno...
Mas sinto-me sorrir de vêr esse sorriso
Que me penetra bem, como esse sol de inverno.

Passo contigo a tarde, e sempre sem receio
Da luz crepuscular, que enerva, que provoca.
Eu não demoro o olhar na curva do teu seio
Nem me lembrei jámais de te beijar na boca.

Eu não sei se é amor. Será talvez começo.
Eu não sei que mudança a minha alma presente...
Amor não sei se o é, mas sei que te estremeço,
Que adoecia talvez de te saber doente.
.
Autor:Camilo Pessanha
In «Clepsydra», Relógio d’Água
Foto:Marysia.