A forma como eu entendo o Benfica passa por sentir que o clube deve estar no futebol sempre de uma forma ambiciosa - em Portugal e nas competições europeias. Foi assim que fui ensinado: noites contra equipas estrangeiras, noites gloriosas, antes e depois em confraternização com os adeptos das equipas que vinham à Luz, a experiência partilhada, o Benfica maior que o país.
A História deste clube revela-nos isso: transcendência, dentro e além-fronteiras. Quando, no final dos anos 50, houve quem pensasse o clube não apenas para uma hegemonia nacional mas para o elevar o Benfica a uma potência europeia e mundial. Sem medos, temores, traumas, preconceitos, mesquinhas formas de portugalidade reprimida. Esses homens viram largo, não se remeteram a objectivos pequeninos nem a estados de espírito coerentes com o que a miséria política do país perpetuava. O Benfica elevou-se porque teve gente com horizontes distantes e teve, claro, porque a ambição em si mesma não se resolve, gente de muito valor. Houve, portanto, dois principais factores para a consolidação do Benfica na Europa como melhor clube europeu da década de 60: sonho e competência. Um sem a outra, é utopia; a última sem o primeiro, incapacidade de transcendência, limites curtos.
Para mim, o Benfica deve estar programado para, em todas as épocas, lutar pelas provas nacionais e esperar grandes prestações europeias: a final como objectivo, mas se ela for inalcançável, ao menos conseguir chegar aos quartos ou meias-finais das provas. É assim que o Benfica se perpetua e consagra a sua própria História, não há segunda opção. Antes até das questões financeiras - que hoje são quase fins em si mesmos e não, como seria lógico, apenas meios - o que importa, ou devia importar, é o lado desportivo, a questão da competitividade e assumpção de grandeza. O Benfica deve impor-se sempre na Europa porque é essa a sua matriz fundamental e histórica - ao contrário, por exemplo, do Sporting, que sempre foi um clube com pouca capacidade para as disputas europeias; e até do Porto, que só a partir dos anos 80 assumiu objectivos europeus, embora para isso muito tenham contribuído as várias passadeiras vermelhas estendidas nas competições nacionais, que os libertavam para mais facilitadas disputas na Europa.
É, por isso, com muita pena minha que admito a nossa incapacidade actual para enfrentar os últimos quatro meses da época com possibilidades de sucesso em todas as provas. Custa-me que o Benfica não possa olhar para o futuro e pensar seriamente em ser Campeão Nacional e vencedor da Liga Europa. Custa-me, porque se houvesse competência em quem dirige o clube esta realidade poderia ser substancialmente diferente. Bastaria, para isso, que no Benfica se pensasse que os objectivos financeiros devem sempre estar atrelados ao que realmente importa: os objectivos desportivos. E que as pessoas percebessem que quanto mais troféus o Benfica ganhar (cá e no estrangeiro), mais dinheiro entrará nos cofres do clube - não são só as receitas vindas da UEFA, esse é apenas um pormenor; são as receitas advindas da satisfação generalizada dos adeptos.
O que as pessoas que governam o Benfica ainda não compreenderam (nem compreenderão, visto que muitas delas nem do Benfica são) é que o adepto e sócio do Benfica, se vê o clube vencer consecutivamente, dá tudo e mais alguma coisa. Compra camisolas, vai aos jogos, paga cartões de sócio aos amigos e à família, chama outros para o estádio, dá presentes relacionados com o clube, promove a ida aos espaços comerciais do estádio, empolga-se, compra red pass. Esta valorização do «activo» adepto benfiquista é desprezada por uma lógica de "clientela" e ainda por cima uma lógica incompetente, mal-educada, absurda, desfasada, desconhecedora do que é o benfiquismo e de como ele pode ser potenciado. Até para as questões financeiras, esta gente é incompetente. Por um simples motivo: falta-lhes o lado emocional. Paradoxo? Não, uma evidência. Um clube, por mais que nos vendam a ideia, não é uma empresa. Pode ser gerida com profissionalismo - deve, aliás, ser gerida com profissionalismo -, mas um profissionalismo apaixonado. Um gestor deve saber de contas e do clube. Um dirigente deve conhecer a fundo o que faz mover os benfiquistas pela simples razão de que ele deve ser... um deles, e não um adepto de outro clube (que é moda na nossa Direcção).
Já o escrevi algumas vezes, o exemplo melhor para compreendermos o actual pensador das questões financeiras do Benfica é este: em vez de pensar em ter 50.000 adeptos por 10 euros no estádio, não se importa de ter 10.000 adeptos por 50 euros. Esta fórmula define completamente a diferença entre ser-se gestor e benfiquista e ser-se apenas gestor. Para DSO, não interessa se o estádio está quase cheio ou quase vazio. Interessa saber, no final do jogo, que entraram 500.000 nas contas do clube. Não percebe, porque não sente o clube, que se estiverem 50.000 pessoas no estádio, a equipa mais provavelmente ganhará o jogo. Não percebe, porque não sente o clube, que se estiverem 50.000 pessoas no estádio, no próximo jogo muitas delas virão outra vez. Não percebe, porque não sente o clube, que se estiverem 50.000 pessoas no estádio, esses vão falar do jogo para casa e para o café e para a empresa e para o banco e para o autocarro e vão, a curto, médio e longo prazo, trazer mais gente para dentro do estádio. Não percebe, porque não sente o clube, que se estiverem 50.000 pessoas no estádio, o benfiquismo propaga-se e evolui. Não percebe porque não é do Benfica. E isso é algo de profundamente absurdo, que nenhuma teoria de "profissionalização" me consegue convencer. A menos que me digam que num universo de milhões de adeptos do clube não há nenhum gestor BENFIQUISTA com capacidade para fazer melhor do que o trabalho incompetente de um lagarto.
O mais bizarro ainda é o facto de nem em termos financeiros este gestor conseguir compreender as dinâmicas do clube. Podia ignorar a importância desportiva que um estádio cheio potencia, mas compreender ao menos as mais-valias financeiras de tê-lo sempre composto com pelo menos 50.000 adeptos. Podia ignorar o que é a confraternização em dia de jogo, mas pensar a possibilidade de receitas superiores em merchandising e quotização por ter o estádio com pelo menos 50.000 adeptos. Podia desconhecer o valor intrínseco da alegria que os emigrantes têm em ver na televisão um estádio pintado a vermelho, mas potenciar a venda de cartões de sócio e camisolas junto das comunidades no estrangeiro. Nada disto Domingos Soares Oliveira compreende e muito menos sente. E é por isso que o Benfica nada ganha em termos desportivos e corre dramaticamente para um fosso financeiro de onde só muito dificilmente sairá se não se inverterem as estratégias - desportivas e financeiras.
De modo que, com muita pena minha, teremos de desprezar a nossa História no futebol europeu. Com um plantel absurdamente desequilibrado (que nem em Janeiro souberam dotar de soluções para as evidentes lacunas que ele tem), a única hipótese, já por si muito remota, de sermos campeões passa inexoravelmente por... sermos já eliminados contra o Leverkusen.
Lá estarei no Estádio a apoiar, porque não consigo querer uma derrota do Benfica. Lembrar-me-ei do golo do Isaías que festejei com o meu Pai já com meio-estádio a descer as escadas do terceiro anel, pensarei no Ulrich Haberland e nos seus mágicos 4-4, sonharei com a vitória. Mas, lá no fundinho, no pragmático que há em mim, se no final do jogo na Luz tivermos sido eliminados, ao menos terei a certeza de que pelo menos ainda haverá uma pequena esperança de sermos campeões.