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segunda-feira, 13 de outubro de 2014

ALONGO-ME



O rio nasce 
toda a vida. 
Dá-se 
ao mar a alma vivida. 
A água amadurecida 
a face 
ida. 
O rio sempre renasce. 
A morte é vida. 

JOÃO GUIMARÃES ROSA 
In Magma, 1936



terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

PRIMAVERA NA SERRA



Claridade quente da manhã vaidosa.
O sol deve ter posto lente nova,
E areou todas as manchas,
Para esperdiçar luz.

Dez esquadrilhas de periquitos verdes
Receberam ordem de partida,
Deixando para as araras cor de fogo,
O pequizeiro morto.
E a árvore, esgalhada e seca, se faz verde,
Vermelhe e castanha, entre os mochoqueiros,
Braúnas, jatobás e imbaúbas do morro,
Na paisagem que um pinto daltônico
Pincelou no dorso de um camaleão.

E o lombo da serra é tão bonito e claro,
Que até uma coruja,
Tonta e míope na luz,
Com grandes óculos redondos,
Fica trepada no cupim, o dia inteiro,
Imóvel e encolhida, admirando as cores,
Fatigada, talvez, de tanta erudição...


 João Guimarães Rosa,
In Magma

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

SAUDADE



Saudade
Saudade de tudo!...
Saudade, essencial e orgânica,
de horas passadas,
que eu podia viver e não vivi!...
Saudade de gente que não conheço,
de amigos nascidos noutras terras,
de almas órfãs e irmãs,
de minha gente dispersa,
que talvez até hoje ainda espere por mim...
Saudade triste do passado,
saudade gloriosa do futuro,
saudade de todos os presentes
vividos fora de mim!...
Pressa!...
Ânsia voraz de me fazer em muitos,
fome angustiosa da fusão de tudo
sede da volta final
da grande experiência:
uma só alma em um só corpo,
uma só alma-corpo,
um só,
um!...
Como quem fecha numa gota
o Oceano
afogado no fundo de si mesmo...

- João Guimarães Rosa,
 in 'Magma'.