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segunda-feira, 30 de setembro de 2013

A ROMÃ



Mal se confrange na haste a corola sangrenta 
E o punício vigor das pétalas descora. 
Já no ovário fecundo e intumescido, aumenta 
O escrínio em que retém os seus tesouros. Flora! 

E ei-la exsurge a Romã. Fruta excelsa e opulenta 
Que de acesos rubis os lóculos colora 
E à casca orbicular, áurea e eritrina ostenta 
O ouro do entardecer e o paunásio da aurora! 

Fruta heráldica e real, em si, traz à coroa 
Que o cálice da flor lhe pôs com o mesmo afago 
Com que a Mãe Natureza os seres galardoa! 

Porém a forma hostil, de arremesso e de estrago, 
Lembra um dardo mortal que o espaço cruza e atroa 
Nos prélios ancestrais de Roma e de Cartago! 


Emílio de Menezes











GOTA D’ÁGUA



Olha a paisagem que enlevado estudo!... 
Olha este céu no centro! olha esta mata 
E este horizonte ao lado! olha este rudo 
Aspecto da montanha e da cascata!... 

E o teu perfil aqui sereno e mudo! 
Todo este quadro que a alma me arrebata, 
Todo o infinito que nos cerca, tudo! 
D'água esta gota ao mínimo retrata!... 

Chega-te mais! Deixa lá fora o mundo! 
Vê o firmamento sobre nós baixando; 
Vê de que luz suavíssima me inundo!... 

Vai teus braços, aos meus, entrelaçando, 
Beija-me assim! vê deste azul no fundo, 
Os nossos olhos mudos nos olhando!... 


Emílio de Menezes

O PEIXE



Do mar, ao fundo, o sol, em misteriosa aurora, 
Dos corais da Abissínia a floresta alumia, 
Banhando, à profundez da tépida bacia 
A fauna que floresce e a palpitante flora. 

E tudo o que do oceano o iodo ou o sal colora 
A anêmona marinha, as algas de haste esgula, 
Põe suntuoso desenho em púrpura sombria 
Na pedra verminosa onde o pólipo mora. 

Amortecendo o brilho à retulgente escama, 
Um grande peixe vaga entre a enlaçada rama; 
Da água as ondas, em torno, indolente desfalda. 

Mas súbito ele agita a barbatana ardente, 
E à tona do cristal azulado e dormente, 
Corre um rastilho de ouro e nácar e esmeralda! 


Emílio de Menezes


sábado, 28 de setembro de 2013

TARDE NA PRAIA


A Leal de Souza 

Quando, à primeira vez, lhe vi a grandeza, 
Foi nos tempos da longe meninice. 
E quedei-me à mudez de quem sentisse 
A alma de pasmos e terrores presa. 

Depois, na mocidade, a olhá-lo, disse: 
É moço o mar na força e na beleza! 
Mas, ao dia apagado e à noite acesa, 
Hoje o sinto entre as brumas da velhice. 

Distanciado de escarpas e barrancos, 
Vejo a morrer-me aos pés, calmo, ao abrigo 
Das grandes fúrias e os hostis arrancos. 

E ao contemplá-lo assim, tristonho digo, 
Vendo-lhe, à espuma, os meus cabelos brancos: 
O velho mar envelheceu comigo! 


Emílio de Menezes,
in  Últimas rimas (1917).