Estou de volta... como a primavera!

"Regresso devagar ao teu
sorriso como quem volta a casa..."

Manuel Antonio Pina

quinta-feira, 27 de junho de 2013

"O Mundo Está Prestes a Rebentar"


Fotografia de Lucy Nuzum

Não olhes.
O mundo está prestes a rebentar.
Não olhes.
O mundo está prestes a despejar a sua luz
E a lançar-nos no abismo das suas trevas,
Aquele lugar negro, gordo e sem ar
Onde nós iremos matar ou morrer ou dançar ou chorar
Ou gritar ou gemer ou chiar que nem ratos
E ver se conseguimos de novo um ponto de partida.

Harold Pinter


quarta-feira, 26 de junho de 2013

"Secreto"


Arte de Maria Amaral

Antes eu não sabia
porque é que se deve
- dia após dia –
andar sempre em frente
até como se diz
o corpo aguentar.

Agora sei.
Se vieres comigo
digo-te.

José Agustin Goytisolo


terça-feira, 25 de junho de 2013

"Oração Aos Vivos Para Que Sejam Perdoados Por Estarem Vivos


Fotografia de Aernout Overbeeke

Eu suplico-vos
fazei qualquer coisa
aprendei um passo
uma dança
alguma coisa que vos justifique
que vos dê o direito
de vestir a vossa pele o vosso pêlo
aprendei a andar e a rir
porque será completamente estúpido
no fim
que tantos tenham sido mortos
e que vós viveis
sem nada fazer da vossa vida.

Charlotte Delbo


segunda-feira, 24 de junho de 2013

"Mãos Astutas de Princesa"


Arte de Peter Mitchev

Debaixo do colchão tenho guardado
o coração mais limpo desta terra
como um peixe lavado pela água
da chuva que me alaga interiormente
Acordo cada dia com um corpo
que não aquele com que me deitei
e nunca sei ao certo se sou hoje
o projeto ou memória do que fui
Abraço os braços fortes mas exatos
que à noite me levaram onde estou
e, bebendo café, leio nas folhas
das árvores do parque o tempo que fará
Depois irei ali além das pontes
vender, comprar, trocar, a vida toda acesa;
mas com cuidado, para não ferir
as minhas mãos astutas de princesa.

António Franco Alexandre


domingo, 23 de junho de 2013

"Janela Sobre Uma Mulher"


Arte de Patrick Palmer

Essa mulher é uma casa secreta.
Em seus cantos, guarda vozes e esconde fantasmas.
Nas noites de inverno, jorra fumaça.
Quem entra nela, dizem, não sai nunca mais.
Eu atravesso o fosso profundo que a rodeia. Nessa
casa serei habitado. Nela me espera o vinho que me
beberá. Muito suavemente bato na porta, e espero.

Eduardo Galeano


sábado, 22 de junho de 2013

"Duas"



Somos duas 
Não gêmeas, ambas fêmeas, 
Somos duas. 
Uma destra, outra sinistra, 
Uma levada, outra anarquista. 
Uma sofisticada, outra caseira, 
Uma bem amada, outra presepeira. 

Somos duas. 
Uma que ama, outra que reclama. 
Uma que vence, outra que convence. 
Uma que estuda, outra arquiteta. 
Uma selvagem, outra irrequieta. 

Somos duas. 
Uma te quer, outra te repele 
Uma é mulher, outra mademoiselle. 
Uma sente muito, outra é prisioneira. 
Uma guarda tudo, outra é fuxiqueira. 

Somos duas. 
Uma livre, libertina. 
Outra simples, na cozinha. 
Uma ardente, sensual. 
Outra silente, casual.

Somos duas 
Somos opostas 
Somos compostas 
Somos dispostas 
A ser uma só. 

Lílian Maial


sexta-feira, 21 de junho de 2013

"De Perguntas e Desafinos"

Arte de Cesar Prada

que acorde é esse
que sintonia é essa
que te deixa adormecida
tão fora do tom
não mantendo a forma do acordo
feito com a outra face no espelho?

que face é essa
que esconde o choro
do samba rasgado
e te derrama em jazz
ou em valsa solo?

(com quantos bemóis
se faz o limite do desafino?)

Beth Almeida


quinta-feira, 20 de junho de 2013

"Encontro"


Arte de Denis Nolet

Visito esse lugar.
Procuro-te nesse recanto habitual.
Sei que não estarás lá,
mas finjo ignorá-lo,
procuro pensar que saíste,
que saíste há pouco,
numa ausência breve,
como se tivesses saído
para logo regressares.
Quando chegasses, se tu chegasses,
dir-te-ia: Tu lembras-te?
E o verbo acordaria ecos,
nostalgias distantes,
velhos mitos privados.
Sei que não virás,
conjecturo até, por vezes,
teus distantes, inúteis
diálogos numa praça gris
que imagino em tarde de invernia.
Então disfarço, ponho-me
a inventar, por exemplo,
uma longilínea praia deserta,
uma fina, fria, nebulosa
praia
muito silenciosa e deserta.
Pensando nela fito de novo
este lugar e digo para mim
que apenas partiste
por um breve instante.
E sigo. E de novo protelo
este encontro impossível.

Rui Knopfli

quarta-feira, 19 de junho de 2013

"Pouco Esperar"

Arte de Danny O'Connor

Guardas tudo de mim –
não sei se entendes
a ternura da dádiva –
também não te pergunto…
Para quê?
O meu amor é isto:
desejar-te em segredo
pouco esperar do que vier de ti
E nada te pedir.

Maria Aurora Carvalho Homem


terça-feira, 18 de junho de 2013

"Tu"


Fotografia de Andrzej Kciuk

Quando não estás,
são íngremes os muros dos dias
e o frio é fundo…

Tu: palavra de ordem
Santo-e-Senha
Manifesto
de mim.

Teresa Sá Couto


segunda-feira, 17 de junho de 2013



Nos dias tristes não se fala de aves.
Liga-se aos amigos e eles não estão
e depois pede-se lume na rua
como quem pede um coração
novinho em folha.

Nos dias tristes é inverno
e anda-se ao frio de cigarro na mão
a queimar o vento e diz-se
- bom dia!
às pessoas que passam
depois de já terem passado
e de não termos reparado nisso.

Nos dias tristes fala-se sozinho
e há sempre uma ave que pousa
no cimo das coisas
em vez de nos pousar no coração
e não fala conosco.

Filipa Leal


domingo, 16 de junho de 2013

"Testamento"


Arte de Ivan Alifan

Eu, 
Lucille Clifton, 
por este meio atesto
que naquele quarto
havia uma luz
e nessa luz
havia uma voz
e nessa voz
havia um suspiro
e nesse suspiro
havia um mundo.

Um mundo um suspiro uma voz uma luz e
eu
sozinha
num quarto.

Lucille Clifton


sábado, 15 de junho de 2013

"Maiwu"


Arte de Michèle Sato

o pretérito circula
na espiral de labirintos
no tempo sem fim

na dor que hoje vaza 
na rigidez dos erros
na penumbra da casa

mas no caracol esperança
o sorriso cintila
ao renascimento do amanhã

Michèle Sato


sexta-feira, 14 de junho de 2013

"Décimo Andar"


Fotografia de Tommy Ingberg

Há os que optam por fechar os mortos
à chave
nos sotãos ou na cave
da memória
Por mim prefiro deixar os meus à solta
a povoar o meu dia e o jardim suspenso
do meu décimo andar
como pássaro poisando
como músicas indo e vindo
no vento.

Teresa Rita Pinto


quinta-feira, 13 de junho de 2013

"Vespertino"



A tarde cai num silêncio de cansaços 
do sul as nuvens chegam 
como flâmulas 
e sobre nós respiram 
leves as folhas 
de sobreiros e acácias
que perduram

sobre o muro 
esquecido 
aberto o livro:

«não conheci o desvario do amor senão quando me esforcei 
de todas as maneiras por curar-me dele»

eu amava estes lugares onde as sílabas fulgem a floração do corpo

mas as palavras já não têm tal rosto

na tarde que finda 
compõem ainda uma gramática –
a do silêncio

Soledade Santos


Interlúdio com ...

Will You Still Love Me Tomorrow - Norah Jones

Will You Still Love Me Tomorrow

Norah Jones

Tonight you're mine completely
You give your love so sweetly
Tonight the light of love is in your eyes
Will you still love me tomorrow?

Is this a lasting treasure
or just a moment pleasure?
Can I believe the magic of your sight?
Will you still love me tomorrow?

Tonight with words unspoken
You said that I'm the only one
But will my heart be broken
When the night meets the morning sun?

I like to know that your love
This know that I can be sure of
So tell me now cause I won't ask again
Will you still love me tomorrow?

Will you still love me tomorrow?
Will you still love me tomorrow?...

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