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sexta-feira, 31 de julho de 2015

DESCRIÇÃO





Há uma água clara que cai sobre pedras escuras
e que, só pelo som, deixa ver como é fria.

Há uma noite por onde passam grandes estrelas puras.
Há um pensamento esperando que se forme uma alegria.

Há um gesto acorrentado e uma voz sem coragem,
e um amor que não sabe onde é que anda o seu dia.

E a água cai, refletindo estrelas, céu, folhagem...
Cai para sempre!

E duas mãos nela mergulham com tristeza,
deixando um esplendor sobre a sua passagem.

(Porque existe um esplendor e uma inútil beleza
nessas mãos que desenham dentro da água sua viagem
para fora da natureza,

onde não chegará nunca esta água imprecisa,
que nasce e desliza, que nasce e desliza...)



Cecília Meireles
In 'Viagem'

segunda-feira, 25 de maio de 2015

PRIMEIRO PÁSSARO




Chega e canta.
Canta e escuta:
Para e escuta:
com os ouvidos, com os olhos, com as penas.

O silencio da manhã é um longo muro, ainda,
entre este mundo e o céu.

Escuta e canta.
Canta e para.
Para e parte.

Devia ser a primavera.
Mas não houve resposta.

Na solidão se perde o inquieto canto prematuro.
Perde-se no silencio o antecipado pássaro.
talvez triste.  



Cecília Meireles
In: Poemas Italianos 

sábado, 23 de maio de 2015

ROSA




Vim pela escada de espinhos.
(Mais durável esse esforço que o esplendor.)

Depois de ascensão tão longa,
qualquer vento, qualquer chuva
converte-me em queda e pó.

Quando se vê a coroa
que eu trazia, já não sou.

Entre espinhos e derrotas,
qual é meu tempo de flor?


Cecília Meireles
Dispersos -1960-

quinta-feira, 21 de maio de 2015

AMOR PERFEITO




Suas cores são as de outrora,
com muito pouca diferença:
o roxo foi-se quase embora,
o amarelo é vaga presença.
E em cada cor que se evapora
vê-se a luz do jardim suspensa.

Tão fina foi a vida sua,
tão fina é a morte em que descansa!
Mais transparente do que a lua,
mais do que as borboletas mansa!
Tanto o seu perfil atenua
que, em peso, é menos que a lembrança.

Veludo de divinos teares,
hoje seda seca e abolida,
preserva os vestígios solares
de que era feita a sua vida:
frágil coração, capilares
de circulação colorida.

Se o levantar entre meus dedos,
pólen de tardes e sorrisos
cairá com tímidos segredos
de tempos certos e imprecisos.
Ó cinco pétalas, ó enredos
de sentimentais paraísos!

Mas de leve gota pousada
no veludo, - mole diamante
que foi a resposta da amada,
que foi a pergunta do amante –
dela não se verá mais nada:
perdeu-se no vento inconstante.


Cecília Meireles
in Mar Absoluto

domingo, 17 de maio de 2015

DEUS DANÇA





Seus curvos pés em movimento
eram luas crescentes de ouro
sobre nuvens correndo ao vento.

Como no jogos malabares,
ele atirava o seu tesouro
e apanhava-o com a mão nos ares...

Era o seu tesouro de estrelas,
de planetas, de mundos, de almas...
Ele atirava-o rindo pelas

Imensidões sem horizontes:
tinha todo o espaço nas palmas
e o zodíaco em torno a fronte.

Eu o vi dançando, ardente e mudo,
a dança cósmica do Encanto.
Unicamente abismo – tudo

quanto no seu cenário existe!
Que vale o que valia tanto?
Eu o vi dançando e fiquei triste...


Cecília Meireles
In: ‘Vaga Música’

domingo, 3 de maio de 2015

OS CARNEIRINHOS




Todos querem ser pastores,
Quando encontram, de manhã,
Os carneirinhos,
Enroladinhos
Como carretéis de lãs.

Todos querem ser pastores
E ter coroas de flores
E um cajadinho na mão
E tocar uma flautinha
E soprar numa palhinha
Qualquer canção.

Todos querem ser cantores
Quando a estrela da manhã
Brilha só, no céu sombrio,
Vão descendo os carneirinhos
Como carretéis de lãs...


Cecília Meireles,
in Ou isto ou aquilo.

sábado, 25 de abril de 2015

POEMA 16


Arte de Leonid Afremov


Sono sobre a chuva
que, entre o céu e a terra,
tece a noite fina.

Tece-a com desenhos
de amigos que falam,
de ruas que voam,
de amor que se inclina,

de livros que se abrem,
de face incompleta
que, inerme, deplora
com palavras mudas
e não raciocina...

Sobre a chuva, o sono:
tão leve, que mira
todas as imagens
e ouve, ao mesmo tempo,
longa, paralela,
a canção divina

dos fios imensos
que, nos teares de água,
entre o céu e a terra,
o tempo separa 
e a noite combina.


Cecília Meireles
In Metal Rosicler






quarta-feira, 22 de abril de 2015

EPIGRAMA nº 5



Gosto de gota d'água que se equilibra 
na folha rasa, tremendo ao vento. 

Todo o universo, no oceano do ar, secreto vibra: 
e ela resiste, no isolamento.
 
Seu cristal simples reprime a forma, no instante incerto: 
pronto a cair, pronto a ficar - límpido e exato. 

E a folha é um pequeno deserto 
para a imensidade do ato. 


Cecília Meireles ,
in Viagem


sexta-feira, 27 de março de 2015

CANTIGA OUTONAL





Outono. As árvores pensando ...
Tristezas mórbidas no mar ...
O vento passa, brando ... brando ...
E sinto medo, susto, quando
Escuto o vento assim passar ...

Outono. Eu tenho a alma coberta
De folhas mortas, em que o luar
Chora, alta noite, na deserta
Quietude triste da hora incerta
Que cai do tempo, devagar ...

Outono. E quando o vento agita,
Agita os galhos negros, no ar,
Minha alma sofre e põe-se aflita,
Na inconsolável, na infinita
Pena de ter de se esfolhar ...



Cecília Meireles
In Nunca Mais e Poema dos Poemas


domingo, 22 de março de 2015

CONTEMPLAÇÃO




Não acuso. Nem perdôo.
Nada sei. De nada.
Contemplo.

Quando os homens apareceram
eu não estava presente.
Eu não estava presente,

quando a terra se desprendeu do sol.
Eu não estava presente,
quando o sol apareceu no céu.
E antes de haver o céu,
EU NÃO ESTAVA PRESENTE.

Como hei de acusar ou perdoar?
Nada sei.
Contemplo
.
Parece que às vezes me falam.
Mas também não tenho certeza.
Quem me deseja ouvir, nestas paragens
onde somos todos estrangeiros?
Também não sei com segurança, muitas vezes,
da oferta que vai comigo, e em que resulta,
pois o mundo é mágico!
Tocou-se o Lírio e apareceu um Cavalo Selvagem.
E um anel no dedo pode fazer desabar da lua um temporal.

Já vês que me enterneço e me assusto,
entre as secretas maravilhas.
E não posso medir todos os ângulos do meu gesto.

Noites e noites, estudei devotamente
nossos mitos, e sua geometria.

Por mais que me procure, antes de tudo ser feito,
eu era amor. Só isso encontro.
Caminho, navego, vôo,
- sempre amor.
Rio desviado, seta exilada, onda soprada ao contrário,
- mas sempre o mesmo resultado: direção e êxtase.
À beira dos teus olhos,
por acaso detendo-me,
que acontecimentos serão produzidos
em mim e em ti?

Não há resposta.
Sabem-se os nascimentos 
quando já foram sofridos.

Tão pouco somos, - e tanto causamos,
com tão longos ecos!
Nossas viagens têm cargas ocultas, de desconhecidos vínculos.

Entre o desejo do itinerário, uma lei que nos leva
age invisível e abriga 
mais que o itinerário e o desejo.

Que te direi, se me interrogas?
As nuvens falam?
Não. As nuvens tocam-se, passam, desmancham-se.
Às vezes, pensa-se que demoram, parece que estão paradas...
Confundiram-se.

E até se julga que dentro delas andam estrelas e planetas.
Oh, aparência...Pode talvez andar um tonto pássaro perdido.
Voz sem pouso, no tempo surdo.

Não acuso nem perdôo.
Que faremos, errantes entre as invenções dos deuses?

Eu não estava presente, quando formaram 
a voz tão frágil dos pássaros.

Quando as nuvens começaram a existir,
qual de nós estava presente?


Cecília Meireles
In: Mar Absoluto








PROVÍNCIA




Cidadezinha perdida
no inverno denso de bruma,
que é de teus morros de sombra,
do teu mar de branda espuma,

das tuas árvores frias
subindo das ruas mortas?
Que é das palmas que bateram
na noite das tuas portas?

Pela janela baixinha,
viam-se os círios acesos,
e as flores se desfolhavam
perto dos soluços presos.

Pela curva dos caminhos,
cheirava a capim e a orvalho
e muito longe as harmônicas
riam, depois do trabalho.

Que é feito da tua praça,
onde a morena sorria
com tanta noite nos olhos
e, na boca, tanto dia?

Que é feito daquelas caras
escondendo o seu segredo?
Dos corredores escuros
com paredes só de medo?

Que é feito da minha vida?
abandonada na tua,
do instante de pensamento
deixado nalguma rua?

Do perfume que me deste,
que nutriu minha existência
e hoje é um tempo de saudade,
sobre a minha própria ausência?

Cecília Meireles,
in Viagem




À HORA EM QUE OS CISNES CANTAM





Nem palavras de adeus, nem gestos de abandono.
Nenhuma explicação. Silêncio. Morte. Ausência.
O ópio do luar banhando os meus olhos de sono...
Benevolência. Inconsequência. Inexistência.

Paz dos que não têm fé, nem carinho, nem dono...
Todo o perdão divino e a divina clemência!
Oiro que cai dos céus pelos frios do outono...
Esmola que faz bem... - nem gestos, nem violência...

Nem palavras.Nem choro. A mudez. Pensativas
abstrações. Vão temor de saber. Lento, lento
volver de olhos, em torno, augurais e espectrais...

Todas as negações. Todas as negativas.
Ódio? Amor? Ele? Tu? Sim? Não? Riso? Lamento?
- Nenhum mais. Ninguém mais. Nada mais. Nunca mais...

Cecília Meireles
In 'Nunca Mais e Poema dos Poemas'1923


terça-feira, 16 de dezembro de 2014

ORÁCULO




Quieta coruja do bosque negro,
onde o azul-indigo e o verde gaio?
Nos teus rios? No monte grego?
Ou na Fenicia praia?

Agora, tarde. Mas, ontem, cedo.
Árvore exausta. Cansado remo.
Clássica luz de maio.

Ah! fuga antiga! Nas águas crespas,
oscilam juntos Polibio e Laio.
Sempre serpentes bebendo
estrelas.
E um vento que desmaia.

Dança Eufrosina por cinzas Tênues.
E a transparente sombra de Tália
move na areia seus vãos desenhos.
-Só nas nuvens Aglaia!

Cecília Meireles,
in Vaga Música


sábado, 13 de dezembro de 2014

CONTEMPLAÇÃO





Não acuso. Nem perdôo.
Nada sei. De nada.
Contemplo.

Quando os homens apareceram
eu não estava presente.
Eu não estava presente,
quando a terra se desprendeu do sol.
Eu não estava presente,
quando o sol apareceu no céu.
E antes de haver o céu,
EU NÃO ESTAVA PRESENTE.

Como hei de acusar ou perdoar?
Nada sei.
Contemplo.

Parece que às vezes me falam.
Mas também não tenho certeza.
Quem me deseja ouvir, nestas paragens
onde somos todos estrangeiros?
Também não sei com segurança, muitas vezes,
da oferta que vai comigo, e em que resulta,
pois o mundo é mágico!
Tocou-se o Lírio e apareceu um Cavalo Selvagem.
E um anel no dedo pode fazer desabar da lua um temporal.

Já vês que me enterneço e me assusto,
entre as secretas maravilhas.
E não posso medir todos os ângulos do meu gesto.

Noites e noites, estudei devotamente
nossos mitos, e sua geometria.

Por mais que me procure, antes de tudo ser feito,
eu era amor. Só isso encontro.
Caminho, navego, vôo,
- sempre amor.
Rio desviado, seta exilada, onda soprada ao contrário,
- mas sempre o mesmo resultado: direção e êxtase.
À beira dos teus olhos,
por acaso detendo-me,
que acontecimentos serão produzidos
em mim e em ti?

Não há resposta.
Sabem-se os nascimentos 
quando já foram sofridos.

Tão pouco somos, - e tanto causamos,
com tão longos ecos!
Nossas viagens têm cargas ocultas, de desconhecidos vínculos.

Entre o desejo do itinerário, uma lei que nos leva
age invisível e abriga 
mais que o itinerário e o desejo.

Que te direi, se me interrogas?
As nuvens falam?
Não. As nuvens tocam-se, passam, desmancham-se.
Às vezes, pensa-se que demoram, parece que estão paradas...
Confundiram-se.

E até se julga que dentro delas andam estrelas e planetas.
Oh, aparência...Pode talvez andar um tonto pássaro perdido.
Voz sem pouso, no tempo surdo.

Não acuso nem perdôo.
Que faremos, errantes entre as invenções dos deuses?

Eu não estava presente, quando formaram 
a voz tão frágil dos pássaros.

Quando as nuvens começaram a existir,
qual de nós estava presente?


Cecília Meireles
In: Mar Absoluto


domingo, 30 de novembro de 2014

RUA



Procuro a rua
que ainda me resta:
é longa, é alta,
não é essa. 

Esqueço o nome,
por sono ou pressa:
é alta, é clara,
mas não é esta. 

Em cada esquina
havia festa:
é clara, é vasta,
não é essa. 

Nunca me lembro
onde começa:
é vasta, é longa,
mas não é esta. 

Rua que não
se manifesta:
é longa, é alta,
não é essa.


Cecília Meireles,
in Poesia Completa
Sonhos 


CÂNTICO I





Não queiras ter Pátria.
Não dividas a Terra.
Não dividas o Céu.
Não arranques pedaços ao mar.
Não queiras ter.
Nasce bem alto, 
Que as coisas todas serão tuas.
Que alcançarás todos os horizontes.
Que o teu olhar, estando em toda parte
te ponha em tudo, 
como Deus.

Cecilia Meireles
In: Cânticos 






quarta-feira, 19 de novembro de 2014

APONTAMENTO




Ó noite, ó noite, ó noite!
Luar e primavera
e os telhados cobrindo
sonhos que a vida gera!

Subo por essas horas
solitária e sincera, 
e encontro, exausta e pura, 
minha alma que me espera.


Cecília Meireles
In: Poesia Completa

domingo, 9 de novembro de 2014

TRÊS ORQUÍDEAS



As orquídeas do mosteiro fitam-me com seus olhos roxos.
Elas são alvas, toda pureza,
com uma leve mácula violácea para uma pureza de sonho triste, um dia.
Que dia? Que dia? Dói-me a sua brevidade.
Ah! não vêem o mundo. Ah! não me vêem como eu as vejo.
Se fossem de alabastro seriam mais amadas?
Mas eu amo o terno e o efêmero e queria fazer o efêmero eterno.

As três orquídeas brancas eu sonharia que durassem,
com sua nervura humana,
seu colorido de veludo,
a graça leve do seu desenho,
o tênue caule de tão delicado verde.
Que elas não vêem o mundo, que o mundo as visse.
Quem pode deixar de sentir sua beleza?
Antecipo-me em sofrer pelo seu desaparecimento.
E aspira sobre elas a gentileza igualmente frágil, a gentileza floril
da mão que as trouxe para alegrar a minha vida.

Durai, durai, flores, como se estivésseis ainda
no jardim do mosteiro amado onde fostes colhidas,
que escrevo para perdurares em palavras,
pois desejaria que para sempre vos soubessem,
alvas, de olhos roxos (ah! cegos?)
com leves tristezas violáceas na brancura de alabastro.

Cecília Meireles
In "Flor de Poemas" 








MARINHA




O BARCO é negro sobre o azul.

Sobre o azul, os peixes são negros.

Desenham malhas negras as redes, sobre o azul.

Sobre o azul, os peixes são negros.
Negras são as vozes dos pescadores,
atirando-se palavras no azul.

É o último azul do mar e do céu.

A noite já vem, dos lados de Burma,
toda negra,
molhada de azul.

- a noite que chega também do mar.

Cecilia Meireles.
In Poemas escritos na ìndia


CAVALO BRANCO




Cavalo branco
de crinas de ouro
buscando o trevo
entre as margaridas, 

que é da fortuna
da donzelinha,
solta da sela
em várzeas antigas?

E as velhas fontes
contam histórias,
tristes, risonhas,
de terras perdidas,

e as lavadeiras
detrás dos muros
cantam, muito alto,
chorosas cantigas.

Cavalo branco
de crinas de ouro,
mostra-me o trevo
entre as margaridas!

Cecília Meireles
In: Canções